Jump to ratings and reviews
Rate this book

Contos Da Montanha

Rate this book
Composto por 23 contos, neste livro Miguel Torga apresenta aos seus leitores textos que assentam mais em descrições do comportamento humano, das suas emoções e dos seus sentimentos do que em descrições de aspectos paisagísticos da zona geografica de que era originário o poeta. Citando alguns exemplos, em Maria Lionça, a personagem homónima personifica a ruralidade e a dignidade das mulheres transmontanas que, apesar de analfabetas, se impunham pelo respeito, pelos bons costumes e pela sua sabedoria popular empírica; em Bruxedo, a personagem Melra representa as superstições que, ao longo de muitas gerações, se foram enraizando na vida daquelas gentes, fazendo parte do seu dia-a-dia.
Mais um livro de belos contos escritos pelo poeta transmontano. Apesar de, tal como referia acima, estes contos terem uma forte componente humana, as descrições das serranias porque Torga era conhecido estão presentes e algumas bem marcantes até. Um livro onde as pessoas são os heróis e os sobreviventes da suas vidas de miséria, de fome e de sofrimento.

167 pages, Paperback

First published January 1, 1944

Loading interface...
Loading interface...

About the author

Miguel Torga

114 books199 followers
Miguel Torga, pseudonym of Adolfo Correia da Rocha was one of the greatest Portuguese writers of the 20th century. He wrote poetry, short stories, theater and a 16 volume diary.

He was born in a village in Trás-os-Montes, northern Portugal, to small-time farmer parents. After a short spell as student in a catholic seminary in Lamego, also in Trás-os-Montes, in 1920 his father sent him to Brazil where he worked on the coffee plantation of an uncle who, finding him to be a clever student, paid his high school there and afterwards his medicine graduation (1933) at the University of Coimbra, in Portugal (to where he returns in 1925).

After graduation he worked in his village and in other places in the country, publishing his books from his own pocket for a number of years. In 1941, he established himself as an otolaryngologist physician in Coimbra.
His agnostic beliefs seems to reflect in his work, that deals mainly with the nobility of the human condition in a beautiful but ruthless world where God is absent or is nothing but a passive and silent, indiferent creator.

After the value of his work was being recognized, he went on to receive several awards, as the Prémio Camões in 1989 and the Montaigne award in 1981. He was several times nominated for the Nobel Prize of Literature, being the last one in 1994, but he never won.

Source: http://en.wikipedia.org/wiki/Miguel_T...

Ratings & Reviews

What do you think?
Rate this book

Friends & Following

Create a free account to discover what your friends think of this book!

Community Reviews

5 stars
428 (39%)
4 stars
427 (39%)
3 stars
185 (17%)
2 stars
34 (3%)
1 star
9 (<1%)
Displaying 1 - 30 of 55 reviews
Profile Image for Jim Fonseca.
1,121 reviews7,526 followers
December 3, 2017
Miguel Torga, a Portuguese author twice nominated for the Nobel Prize in Literature, gives fair warning that he is setting a grim table for us with these tales of rural Portugal of the early 1900's. In his preface he tells us we will meet the "dismally weathered sadness contained among these cliffs" and warns us of "so much dirt and misery." The area is the poor, rural Tras-os-Montes region of northern Portugal (literally "behind the mountains").

description

If you persist, you will encounter twenty-two short tales; an average of six pages each. In one tale, a man discovers he is a leper and is banished from his village; in another a thief robs a church and discovers the priest did his dirty work before him; a woman is killed by the work of a voodoo doll. In other stories a prostitute gets so little assistance from men that she comes to believe her children have no fathers; a young boy gets his first Christmas present along with the news of his father's death; an elderly gravedigger prepares his own grave with the thought "This is the end of my bad luck."

description

But there is a harsh beauty in these stories too: a lame shepherd wins fame by beating a wolf to death; a priest steps out of his role and delivers a baby; two men set out hunting knowing one will not return, but they set aside their differences.

description

Like the landscape they are set in, these are harsh, sparse stories. And, just as there is a beauty in that un-giving and unforgiving landscape, there is a simple, elemental beauty in these stories. Yet I'm still glad my grandmother left this region at about the time of the setting of these stories and came to the United States -- all by herself at age 16! What courage!

top photo from tourism-culture-society.blogspot.com
middle photo of Montesinho Village from portugalgreenwalks.com
photo of the author from leme.pt
Profile Image for Teresa.
1,492 reviews
January 28, 2019
Publicado em 1941, e imediatamente apreendido pela polícia política, este livro contém vinte e três jóias da literatura portuguesa. A Maria Lionça, de que alguém disse ser a Pietà de Torga, é das histórias mais belas e comoventes que já li. Também gostei muito de Solidão, O Cavaquinho, Inimigas, Um Coração Desassossegado, A Revelação e de... todos.
São histórias sobre o povo das aldeias transmontanas — a sua labuta pelo sustento, as suas crenças, os seus sonhos, as suas paixões,...
Profile Image for Rita.
705 reviews139 followers
June 19, 2019
Miguel Torga – 1907-1995 – foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX, destacando-se como contista e romancista. Deixou mais de 50 obras publicadas.

Nasceu numa família humilde, em São Martinho de Anta – Vila Real, aos 10 anos foi viver para o Porto, em 1918 entrou no seminário de Lamego, e em 1920 foi para o Brasil trabalhar numa fazenda de café pertencente a um familiar.
Regressa a Portugal em 1925, completa os estudos, em 1928 entra na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e estreia-se no mundo literário com um livro de poesias, Ansiedade .
Foi preso várias vezes devido aos seus escritos e impedido de sair do País pela PIDE.
Em 1967, assina um manifesto para a aprovação de uma lei da Imprensa, a abolição da censura prévia e a interposição de recurso no caso de apreensão de livros.
Não era simpatizante da ideia de União Europeia porque na sua opinião ela ofende o espírito patriótico e o ideal de Pátria.
Não era uma figura consensual, não gostava de ser visto com as elites que considerava pedantes e ocas, muitos consideravam que tinha mau feitio, um carácter duro e era forreta, mas era visto pela gente mais pobre como um homem de bom coração (dava consultas médicas gratuitas a quem não tinha posses).
Recebeu diversos prémios, e por três vezes (1960, 1978 e 1994) foi candidato ao Prémio Nobel da Literatura.

