Entre o Chiado, o Carmo e Paris

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Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Coord. José Quaresma

Artes na Esfera Pública Casa de Portugal — André de Gouveia



Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Coord. José Quaresma

Artes na Esfera Pública Casa de Portugal — André de Gouveia


Coordenação José Quaresma Revisão Revisão de textos pelos autores Tradução e Revisão de Textos Texto da p. 228, Rev. de Magdalena Maciaszczyk. Texto da p. 320, Trad. e Rev. Magdalena Maciaszczyk. Texto da p. 308, Trad. Elzbieta Rodzen-Lesnikowska, e Rev. de Karolina Kozera Fotografias do Catálogo Vários autores (ver p. 345 do Catálogo) Fotografia da Capa Alexandre Nobre Design Tomás Gouveia Impressão e Acabamento inPrintout ISBN 978-989-8944-34-4 Depósito Legal 478010/20

Lisboa, Dezembro 2020

© das obras, dos textos e das traduções: os autores

Edição Faculdade de Belas-Artes Universidade de Lisboa Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058 Lisboa Tel. [+351] 213 252 108 comunicacao@belasartes.ulisboa.pt www.belasartes.ulisboa.pt


Agradecimentos

Aos Artistas Aos Ensaístas À Casa de Portugal — André de Gouveia Ao Instituto Camões À Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa Ao Gabinete de Comunicação e Imagem da FBAUL Ao Museu Arqueológico do Carmo Ao Alexandre Nobre À Doutora Ana Paixão Ao Doutor José Manuel da Costa Esteves


Ă?ndice


Introdução P. 10

Texto de acolhimento da Casa de Portugal — André de Gouveia P. 14

Parte I O Chiado como lugar simbólico da esfera pública e da produção artística e cultural Art Français, Art Portugais José-Augusto França P. 22

Cega-Rega Heptossilábica do Chiado de Antigamente, nas Práticas do Autor José-Augusto França P. 36

Parte II Chiado, Carmo, Utopia e Imagem em Movimento Cinema e «Orpheu»
 — Momento Essencial...

Guilherme d’Oliveira Martins P. 62

O Chiado e o(s) Cinema(s) José-Augusto França P. 68

A alunagem de Júlio Verne no Chiado e o “Guisado na Porcalhota” José Quaresma P. 73

(Re)construções do Carmo. Utopia no Espaço Público Célia Nunes Pereira P. 80

A Escultura do Chiado:
 da Lisboa Romântica à Lisboa dos nossos dias

O Carmo na esfera da Arte Pública. O documentário como plataforma de preservação patrimonial

Chiado:
Lugar de Representação

Projecções sobre o espaço público

Cristina Azevedo Tavares P. 43

Guilherme d’Oliveira Martins P. 54

Célia Nunes Pereira P. 94

Helena Ferreira P. 106


Chiado em Campo.
 Da realidade à imagem real Elsa Bruxelas P. 122

O Chiado e a technopoly. Imagens em movimento / panem et circenses José Quaresma P. 134

As cores da «Cidade Branca» — Lisboa no ecrã (olhares do cinema estrangeiro sobre a cidade de Lisboa) Fernando Rosa Dias P. 146

Parte III Dromologia e Pausa Dois momentos históricos
 da performance
no Chiado: as acções futuristas e o Grupo Acre Fernando Rosa Dias P. 174

Chiado em efeito dromológico. Crónicas de heterotopias mundanas Fernando Rosa Dias P. 201

The city as a mise-en-scène of artistic urban travels (audiowalks, urban drift, performace walks: ‘the art of walking’) Marta Ostajewska P. 228

A Ação de Pausar Fernando Crêspo P. 239

Parte IV Flâneurs, Janotas e Ecrãs Sintomas de periferias irónicas no «Janota do Chiado»
— com as figuras do Dandy
e do Flâneur (e ainda do Marialva) Fernando Rosa Dias P. 252

A multidão como mediação de vários ecrãs. Da imersão em smartphones
e da deambulação pelo Chiado e pelo Carmo José Quaresma P. 273


Parte V
 Chiado / Carmo, elemento gráfico e esfera pública

Parte VI Texto em aberto e Respublica Litteraria

Hefesto, Fausto e o Elemento Gráfico. Matrizes telúricas, forjadas, transmutadas

Ngā whakaekenga: An invasion... or? A letter to Chiado

José Quaresma P. 284

De la creación a la interpretación de una idea gráfica. Un erudito en su estudio o el doctor Fausto Juan Carlos Ramos Guadix P. 293

On the theme of Doctor Faust — a motif of light and shade in graphic arts. An essay on selected Polish artists Alicja Habisiak-Matczak P. 308

Various faces of the flâneur and dandy in Łódź graphic art Alicja Habisiak-Matczak P. 320

Mark Harvey P. 334

Catálogo P. 345

CV’s

P. 450


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Introdução José Quaresma

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José Quaresma

Artes na Esfera Pública

No Panorama cultural geral, onde Pombal abateu a influência dos Jesuítas e arredou a dos Oratorianos, sentiram-se novos ventos soprados da França enciclopedista; e, embora os seus autores estivessem proibidos de circular, livreiros franceses lhes vendiam clandestinamente as obras […]”. José-Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina

A multidão é o seu domínio, tal como o ar é o domínio do pássaro, e a água, o do peixe. A sua paixão e a sua profissão é de desposar a multidão. Para o flâneur perfeito, para o observador apaixonado, eleger domicílio no meio da multidão, no inconstante, no movimento, no fugitivo e no infinito, constitui um imenso gozo. Estar fora de casa e, no entanto, estar em todo o lado em casa […]. Baudelaire, O pintor da vida moderna

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Esta publicação oscila entre dois títulos muito significativos: por um lado, no seu início, podemos ler Art français, Art Portugais. Un Dialogue de neuf siècles, de José-Augusto França, notável historiador de arte e olisipógrafo que sempre se mostrou inteiramente disponível para apoiar e colaborar no nosso projecto. Do outro lado, como texto final, Ngā whakaekenga: An invasion…or? A letter to Chiado, de Mark Harvey, Professor de Artes Performativas da Universidade de Auckland, Nova Zelândia. O que se pretende simbolizar com estas duas referências diametralmente opostas do globo, de culturas tão distintas e distantes é, a par da representatividade muito alargada do projecto Chiado / Carmo / Paris, o espírito inerente às actividades desenvolvidas pela Casa de Portugal — André de Gouveia (instalada na Cité Universitaire de Paris), que se caracterizam pela grande diversidade cultural, artística e científica. É com este entendimento da persistente criação de encontros civilizacionais e artísticos que os responsáveis pela Direcção da Casa de Portugal, da Cátedra Lindley Cintra da Universidade Paris Nanterre e do Leitorado de Português da Universidade Paris 8 Vincennes-St. Denis, do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua, têm recebido as propostas que anualmente lhes faço chegar para manter vivo o enlace Chiado / Carmo / Paris. Por este motivo, foi com enorme prazer que acolhi o desafio/convite da Doutora Ana Paixão e do Doutor José Manuel da Costa Esteves para organizar esta obra, na qual estão contemplados sete anos


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consecutivos de parceria institucional e de trabalho, designadamente com produção de textos submetidos a temas específicos, exposições de arte, realização de conferências, performances, ou criações videográficas. Efectivamente, a partir de 2013, ano da primeira interligação do projecto do Chiado / Carmo e da Casa de Portugal na Cité Universitaire, não abrandou a partilha de interesses artísticos e investigativos, com um enfoque em exposições de obras de arte realizadas na Sala de Exposições Vieira da Silva, na Casa de Portugal — André Gouveia. Nestes actos expositivos confluem anualmente muitos jovens artistas da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, que se confrontam e enriquecem em contacto com jovens artistas de outras instituições de Ensino Artístico Superior, nomeadamente da Escola Superior de Belas Artes de Paris, da Escola de Belas Artes de Łódź, da Faculdade de Belas Artes de Granada, da Faculdade de Belas Artes de Cuenca, da Escola Superior de Artes de Auckland, da Academia de Belas Artes de Florença, da Faculdade de Belas Artes de Vitória (Brasil), ou da Escola Superior de Belas Artes de Bruxelas. Ainda a título de exemplo, embora relativamente a outro aspecto do projecto Chiado / Carmo / Paris, a saber, a sua dimensão ensaística e de organização de conferências públicas, foi justamente nesse ano de 2013, em pleno Grémio Literário de Lisboa (uma das instituições que tem integrado este rizoma) que tivemos a alegria de saudar a presença de José-Augusto França e Eduardo Lourenço (que recentemente nos deixou) entre os conferencistas da edição dedicada ao “Francesismo” cujo “mote” fomos buscar a Eça Querós. Desde então, o “Labirinto” criativo que interliga os nossos lugares de manifestação poética, artística e científica não cessou de produzir resultados, a propósito de temas tão diferenciados como: Chiado, Carmo e o Cinema; Chiado, Carmo e Respublica Literaria; Chiado, Carmo e u-topia; Chiado, Carmo e As Aparições de Fausto; Chiado, Carmo e Coração das Trevas; Chiado, Carmo e Janotas e Flâneurs suspensos num Smartphone. Como enfatização daquilo que temos vindo a referir e do género de projectos que temos realizado em comum, permitam-me terminar esta Introdução com uma passagem da edição mais recente do Chiado / Carmo / Paris. “O projecto Chiado / Carmo, Artes na Esfera Pública deste ano consiste numa reflexão e numa produção artística que abrange um grande arco temporal —1850-2020 —, visando dois fenómenos essenciais à construção da esfera pública e civilizacional: A observação crítica e criativa da vida no espaço público, voltando a olhar os dandys, os flâneurs, os “Pintores G.” de Baudelaire, os janotas e os marialvas do Chiado e do Carmo do séc. XIX, como se se tratasse de um “Projecto Inacabado”, escolhendo nesse contexto os

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José Quaresma

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exemplos fecundos — mas também os modelos de interacção ainda não esgotados — de interpelação dos ritmos urbanos, de exposição aos outros e de assimilação sadia da “vida moderna”, nesse vagabundear que regista e pensa as mutações das metrópoles que habitamos, sejam as reais, sejam as virtuais que ampliam e perturbam as reais.”

Entretanto, com o mesmo espírito de interpelação, e ainda que mergulhados no drama e nos impasses da pandemia que assola o mundo desde o início deste ano, já dialogámos e cuidámos do projecto para 2021 na Casa de Portugal, a saber: ‘Un Ballo in Maschera’ pelo Chiado e pelo Carmo. Artes na Esfera Pública (Lisboa, Paris, Granada, Łódź)

Lisboa, 10 de Dezembro, 2020

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Texto de acolhimento da Casa de Portugal — André de Gouveia Ana Paixão Casa de Portugal — André de Gouveia Leitorado de Língua e Cultura portuguesa da Universidade de Paris 8

José Manuel da Costa Esteves Cátedra Lindley Cintra Universidade Paris Nanterre

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Ana Paixão, José Manuel da Costa Esteves

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Ce que Lisbonne rêve avec un naturel parfait, ce sont les rêves des autres. […] la capitale à l’heure de Paris, Eduardo Lourenço1 Depuis le matin où vous avez quitté Lisbonne, moi, je ne sais que demander votre présence en parlant avec toutes vos couleurs, Carta de Almada Negreiros para Sonia Delaunay2

A colaboração com o projeto Chiado / Carmo / Paris, coordenado pelo Professor José Quaresma, começou em 2013, em torno do francesismo, e do fascínio, das influências e das provocações que têm levado Lisboa a sonhar com Paris. Trata-se da sétima edição desta parceria que associa ao projeto a Casa de Portugal — André de Gouveia da Cidade internacional universitária de Paris, a Cátedra Lindley Cintra da Universidade de Paris Nanterre, o Leitorado de Língua e cultura portuguesa da Universidade de Paris 8 — Vincennes — Saint-Denis, e Camões — Instituto da Cooperação e da Língua. Em 2020, declina-se em formato papel e em livro eletrónico, num balanço retrospetivo das edições anteriores. Desde a primeira edição, múltiplas perspetivas intersemióticas têm sido cruzadas entre as duas cidades, declinadas em torno de temáticas específicas. A primeira variação, em 2014, foi conjugada com a câmara de Neuilly-sur-Seine que recebeu O Chiado da Dramaturgia e da Performance, Arte na Esfera Pública, entre Lisboa, Paris e Marselha, com Olga Roriz como artista convidada. Em 2015, o projeto focalizou-se na reflexão e produção artística sobre imagens em movimento, desde o Cinematógrafo até ao Videomapping para redesenhar contornos arquitetónicos e revisitar monumentos. O movimento que anima as imagens, já poeticamente abordado pelos simbolistas («imagens que passais pela retina» de Camilo Pessanha), depois tematizado na velocidade pelos adeptos de Marinetti, voltou à esfera pública com a aceleração quotidiana, criando a ilusão de que podemos estar num lugar e simultaneamente em toda

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1. Eduardo Lourenço, « Lisbonne est un songe », in Michel Chandeigne, Lisbonne, la nostalgie du futur, Paris, Autrement, 1988, 12-15, p. 13. 2. Carta de José de Almada-Negreiros para Sonia Delaunay, datada de 24 de Agosto de 1915, in Paulo Ferreira, Correspondance de quatre artistes portugais Almada-Negreiros, José Pacheco, Souza-Cardozo, Eduardo Vianna avec Robert et Sonia Delaunay, Paris, PUF, 1981, p. 85.


