Cemitério de Consoles | Apple Bandai Pippin (1996): caro e passageiro

Fruto de um acordo entre a Bandai e a Apple, o videogame foi descontinuado rapidamente e deixou no ar como teria se saído.

Rafael Smeers
Aventurine Brasil

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As concepções de “computador familiar” e “central multimídia” já apareceram em diversos textos do Cemitério de Consoles e apesar de terem sido um fator bem determinante para a morte de alguns deles, o Philips CD-i não seria a última vítima da ideia. Criado em 1996, o Apple Bandai Pippin é possivelmente uma das história mais “macabras” a aparecerem em nossa série, um verdadeiro túmulo de informações devido o seu curto período de vida.

A história do console relata mais sobre a trajetória de sua empresa, a Apple, do que sobre seu próprio desenvolvimento. Na verdade, a vida curta do console dificulta consideravelmente a concepção do quanto ele poderia ter sido aproveitado por desenvolvedores e resulta mais em uma análise de situação do que de mercado em si.

Cortado pelas raízes

Para começar, vale notar que a criação do Apple Bandai Pippin data em tempos obscuros para a Apple, quando as criações da multinacional norte-americana resultavam em prejuízos atrás de prejuízos. A demissão de Steve Jobs em 1985 resultou em tempos conturbados para a companhia até o final da década de 90, quando em 1997 Jobs retornou como CEO e começou uma reestruturação pesada na empresa.

Pouco antes do retorno de Steve Jobs, a Apple tentava ascender novamente de diversas formas, uma delas o ingresso ao mercado de videogames. A empresa tinha planos de criar uma espécie de central de entretenimento de baixo custo, portátil (mesmo apesar do fracasso do Newton) e dedicada à reprodução de CDs de software, especialmente jogos eletrônicos.

Lançado em 1993, o Apple Newton era extremamente caro apesar de inovador, por isso, acabou derrotado por concorrentes como o PalmPilot.

A Microsoft já apostava em modelos mais baratos de computadores Windows e independentemente do rombo em sua conta, a Apple não pretendia ficar para trás. A máquina se basearia na plataforma Pippin, uma variação do Macintosh com foco no desenvolvimento de utilidades para o usuário final.

Em 1993, uma empresa procurava exatamente por aquilo que a Apple pretendia entregar com a Pippin. A Bandai, criadora Japonesa de brinquedos e videogames, tinha planos de desenvolver um computador portátil voltado para jogos CD-ROM. Desconhecendo o desenvolvimento da plataforma Pippin (que na verdade ainda engatinhava), Makoto Yamashina, presidente e CEO da Bandai naquela época, apresentou os planos da empresa em produzir um videogame. A ideia era basear o sistema em um Macintosh Classic II. A Apple ficaria responsável pelo desenvolvimento do hardware e a Bandai cuidaria da produção e fabricação da carcaça e da embalagem.

Não haviam planos de incluir internet no sistema como outros consoles apresentavam, mas ambas as empresas eventualmente perceberam que o público clamava por suporte a conexão de internet. Assim, a Apple decidiu incorporar um modem ao hardware, que pouco a pouco se tornava o modelo final da plataforma Pippin através de diversas adaptações dedicadas aos anseios públicos ou à redução de custos finais ao consumidor.

Diferentemente do Macintosh, o hardware final da plataforma Pippin não tinha um HD interno (como o foco era a reprodução de CDs) e dependia de NVRAMs (memórias não voláteis) de 128 KB…
…mas protótipos do console ainda possuíam HD interno e hoje são extremamente raros.

Em dezembro de 1994, a Apple decidiu anunciar em Tokyo a plataforma Pippin e sua parceria com a Bandai. O plano era lançar a plataforma em 1995, mas somente dois anos depois, em 1996, o primeiro modelo utilizando a Pippin, o “Apple Bandai Pippin”, seria comercializado. O modelo Bandai Pippin ATMARK (ピピンアットマーク Pipin Attomāku) chegava ao mercado Japonês por 64,800 ienes (cerca de 650 dólares) com quatro jogos inclusos.

Meses depois, o console chegava ao mercado ocidental, mais especificamente nos Estados Unidos. Ao preço de 600 dólares, o Bandai Pippin @WORLD contava com carcaça preta e era vendido em um pacote que acompanhava seis meses de internet ilimitada da provedora PSINet por 25 dólares por mês. O modelo americano contava com um diferencial consideravel: a possibilidade de adicionar cartões de memória DRAM e o suporte a outros “periféricos”/expansões de melhoria de hardware.