A minha primeira experiência com Miguel Torga não correu lá muito bem. Eram leitura obrigatória do 8º ano as obras Bichos e Novos Contos Da Montanha, e a coisa correu tão mal que foi um autor que entrou para a minha lista de “banidos”, mas isto na literatura é como no futebol: aquilo que é verdade hoje torna-se mentira amanhã, e lá fui ler Contos da Montanha para o meu projecto “Around the World in 198 Books” – País do mês: Portugal.

Agora, à distância do tempo, percebo que com a idade 14/15 anos dificilmente poderia ter gostado de ler um autor destes. Com aquela idade não tinha nem a maturidade nem o conhecimento da língua para apreciar a escrita torguiana.

Originalmente intitulado Montanha – 1941 – são 23 contos essencialmente rurais; retratam o quotidiano das aldeias portuguesas, os seus costumes, a sua cultura, a convivência entre os portugueses, e a grandeza e simplicidade da alma lusa; alguns com uma carga bastante grande de religiosidade, outros com muito humor, e outros ainda com ligações ao sobrenatural.

Todos os contos são muito bons, mas o mais inesquecível é Maria Lionça, uma mãe que transporta em seus braços o filho morto, uma Pietà de pedra segundo Miguel Torga.
Uma Mulher da montanha, analfabeta mas digna, que impõe respeito, uma Mãe corajosa, sofredora, fiel e resignada.

Logo no início do conto a descrição da aldeia de Maria Lionça é uma delícia.
”Galafura, vista da terra chã, parece o talefe do mundo. Um talefe encardido pelo tempo, mas de sólido granito. Com o céu a servir-lhe de telhado e debruçada sobre o Varosa, que corre ao fundo, no abismo, quem quiser tomar-lhe o bafo tem de subir por um carreiro torto, a pique, cavado na fraga, polido anos a fio pelos socos do Preguiças, o moleiro, e pelas ferraduras do macho que leva pela arreata. Duas horas de penitência.
Lá, é uma rua comprida, de casas com craveiros à janela, duas quelhas menos alegres, o largo, o cruzeiro, a igreja e uma fonte a jorrar água muito fria. Montanha. O berço digno da Maria Lionça.”


No youtube encontrei um vídeo - extraído de um programa, da Rede Manchete, sobre Portugal, 1987 - em que Miguel Torga fala um pouco da personagem mais memorável deste Contos da Montanha:
Miguel Torga fala de Maria Leonça

Agora é preciso arranjar tempo para reler Os Bichos e Novos Contos da Montanha.



20/198 - Portugal
Profile Image for Mariana Flores.
Author 18 books18 followers
November 19, 2017
O meu avô é lavrador. Quando era miúda seguia-o para todo o lado, por vezes com o cão Bolinhas ou com um livro para ler à sombra de uma oliveira, outras vezes andando só atrás dele. Lembro que de uma dessas vezes resmunguei porque tinha as mãos sujas de terra.

“Sujas de terra??!!” Foi a primeira (e uma das raríssimas vezes) em que vi o meu avô magoado e ofendido. “Como pode a terra ser suja? A terra que dá a vida? A terra de onde se tira o sustento?”

As mãos do meu avô são assim grandes e rachadas, com décadas de terra entranhada que nunca irá sair, apesar de ele as esfregar todos os dias em álcool depois do trabalho. São também as mãos mais honestas, mais limpas que eu conheço.

É assim que eu vejo os Contos da Montanha do Miguel Torga, como que saídos das mãos do meu avô. Estes contos trazem consigo a essência do Portugal rural. Um orgulho na tradição, na humildade e justeza, nas histórias por contar daqueles cujos rostos nunca constam dos livros de História.

Numa mini-homenagem à ruralidade destes contos, e dando-me ao luxo de um pequeno prazer diário, fui lendo este livro, um conto por dia, quase todos os dias, sentada numa figueira, acompanhada do meu cão Vicente que faz o seu passeio junto da árvore.

O primeiro conto é A Maria Lionça. Este conto é Miguel Torga fazendo as honras, dizendo, não vos quero enganar, este é um livro para chorar do princípio ao fim. Em poucas páginas e palavras simples, Torga conta a história mais pungente de uma mãe que não só vê enterrar o seu filho, como o carrega para o leito de morte. A personagem Maria Lionça não é só uma mulher forte, sadia, corajosa, portuguesa. A Maria Lionça é um aceno de cabeça a todas as mulheres. Uma versão regional da pietá, de Maria, da Mãe. Maria Lionça é a Terra.

Podia falar de todos os contos deste livro. Deixo-vos apenas com as duas últimas páginas de A Maria Lionça, acima, e uma pequena lista daqueles que me tocaram mais fundo. Com isto quero dizer, aqueles que me arrancaram lágrimas e povoaram a mente durante alguns dias. Falar sobre cada um era tirar-vos o prazer da sua leitura. O livro é baratinho e também se encontra nas bibliotecas: façam favor de ler.

O Cavaquinho
Um Filho
Maio Moço
Inimigas
Solidão
A Vindima
Cada um destes contos é uma história igual às vividas pelo nossos avós. É a minha bisavó, que dava um beijo no pão, se acontecia cair. É o meu avô materno, à lareira, contando histórias sobre dias em que só havia uma cabeça de sardinha para o jantar. É a minha avó materna dada a uma vizinha para cuidar, porque os pais já cuidavam de tantos filhos. É o meu avô paterno, a quem o pai morreu era ainda pequeno, e que foi trabalhar as terras para o irmão poder estudar. E mais tarde, namorando a minha avó com olhares em bailes de aldeia.

Felizmente ainda tenho este meu avô lavrador que me ofereceu o amor pela terra. Já não tenho o outro avô, o avô leitor, que me ofereceu o amor pelos livros. Sentado à lareira, dois metros de homem debruçados sobre um policial, devorando, devorando. Livros pela cozinha, livros pelos quartos, livros pela casa de banho.