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a parte, ou acedermos a novas formas ex machina de contemplação do mundo. O lançamento da edição seguinte, em 2016, intitulada Chiado — Carmo, Metropolis e u-topia, teve lugar em Paris com um Ciclo de conferências e o lançamento de um livro de ensaios na Universidade Sorbonne 1 — Panthéon, assim como com uma exposição na Casa de Portugal. Os núcleos urbanos do Chiado abriram-se à projeção de referências e à convocação de imaginários. Uma identidade citadina plural pelas influências que Lisboa funde desde a Antiguidade, e que se projetou num espaço multicultural como é o da Cidade internacional universitária de Paris. Carmo - Chiado e a Respublica Litteraria // Artes na Esfera Pública foi o título do projeto em 2017, igualmente com início em Paris, e com uma nova parceria: a da Delegação em França da Fundação Gulbenkian. Esta edição contou ainda com colaborações de Vitória, Auckland, Lodz, Granada e também Lisboa, abrindo-se cada vez mais a novos espaços geográficos e instituições. Dedicando-se à respublica litteraria, o projeto salientou de que forma a circulação de ideias na Europa ao longo dos séculos XVI e XVII assumiu um papel fundamental na criação de uma cultura europeia. Com a diversidade geográfica desta edição, a circulação alargou-se a três outros continentes, contribuindo para o diálogo da cultura europeia com a contemporaneidade e com outras culturas do mundo. No ano seguinte, a temática de fundo centrou-se numa figura arquetípica. A edição Chiado, Carmo, e as Aparições de Fausto. Transfigurações de um Mito nas Artes e na Esfera Pública foi realizada em parceria com a Escola Superior de Belas Artes de Paris, o Intaglio Techniques Studio, a Strzeminski Academy of Fine Arts Łódź, a École nationale supérieure des arts visuels de La Cambre de Bruxelas, ou a Facultad de Bellas Artes de Cuenca. No texto de Goethe, o jovem aprendiz Wagner referia: «A arte é longa, a vida breve»3. Com esta exposição foi possível celebrar ambas — arte e vida, perenidade e transitoriedade. O arquétipo faustiano foi conjugado com olhares intersemióticos de diferentes geografias, fazendo dialogar as culturas do mundo. A edição de 2019 debruçou-se sobre Heart of Darkness de Joseph Conrad, uma das obras mais lidas e analisadas do cânone ocidental, com o estatuto de obra-mito4. Narrativa dentro da narrativa, entre o rio Tamisa e o rio Congo, o texto de Conrad afirmou-se, no início do século XX, como uma expedição introspetiva psicanalítica,

3. Goethe, Fausto: poema dramático, tradução de António Feliciano de Castilho, Porto: Viúva Moré, 1872, ato 1, cena 4. Goethe retoma o aforismo de Séneca: Vita brevis, ars longa, por sua vez retirado de Hipócrates (Oeuvres Completes D’Hippocrate. Amesterdão: A. Littre, 1979, Aphor. 1.1). 4. Cf. Harold BLOOM, Bloom’s modern critical interpretations — Heart of Darkness, NYC: Infobase publishing, 2008, p.4.

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Ana Paixão, José Manuel da Costa Esteves

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uma travessia geopolítica e civilizacional, e um ensaio ontológico e ético. Com esta abertura interpretativa, Heart of Darkness prestou-se a traduções pluriartísticas concretizadas com Łódź, Paris, Lisboa, Castilla-La Mancha, ou Cuenca. As diversidades temáticas e geográficas, a variedade dos materiais e das leituras intersemióticas realizadas ao longo destes sete anos comprovam o dinamismo, a criatividade e as múltiplas tonalidades artísticas e académicas de que esta parceria se tem revestido. Este diálogo fecundo, em que as cidades convocam presenças mútuas e utilizam, como o desejava Almada-Negreiros, todas as cores para falar, tem permitido novas formas de as projetar e sonhar. Continuaremos a colaborar com o Chiado / Carmo / Paris cientes de que as duas capitais se reinventam nesta circulação cruzada de influências, em dois anos chave em que ambas assumem a presidência do Conselho da União Europeia.

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© Alexandre Nobre



Parte I O Chiado como lugar simbólico da esfera pública e da produção artística e cultural


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Art Français, Art Portugais. Un dialogue de neuf siècles José-Augusto França

in Les Rapports Culturels et Littéraires entre le Portugal et la France, Actes du Colloque, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian — Centre Culturel Portugais, 1983.

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José-Augusto França

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Issu de la monarchie capétienne, la première dynastie royale portugaise s’est naturellement ouverte, à ses débuts, au formulaire français de l’architecture romane qui, passée par Aragon et Navarre, a suivi le «camino francés» de SaintJacques de Compostelle, pénétrant alors dans le territoire qui deviendra, au XIIe siècle, le noyau du royaume du Portugal. La cathédrale de Braga, la plus ancienne de toutes, fondée au XIe siècle, et où perce le modèle de Saint-Sernin de Toulouse, tout comme celle de Porto, érigée entre 1113 et 1136, ou encore celle de Coimbra, fondée vers le milieu du XIIe siècle, le plus pur des monuments portugais de style roman, qui rappelle Saint-Jacques mais aussi Conques, doivent leur construction et leur programme à trois évêques français, Saint Gérard, Hughes et Bernard, moines de Cluny — car l’ordre de Saint Benoît, sous le comte Henri de Bourgogne, comptait quelque cent dix monastères à l’intérieur de ses domaines. De Coimbra, probablement, les maîtres d’oeuvre Robert et Bernard sont passés à Lisbonne où ils ont rebâti la cathédrale dans le cadre de la même influence auvergnate. L’étude approfondie des plans, des élévations et des espaces permet d’établir des rapports généalogiques qui confirment l’évolution d’un discours culturel aux branches multiples en successives adaptations conjoncturelles. C’est ainsi que l’influence cistercienne a concurrencé celle de Cluny, à tel point qu’E. Bertaux n’a pas hésité à affirmer dès 1916 que SainteMarie d’Alcobaça est «l’église la plus pure et la plus majestueuse que [les cisterciens] aient érigé en Europe». C’est d’ailleurs dans ce monument consacré en 1252 qu’on peut aujourd’hui réaliser, par analogie formelle, la lecture historique de Clairvaux disparu. L’enchaînement des formes gothiques, qui se vérifie dans maints monuments, internationalise l’architecture portugaise qui reçoit des influx doubles du Nord de l’Europe et de l’art méditerranéen, mais il ne faut pas oublier que la période correspondante au règne d’Alphonse III (1246 — 1279) qui a passé vingt ans à la cour de Louis XI où il s’est marié, est fondamentale pour l’évolution du gothique portugais, et il faudra, peut-être, à l’aide d’une chronologie minutieuse, explorer cette perspective culturelle. Encore faut-il examiner de plus près ce Maître Huguet, successeur d’Afonso Domingues sur le chantier monumental de Sainte-Marie de la Victoire, à Batalha. Est-il français? Le seul fait certain est qu’il a enrichi les schémas nationaux du premier maître avec un style plus raffiné, voire plus international. Vers 1360, le monastère d’Alcobaça reçut les tombeaux monumentaux de Dom Pedro et Dona Inês de Castro, deux oeuvres de grande importance dans le cadre de la sculpture gothique, avec leurs flancs richement ouvragés, d’où émerge la «belle Inês» reine et martyre, idéalisée avec une sentimentalité discrète. L’artiste nous est inconnu, mais la qualité insolite du précieux travail nous incite à rechercher chez


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les sculpteurs franco-bourguignons l’auteur de cette commande royale car elle présente des traits assez sûrs de cette école. Franco-bourguignons, ou franco-flamands, sont certainement les deux portraits bien connus du Maître dit de 1456, à cause de la date inscrite sur l’un d’eux, existant dans la collection Liechtenstein et au Louvre, celui-ci représentant l’ «Homme au verre de vin». On ne les a pas moins attribués à Nuno Gonçalves (Bertaux), voire à un Vasco Fernandes I er qui serait, d’après José de Bragança, le «faux Nuno Gonçalves», alors que pour Ch. Sterling une attribution portugaise plus vague paraît fort probable. C’est dire combien la ligne de l’ «école franco-flamande» se situe près de celle que le Maître du polyptique de Saint-Vincent-horsles-murs assume plus au moins. Et une voie de recherche, pour si ténue qu’elle soit, se profile au cœur du plus controversé des problèmes de la peinture portugaise ... Des artistes français identifiés apparaissent pourtant bientôt dans l’histoire de la sculpture et de l’architecture portugaises: Jean de Rouen, Nicolas Chanterène, Philippe Hodart et un certain (ou incertain) Boytac, dit Boutaca, dont la nationalité italienne (si non portugaise) n’est pas à éliminer. Ils représentent l’esprit de la Renaissance au Portugal, ou bien formulent des propositions gothiques tardives originales, dites «manuélines», vers le début du XVIe siècle. On connaît assez bien la biographie artistique de Jean de Rouen depuis son arrivée au Portugal, dans les années 1520; le quatrième centenaire de sa mort fut commémoré en 1980 à Coimbra où il a laissé la partie la plus importante de son oeuvre. On ignore cependant ses origines, bien que son nom indique hypothétiquement celui de sa ville natale. Il a très probablement fait son apprentissage dans le cadre des célèbres travaux du cardinal d’Amboise, dans son château de Gaillon, près de Rouen, vers le début du siècle, un des foyers de la Renaissance française dont le maître fut le florentin Antonio Giusti. On a identifié le Jean de Rouen venu au Portugal avec un des sculpteurs du tombeau du cardinal; on sait maintenant que l’hypothèse est à écarter pour des raisons chronologiques. Mais, même si le maître de Coimbra est quelqu’un d’autre, son art, à la fois délicat et ferme, porte bien la marque du cercle d’Amboise — et c’est avec lui que la culture formelle de la renaissance franco-italienne s’est installée au Portugal. Nicolas Chanterène («mestre Nicolau francês») fut signalé dans le chantier de l’église hiéronymite de Belém, en 1517, dirigeant un petit atelier où il y avait aussi trois artisans français. Il y a laissé les portraits agenouillés du roi Emmanuel et de son épouse sur le grand portail, et a travaillé par la suite à Coimbra, à Lisbonne et à Evora où il se trouvait en 1540. Il avait travaillé avant à Saint-Jacques de Compostelle. Sculpteur et décorateur, on lui doit l’introduction d’un formulaire renaissance au Portugal, dont l’inspiration italienne a subi les