As expectativas da Bandai eram de que em seu primeiro ano, o videogame venderia 200,000 unidades no Japão e 300,000 unidades nos Estados Unidos. Em ambos os locais a produção de unidades era tão lenta quanto a procura, mas o Apple Bandai Pippin era tão pouco popular nos Estados Unidos que a Bandai decidiu relocar as unidades ao mercado Japonês.

Bandai Pippin ATMARK (esq.) e Bandai Pippin @WORLD (dir.)

Porém, a volta de Steve Jobs em 1997 também marcava a descontinuidade do console. Preocupado com os gastos da empresa com seus produtos, projetos e pesquisas, diversos cortes nestes “vazamentos” monetários foram ordenados e entre eles, estava o Apple Bandai Pippin. Fora o próprio modelo, umas das únicas grandes empresas a utilizarem a plataforma Pippin foi a Mitsubishi, fato que fazia com que a plataforma como um todo morresse naquele momento.

Biblioteca sem salvação

Pelo fato de que a plataforma Pippin se baseava no Macintosh, era relativamente fácil produzir ports de jogos já existentes de computador para o videogame. Um dos títulos mais interessantes do console foi produzido por ninguém mais ninguém menos que Alex Seropian, co-fundador da Bungie Studios (criadora de Halo). Alguns dos títulos da desenvolvedora eram exclusivos de Mac, entre eles Marathon, um título de tiro em primeira pessoa que foi portado para o Pippin com o título Super Marathon. Tratava-se de um desenvolvedor precioso em tempos em que a maioria dos jogos de computador eram produzidos para Windows.

Em uma entrevista ao Gameological Society, o desenvolvedor expôs sua visão da situação:

Alex Seropian: “Lembro que estávamos ansiosos. Nós estávamos focados no Mac e o Pippin representava uma oportunidade de talvez alcançar mais pessoas, […] Acho que estávamos desconfiados mas solidários no momento. Era algo que a Apple e a Bandai queriam muito que fizéssemos e nós tínhamos uma boa relação com ambas.”

Super Marathon não tinha trilha sonora e contava com framerate inferior ao do Marathon original.

Mas nem mesmo a contribuição da Bungie tornou a biblioteca de jogos do Apple Bandai Pippin em um fator estimulante à compra. Apenas 22 games foram desenvolvidos para o console e a grande maioria deles eram desinteressantes em comparação à concorrência e não condiziam com o verdadeiro potencial gráfico do sistema.

Power Rangers Zeo Versus The Machine Empire era um tanto quanto… “rústico”.

Proibido de viver

O fato de que o Apple Bandai Pippin não morreu de causas naturais, mas sim por causa da decisão de descontinuação por parte de Steve Jobs devido às condições monetárias da Apple no momento dificulta consideravelmente o apontar . Mesmo conhecendo os “sintomas da doença”, é complicado dizer ao certo se a doença teria matado o sistema se não fosse seu cancelamento.

Ainda que o videogame tenha vendido um total de apenas 42,000 unidades, existem sim dois pontos na recepção do console que podemos citar. Primeiramente, o teor de central de entretenimento e desenvolvimento amigável decepcionou alguns desenvolvedores por não ser tão fácil como havia sido divulgado. O fato do sistema não ter HD interno resultava em algumas confusões e na necessidade de explicações constantes de como tirar proveito máximo das NVRAMs.

Mas um fator específico do console foi elogiado: o AppleJack. Enquanto a maioria dos controles em formato bumerangue haviam falhado até então e eram alvo constante de críticas, o controle do Apple Bandai Pippin era segundo relatos de jogadores “confortável e distinto”. Além disso, havia também uma versão sem fio do controle.

AppleJack (de cabeça para baixo)

Podemos destacar como possíveis causas principais da terrível popularidade do Apple Bandai Pippin em sua curta duração:

→ Pouca experiência tanto da Apple quanto da Bandai no desenvolvimento de consoles;
→ Estímulo inicial a desenvolvedores de games insuficiente;
→ Biblioteca de títulos pouco interessante;
→ Mal uso do potencial de hardware do sistema;
→ Preço alto em relação à concorrência;
→ Mercado dominado pelo PlayStation;
→ Insistência no modelo de “central multimídia” e “computador familiar”, que já havia fracassado em tentativas anteriores de outras empresas.

Na próxima edição do Cemitério de Consoles, abordaremos o famoso Dreamcast, o inovador console da Sega que falhou em crescer antes da chegada do PlayStation 2 mas abriga títulos bem conhecidos. Acompanhe o Aventurine e não perca a próxima edição da série!

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Rafael Smeers
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Organic Marketing, Neuromarketing & Game Journalism/Localization | MTB 309683