E assim o prazer de abrir um livro e cheirar-lhe as páginas é comparável ao prazer de meter as mãos pela terra, de a sentir nos dedos, de ver a vida crescer nela. Pois precisamos tanto de sustento como de sonhos para ser felizes.
Profile Image for Sonia Gomes.
331 reviews111 followers
October 3, 2020
I love Miguel Torga although at times his rural dialect is difficult to understand...

He speaks to us about rural Portugal with passion and humour. Stories that show you that rural Portugal or for that matter any village is not devoid love, hope, charity, passion, things that make up a human being.
The stories are small in length, but so full, and that is what Torga is all about, encapsulating so much is so little!

In 'Maria Lionsa' a strong woman, who lives life with great dignity and respect even after losing her husband and her only son, in whom she had placed all her hopes.

'Um Roubo'(A theft) tells the story of a wretched small time thief, who tries to rob a small chapel only to find it has already been robbed. Caught in a thunderstorm, contracts pneumonia.
On his deathbed he accuses the priest of robbing the chapel. Is it true? We do not know!

In 'Amor' (Love), Lidia, so beautiful, so naïve, gets every man so inflamed and when there is a murder of one of her suitors, she in her innocence, wonders why it all happened...

Firmo, in 'Homens de Vilarinho, just cannot live at home, needs to experience the world, comes home periodically, impregnates his wife and then leaves.
Even the trap set by the priest does not help him to stay at home...

'O Cavaquinho', the story of a little boy whose family is very poor. Julio, waits for the much desired
gift his father had promised him from the local fair. He get a little guitar, the 'cavaquinho', but his father dies in a brawl that erupts in the market.

'Um filho'(The Son)a story filled with such love and hope. A father, a shepherd, who is so wonderfully happy when he gets a son. This is the story about the birth of Jesus Christ in very poor surroundings.

'A Promessa'(The Promise) a vow to the Blessed Virgin that does not go as well as desired.

'Maio Mosso', an orphan who gets nothing but beatings and terrible treatment, until he kills a wolf who was taking a lamb from his herd. A really joyous transformation when everyone now thinks of him as a person and not just another mouth to feed.

'O Bruxedo', how does a witch attack a person, by piercing a doll with pins !

What happens when the local Don Juan, deflowers countless lovely, girls. Refuses to marry them. The brothers of a pretty girl emasculate him, that's 'A Paga' (the payment) for you.

Two very good friends fight over the same boy. Enemies for life. Until one saves the other's tiny baby by surreptitiously feeding him, with her own milk. The description of the tiny baby guzzling milk, makes you laugh and cry at the same time.

Why does a man's best friend tell him that his wife has committed adultery. So enraged the husband slices his wife open. On his return to village after being in jail for twenty years, he cannot manage his loneliness and commits suicide.'Solidao'

Yes, there are many more, every one of these very short stories so touching, so lovely, showing us different sides of a human being.
Some good, some very bad but all very human all very touching.
This entire review has been hidden because of spoilers.
Profile Image for Felipe Oquendo.
177 reviews20 followers
January 28, 2019
“Contos da Montanha” e “Novos Contos da Montanha” são, como o nome honestamente informa, livros de contos, publicados nos anos de 1941 e 1944, respectivamente, de lavra do escritor português Miguel Torga, pseudônimo literário de Adolfo Correia da Rocha.

Miguel Torga, como muitos dos maiores escritores cuja fina flor da obra surgiu até a década de 70, não tinha uma formação literária específica, tendo se graduado e exercido a medicina.

Destaco este dado biográfico não porque seja uma chave de interpretação dos livros em questão, mas porque sua visão de mundo e forma de expressá-la em muito se aproxima de outro médico dedicado às letras, Pedro Nava. Nada sabia desse dado, nem da visão de mundo de Miguel Torga, antes de ter os livros terminados, mas essa coincidência me chamou a atenção e voltarei ao assunto em breve.

Analisar livros de contos me gera certo embaraço. É a minha primeira vez e, embora tenha excelentes modelos, como Rodrigo Gurgel, estou meio preso, diria acomodado, à minha forma usual de refletir e expressar a minha experiência em literatura. O problema é que esse modus operandi se desenvolve pela resposta a perguntas como “Quem é o protagonista?”, “Qual o seu objetivo?”, “Qual o obstáculo que ele tem de vencer para alcançar seu objetivo?”, “Qual o tema humano tratado pela obra?”, e por aí vai, perguntas que, aqui, se dirigem a uma unidade narrativa fragmentada, por natureza, num livro de contos.

Claro que é possível separar cada conto, ou os meus favoritos, e fazer o arrazoado de cada um seguindo essa fórmula. Ia ser até curioso, quiçá bonito, um arrazoado segmentado que espelhasse a segmentação natural de um livro de contos. Mas não quero, ou talvez não possa, proceder assim: fica então um arrazoado todo que poderia ter sido e não foi.

O que me leva a isso, além da minha conatural preguiça, é a própria opinião do autor que, nos prefácios a cada um dos volumes, insiste em tratá-los como se fossem artefatos mágicos onde se encontra um mundo inteiro de portugueses trasmontanos. No prefácio dos “Contos”, o autor lhes chama exilados no Brasil (onde de fato o livro foi publicado pela primeira vez, durante o governo Getúlio Vargas, devido à quase inexplicável censura em Portugal). E no prefácio aos “Novos Contos”, chama-os de quadro impressionista, mosaico mal rabiscado, onde há portugueses ardendo num purgatório de fogo trasmontano. Enfim, devem ser tratados como um todo.

Esse é o método, mas não é todo ele. Tendo eu lido um seguidamente do outro, e disposto a encará-los como um conjunto coeso, também não posso me furtar à observação de Torga, no prefácio aos “Novos Contos”, acerca da irmandade dos livros: são gêmeos.

Ora, gêmeos na literatura é um topos sempre rentável. E como nos tratamentos mais famosos que deram a esse topos os grandes escritores, usarei as semelhanças como base, mas darei mais atenção às diferenças que individualizam aquilo que a natureza quis confundir.