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Figura 1 N. Chanterene, Statue D’Emmamnue I Hieronimytes, Lisbonne (v. 1517)

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inflexions françaises des pays de la Loire, où Chanterène est probablement né. Hodart est également passé d’Espagne au Portugal; il a réalisé, à Coimbra, entre 1530 et 1534, pour les chanoines de Santa-Cruz, une «Cène» dont la qualité réaliste et dramatique est unique à cette époque; peut-être a-t-il réalisé d›autres travaux, notamment des orants funéraires. On ne sait rien de lui et les historiens portugais (ou français) doivent encore chercher les racines de son art à la fois expressif et calme, de grande présence figurative. Des documents parlent de Boytac au Portugal depuis 1498 jusqu’en 1528. Bien que plus âgé, il est le contemporain des trois autres artistes de souche française, mais son art ne doit rien au nouvel esprit de la renaissance: il est, pour ainsi dire, le dernier des architectes gothiques du Portugal, à Batalha et à Belém. II appartient déjà à l›espace «manuelin», assumant ainsi un style national dont la lecture des romantiques fera un style nationaliste. On peut penser (comme l’a déjà fait R. Averini) qu’il portait «dans ses yeux les cathédrales de Bourges et de Reims», mais on ignore tout de sa formation. Son art «brutal, naïf et vigoureux» (M. T. Chicó) laissa des travaux qui comptent dans le cadre de cette époque de transition où le gothique «résiste» à la renaissance, quitte à lui fournir un corpus imagétique nouveau ou adapté qui s’accorde à une inspiration autochtone «proto-baroque» (E. d›Ors) et traduit, dans son naturalisme quelque peu symbolique, une nouvelle situation culturelle et sociale dans une Europe ouverte sur les mondes exotiques. La détermination du rôle de Boytac, de pair avec celui du biscaïen Juan de Castillo, dans cette création architecturale essentiellement scénographique, est une tâche qui reste


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à réaliser. Son rôle n’en est pas moins, sans doute, de la plus grande importance. L’Italie d’Olanda et l’Espagne de Terzi domineront par la suite l’art portugais, pendant un siècle — et ce n’est qu’à la faveur des guerres de la Restauration, vers le milieu du XVIIe siècle, que des ingénieurs français prendront pied au Portugal. Maîtres de fortifications, ils y laisseront cependant une leçon de principes d’urbanisme qui ne manqueront pas d’influencer les architectes-ingénieurs militaires de la Lisbonne de Pombal, un siècle plus tard. Ce fut avec Jean V que les relations artistiques avec la France ont repris d’une façon autrement institutionnalisée. Le ciel et le monde se partageant les faveurs du monarque portugais, riche des diamants et de l’or du Brésil dès le début de son règne, il y avait des rôles importants pour Rome et pour Paris. Des architectes italiens ou italianisés étaient appelés par des couvents et par des palais royaux qui s’associaient à des couvents et à des églises, mais les peintres et les graveurs français, et même un sculpteur et un grand décorateur furent invités à travailler pour la cour de Lisbonne — en même temps que Jean Mariette, fournisseur attitré des collections royales, envoyait à Lisbonne quelque 106 volumes d’estampes, perdus dans le tremblement de terre de 1755. A Paris encore, Mendes de Góis tenait le roi au courant des derniers goûts, des dernières modes ... Pierre-Antoine Quillard arriva à Lisbonne vers 1726, par hasard. Vaincu dans le concours pour le prix de Rome, il se décida à accompagner comme dessinateur un naturaliste suisse, Merveilleux, qui programmait un voyage d’étude au Portugal. Il rêvait probablement de commandes plus intéressantes et il les a eues, de la part de la grande noblesse et du roi lui -même qui rapidement le nomma à son service. Formé dans le goût de Watteau, le jeune Quillard peignait des scènes galantes et bucoliques, mais aussi des compositions religieuses, des plafonds et des portraits, et il était également un excellent graveur. Le relatif isolement dans lequel travaillait Quillard, mort très tôt, en 1733, explique le manque d’influence que son art a exercée (ou a pu exercer) sur les peintres nationaux — opportunité perdue d’une altération de la teneur médiocre de la peinture portugaise de cette période. Il en est allé de même avec les graveurs français que Jean V fit venir pour créer un atelier capable d’illustrer les éditions de sa récente Académie d’Histoire. Pierre et Charles de Rochefort, Le Bouteux et G. Debrie surtout, ont produit à Lisbonne une œuvre considérable, mais en circuit fermé, n’arrivant pas à fonder l’école nécessaire. Le mécénat de Jean V, incapable de promouvoir une création autochtone, se contenta d’une action importante mais qu’on dirait passive, dans une certaine mesure. Jean Ranc, disciple de Rigaud, peintre royal de Philippe V d’Espagne, n’a fait que venir à la cour portugaise satisfaire des commandes de portraits royaux, qu’aucun peintre national n’était en mesure d’exécuter. On sait que Meissonnier a travaillé

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José-Augusto França

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Figura 2 Nicolas de Largilliere, Portrait de Thomas Germain et de sa Femme, 1736, Musée Calouste Gulbenkian, Lisbonne

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pour le palais royal et que les Slodtz ont décoré les grilles fournies par Garnier pour le choeur de l’église de Mafra. Thomas Germain, comme plus tard son fils, fournissait une somptueuse argenterie à la cour et aux Aveiro; Mengin, premier graveur de la Monnaie de Lisbonne depuis 1721, introduisait des signes «rocailles» dans ses compositions, et Godin, de Lyon, fonda, en 1734, les Soieries Royales à Lisbonne. Des estampes françaises d’architecture et de décoration circulaient largement au Portugal: les artisans de la «talha» en profitaient — et les peintres en «azulejo» copiaient des gravures où glissaient les silhouettes élancées des dames de Walteau et où les bêtes de La Fontaine incarnaient les fables gracieuses du poète. Une suite d’actions artistiques liait donc sans interruption la France et le Portugal «joanin», dont le souverain confia son premier portrait en buste, pour Saint-Vincent-hors-les-murs, au sculpteur Claude de Laprade, d’Avignon -qui, vers 1700, dessina le seul tombeau baroque existant au Portugal, celui, très beau, de l’évêque Manuel de Moura, à Vista-Alegre, Aveiro. Un demi-siècle plus tard ce fut L. M. van Loo, ancien peintre français de la cour de Madrid, que deux négociants étrangers protégés par le marquis de Pombal ont choisi pour faire, en 1766, le portrait historique et symbolique du ministre -les plans de Lisbonne restaurée à ses pieds, les Jésuites embarqués vers l›exil, au fond, dans un paysage où coule le Tage, peint par Vernet.


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Le portrait était la peinture française, partout dans le monde, et plusieurs personnalités portugaises auront des portraits d’apparat peints à Paris, au long du XVIIIe siècle. La statue équestre de Joseph 1er, point final de la Lisbonne de Pombal, modelée en 1775 par Machado de Castro, malgré toute la culture romaine qui y fut investie, est elle-même un monument de «place royale» à la française, et n’a eu pour références que celles de Boffrand, de Bouchardon ou de Saly. On sait, d’ailleurs, que le dessin original de la composition vient directement de Perrault et de Le Brun. Parmi les autres autorités classiques auxquelles Machado fait allusion, «L’Architecture Françoise» de Blondel n’en a pas moins servi aux constructeurs de Lisbonne, sorte de vérification d’un modèle mental adapté à des circonstances historiques et culturelles très spéciales que les Lumières justifiaient dans la mesure du possible. Et il n’en est pas moins significatif qu’un aprenti de chez Germain ait trouvé emploi aux chantiers de Queluz comme architecte de jardins à la française et, ensuite, comme architecte tout court, car, malgré son improvisation professionnelle, Robillion laissa dans le palais de plaisance de Monsieur, Frère du Roi, les empreintes d’un goût qui contrariait à la fois le baroque aimable du Sud, qui avait orienté le début des chantiers, et le néo-clasicisme à l’ italienne, qui allait définir la fin du siècle national. En même temps, le palais connut une équipe d’artisans français employés dans la décoration des salles. Et le palais royal d› Ajuda, projet italianisant de 1802, aurait dû avoir des peintures de Madame Vigée-Lebrun, idée avortée de la marquise d’ Alorna, poète habituée aux cours européennes. La résidence Devisme à Benfica, le palais Angeja à Sintra ou l’hôtel Lafões à Lisbonne, dessinés par des architectes portugais dans les années 70 et 8o, offrent autant de références françaises d’un goût néo-classique que le style Louis XVI accommodait. A Porto, anglo-palladien, J. Champalimaud et Renaud Oudineau, comme plus tard C. F. G. Colson, n’en ont pas moins laissé des témoignages de l’architecture publique française en des bâtiments fonctionnels — que Possidónio da Silva, diplômé des Beaux-Arts à Paris et disciple de Fontaine, formé sur les chantiers du Palais Royal et des Tuileries, n’a jamais pu réaliser dans la capitale du royaume libéral, rêveur inconsolable de projets inutiles ... Cependant, au Brésil, une «mission artistique» française invitée par la cour exilée, grâce au comte de Barca, ministre francophile, lança, vers 1816, les bases d’un académisme que le vieux royaume européen eut du mal à connaître. Lebreton, secrétaire perpétuel de la section des Beaux-Arts de l’Institut, J.B. Debret, cousin de David, Nicolas de Taunay et son frère Auguste, prix de Rome en sculpture, et l’architecte Grand-Jean de Montigny, disciple de Percier et de Fontaine, bonapartistes en disgrâce, ont illustré une démarche culturelle inédite, de grande portée — certainement la plus complète et organisée que l’art français ait jamais promue.

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Malheureusement les résultats n’ont pas touché le pays métropolitain, sinon moralement, comme projet officiel portugais. A Lisbonne, à la charnière des deux siècles, les peintres Noël, Doumet et surtout Delerive ont peint des «vues» — et Pliement, actif également à Porto, laissa une oeuvre abondante de grand décorateur international. Ce fut pourtant à Paris, en 1824, que les relations artistiques entre le Portugal et la France ont pris un sens moderne, sur la nouvelle voie du Romantisme. Au célèbre «Salon» de cette année- là, Sequeira, «academicus romanus», a trouvé une nouvelle inspiration. Accroché dans le «salon carré», entre Gérard et Gros, son tableau «La Mort de Camões», depuis disparu, traitait un thème romantique par excellence, le même qui inspira le célèbre poème de Garrett, écrit en France, en ‘même temps, exactement — œuvres d’exil et de «saudade», emblèmes d›une liberté alors écrasée au Portugal et qu’on évoquait désespérément. Une médaille d›or remise par Charles X couronna le succès de Sequeira, cependant sans lendemain car il se replia bientôt sur Rome. Il faudra attendre plus de vingt ans pour que Paris revienne jouer un rôle fondamental dans la peinture portugaise. C’est en 1847 que Francisco Metrass, visitant la grande ville, s’est rendu compte de l’ évolution romantico-acadérnique de la peinture d’histoire. Delaroche frappa alors son imagination — et ce fut à Paris six ans plus tard qu’il se représenta en «Camões dans la grotte de Macao». Encore une fois, Camões symbolisait, à Paris, une situation d’exil et de détresse, cornbien romantique, d’un jeune peintre qui n’avait plus que huit ans à vivre. Les autres romantiques portugais, moins impétueux, furent élèves de Delaroche, de Vernet, de Sheffer, même, un peu, d’Ingres; les meilleurs regardèrent plutôt du côté de Rosa Bonheur et deTroyon, comme Anunciaçâo, le peintre animalier, ou de Winterhalter, comme Meneses qui imita le fameux portraitiste du Second Empire dans l’image à crinoline de sa très belle épouse. Vingt ans plus tard, c’est également à Paris que M. A. Lupi a établi les bases réalistes et académiques de son art du portrait. Winterhalter lui-même, ainsi que Sheffer, et plus tard le fameux CarolusDuran, ont travaillé pour la cour portugaise, où d’autres noms plus modestes sont répérables (un Layraud, un Arnaud, un De Bergue) — et où est venu s’installer, avant 1858, un disciple de Pradier, Anatole Calmels, qui, sculpteur officieux de la société «fontiste», fut l›auteur de la statue équestre de Pierre IV à Porto, des sculptures de l’arc de Triomphe du Terreiro do Paço, et de celles du fronton du nouvel Hôtel de Ville de la capitale, vers 1880. Un autre monument au roi libéral fut érigé à Lisbonne en 1868, également oeuvre française, de Davioud (à qui Paris a rendu récemment justice) et du sculpteur Elias Robert, qui avaient gagné un concours international auquel le jeune Carpeaux participa.


