RIO - Uma figura de 30 centímetros de comprimento e 20 de largura, cravada numa pedra em Minas Gerais, pode ajudar a explicar como se deu a ocupação humana das Américas. Trata-se do mais antigo petróglifo — leia-se: gravura talhada na rocha — conhecido no continente. Sua divulgação hoje, na revista “PLoS One” ressuscita uma antiga polêmica: como e por onde chegamos aqui.
A teoria mais aceita é de que nossos antepassados atravessaram o Estreito de Bering, entre a Rússia e o Alasca, cerca de 12 mil anos atrás. Esta data, no entanto, é alvo de controvérsia. E a imagem mineira dá voz a esses opositores: ela teria sido feita há até 10,4 mil anos. De acordo com seus descobridores, seria difícil que o homem conseguisse atravessar daquele estreito ao Sudeste brasileiro em menos de 20 séculos, adaptando-se a todos os ecossistemas que estão no caminho.
É difícil encontrar petróglifos como este, possíveis de serem datados. Afinal, ao contrário das gravuras rupestres, não há material orgânico que facilite o trabalho dos cientistas. No sítio arqueológico de Lagoa Santa, onde ocorreu esta descoberta, foi diferente.
— Tivemos a sorte enorme de encontrar vestígios de uma fogueira sobre o desenho, que estava a 4 metros de profundidade — explica o bioantropólogo Walter Neves, do Instituto de Biociências da USP, autor principal do artigo publicado hoje. — O carvão seria de 9,5 mil anos atrás. Então, o grafismo teria essa idade, ou então um pouco mais, talvez 10,4 mil anos.
Rito de fertilidade ou apelo sexual
Falta, porém, saber o que significa a imagem. Neves admite que uma resposta definitiva pode demorar — se é que virá. Segundo o arqueólogo, o grafismo provavelmente faz parte de um painel maior, e o resto dele ainda está sob o chão, à espera de novas escavações, e não há nenhuma prevista para aquela área.
— Fizemos o nosso trabalho na região entre 2000 e 2009, e nos deparamos com esta imagem nos últimos momentos — lembra. — Muito provavelmente ela reproduziria algum rito. Em um sítio arqueológico vizinho, este tipo de figura aparece associado a mulheres grávidas e cenas de parto. É possível, então, que tenhamos visto uma parte de um painel alusivo a cenas de fertilidade.
Coordenador da escavação, Danilo Vicensotto, pesquisador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP, tem uma interpretação mais ousada.
— A equipe, de brincadeira, apelidou a imagem de Paradinho. Parece difícil ver uma figura humana representada ali. Poderia ser uma, e com um pênis superestimado. — explica. — Temos necessidades básicas, como procriar. Imagino que fosse um chamariz sexual para as fêmeas do grupo.
Uma década quase inteira de escavações trouxe outras surpresas para os pesquisadores. Vinte e sete sepultamentos humanos foram exumados. Todos seriam de um período entre 7 mil e 9 mil anos atrás, e, portanto, devem corresponder ao mesmo povo que talhou o Paradinho.
Trata-se de uma população conhecida pelos arqueólogos. É o povo de Luzia, o fóssil humano mais antigo do continente, que teria 11 mil anos e também foi recuperado ali. Os nativos de Lagoa Santa reuniam-se em grupos de cinco a 30 pessoas — eram tribos pequenas, porque, como desconheciam a agricultura e dependiam da caça e coleta, tinham mais dificuldade para se alimentar.
A região teve uma ocupação irregular, e os motivos para isso ainda estão sendo investigados. Por cerca de 4 mil anos, após o desaparecimento do povo de Luzia, Lagoa Santa foi ignorada, provavelmente por falta de água. Quando voltou a receber alguém, era uma população totalmente diferente — que, como assim nós hoje, teria dificuldades em reconhecer o significado de Paradinho.