Ambos os livros se compõem de contos sobre portugueses oriundos da região de trás-dos-montes, uma espécie de interiorzão de Portugal, onde o povo se dedica ao pastoreio de cabras e ovelhas, ao trato da terra e ao comércio de víveres, vinhos e azeite, sempre sob o olhar atento de um pároco e confortados no regaço da igrejinha do lugar. Essa é a terra natal de Miguel Torga, e esses personagens são como brinquedos da terra que a criança, forçada a mudar-se para longe, carrega a tiracolo para, nas horas de lazer, reavivar as memórias. Pedro Nava assim também o faz, tanto que o volume mais famoso de suas memórias é o “Baú de Ossos”, as observações sobre Minas Gerais do final do século XIX, a Minas de sua infância.

E o trás-dos-montes de Miguel Torga é, sem dúvida, o de sua infância. Não que o autor de alguma forma insista em caracterizar uma época, afinal, tirante o excelente conto “O Regresso”, dos “Novos”, em que parece que se alude à primeira grande guerra mundial, nada permite identificar com certeza em que período do tempo se passam os contos, até porque muitos deles começam num determinado ano e terminam 40, 50, 60 anos depois. Contudo, a luz sob a qual essa gente é enfocada, o nível de detalhes, a inclinação à anedota e ao apólogo, tudo tresanda àquele tipo de memória consubstancial à pessoa que só penetra em nossa mente quando somos crianças.

Essa memória consubstancial, por sinal, é daquele mesmo tipo que impregna as conversas de bares e cozinhas de cidades do interior, que é a lenha de narrativas intrincadas, confusas, e que, sem embargo, encantam quem as ouça, comumente chamadas “causos”. A avó jungida ao seu tricô, o tio que masca cigarro de palha, o sinhô da venda de inauguração imemorial, não param para explicar ao recém chegado quem é a Fulana e o Sicrano a que aludem nas suas estórias: mas seu jeito de contar atrai o ouvinte, aquieta suas perguntas ansiosas, e o leva a um entendimento final tão perfeito quanto o dos locais que conhecem as pessoas e as circunstâncias de cada causo contado.

Miguel Torga também age assim nesses contos: raramente ele apresenta um quadro maior e narra uma história até que chegue ao ponto dramático que será desenvolvido no conto. Pelo contrário, não é raro um conto seu já se iniciar com um diálogo agitado, cuja real significação será explicada, linhas depois, por uma digressão, uma rememoração, ou pela fala de outros personagens. Mesmo quando enceta os contos na pele do narrador onisciente, de forma alguma o faz como alguém preocupado com a didática da apresentação: aqui, narrador e contador de causos são um e o mesmo.

Com isto, o autor eleva e dignifica aquela gente que vive em sua fantasia: não facilita o leitor nem lhe acena com truques de anzol e linha. Confia que o que tem a contar há de, por sua própria maravilha, prender o que lhe folheia as páginas.

Sem dúvida, essa qualidade feminina de atrair pelo que esconde e reter pelo que mostra está presente nos contos que abrem cada um dos volumes, respectivamente, “A Maria Lionça” e “O Alma-Grande”, por sinal, ambos começando com o artigo definido que demonstra, em língua portuguesa, um conhecimento comum, uma intimidade de casa, que é a essência mesma da narrativa interiorana.

Digo desde já: minha preferência é pelos “Contos” em comparação com os novos. Talvez, confesso, seja pela força lírica de “A Maria Lionça”, que calhou de ser meu conto favorito desse volume:

“Em pequenina, logo o seu riso escarolado encheu a aldeia de lés a lés. Velhos e novos acostumaram-se desde o primeiro instante àquele rosto miúdo e rosado onde brilhavam dois olhos negros e perscrutadores. Depois, durante a meninice e a mocidade, foi ela ainda o ai Jesus da terra. Qualquer coisa de singular a preservava do monco das constipações, dos remendos mal pregados, das nódoas de mosto nas trasfegas. Airosa e desenxovalhada, dava o mesmo gosto vê-la a guardar cabras, a comungar ou a segar erva nos lameiros. E quando, já mulher, se falava pelas cavas nas moças casadoiras do lugar, nenhum rapaz lhe pronunciava o nome sem uma secreta emoção. Além de ser a cachopa mais bonita, dada e alegre da terra, era também a mais assente e respeitada. Quer nas mondas, quer nas esfolhadas, o seu riso significava tudo menos licença. E ninguém lhe punha um dedo. Olhavam-na numa espécie de enlevo, como a um fruto dum ramo cimeiro que a natureza quisesse amadurecer plenamente, sem pedrado, num sítio alto onde só um desejo arrojado e limpo o fosse colher. Embora igual às outras, pela pobreza e pela condição, havia à sua volta um halo de pureza que simbolizava a própria pureza de Galafura. Na pessoa da Maria Lionça convergiam todas as virtudes da povoação. Quem é que merecia a dádiva de uma riqueza assim?”

Outra razão, talvez, seja o sentido geral de ambos os volumes. A gente de trás-dos-montes é de fato sofrida, meio que abandonada do mundo, o que torna natural que, num conjunto de estórias sobre elas, haja mais dores do que finais felizes. Contudo, a sombra que cobre os “Novos Contos” é muito mais amarga e desesperadora do que o mais depressivo conto do volume anterior, “Solidão”.

“O Alma-Grande”, que como já dito inaugura os “Novos Contos da Montanha”, como que anuncia isso ao leitor. Em “A Maria Lionça”, temos a história de uma jovem amada por todos, de grande estatura moral e beleza física, que acaba por levar uma vida de sofrimento em decorrência de más voltas na roda da fortuna. Mas a força que revela até o final dignifica não só a personagem como a ergue a símbolo de todo um povo. Por sua vez, o conto “O Alma-Grande” pode até ser mais dramático, mas nasce do desespero de um grupo de judeus que prefere o suicídio à confissão católica e acaba com uma vendetta à italiana que, embora revele grandeza humana, devolve todos os envolvidos à normalidade de uma vida agreste e teimosamente sofrida.

Outra coisa que chama a atenção é a pouca quantidade de contos de temática leve ou desfecho feliz nos “Novos Contos”, em comparação com seu irmão mais velho. A meu ver, o único conto desse volume que se compara com os do anterior é “O Artilheiro” e, talvez, “Fronteira”. Já nos “Contos da Montanha”, temos os contos “Um Roubo”, “Um filho”, “Maio moço”, “Inimigas”, “A ladainha”, “Justiça”, “O desamparo de S. Frutuoso” e “O Pé Tolo”, apenas para citar de cabeça, que equilibram o fel das narrativas mais niilistas.