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Mais il y a un nom moins connu qu’on doit souligner dans le cadre de la culture française au Portugal: celui de Pierre-Joseph Pézérat qui fut l’architecte de Pierre IV au Brésil et qui, arrivé à Lisbonne en 1840, fut l’architecte-en-chef de la municipalité. On lui doit plusieurs travaux dont l’Ecole Polytechnique et l’édifice des bains de Saint-Paul, les derniers avatars du style néo-classique dans la capitale. Mais, urbaniste chevronné, il fut également l’auteur, vers 1865, d’un programme de modernisation de la ville qu’un voyage dans le Paris d’Haussmann inspira. Projet utopique (comme celui de Thomé de Gamond en 1870), il fait pourtant partie de l’histoire de Lisbonne, tête d’un pays en développement capitaliste qui aura bientôt sa grande avenue -c’est-à-dire (comme l’on a dit) son «boulevard» qui a fait éclater les anciennes structures romantiques de la ville. Et où le français H. Lusseau bâtit, en 1891, le plus beau des hôtels particuliers, en style mauresque. Bientôt des architectes portugais formés à Paris, comme J.L. Monteiro, Marques da Silva, Norte J.or et surtout Ventura Terra, disciple de Laloux, l’architecte de la gare d’Orsay, ont exploité un goût éclectique et cosmopolite qui remplit les artères nobles des deux villes principales du pays d’hôtels, de gares, d’immeubles de rapport et de nobles résidences, de lycées, de théâtres, voire d’églises et de banques, et, même, d’un parlement. Une autre direction de développement urbain fut assurée par Eiffel lui-même, le constructeur, entre autres, de l’admirable pont Dona Maria, à Porto, qui fut, en 1876, le modèle des ponts d’une seule arche, souvent réutilisé en Europe. Un quart de siècle plus tard, un autre ingénieur français, R. Mesnier, dressera à Lisbonne l’ascenseur de Santa-Justa qui est devenu un des emblèmes de la capitale entrée, enfin, dans l’ère technologique du nouveau siècle. Elle a (ou avait) connu aussi des utopies de luxe — de grands casinos, des galeries aériennes enjambant les rues de la Baixa, un pont sur le Tage, à travers des projets d’entreprises capitalistes et techniques françaises. Si la peinture portugaise avait été reçue d’une façon assez morne dans les expositions parisiennes de 1855, 1867 et 1878, ce fut à partir de cette date que les boursiers des Académies de Lisbonne et de Porto ont pu bénéficier de I’ enseignement régulier des ateliers des Beaux-Arts parisiens. Disciples de Yvon et de Cabanel (et, ensuite, de J. P. Laurens, de B. Constant ou de Cormon), quelques dizaines de peintres, dont les premiers furent Pousão, Sousa Pinto, Marques d’Oliveira et Silva Porto (celui-ci surtout, qui devint également disciple de Daubigny) ont apporté dans leur pays le nouveau formulaire naturaliste de Barbizon qui modifia entièrement, à partir de 1880, la pratique de la peinture nationale.

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Le naturalisme, après la crise réaliste des années 70 qu’Eça de Queiroz signala à force de citations de Courbet et de Proudhon, se développa (quitte à s’académiser) pendant trois ou quatre générations, dans une préférence nationaliste et positiviste que Ramalho Ortigão, jurant sur la tête de Taine, a soutenue de son autorité.

Participation dans les «Salons» parisiens que Lisbonne, comme toutes les capitales de l’Occident, imitait, séjours de jeunesse, qui pouvaient durer la vie entière comme ce fut le cas des deux frères Sousa-Pinto, les rapports entre Paris et Lisbonne étaient à jamais assurés. Et le plus grand collectionneur de peinture à Lisbonne, l’industriel franco-portugais, comte de Daupias, est arrivé à réunir au long du dernier quart du siècle une importante collection européenne, alimentée surtout par Goupil, dont une partie, mise en vente à Paris, en 1892, lui rapporta un million et 200 mille francs-or. Il répondait ainsi aux collections que l’ambassadeur du Portugal à Paris vers 1824, le marquis de Marialva, ou des portugais aux grandes fortunes <<brésiliennes», habitués du «Tout Paris» des années 1840, ou de 1860 à 90, les Regaleira et les Carvalhido, s’étaient constituées en France. Mais il y avait également des photographes comme Thiesson ou Fillon des décorateurs sur porcelaine travaillant à Vista-Alegre depuis les années 40 jusqu’à la fin du siècle, ou des tapissiers ensembliers aux noms fameux, comme Margotteau, voire des modistes fournissant les reines et le grand monde de la capitale dans ce Chiado, coeur de la Lisbonne où «pour un peu on se croyait à Paris» ... Le XIXe siècle lisbonnais, qui lisait en français chez des libraires français, et applaudissait

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Figura 3 Amadeo de Souza-Cardozo, Les Chevaliers, 1913, Musée National d’Art Moderne, Paris


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les pièces françaises, les opéras-comiques d’Aubert et les opérettes d’Offenbach, n’a jamais cessé de dialoguer avec la France, avec Paris. Le XXe siècle assuma volontiers cette continuité qui ne connaissait plus de concurrence, dans le cadre culturel européen. La Belle Époque portugaise, assez modeste, est, certes, restée presque impénétrable au goût de l’ «art nouveau» et, la peinture nationale ayant ignoré l’impressionnisme, de nouveaux peintres reprenaient le chemin de Paris dès les premières années du siècle, à la recherche de nouveaux langages. C’étaient Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Francis Smith, le sculpteur Canto da Maia, parmi d’autres. Les premiers résultats de cette émigration seront observés en 1911 dans une exposition d’ «art libre», à Lisbonne, et tout de suite après, dans le premier «salon des Humoristes», tandis qu’à Paris les dessins de Leal da Câmara dans «L’Assiette au Beurre» étaient fort appréciés. Smith restera parisien durant toute sa vie, et sa peinture sensible maria le goût français à une nostalgie d’un Portugal populaire, vécu en rose. Canto da Maia, devenant disciple de Bourdelle, assumera un goût et un style internationaux que son retour à Lisbonne, trente ans plus tard, ne lui fera pas abandonner. Mais les deux cas les plus importants des années 10 sont ceux d’Amadeo et de Viana, le premier parcourant comme un météore les cieux de l’avant-garde parisienne cubiste futuriste, abstrait, expressionniste, puriste avant-la-lettre, l’l même «dada», dans une explosion d’humeur lorsque la guerre l’a isolé dans un village du Minho, coupé de toute source culturelle vivante. Mort en 1918, il est resté comme le symbole de la première génération du modernisme portugais, dans son destin le plus tragique que le futuriste Santa-Rita partagea, rentré comme lui de Paris et mort la même année, aussi jeune que lui. Viana, ayant trouvé chez Cézanne l’ordre nécessaire à son naturalisme essentiel, produira une oeuvre d’une majestueuse sensualité que le temps (temps à nouveau parisien, depuis 1925) rendra intemporel. Ils sont tous les trois «de Paris» — comme le disaient alors trois autres artistes, par la bouche d’ Almada Negreiros, «poète futuriste et tout», qui se découvrira vraiment dessinateur à Paris, vers 1919. Mais Paris lui-même venait alors au Portugal, lorsque les Delaunay, Robert et Sonia, fuyant la guerre, sont venus s’installer dans le Nord, en 1915, y animant un noyaux d’amis, dont Almada, Amadeo et Viana, et suggérant même à ceux-ci l’opération «disques chromatiques» que leur peinture développera de façon personnelle. Les armés 20 ont vu à Paris plusieurs peintre portugais qui s’installèrent dans des ateliers où travail et bohème faisaient bon ménage montparnassien. Abel Manta et Dórdio Gomes, Diogo de Macedo et Francisco Franco y ont réalisé leurs meilleures oeuvres de peinture et de sculpture dont l’allure moderne s’atténuera malheureusement après leur retour, vers 1925.

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Figura 4 M. H. Vieira da Silva, Le Jardin, Gouache, 1961

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Parmi les jeunes architectes qui ont alors séjourné à Paris, Cristino da Silva, futur professeur aux Beaux-Arts de Lisbonne, y puisa une inspiration rationaliste pénétrée de valeurs «arts déco» qui se manifesta dans la première oeuvre d’architecture moderne projetée au Portugal: le cinéma Capitólio, en 1925. Le Corbusier comme Mallet Stevens influenceront alors le virage «moderniste» national et on doit à deux urbanistes français appelés en 1928 et 1933, Forrestier et Auzelle, les premières études de programmation urbaine d’une capitale qui s’était développée de façon trop désordonnée. Quelques années plus tard, le parisien E. de Groër donna à Lisbonne son plan définitif, alors que le premier urbaniste portugais spécialisé, Faria da Costa, se formait à Paris. Une oeuvre sui-generis encore, dans le cadre de la nouvelle vie mondaine lisbonnaise: le fameux casino d’Estoril; dessiné par le français Jourde en 1930. Mais le séjour qu’un jeune poète et artiste, Antonio Pedro, fit à Paris, en 1935, a mis, une nouvelle fois depuis le futurisme, l’art portugais en contact direct avec l’avant-garde internationale. Il en sortit le manifeste du «dimensionnisme», signé par Duchamp, Delaunay, Miró, Kandinsky, Calder et par Pedro qui le diffusa à Lisbonne dans une publication éphémère intitulée, de façon significative, Climat Parisien. Le surréalisme portugais y puisera son inspiration première. Vers la même époque, les services de propagande du régime de Salazar, créés par un excellent journaliste cosmopolite, Antonio Ferro, qui tempérait sa fascination fasciste par des mythes parisiens, ont regardé également du côté français. Le maître de l’affiche Paul Colin fut alors reçu officieusement à Lisbonne et par les salons des services de Ferro (S .P.N./S.N.I.) sont passés plusieurs artistes parisiens de second ordre, il est vrai, Kisling étant le plus illustre — alors qu’à Lisbonne, en 1940, au moment tragique de l’exil, les plus grands se côtoyaient, Léger, Max Ernst, Chagall, sur la route d’Amérique, par contre, très officiellement, Vichy envoya, en 1942, à l’Etat Nouveau portugais une ambassade artistique expurgée d’étrangers et