Contudo, tenho que ser justo e dizer que, literariamente, “Os Novos Contos” são melhores do que seu gêmeo, pois não há um conto dos novos que seja mau e, de fato, a maioria é genial, como “Renovo”, “O Leproso”, “Confissão”, “A Caçada”, “O Caçador” e, meu preferido, “O Regresso”. Já nos “Contos da Montanha” o conto “A ladainha” parece dispensável por ser bobo e outros contos, de início poderosos, como “O bruxedo”, perdem força com o tempo.

Como um conjunto, em todo caso, “Os Contos da Montanha” traz um retrato mais fiel da condição humana do que “Os Novos Contos”. Não consigo espanar da minha telha que, nos “Novos”, Miguel Torga quis selar o destino daqueles trasmontanos, sobre os quais nunca mais voltou a escrever, com a cera de um niilismo e um anticlericalismo que lhe corroía mais forte em 1944 do que em 1941. Se parece óbvio que a ordem em que os contos são apresentados não é sem intenção literária, fica mais patente ainda a diferença de sentido e caráter geral dos volumes quando lhes comparamos os contos finais: no de 1941, encerra a seleção “O Pé Tolo”, uma engraçada anedota sobre duas povoações em guerra; no de 1944 (“O Senhor”), Miguel Torga, após nos conduzir por um luar surreal e descrever finamente o sentimento de participação do povo numa procissão de “Senhor-fora”, coloca o padre a meter a mão no canal vaginal da recipiente do corpo de Cristo – que por sinal fica abandonado – para lhe arrancar das entranhas um filho que tentava vir à luz há três dias. E o sobrenatural sendo abandonado para dar lugar ao naturalismo não poderia ser melhor simbolizado do que por um padre que arregaça as mangas e enfia suas mãos consagradas nas entranhas de uma mulher para salvar uma vida; o pároco ungido abandona o corpo do salvador das almas para resolver uma situação física que seus sentidos apresentavam, como uma parteira qualquer. E enquanto isso, “os sacramentos, inúteis, lá estavam sobre a caixa de roupa”.

É claro que esse naturalismo permeia ambas as obras. Para não haver dúvidas, basta ler “Um roubo”, que apesar do humorismo tem um quê de anticlerical, “A ressureição”, “Um filho”, dentre outros do primeiro volume de contos e, dos novos, principalmente “O Milagre”. De fato, a única intervenção diversa aceitada nesse mundo de Torga é a preternatural, como fica claro no conto “O bruxedo”.

Em todo caso, o naturalismo de Torga é mais filosófico do que literário: poucas vezes li alguma descrição detalhada de cena de sexo ou cenas violentas que tanto encheram as páginas de naturalistas brasileiros. Perto de “O Cortiço”, o par de livros de contos aqui tratados é literatura para noviças. Fica tudo subentendido, como no incrível conto “Mariana”, no tocante ao sexo, ou é dignificado por um sentimento poético que transparece na linguagem, como no conto “O Leproso”, que se refere à morte e ao mal físico, ambos dos “Novos Contos da Montanha”.

Não é meu costume fechar um arrazoado falando da linguagem, após falar da cosmovisão, simbologia ou filosofia subjacente à obra analisada. Mas, numa ocasião de primeiros, calhou que, nessas obras gêmeas, a linguagem, após vistas as principais diferenças, exsurge como um dos pontos altos que igualam os contos novos e antigos, e que não se reconcilia bem com a diferença de tom acima notada.

Miguel Torga atinge um efeito claro-escuro desnorteante ao usar do vocabulário e trejeitos de linguagem dos interioranos, sem perder entretanto um fino sentido da língua, que transparece sobretudo na narrativa direta e na poesia das descrições, seja de cenas estáticas, seja de cenas dinâmicas. Vejam, por exemplo, a descrição que o autor faz de um amanhecer em vilarejo pacato do interior de Portugal, nas primeiras linhas do irretocável conto “Regresso”:

“Casta, orvalhada da mesma frescura que humedecia a fruta nos seus pomares, Leiró acordava de uma grande noite de sono e de sonho. O primeiro fio de fumo subia já da lareira do João Rã, o madrugador da povoação. Erguia-se branco, preguiçoso, tímido da aragem fria da manhã. Mas, logo que chegava a céu aberto, tomava respiração, alargava os braços e diluía-se voluptuoso no éter perfumado do ar. Dos quinteiros nasciam vozes confusas da Babel animal. E da esquadria honesta dos portais, larga e franca, iam surgindo caras humanas e cristãs, levedadas para nova romaria de suor.”

A mesma capacidade de síntese sem perder detalhes, o mesmo poder de fazer vir aos olhos uma cena imaginada, é mantido na descrição de uma passagem dinâmica, em “A Caçada”:

“Calmamente, o Felismino acabou então de se vestir, foi à gaveta do pão buscar uma côdea, e quando acabou de mastigar bebeu dum trago um cálice de aguardente. Depois, pôs o cinturão, tirou a arma do prego onde estava pendurada, abriu-a e meteu-lhe um zagalote no cano esquerdo e um cartucho de chumbo cinco no direito. Finalmente, desceu e destrancou a porta.”

Miguel Torga, assim, salva-nos de descrições sem-fim que poderiam atrapalhar e até inviabilizar a apreciação estética de seus contos.

Na verdade, a síntese de suas descrições de cenas e cenários passa de hábil a genial quando se dirige à psiquê humana. Como um velho digno que muito experimentou da vida e consegue sumarizar situações complexas em frases carregadas de sentido, Torga, quando perscruta a intimidade da sua gente, fecha em sentenças claras existências obscuras:

“No dia seguinte não se falava na terra doutra coisa. Passavam a dolorosa notícia uns aos outros afanosamente, numa agridoce emoção de prescientes e não ouvidos conselheiros.” (“O Milagre”)

O engenho dos juízos breves também brilha quando resumem caracteres:

“No fundo, era um imaginativo sem imaginação. E aplaudia incondicionalmente a dos outros, mesmo quando fazia figura de asno.” (“Marcos”, dos “Novos Contos”)

E o vigor narrativo, aliado à poesia íntima, natural, de um humanista de trás-dos-montes, nos dá passagens imortais, como esta, que descreve a procissão do “Senhor-fora” no conto “O Senhor”:

“Cada qual se sentia uma parcela do Deus que ia à frente a guiá-los e a partilhar com eles o seu poder de salvação. Arrastavam-se sem consciência do corpo, numa leveza de eleitos, movidos apenas pela força da missão transcendente de que se julgavam investidos. E nessa exaltação apagava-se aos olhos de todos o relevo das coisas, a distância do caminho, a grandeza da paisagem. Quando o Malaquias surgiu finalmente, ajoelhado na estrumeira do quinteiro, de mãos erguidas, por um triz que não foi pisado pela avalanche piedosa e cega. A integração numa outra vida cilindrava a realidade desta.”

Essa linguagem, aprendida com a gente simples, e cultivada pelo médico humanista e agnóstico, salva o conjunto da obra dos perigos do naturalismo. Miguel Torga pode ter imaginado que prendeu o povaréu de sua infância no fogo trasmontano de um purgatório de imaginação, mas é a força daquelas pessoas simples e trabalhadoras, tementes a Deus acima de tudo, que, tomando de assalto seu espírito, conduziu suas hábeis mãos a fazer duas obras que traem a filosofia de seu autor e resistem como provas inequívocas da dignidade especial, e divina, da alma humana.
Profile Image for António Dias.
127 reviews15 followers
April 27, 2021
Não tenho muito a acrescentar ao que escrevi sobre 'Novos Contos da Montanha', a minha estreia com Miguel Torga há um mês e meio.

Uma viagem no tempo, a um Portugal que existe cada vez menos, e que sob a lente do presente nos aparece cru, em toda a sua dureza, mas sobre o qual cai um certo romantismo. A Literatura é capaz desta proeza: conjugar a rudeza e a beleza, oferecendo ao leitor esta experiência tão rica.
E Miguel Torga é um exímio intérprete dessa arte.
Profile Image for Daisyread.
126 reviews18 followers
March 5, 2023
“I am certain that you, as a dweller of the fertile fields of the plains, will soon have understanding and pity for the hard fate of these, your fellow beings; that one day you will come to meet the dismally withered sadness con. tained amongst these cliffs, not as a reader of the picturesque and the exotic, but as a sensitive creature touched by the magic of art hearing the call of life's imperatives. I make this promise because I feel ashamed of so much dirt and misery and am embarrassed to represent the ungrateful role of chronicler of a world that is not even able to read me. I take this pledge in your name, by which I mean in the name of collective consciousness itself. As far as you are concerned, that which I write these stories, for instance has the purpose to entertain, possibly to affect you. But I want you to know that I dare stray from this entertainment and from this emotion to charge you with the responsibility for helping rescue the house that dazzles you, because it is burning.” - Miguel Torga ( Preface )

“Torga was arrested and imprisoned without trial and held in solitary confinement by Salazar's secret police upon the publication of The Fourth Day, one volume in his masterful autobiographical novel, The Creation of the World. The entire edition was withheld from distribution and its sale prohibited.
In 1941, the first edition of Tales from the Mountain was published in Portugal and immediately suppressed by Salazar. The second (1955) and third (1962) editions were published in Brazil, smuggled back into Portugal and passed hand to hand in intellectual circles and the student under-ground. Finally, in 1969, while Salazar lay on his death bed, Torga self-published and distributed Tales from the Mountain with the Preface that appears in this edition.” -Publisher’ Note

I don’t think anything I write can do this collection of 22 short stories justice.
The stories are deceptively simple yet so full of humanity.
Curt Meyer-Clason says “ …. The story, with its unfathomable mystery, set free the organic, healthy, existential, natural reaction: respectful silence." ( about the story Alma Grande in this collection), and this “ respectful silence “, without any desire to analyze , was how I felt when I finished reading each and every of the stories.

Among the 22 stories , my favourites are:
Sesame

‘The happy condition of childhood saved him. Even while he cried, the hands of forgetfulness dried his eyes. The tears of a ten year old leave as quickly as they come. The ewe called to him. Its insistent bleat awoke him to the simple reality of his shepherd's life.
He stood, came down from the deceitful rock and with attentive ears went straight to the complaining one. "Look, it was Rola all the time .
A lamb had just been born and the mother was licking it. Its twin was still inside, still enclosed within the mystery of the womb.’

The hunt

‘They turned and started walking in opposite directions.
There was a sudden pause in the rustling Marta was making in the brush. Ever alert, Felismino sharpened his ears but did not turn around or break his calm gait.
Instead of the shot he was anticipating, Marta's deep voice hit his back, warm as the breath of the southern wind. "And listen, let's let bygones be bygones…” ‘

The Sacristan's Position

‘With an almost indifferent last goodbye, he rolled his head from side to side, looking around at the world like a puppet without a body.
"Nothing but crosses . . . It's been worthwhile just the same!"
Lacking the strength to climb out of the hole, he curled up in it as best he could.
"This one is for me," he whispered, "hers can be dug by someone else. She didn't have to fear it after all…” ‘

The Hunter

‘ "I know. Don't make a single move."
His eyes staring incredulously, shaking all over, the zealous gossiper didn't understand what was happening. But Tafona coolly kept the gun close to his chest and resolutely aimed.
No one in the village quite trusted the solitary soul of the old hunter.
"Halt!? I said! And don't move a muscle, for some things need to be done in God's peace and quiet ...” ‘

The Gift
‘ Julio's heart skipped a beat. Had Uncle Adriano returned by himself?!
He listened, a worried animal, and soon learned that his father had been killed in a fight and left where he had fallen, knifed, beside a ukelele he was bringing home to Julio.’

Miguel Torga was nominated twice for Nobel prize in literature ( 1960 and 1978).
Profile Image for Isabel.
79 reviews26 followers
March 20, 2016
"Mas o Leonardo queria lá saber! O tribunal, para ele, era como a igreja para as beatas. Tivesse razão ou não tivesse. Sentiam-lhe dinheiro no bolso, claro, venha a nós... Todos mais a mim, mais a mim. E o lorpa a cuidar que lhe davam tantos améns por causa dos seus belos predicados!"