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de juifs par les soins de L. Hautecceur qui s’en vantait. Six ans plus tard la France a pu corriger cette perspective malheureuse dans une nouvelle exposition collective envoyée à Lisbonne: la guerre était terminée et Vichy l’avait perdue; l’Etat Nouveau de Salazar quelque peu aussi... A Paris, Fougeron, Pignon, Taslitzky étaient alors les références artistiques et idéologiques de jeunes peintres portugais que les muralistes mexicains également fascinaient: c›était le «néo-réalisme» dans l’Europe de l’après-guerre, dans laquelle le Portugal essayait d’entrer, malgré obstacles et surveillances. Dans la gare maritime de Rocha, en 1949, Almada Negreiros adopta également un néo-cubisme alors repensé à Paris pour peindre un dimanche populiste de Lisbonne, dans la tristesse infinie des saltimbanques, ou un départ d’émigrants, écrasés de douleur et de «saudade», sur le pont d’un bateau. Ce chef-d’oeuvre de la peinture portugaise de la première moitié du siècle garantit ainsi un dialogue entre une profonde conscience de lieu et une conscience formelle que le temps parisien définissait. Une autre perspective temporelle était alors présente dans le mouvement surréaliste qui s’organisa à Lisbonne vers 1948, étroitement lié à la renaissance du mouvement parisien. Des contacts actifs ont eu alors lieu avec Breton, Péret, et tout le groupe de la revue Néon; ils auraient dû aboutir au relancement de la revue Variante qu’Antonio Pedro avait publiée en 1942 et qui serait alors devenue la grande revue internationale du surréalisme, comme le Minotaure disparu. Elle aurait été éditée à Lisbonne et dirigée par Breton, Pedro, Mesens et Calas, aux Etats-Unis. Rêve avorté mais qui ne manqua pas de souligner le sens d’internationalisation de la culture portugaise dans une étape décisive de son évolution. Ce mouvement passait nécessairement par Paris. De Paris également est venue la première exposition de peinture abstraite réalisée au Portugal: celle d’Edgar Pillet, un des directeurs de l’Atelier d’Art Abstrait de Paris, vers le début des années 50. C’est à partir de là que le mouvement portugais correspondant s’affirmera et, en 1954, lors du premier salon d’art abstrait à Lisbonne, des débats simultanément organisés ont eu lieu à l’Institut Français, le seul cadre alors possible au Portugal pour de telles aventures de l’esprit... Ce fut aussi à Paris qu’un jeune architecte, collaborateur de Le Corbusier, Nadir Afonso, a développé, dans les années 50 et 60, une peinture géométrique originale dans sa grande rigueur formelle. Car vers la fin de la décade de 50 une nouvelle génération de peintres portugais a cherché, à Paris surtout, des conditions de vie que son pays lui refusait, matériellement aussi bien que spirituellement. Installés ici même (certains depuis plusieurs années), Paulo Ferreira, Antonio Dacosta, Vasco Costa, Lourdes Castro, René Bertholo, Eduardo Luis, Jorge Martins. Júlio Pomar, et d’autres encore, continuent

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aujourd’hui, chacun à sa manière, un dialogue imaginaire vieux de neuf siècles, entre nos deux cultures. Que le nom de Maria Helena Vieira da Silva nous serve ici de dernière référence car, parisienne depuis 1928, elle assume dans la culture portugaise «un rôle d’intermédiaire intéressé, venu de l›intérieur» . Je me souviens de l’avoir écrit il y a une douzaine d’années en présentant l’une de ses premières expositions à Lisbonne. Vieira établit le lien nécessaire avec l›autre culture: elle intercède – Notre-Dame de la Peinture Portugaise où elle ne saurait être comptée, ou de la Peinture Française, dans l’histoire de laquelle elle a une place que Paris depuis longtemps lui a assignée. Nous sommes à une époque où les oeuvres d’art voyagent pardelà les frontières: la grande exposition d’art français que, grâce à la Fondation Gulbenkian, Lisbonne a vue en 1968, organisée par Germain Bazin, entre Ingres et Soulages, celle, plus moderne, réalisée par J. Alvard, qui a été vue en 1971, ou celle axée sur les nouvelles créations de «support-surface» que G. Soudaine a amenée en 1975, ou celles, plus générales dans le cadre de l’art contemporain, en 1978 (dans un choix d’H. GalyCarles) ou en 1979, marquent des dates dans une politique d’échanges culturels qui, à partir de 1974, put être réalisée également dans l›autre sens. Des expositions d’art portugais moderne ont ainsi eu lieu à Paris, dans ce même Centre, en 1976, ou au Musée d’Art Moderne de la ville de Paris, la même année. Des expositions individuelles correspondantes sont aujourd’hui trop nombreuses pour qu’il soit possible d’en rappeler ici la liste. Il va sans dire que la Fondation Gulbenkian est la condition nécessaire et presque toujours suffisante pour que toutes ces manifestations, et celles a venir, puissent avoir lieu. ... Création, diffusion, consommation — les relations entre les cultures se placent simultanément dans ces trois situations qu’il faut étudier ensemble, au long des années, voire des siècles, à travers un discours fait d’images qui sans aucun doute éclairent les discours privilégiés faits de mots imprimés où cachés dans la pénombre des archives ... Cette brève histoire du dialogue entre l’art français et l’art portugais, il faut˜— cela va sans dire. Elle offre aussi la première ébauche du programme d’une grande exposition qui, un jour proche, aura lieu, j’en suis sûr, car elle est nécessaire à notre propre identification culturelle.

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Cega-Rega Heptossilábica do Chiado de Antigamente, nas Práticas do Autor José-Augusto França

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I Meu Chiado de menino burguês a compras na Baixa com a mamã e a titi, e torradas na “Garrett”,1 em prémio de paciência… “Ramiro Leão”, “Tátá”, mais os “Sousas” e os “Davids”, que me lembram, dos balcões com as clientes sentadas e ditas de Vocelência, com’a mamã e a titi… II Matinées no “São Luis”, ao domingo e, mais tarde, já rapazinho, pró engate das ‘streias de terça-feira, e em suas salas dançando, nas noites de carnaval.

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III Depois foi a Faculdade que, mais abaixo, de Letras,2 me trazia plo Chiado ao café assim chamado, cuja pala luminosa foi, mas já deixou de ser, marca certa, a meio da rua. Os ensaios do “São Carlos” (onde ainda se recanta o melhor do seu possível), um tanto a “Bénard”, a ver quem estava — mas ainda não, por então, a “Brasileira”, embora já a “Bertrand”, vend’ao fund’o Aquilino…3

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IV Foi depois que m’instalei quinze minutos a pé do Camões e do Chiado, em suas ‘státuas de bronze, de “frio olhar”, ou ‘scarninho, o vate e mais o frade. Ainda não, obscenamente, Pessoa fora posto À porta da “Brasileira”!4 V Dentro, outras instalações pintadas, qu’aprendi5 a descrever — muito antes qu’a mim mo acontecesse. Plas mesas, durante anos, conheci tod’a melhor intelectualidade lisbonens’e nacional, cujos nomes, de tão óbvios nos capítulos da ‘stória, não val’a pena citar Ó Lurdinhas do Tomaz!6 Aliás, é bem provável ‘starem já no ‘squecimento do velh’ingrato Chiado…


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VI Que tudo morre na vida, e as pessoas também, sobretud’as mais ilustres — e, um dia, o velho Manta,7 encontrei-o, ‘xtraviado, vinte metros mais abaixo, a penetrar na “Bénard”! Mais ninguém na “Brasileira” (ou à porta d’ ”Havanesa”) havia já — que nem eu, embora lá o Nikias m’assentasse em pintura…8 (Ao lado, sim, ind’o “Borges”). VII ... Mas doutros sítios é feito o Chiado que m’importa, em duzentas linhas chãs, ditas versos d’amador, prá história deles, e minha já eterna perdição... Sítio morto, sobretudo, foi, por muitos anos fora, com soirées de duas fitas, bicha pla ru’aos bilhetes, o meu “Chiado Terrasse” que morreu de ser cinema — e mais trinta pla cidade...

VIII Outro foi a Biblioteca Pública, lá no seu largo, escadas acima e guichet para dar a requisição. Mas, de livros, houv’ainda o “Notícias”, em sua tertúlia do Pedro de Sousa, às sete horas, de porta fechada.9 E também inda me foi a “Sá da Costa” — saindo dela pra, Chiad’abaixo, Avenid’acima, andar quilómetros solitários em conversação do Sérgio...10 IX Chique, faleceu há pouco o “Piccadily”, tesoura de clientes já morridos; e agora mesm’o Campos, “Cabelleireiro” da esquina, que vinha dos Oitocentos!11 (E pergunto do “Tavares12 Rico” — como ‘stá passando?) Mortos já os “Anarquistas”, de mochos e serradura, prás “quartadas” do Rubinho.13 Ó que tempos, ó que mores!

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X Nas mudanças dos comércios nem “Pompadour” se poupou, ou o pai “Eloy” ourives, e muito menos a “Marques”, e já então, no largo, a “Singer”... Restam luxos d’ “Aliança” e o “Pereira” dos cafés — mas a leitari’ao lado, já não teve salvação! Quando nem, dos Jerónimos, o Martins sobreviveu. Não falando no “Grandella” do “por bom caminho e segue”...14 Porém, e por bom milagre, lá vejo sempre o melhor, que é a “Gardénia” do Lino, mesmo que já sem chapéus, de sinalização mimosa...15 (E, por chapéus, o “Gagean” foi-se também, mas prós homens). XI ‘special, durante a guerra, esquina da Garrett e Carmo, foram as enormes montras da propaganda nazi, muit’adrede visitadas plos nossos Legionários.16 Ó que tristes, tristes tempos!

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XII Mas, por demais ser visível, continua a não se ver o brasão do Barcelinhos,17 ao fundo mesmo da rua, no que foi velho convento,18 palação de novo rico, hotéis, grandes armazéns, incêndio fenomenal19 e venda de muitos livros. Outro palácio, ao alto,20 com relógio na fachada, já sem galegos defronte, virou, esse, pra seguros. Mas o “Leitão” ‘stá defronte, em luxos originais qu’o Ramalho elogiou,21 XIII As duas e três igrejas,22 essas, são da Eternidade — sobretudo, em cada ano, sexta-feira, dia santo, já das sete a visitar.


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XIV Mas, entre mortos e vivos, ‘scaparam as Belas Artes,23 na medida do possível, e a Academia a seu lado,24 que é sempre do Reynaldo, um Senhor raro nas Artes!25 Viv’o o museu do Diogo26 e muito do Columbano, qu’o seu “Grupo do Leão” nos foi a inteira imagem dos anos de perdição dum século que se finava! São Francisco deu pra tudo,27 só qu’agora sem polícia nem o Governo Civil — que é coisa que já não há, na nova Constituição... XV E o Centro do Tareco, resistência Nacional da Cultura, que perdura,28 com’o Grémio Literário29 que também, obrigação do Garrett mais do Eça, do Herculano e do Fontes, do Conselheiro Adalberto, decerto, por minha conta...30

XVI ...Horas muitas lá vivi, por bem mais de meio século, e muitas coisas fazendo — conferências, exposições, lições, comunicações, colóquios e muitos prémios e mesmo três presidências! Tudo de cultura, etcoetera e tal, qual nós fomos sendo, com Salazares e Pides nesta rua d’ao virar da ‘squina, mesmo defronte... XVII Das suas últimas vítimas o nome plo menos resta, gravad’inda numa placa,31 retirada mas reposta, por mínima dignidade da memória de que formos, aind’assim, capacitados, dum prédio ceg’e sinistro! XVIII E sendo, somos, sem ‘sforço que façamos, o bastante, pra sermos republicanos — do ‘stado que, pró Gualdino,32 era o Livre, do Chiado!

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XIX Mas nestes dois mil quilómetros em que o destino me deu a distância final, lembro chuvosas e lívidas madrugadas, reluzindo no calcário dos passeios, calçada abaixo, deserta... XX ...E peço e dou-me licença pra sentar-me a certa mesa do passeio da “Brasileira”, e só nesta perspectiva pla rua que vem defronte, ‘squina “Ramiro Leão”, três árvores plo caminho, à ilharga do “São Carlos”, e o Tejo por detrás. É donde sobe, por vezes, a rara manch’amarela e lenta, do carr’eléctrico que se chama 28.33 No Anjou, Novembro 2015 José-Augusto França

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José-Augusto França

1. Pastelaria Garrett (1918-1934), Lgo. Duas Igrejas 2. Até 1957 no Convento de Jesus, ao Combro. 3. Aquilino Ribeiro, ali editado, com tertúlia d amigos, anos 30-50. 4. Estátua colocada em 1988, dita então “obscena” por abaixo-assinado de vários intelectuais,

que foi publicado. 5. Quadros instalados em 1926 (até 1971), de Almada, Viana, Barradas, Soares, Stuart e Bernardo Marques. 6. Bengala-espada exibida pelo romancista Tomaz de Figueiredo, quando vinha a Lisboa e frequentava a Brasileira. 7. O pintor Abel Manta (1888-1982). 8. Alusão ao quadro de N. Skapinakis, no conjunto das pinturas lá instaladas em 1971, em que figura o autor. 9. Livraria-galeria do “Diário de Notícias”, Lgo. Duas Igrejas, gerida por Pedro de Sousa. 10. Alusão a António Sérgio que ali reunia uma tertúlia nos anos 1950-60. 11. Alfaiataria na Rua Garrett (1919 — 2014), e barbearia na rua Paiva de Andrade (1885-2015). 12. Restaurante da rua da Misericórdia, desde 1784, reformado em 1888 e 1940. 13. Restaurante Largo da Trindade, até anos 1960, onde o escritor Ruben A. organizava jantares de quarta-feira, nos anos 1950. 14. Divisa publicitária dos Armazéns Grandella. 15. Nos anos 1920 constava que os chapéus expostos nas montras assinalavam quartos livres no andar de cima, para encontros galantes. Arquitectura de Raul Lino, 1917. 16. Instalação de propaganda oficial do III Reich, anos 1940, durante a guerra. 17. Brasão posto a meio da fachada, quando o convento se torna palácio do barão desse título, em 1836. 18. Convento do Espírito Santo da Pedreira, séc. XVIII. 19. Grande incêndio na zona, em 25 de Agosto de 1988. 20. Palácio Pinto Basto, Lgo. Duas Igrejas, c. 1830; instalação da Cª. Seguros Mundial desde 1913. Foi poiso de moços de fretes, ditos “galegos”, até anos 1940-50. 21. Ouriversaria Leitão, Lgo. Duas Igrejas, com obras em 1877 elogiadas por Ramalho Ortigão em As Farpas, nesse ano. 22. Igrejas de Loreto e Conceição, Lgo. Duas Igrejas, e das Chagas, Rua Garrett. 23. Escola hoje Faculdade de Belas-Artes. 24. Academia Nacional de Belas Artes, desde 1936. 25. Reynaldo dos Santos foi seu presidente de 1940 a 1964. 26. Diogo de Macedo foi diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea de 1944 a 1959. 27. O convento de S. Francisco da Cidade (séc. XIII), quando da extinção das Ordens religiosas, em 1835, cedeu instalações para várias instituições culturais e administrativas. 28. Centro Nacional de Cultura, rua António Maria Cardoso; fundado em 1945, foi também dirigido por Francisco Sousa Tavares, dito familiarmente Tareco. 29. Grémio Literário, Rua Ivens, fundação de 1846. 30. Alusão à obra Memórias do Conselheiro Adalberto Martins de Sousa, 2013. 31. Placa aposta na fachada da sede da P.I.D.E., Rua António Maria Cardoso, com os nomes dos cidadãos atingidos a tiro pelos agentes dessa polícia, atirando das janelas, em 25 de Abril de 1974. 32. Gualdino Gomes (1857 -1948), famoso frequentador da “Brasileira” em anos 1920-30. 33. Última carreira regular de carros eléctricos que vai e vem dos Prazeres aos Anjos, atravessando meia Lisboa.

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A Escultura do Chiado: da Lisboa Romântica à Lisboa dos nossos dias Cristina Azevedo Tavares

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Acompanhando o tempo, o Chiado de hoje, não é seguramente o da minha infância. Alfacinha de gema, lembro-me dos Armazéns Eduardo Martins, nos quais em todos os Natais escarranchava o nariz contra a montra para ver bem os brinquedos e as decorações. Das inúmeras idas à Brasileira do Chiado com o meu pai, ao sábado e domingo de manhã, onde recordo bem o burburinho e o fumo, assim como as idas à casa de chá Caravela com a minha mãe, ao fim da tarde. Havia também a Ferrari, o Tatá e Rodrigues, e os Armazéns do Chiado, agora renovados por Siza Vieira, mas os tempos mudaram. E recordo as vendedoras de violetas quando era tempo delas, espalhando perfume pela Rua Garret. É este Chiado que lembro com saudade e evoco diariamente a caminho da Faculdade de Belas-Artes olhando sempre para o Tejo com a Lisnave ao fundo, que se vê das ruas da Misericórdia e do Alecrim, e a nesga de água que vemos da Rua Serpa Pinto. Mas é também este Chiado renovado e modernizado que parece ter encontrado um novo fôlego que me encanta nos dias de hoje depois do terrível incêndio de 1988. Não são as minhas vivências que vão alimentar este texto, pois é da escultura que vamos falar e sobretudo do modo como os monumentos e as estátuas conferem significado aos lugares e são construtores de significado, valorizando a identidade e a memória de um lugar: o Chiado. Para maior rigor, devemos precisar que mais do que escultura, se trata em larga medida de estatuária a que cumpre um percurso que vai do Largo da Igreja da Misericórdia até ao Cais do Sodré fazendo alguns desvios: um para o Largo do Camões, e outro para o Largo do Chiado, que logo à entrada oferece a presença de duas igrejas barrocas, a Igreja do Loreto logo à entrada, e mais em baixo no lado oposto a Igreja de Nossa Senhora da Encarnação, que no quarteirão seguinte mostra a Igreja dos Mártires. A palavra escultura foi utilizada no título com um sentido mais abrangente, apelando ao fazer e a peças que ultrapassam o registo da figura, pois podem entrar no território da alegoria e/ou implicar uma relação de maior proximidade com o transeunte. As três obras que vamos referir antes da última, e que são as mais recentes, podem-se situar-se no âmbito da arte pública, quer pelas características que oferecem, quer pela possibilidade real de maior interacção com o público. No Chiado é ainda a Lisboa romântica que ecoa e o que predomina em termos de estatuária, e é precisamente essa pontuação que se manifesta, primeiro com o Monumento a Camões (1860-67) onde se centra esse espírito, e o Monumento do Duque da Terceira (1860), e vivendo de um compromisso entre o romantismo e o naturalismo, logo no princípio do século passado o Monumento a Eça de Queirós “Verdade” de 1903. As obras “Ao Leme” (1913-15) e o “Poeta Chiado” (1925)

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Figura 1

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assumem uma componente verista, articulando-se com a toponímia da cidade. Duas outras obras distinguem-se das restantes pela sua proximidade com o transeunte no espaço público, referimos as figuras “Cauteleiro” e “Fernando Pessoa” que evocam respetivamente um tipo citadino lisboeta, e o poeta que morou ali perto em frente ao São Carlos praça pontuada por uma escultura evocativa deste facto- e que enquanto morador era um assíduo cliente da Brasileira do Chiado, frequentada por Almada, Santa Rita, Eduardo Viana, etc. Esta casa fundada em 1905 por Adriano Telles vendia café proveniente do Brasil, e nesses tempos lugar de fartas tertúlias e a primeira galeria de arte moderna portuguesa, renovando os seus artistas nas obras expostas em 1972. Ao fechar este circuito uma referência à segunda escultura dedicada ao poeta Fernando Pessoa, inaugurada em 2005 na Praça do S. Carlos da autoria do escultor belga Jean-Michel Folon, e, depois ao busto do Visconde de Valmor no Largo da Academia Nacional de Belas-Artes. O primeiro monumento levantado nesta zona foi o Monumento a Camões situado na zona Sul da Praça que tem o mesmo nome (Fig. 1), com uma escala bem conseguida. Projetado por Victor Bastos (1830-1894) escultor romântico, este monumento cujo projecto é iniciado em 1859 sendo a primeira pedra lançada em


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1862 só foi inaugurado a sete de outubro de 1867. Numa época em que um romantismo tardio ainda era proclamado — evoquemos Garrett com o poema “Camões” publicado em 1825 — este monumento ao poeta da gesta nacional só foi possível através de uma subscrição pública. No seu conjunto salientamos a altura do monumento de 11,50 m, sendo que o pedestal mede 7,5 m. Sobre a base octogonal em cada vértice encontram-se oito personalidades do séc. XV e XVI trajadas à época: tratam-se das estátuas em pedra com 2,4 m retratando Fernão Lopes (cronista), Jerónimo Corte-Real (poeta e escritor), Fernão Lopes de Castanheda (cronista), Francisco Sá de Menezes (poeta), Gomes Eanes de Zurara (cronista), Vasco Mouzinho de Quevedo (poeta épico e lírico), João de Barros (cronista) com excepção para Pedro Nunes, cientista de vulto, matemático, cosmógrafo e professor na Universidade de Coimbra. No topo isolado encontra-se a estátua em bronze de Camões com 4 m de altura dominando a praça, a perna esquerda avançada e uma atitude destemida. Camões tem a espada segura na mão direita apoiando a ponta da lâmina no chão, e aos seus pés estão uma couraça e alguns livros, evocando a sua condição de poeta militar. Na cabeça uma coroa de louros reafirma a sua condição de herói nacional que se sacrificou pela pátria, e a mão esquerda junto ao peito segura os “Lusíadas”. Com este monumento Victor Bastos consagra-se uma vez mais como escultor do romantismo. Discípulo da Academia de Belas-Artes cursando pintura com alguma formação em escultura, vindo por concurso a ocupar o lugar de professor substituto de escultura (1860), Victor Bastos retratado por Cristino da Silva nos “Cinco Artistas em Sintra”, manifesto visual do romantismo, dá curso à sua veia romântica iniciada com o baixo-relevo “Cólera Morbus” (1856) com este monumento a Camões. Autor de vários baixos-relevos e estátuas a ele se devem algumas das mais interessantes e românticas esculturas do Arco da Rua Augusta traçado por Calmels. O monumento ao Duque da Terceira (1860) inaugurado em 1877 e situado na Praça do Duque da Terceira é da autoria do escultor Simões de Almeida (Tio) (1844-1926) e do arquitecto António Gaspar (1842-1909). Representa o fidalgo António José de Sousa Manuel Meneses Severim de Noronha que nasceu em Lisboa em 1792 e faleceu em 1860. Fidalgo e militar desde menino. 7º Conde e 1º Marquês de Vila Flor foi ele o herói liberal, que recebeu o título de Duque da Terceira por ter combatido os absolutistas com sucesso na Ilha Terceira ao comandar uma revolta da resistência, e por essa razão não ter querido aceitar o título, na sequência de uma notável carreira de feitos militares nomeadamente na Guerra Peninsular, assim como, no desempenho de cargos diplomáticos. O monumento ficou concluído em 1875, mas a inauguração deu-se dois anos

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depois pelas comemorações do 44º aniversário do desembarque do Duque da Terceira em Lisboa à frente das forças liberais libertando a capital do domínio miguelista, desembarque que ocorreu em 24 de julho de 1833. Trata-se de um conjunto escultórico de 9 m de altura com o plinto em pedra e a estátua em bronze com cerca de 3,30 m de altura. O duque está trajado com o grande uniforme (jaqueta com condecorações), com a espada embainhada e o chapéu recolhido na mão esquerda, todo o vestuário é descrito com pormenor, e o rosto tem uma expressão determinada, mostrando uma atitude de comando. A estátua domina bem a praça, e é sóbria. O plinto é prismático rematando junto ao chão com um friso saliente e no topo com um duplo friso relevado. No pedestal foi colocada em bronze uma folha de palmeira e no topo do plinto o brasão de armas ladeado por ramos de oliveira. Este monumento é o primeiro de uma série de monumentos levantados em Lisboa aos heróis do liberalismo. É igualmente o mais simples, pois os restantes, como o Duque de Saldanha, a título de exemplo, possuem motivos alegóricos. O escultor foi Simões de Almeida (Tio) (1844-1926) formado na Academia de Belas-Artes de Lisboa, discípulo de Assis Rodrigues e Victor Bastos, depois bolseiro em Itália adquiriu uma sólida formação clássica, mais aberta aos valores naturalistas, nos retratos e outras esculturas de tema livre, indo mesmo ao encontro de assuntos românticos. Considerado um escultor dentro do academismo (foi aliás professor de desenho e de escultura na Academia, depois Escola de BelasArtes, durante 31 anos) a sua sólida formação clássica adquirida em Portugal e depois no estrangeiro, permitiu-lhe abordar de forma exímia do ponto de vista da tradição técnica, a escultura pública, como acontece com este monumento ao Duque da Terceira. Subindo a caminho do Chiado pela rua do Alecrim e parando no Largo Barão Quintela (entre a Rua do Alecrim e a Rua das Flores onde decorre precisamente “A Tragédia da Rua das Flores” encontramo-nos perante o monumento de homenagem ao escritor Eça de Queirós (1845-1900) intitulado “Verdade” da autoria de António Teixeira Lopes e inaugurado em 1903. Inspirando-se na frase de Eça “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”, o escultor concebeu esta peça retratando de pé Eça de Queirós, e sobre um manto “diáfano” que o escritor abre, segurando ao de leve os braços, surge a figura simbolizando a verdade, um nu feminino de braços abertos, olhando para cima e cruzando o seu olhar com o rosto de Eça de Queirós, entregando-se totalmente ao escritor. Crescendo a escultura a partir da base, espécie de rocha, é progressivamente que esta vai ganhando contorno e definindo as suas linhas.