Profile Image for Bambino.
127 reviews4 followers
January 25, 2019
crítica muito confusa e pobre, plena de nostalgias pessoais pouco interessantes. também contém alguma raiva e pessimismo - dirigidos às pobres almas geradas pelo incesto entre milénios. contém um palavrão.
crítica tecida por quem, hoje, entre ler e viver, muito sentiu mas pouco dormiu. mas a terra dos sonhos abraça-me por detrás e beija-me a têmpora. ah, vida boa...

.

livro ligeiramente menos polido que o seu sucessor, mas igualmente precioso.

conto sim, conto não, vinham-me as lágrimas aos olhos - a modos da beleza íntrinseca às histórias, por nostalgia a todas as riquezas culturais que perdemos, e por amarga tristeza diante da juventude que se arrasta pelas ruas com ecrãs implantados nos olhos. putos sem vida e sem fogo (salvo raríssimas e belas excepções), sem cultura e demasiado preguiçosos para a adquirir, sem a mínima possibilidade de sequer conseguir ler um conto destes até ao fim.
lembrava-me, enquanto lia, das palavras de Torga na contracapa do colossal Novos Contos da Montanha:

«Na tua ideia, o que escrevo, como por exemplo estas histórias, é para te regalar e, se possível for, comover. Mas quero que saibas que ousei partir desse regalo e dessa comoção para te responsabilizar na salvação da casa que, por arder, te deslumbra os sentidos.»

infelizmente, meu caro senhor, hoje em dia, muitos preferem ver o vídeo da casa a arder.

nasci em 1981 na Campina de Cima, em Loulé, e lembro-me de passear, de mão dada à mãe, pela cidade que crescia. os prédios em construcção pareciam fabulosos, mas as hortas estivais e as noras árabes eram sonhos que ainda hoje me humedecem o recordar. a minha avó Bia a sorrir, ao sol, e aquela gente com mãos gigantes, ásperas, indestructíveis, que carregavam nas cestas tesouros sem fim. amêndoas, ameixas, pêssegos, cheiros, figos, figos da índia, figos secos com amêndoa e canela, meloas e melancias, amoras e tantos outros tesouros. cada passeio revelava novidades inconcebíveis. havia pássaros por todo o lado. os insectos abafavam o som dos carros. sapos em qualquer poça de água, um camaleão em cada árvore. havia uns tascos escuros, embebidos num fedor afiado, donde saíam cantigas e vozes de outro mundo, e diante dis quais a minha mãe acelerava o passo.
mas o paraíso desabou rápido, como se os campos e os camponeses, subitamente, carregassem uma morrinha fatal que exigia distância. e o passado morreu. restam noras abandonadas e alguns baldios com árvores que resistem. um ou outro velhote curtido pelo sol. restam os ossos solitários da carcaça do passado.

julgo que o Alentejo e Trás-os-Montes sempre estiveram condenados a uma dureza especial - por motivos geográficos e, consequentemente, políticos.
a maior parte dos velhotes que sondei, em tabernas perdidas no Alentejo, não têm saudades dos tempos rurais. muitos trabalhavam de sol a sol simplesmente para não morrerem à fome. e os seus instintos cravaram uma cruz no passado e abraçaram incondicionalmente o conforto capitalista. mas por entre as suas histórias, muitas das vezes, entrevêem-se rasgos de uma poesia profunda que as suas células continuam a declamar. amores repletos de proezas arrojadas e fugas aos chumbos paternos. histórias de camaradagem, de bailes fervorosamente ansiados, de epopeias nocturnas e embriagadas, cisterna ou poço abaixo, para encher um vital cântaro de água.

Torga consegue aqui algo mágico - retrata fielmente a dureza de Trás-os-Montes, sem artifícios, sem moralismos nem melodramas, mas também captura toda a intensa beleza daqueles tempos. No meio de tanta coisa que estava mal, naquele passado, havia muita coisa preciosa que hoje em dia já perdemos. e Torga faz um compêndio desses tesouros, com uma arte inigualável.
as pessoas convenceram-se, com uma facilidade assustadora, que o problema estava no passado telúrico - mesmo quando a Natureza é flagrantemente infinita na sua generosidade. a verdade é que os principais problemas residiam na Ditadura, no jugo putrefacto da Igreja Católica, no sistema feudal que imperou até Abril. isto é elementar, mas parece que a lobotomia capitalista eliminou estas noções. e as terras continuam nas mãos dos ricos, dos lobbies, dos mesmos de sempre, ou foram abandonadas.

neste momento, conto com os dedos de uma mão o número de pessoas capazes de ler um conto de Torga sem cair em fastídio. nós, bichos humanos, rendemo-nos ao fácil, ao cómodo, à perniciosa maldição de não conceder nem um minuto de tempo àquilo de que não gostamos - porque, supostamente, somos livres para escolher o que queremos. na verdade, neste momento, estamos bem fodidos e a única escolha possível consiste em salvar o planeta onde vivemos - o resto são ilusões. mas cada nova geração comporta menos capacidade cerebral que a anterior e o prognóstico é bem negro. Roma terá de cair novamente e muitos livros serão queimados. mas o ciclo negro terminará e tudo regressará mais belo que jamais. um dia haverá tempo e amor, uma vez mais, para oferecer a este livro fundamental.
Profile Image for Vanessa Ribeiro.
28 reviews7 followers
November 2, 2023
Chegada de uma visita a Sernancelhe à Arrábida com uma renovada, serena e voluntariosa consciência protectora da Montanha.
Profile Image for Paula M..
119 reviews51 followers
August 8, 2018
Histórias das humildes gentes que vivem para lá dos Montes reveladas com as palavras genuínas da terra.
Profile Image for Alex.
109 reviews3 followers
August 23, 2023
I'd probably rate it 3.4 stars.