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Tratando-se do segundo monumento erigido em Lisboa dedicado a um escritor, o primeiro foi dedicado a Camões, este conjunto escultórico rompe com a tradição dos monumentos públicos por não ter a imponência costumeira e expressar uma enorme delicadeza. Encontrando-se muito próximo dos transeuntes, dado que a base é relativamente baixa, e muito embora estivesse colocado num pequeno ajardinamento com cerca, tal facto não impediu que o monumento fosse violentado várias vezes, o que levou a edilidade a substituir a obra original em mármore de lioz por uma réplica em bronze (2001), o que naturalmente veio alterar a qualidade expressiva inicial. Eça de Queirós figura excepcional da nossa literatura, introdutor do romance realista, interventor nas “Conferências do Casino”, autor dos “Maias”, “A Ilustre Casa de Ramires” e a “Cidade e as Serras”, entre outras obras, diplomata, foi mais uma vez homenageado em Lisboa em 1969 com a inauguração de uma estátua de Álvaro de Breé, junto ao edifício da Biblioteca Nacional. Quanto a Teixeira Lopes (1866-1942) filho do escultor José Joaquim Teixeira Lopes com quem se iniciou nas artes, a sua formação fez-se nas Belas-Artes do Porto onde foi aluno de Marques de Oliveira em desenho e Soares dos Reis em escultura, e depois em Paris onde foi aluno do escultor Pierre-Jules Cavelier (181494). A obra de Teixeira Lopes traça ao longo dos anos a passagem do romantismo ao naturalismo, onde a inspiração pelos clássicos também se manifesta. Esculturas como “Caim” (1889), “Viúva” (1890), “A História” (1898) monumento fúnebre a Oliveira Martins, vão pontuando uma carreira de sucesso nacional e internacional, que também se afirmou na docência na academia portuense de 1901 em diante. Esta obra alegórica “Verdade” que inclui o retrato de Eça de Queirós, revela uma vocação intimista e o domínio exemplar de valores expressivos que identificam a originalidade deste escultor nascido em Vila Nova de Gaia. Situada no Jardim Roque Gameiro ao Cais do Sodré encontra-se uma escultura de Francisco Santos (1878-1930) intitulada “Ao leme” (1913-15) aproveitando-se o aterro feito nessa altura. Homenagem singela à vida de marinheiro, e em particular ao homem do leme, na proximidade de águas que outrora invadiam o Cais do Sodré, praia que foi durante muito tempo a entrada principal em Lisboa. Também se liga à toponímia do lugar desde o séc. XIV associado a “remulare”, depois remar no séc. XIX. “Ao leme” é uma escultura em pedra, realista e expressiva, mostrando a três quartos o corpo inclinado e em esforço do homem do leme que baixa a cana do leme para virar a bombordo. A figura descalça e de tronco nu, com um chapéu de marinheiro recorta-se contra a popa do barco, em corte sob um plinto elevado. Esta escultura situada no Jardim Roque Gameiro representa um momento

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Figura 2

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Figura 3

interessante da obra de Francisco Santos, também responsável pelo Monumento a Marquês de Pombal, em concurso ganho no ano de 1914, mas inaugurado em 1930. Tendo feito os estudos iniciais na Casa Pia, Francisco Santos entrou na Academia de Belas-Artes de Lisboa em escultura onde foi discípulo do escultor José Simões de Almeida, e depois na Escola de Belas Artes em Paris, estudando também em Roma. Presença assídua nos salões da Primavera da Sociedade Nacional de Belas-Artes, onde foi presidente (1921) com uma obra prolixa de feição naturalista, também da sua autoria saiu o busto oficial da república em 1911. Do ponto de vista cronológico, e não tendo como objectivo uma economia do percurso, caminhamos agora no sentido do Largo do Chiado ao encontro da estátua do poeta do mesmo nome. Datada de 1925 e inaugurada em dezembro desse ano, “Chiado” (Fig.2) é da autoria de Costa Mota (Tio) e retrata o poeta António Ribeiro mais conhecido por “Chiado”. Esta escultura veio ocupar o espaço vazio deixado pela demolição nos anos oitenta do séc. XIX do grande chafariz do Loreto onde sobressaia o Neptuno de Machado de Castro que desde 1951 se encontra implantado na fonte da Estefânia. Encimando um plinto em paralelepípedo de estilo clássico em pedra lioz,


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projectado pelo arquitecto Alexandre Soares (1873-1930) que já tinha colaborado com Costa Mota (Tio) no Palácio do Buçaco, encontra-se a estátua do poeta Chiado modelada em bronze. O poeta está sentado numa banqueta e estende a mão direita para a frente num gesto largo, pendendo a cabeça ligeiramente. O braço oposto e mão caiem sobre o colo. O rosto expressivo retém um momento em que o poeta conta ou fala ao público. Está vestido com as vestes clericais, pois embora tenha abandonado a ordem dos franciscanos a que pertencia, segundo a tradição não teria abandonado o hábito. Nascido em Évora e trocando-a por Lisboa, melhor ainda pela rua Almeida Garrett, onde morava, o poeta Chiado contemporâneo de Camões (morre em 1591) era popular na época, pois além de improvisador, consta que era ventríloquo. Deixou algumas obras escritas de índole religiosa. Costa Mota (Tio) (1862- 1930) foi aluno da Escola de Belas Artes de Lisboa e foi discípulo de Victor Bastos e Simões de Almeida. Ainda estudante realizou inúmeros bustos que continuará pela vida fora como o de “Malhoa” em 1927. Foi um escultor assíduo nos salões da Primavera da Sociedade Nacional de Belas-Artes e seu presidente em 1912, 1915 e 1917. Vivendo das encomendas, pois foi preterido em concurso para professor, Costa Mota (Tio) foi o primeiro escultor a viver integralmente do seu trabalho. Produziu muita escultura pública (“O Cavador”, 1911, Jardim da Estrela;” Maria da Fonte”, 1920, Jardim da Parada) e monumentos (Afonso de Albuquerque, 1893, Belém; Dr. Sousa Martins, 1903, Campo Santana; Eduardo Coelho, 1904, S. Pedro de Alcântara; “Alegoria à Jurisprudência” para a Assembleia da República, 1916) num estilo versátil e de pendor naturalista (“Bernardim”, 1911) que correspondia bem ao gosto da época. Saindo do Chiado e subindo a Rua da Misericórdia vamos ao encontro da escultura “O Cauteleiro” de Fernanda Assis (1943) inaugurada em 1987, por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia no Largo Trindade Coelho (conhecido por Largo de S. Roque). Trata-se de uma estátua em bronze com patines diferentes, a altura de 1,78 m, assente diretamente na calçada do largo. Retrata realisticamente um cauteleiro a apregoar e a vender cautelas cujo pregão anunciaria “Olha a taluda! Amanhã anda à roda”, uma figura popular da cidade de Lisboa. Sendo um tipo de escultura comum ao espaço europeu e que se refere a figuras típicas dos lugares, este cauteleiro aparece retratado com os elementos característicos da sua arte: o boné com a chapa de identificação, as cautelas na mão direita, e o cigarro ao canto da boca. Com a pele curtida e com alguma idade, este cauteleiro evoca uma Lisboa que tende a desaparecer. Fernanda Assis terá contactado vários cauteleiros para captar o tipo necessário para a realização desta escultura,

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daí a evidenciação da sua popularidade. Evocado na poesia e cantado no fado1, lembramos a este propósito uns versos de Fernanda de Castro: “O Cauteleiro é velho mas que importa?/ Continua a apregoar cautelas brancas/ e a vender ilusões de porta em porta”.(Fernanda de Castro, “Poesia” (1919 a 1969), Lisboa: Ed. Autora,1969, 2 volumes, 1ª ed.) No mesmo largo encontra-se uma palmatória, monumento oferecido pelos italianos residentes em Lisboa, comemorando o casamento do rei D. Luís em 1862, estreitando-se os laços entre os dois povos. Descemos uma vez mais, e precisamente à porta da “Brasileira” no Largo do Chiado encontramos no espaço pedonal uma estátua em bronze evocativa de Fernando Pessoa da autoria de António Lagoa Henriques (1923-2009) inaugurada em 1988 (Fig. 3). Trata-se de uma escultura que transporta a intimidade do interior do café para a rua, pois Fernando Pessoa tem uma expressão coloquial e está sentado a uma mesa da “Brasileira” havendo do lado oposto uma cadeira vazia. Este conjunto escultórico bem sintetizado, valendo-se de algum hieratismo é certamente o mais concorrido do Chiado, sobretudo para os turistas que se vão sentando ininterruptamente na cadeira para serem fotografados, polindo o bronze, outrora uniforme, desenvolve-se numa linhagem de escritores e poetas que Lagoa Henriques retratou, neste caso na proximidade estilística com o poeta-cauteleiro António Aleixo em Loulé, também sentado à mesa em frente ao Bar “Calcinha” que frequentava com regularidade. Lagoa Henriques rompendo com a concepção tradicional da escultura/monumento traz Fernando Pessoa para a rua, tornando-o popular e presença vivida no quotidiano. A simplificação da figura, que pode ser talvez o lado menos interessante, ganha com esta afetividade permanente e transforma de facto a estátua em escultura pública. Lagoa Henriques que se formou em escultura na Escola de Belas-Artes do Porto, professor nas Belas-Artes do Porto e depois em Lisboa, comunicador notável (programas de televisão e filmes), foi em grande parte responsável pela modernização do ensino do desenho nas escolas por onde passou. A sua escultura, se por um lado, era vinculada a valores classicistas, soube-se renovar no excelente ensino de Barata Feyo (1899-1990), escultor modernista e seu professor e na sua

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1. Fernanda de Castro publicou em edição sua o livro (“Poesia” 1919-1969) onde consta o poema dedicado ao cauteleiro que foi também cantado por Ada de Castro no fado “o Cauteleiro” com letra de Fernanda de Castro e Elvira Freitas.