A really solid collection of short stories by an author whose work was censored by the Salazar regime for many years. I do enjoy short stories that are VERY short (i.e. less than 10 pages), which was the case here, and I enjoyed Torga's twisty stories with oftentimes jarring endings that sometimes made me think about the story far longer than it took me to read them.
Profile Image for Rui.
130 reviews
January 31, 2021
Como sempre, foi um gosto ler Miguel Torga. Especialmente estes contos, que me fizeram lembrar a aldeia dos meus avós.
17 reviews2 followers
April 9, 2017
Comprei a sétima edição deste livro em 1994. Li na altura e ficou um dos meus livros favoritos. Mas nunca mais o li. Há umas semanas ao arrumar as estantes passo-lhe as mãos pela capa (e ao Novos Contos da Montanha, comprados na mesma altura) e resolvi reler apenas o primeiro conto. A mãe a transportar o cadáver do filho no comboio para ser enterrado na aldeia, e a disfarçar o levar de um morto sentado na carruagem ao seu lado, a perguntar-lhe "Dói? Pois dói... Dói..." foi uma chapada de tristeza e força que não sentia há 20 anos. Que pena estes contos e o seu autor terem sido esquecidos na nossa literatura...
Profile Image for Ana.
357 reviews
September 5, 2023
Miguel Torga is firmly established as one of my favorite authors. The brilliance of his work is a revelation I wish I had had sooner. Torga possesses a unique gift for encapsulating the essence of being Portuguese. Through his writing, he vividly paints the Portuguese soul, crafting narratives that resonate with familiarity and a deep understanding of the people's lives. Reading Torga feels akin to listening to the tales of my grandmother, filled with a profound connection to the experiences of the Portuguese people, making his narratives truly mesmerizing.

Torga's writing style, both sweet and tragic, mirrors the complexities of life itself. It's a reflection that lingers in your heart long after the reading ends. His ability to weave emotions and experiences into words is nothing short of exceptional. "Contos da Montanha" is more than just a collection of stories; it's an immersive journey that encapsulates the very essence of being human. Torga's writings have left an indelible mark on me, a treasure I will cherish until the end of my days.
April 20, 2020
Um livro muito belo e poderoso, recheado de histórias fortes que por vezes nos deixam um amargo na boca. Apesar de ser ficção, pode ser também um testemunho da vida dos transmontanos no início do século XX, um retrato fiel.
Alguns contos são verdadeiras pérolas de beleza.
Profile Image for Rosario Oliveira.
203 reviews
September 14, 2020
Ler Torga com o seu vocabulário da terra, das gentes do campo da serra, é sempre uma boa experiência. São histórias de gente que podíamos ter conhecido, de vidas difíceis, duras, mas também alegres e divertidas. Foi muito bom rever este autor.
Profile Image for Pedro.
181 reviews2 followers
July 25, 2023
Portugal no seu interior e no seu melhor e pior. Desde gente que tenta fazer pela vida a quem so a queira viver, temos uma fatia dessa gente, com muito humor e uma escrita soberba. Mais um autor que me faz pensar, quem me dera saber escrever assim tão bem.
Profile Image for Alice Santos.
9 reviews1 follower
April 25, 2024
Precisei de um dicionário para compreender os regionalismos utilizados pelo autor, mas adorei o livro! Os contos são simples e divertidos e a escrita é distinta e cativante!

Contos favoritos:
- Um roubo
- Amor
- O cavaquinho
- A promessa
- O bruxedo
- O castigo
Profile Image for João Mendes.
178 reviews8 followers
January 16, 2022
Contos bonitos sobre a vida - dura - de pessoas de aldeias transmontanas.
Profile Image for João Vaz.
225 reviews23 followers
January 16, 2021
Estes contos são brutais, de cruéis e violentos, se bem que igualmente extraordinários. Aqui lê-se sobre a vivência, os comportamentos e as emoções de aldeões no interior rural de Portugal por altura do Estado Novo. Miserável.
Profile Image for Bracari.iris.
82 reviews38 followers
February 18, 2012
IN PORTUGUESE

Além de ser um escritor contemporâneo de grande envergadura, Miguel Torga sempre me atraiu por excertos que fui lido nos livros de Português ao longo do meu percurso estudantil.
Finalmente me decidi por ler este livro, e ainda bem que o fiz.
Desde as habituais cachopas que prenhas ficam de um desvairo natural da Juventude a velhos embirrentos e amores escondidos de toda uma vida, estes contos da montanha retratam todo um modo de vida que me é muito próximo, sendo eu do Norte de Portugal, bastante perto de onde estes acontecimentos imaginários( mas que não deixam de retratar o real) se passaram.

Estes estilos de vida singulares, de tamanha dedicação à terra e aos seus frutos por vezes escassos e ingratos é o que, na minha opinião , define o povo português. Por muito que nos aventuremos lá fora, por muito que tentemos pertencer a qualquer outro pedaço de terra no Mundo, é às planícies do Alentejo que pertencemos, ou ao alto das Serras, ou à margem do Douro, ou aos campos de milho doirado pelo sol do Verão numa paisagem minhota.
Profile Image for Sofia Maia.
42 reviews
July 1, 2015
"Contos da montanha" foi o primeiro livro que li de Miguel Torga. A curiosidade sobre esta colectânea surgiu após a referência por um professor durante uma aula, assegurando que era um livro obrigatório para todos os médicos. Fiquei intrigada com a afirmação e decidi então adquirir o livro.

Quando se lê em português há algo que nos sabe sempre bem: a sonoridade da escrita que traduz a típica língua portuguesa. As expressões são aquelas que ouvimos diariamente, e a construção das frases é semelhante ao que estamos habituados no nosso dia-a-dia.

Opinião toda aqui :
http://bloguinhasparadise.blogspot.pt...
Profile Image for Luís.
12 reviews
August 20, 2008
É-me difícil esconder a admiração pelo escritor. Torga é o exemplo emblemático do que devia, na minha opinião, ter sido o nosso Nobel da Literatura. Estes contos estão repletos de histórias e situações que espelham o humanismo do mundo rural (mais rico do que muitos urbanos julgam). O humor, e surpresa trágica são um estímulo para a leitura célere. Há mais crítica inteligente nestas personagens do que em muitos ensaios.
August 21, 2023
Para quem gosta de um país rural, um país que em certa medida corresponde à sua mais pura natureza, este livro é uma boa leitura. Com a utilização de regionalismos, Miguel Torga traça uma panorâmica de um Portugal que lhe é familiar. De fácil leitura.
Displaying 1 - 30 of 55 reviews

Can't find what you're looking for?

Get help and learn more about the design.