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opção singular por valores contemporâneos. O talento de Lagoa Henriques aliado à sua versatilidade enquanto desenhador permitiu-lhe abraçar vários temas como as varinas, a escultura de busto (retrato de Eunice Muñoz) ou a escultura pública (“Monumento a Antero de Quental”, Jardim do Princípe Real) inovando um programa iconográfico como ocorreu com Fernando Pessoa. Prossigamos agora descendo um pouco o Chiado, virando na rua Serpa Pinto, do lado esquerdo temos o Largo de S. Carlos. A segunda homenagem a Fernando Pessoa ocorreu já na década de 2000. Uma grande escultura em bronze patinado de 4 m de altura foi colocada na praça de traçado neoclássico do Teatro S. Carlos. O autor é Jean-Michel Folon (19342005) pintor e escultor belga que realizou em Lisboa uma exposição de escultura ao ar-livre na Baixa. Entre as diferentes peças encontrava-se “Hommage a Pessoa” (2001) que depois haveria de ser comprada pela Câmara Municipal de Lisboa. Guardada num armazém de Figo Maduro, esta escultura seria trazida para a Praça, nas comemorações dos cento e vinte anos do nascimento do poeta. Este nasceu no número 4, no 4º andar do Largo de S. Carlos em 1888, sendo os 4 m da altura da peça evocativos do número 4. Jean-Michell Follon realizou uma obra vasta em domínios diferentes para além dos referidos anteriormente, distinguindo-se como ilustrador a partir da década de sessenta, assim como na tapeçaria, gravura, cenografia, vitral, animação e design (genérico da TV: Fin Antenne 2 e selos). Foi também ator de cinema e ativista da Amnistia Internacional. A simplificação das figuras que se evidenciaram nas aguarelas (criticada por muitos) e a criação da figura humana estilizada em vastas paisagens ou cidades permitiu-lhe repensar a relação do homem com o mundo de um ponto vista crítico que também trabalha na escultura. “Tributo a Pessoa” é uma escultura de linhas simples e geometrizadas com um corpo hierático sem cabeça, normalmente coberta por um chapéu na representação normal de Folon, e que aqui é substituída por um livro que se intitula Pessoa. Não é uma escultura de encomenda, ao contrário das restantes, mas uma homenagem que Jean-Michel Folon concretizou, talvez na ligação forte que enquanto ilustrador manteve com o universo poético de vários autores, ilustrando Lewis Carrol e Kafka entre outros, ou evocando na escultura a grandeza de Fernando Pessoa. Do Largo de São Carlos ao Largo da Academia Nacional de Belas-Artes são apenas uns cinco minutos, e também aí existe uma escultura. Por se tratar de um busto tem dimensões pequenas e retrata o segundo Visconde de Valmor (18371898) de nome Fausto Queirós Guedes, diplomata, político, par do reino, amador de arte e Governador Civil da cidade de Lisboa.

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O busto em bronze colocado numa colunata de pedra é da autoria do escultor Teixeira Lopes e a peanha é do arquiteto José Manuel Monteiro, e foi inaugurado em 1904. Um grupo de professores e de alunos da Academia de Belas-Artes terá sido responsável por esta iniciativa, evocando um mecenas das artes que se tornou conhecido pelo legado que permitiu a atribuição anual de um prémio de arquitectura após a sua morte (Prémio Visconde Valmor) além de ter apoiado os melhores alunos da Academia com bolsas de estudo. De acordo com uma preocupação verista, Teixeira Lopes retratou o Visconde de Meneses de bigode farfalhudo e olhar firme com traços fisionómicos distintos, evidenciando o carácter e a generosidade que lhe eram característicos. Com a visita a este busto terminamos o nosso périplo pela escultura do Chiado, onde podemos evidenciar aspectos de um valioso património histórico e artístico que faz parte da história e da vivência da cidade.

Bibliografia AAVV (José Fernandes Pereira, dir.), Dicionário de Escultura Portuguesa, Editorial Caminho, SA, Lisboa, 2005. Ferreira, R. Laborde, Vieira, V. M. Lopes, Estatuária de Lisboa, Tranquilidade Seguros, ed., Lisboa 1985. França, José-Augusto, A Arte em Portugal no séc.XIX, ed. Revista, corrigida e ampliada, Bertrand, Lisboa, 1981, 2 vols. França, José-Augusto, A Arte em Portugal no séc. XX, ed. Revista, corrigida e ampliada, Bertrand, Lisboa, 1981, 2 vols. França, José-Augusto, A Sétima colina: roteiro histórico e artístico. Lisboa: Horizonte, 1994.

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Tavares, Cristina Azevedo, A Sociedade Nacional de Belas-Artes/Um Século de História e de Arte, Ed. Projecto, Núcleo de Desenvolvimento Cultural de Vila Nova de Cerveira Fundação Bienal Nova de Cerveira, Vila Franca de Xira, 2006. Netgrafia http://www.cnmusica.com/index.php/catalogo/musica-40/fado/ada-de-castro-essencial.html www.guiadacidade.pt www.lisboapatrimoniocultural.pt http://revelarx.cm-lisboa.pt


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Chiado: Lugar de Representação Guilherme d’Oliveira Martins

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Os mitos permitem compreender. Fazem luz sobre a memória. Não resumem as explicações, mas definem o campo em que se afirmam. Falando do Chiado em 2014, chegamos a Fernando Pessoa, nascido no Largo de S. Carlos, que a certa altura se chamou do Diretório, em recordação do velho partido republicano aí sedeado. O poeta da «Mensagem», naturalmente, que vem à memória, num lugar cheio de referências literárias, reais e imaginárias. E em 2014 celebramos, nos idos de março, a criação do mestre por excelência do universo pessoano — Alberto Caeiro. Como nasceu a ideia? Como se materializou a personagem? Na confissão a Adolfo Casais Monteiro, o autor de «Mensagem» disse que tudo não passou de uma partida poética feita a Mário de Sá Carneiro. Tratava-se de «inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade». Passaram vários dias, e essa espécie complicada não aparecia. No entanto, «num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me (diz-nos o poeta) de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, “O Guardador de Rebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive». O relato é claro e aparição é nítida. E quando começamos a ler, facilmente percebemos que se trata de um alumbramento. A leitura leva-nos à invenção e a esse encontro, que verificamos na magia da leitura: «Eu nunca guardei rebanhos, / Mas é como se os guardasse. / Minha alma é como um pastor, / Conhece o vento e o sol / E anda pela mão das Estacões / A seguir e a olhar. / Toda a paz da Natureza sem gente / Vem sentar-se a meu lado. / Mas eu fico triste como um pôr-do-Sol / Para a nossa imaginação, / Quando esfria no fundo da planície / E se sente a noite entrada / Como uma borboleta pela janela». Um guardador de rebanhos no Chiado? Sim, do que se trata é da personalidade multifacetada do desassossego. Historicamente, o Chiado de hoje é uma confluência extraordinária de lembranças. Estamos nas velhas portas de Santa Catarina, na muralha fernandina, num ponto marcado pelo cerco de Lisboa de D. Juan de Castela. A figura do Chiado é mítica e misteriosa. Quem seria essa risonha personagem que se senta num banco de dedo em riste a seguir ao largo das Duas Igrejas? Será o poeta António Ribeiro Chiado (1520?-1591) com obra poética e dramatúrgica? Ou será um ignoto taberneiro também quinhentista com tenda em frente ao velho Convento do Espírito Santo? A resposta é difícil, mas o certo é que a pequena estátua de Costa Motta marca uma referência inesquecível, apesar de hoje os turistas serem muito


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mais atraídos pela representação de Pessoa, o verdadeiro guardador de rebanhos, na Brasileira. Mas, em maré de mitos, de estátuas e de fantasmas, quem domina o amplo largo de onde parte o lugar do Chiado é o poeta maior de «Os Lusíadas». E para que tudo se equilibre na invocação das memórias fortes deste sítio de eleição, eis que na Rua do Alecrim, que nos leva até ao Cais do Sodré e à Ribeira das Naus, lá está, da autoria de Teixeira Lopes, a figura de outro cidadão honorário do Chiado, José Maria Eça de Queiroz, invocando a epígrafe de «A Relíquia»: «sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia». Mas quem dá o nome à Rua Larga que vai das Duas Igrejas, Encarnação e Loreto, até ao Convento do Espírito Santo da Pedreira, que foi casa dos Oratorianos e hoje Grandes Armazéns do Chiado, é o poeta, o dramaturgo, o orador, o polígrafo, o omnipresente João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, que aqui andou, e muito, entre o seu Teatro Nacional e o Conservatório dos Caetanos, passado pelo Largo do Quintela, onde ouviu as badaladas em S. Paulo, sinal de partida para a sua viagem heroica até ao Vale de Santarém e à Alcáçova, onde vivia Manuel da Silva Passos, peregrinação que motivou «As Viagens na Minha Terra», romance moderno e romântico, onde se faz a história da guerra civil, que dividiu o país e que permitiu a criação da nova ordem constitucional, sobre os escombros de uma sociedade antiga representada por Frei Dinis, plena de dúvidas e incertezas, de contradições e perplexidades, representadas no desencontro entre Carlos e a heroína do nosso romantismo, Joaninha dos Olhos Verdes. Se há lugar onde as memórias se acotovelam esse é o Chiado. Se virmos bem, com olhos de ver, ainda aqui estão o Conselheiro Acácio, a caminho de casa, e a fugidia Luísa, a viver um drama pungente. João da Ega representa todas as contradições, Carlos Eduardo e Maria Eduarda protagonizam o encontro impossível. Ruben A. poderia ter recriado um entardecer no Chiado, como fez na «Torre da Barbela». De súbito poderiam ter surgido ali desde os cruzados da conquista de Lisboa, bem invocados na Basílica dos Mártires, até aos carpinteiros de machado da Ribeira das Naus, a Frei Bartolomeu dos Mártires, ali mesmo batizado, às personagens de Mestre Gil, com destaque para os perfeitos gémeos que Almada Negreiros retratou no Auto da Lusitânia como sendo Todo o Mundo e Ninguém. Por aqui passou toda a gente relevante, e todos poderiam levantar-se ao entardecer para encetar os diálogos fantásticos da história com as suas sombras. O Professor Francisco Suarez por ali caminhou e refletiu, ponderando o novo direito público e ensinando a nova escolástica contra os mais diversos tiranos (e aí ficaria sepultado). O Padre Vieira ali subia até S. Roque para dizer os seus Sermões. E não se esqueça «As Guerras de Alecrim e Manjerona» de António José da Silva — e todo esse tempo de medos e vinganças. Sebastião José aqui

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verificou os tremendos efeitos de quando caiu o Carmo e a Trindade e ali decidiu levantar uma nova cidade contra todas as maldições O poeta Bocage vinha do Bairro Alto, Nicolau Tolentino e Filinto Elísio por ali vagueavam, José Agostinho de Macedo vociferava. E o génio de Ruben acharia lugar para os conferencistas do Casino Lisbonense e para os azougados fundadores de «Orpheu»... Depois do terramoto, a cidade foi-se reconstruindo, modernizando, para se tornar como minimamente imperial. Depois de destruída a magnificente Ópera do Tejo, de fugaz existência e memória mítica, houve que dar lugar condigno ao Belcanto — e nasceu o Teatro de S. Carlos, com a mesma invocação e a estrutura interior do teatro napolitano, ombreando na aparência exterior e na beleza global com o La Scala de Milão, sob o risco de José Costa e Silva. O Barão de Quintela foi um dos impulsionadores e apoiante, cabendo ao Intendente Diogo Inácio de Pina Manique justificar a exigência da obra numa cidade que se prezasse, ligando-a às receitas beneficentes atribuídas à Real Casa Pia. Substituíam-se assim os Teatros da Rua dos Condes (com os ecos espetaculares da Zamperini) e do Salitre. O S. Carlos era o teatro italiano de Lisboa, e é impressionante como aqui foram representadas as mais importantes óperas da história, quase em simultâneo com as respetivas estreias — a tal ponto de Verdi ter estado indicado como possível diretor do teatro. Depois da vitória liberal, Garrett encarregar-se-ia de dar escola e casa ao teatro declamado português, pondo-o no Rossio sobre os restos do Paço dos Estaus de inquisitorial memória. Lembrar o Chiado é recordar a literatura, as bancas de livros, as editoras (com especial relevo para a mais antiga, a Casa Bertrand, sem esquecer a saudosa Sá da Costa) e também a Biblioteca Pública, no Convento de S. Francisco, que tanta importância alcançou nos séculos XIX e XX. Os grupos da Biblioteca animavam intelectualmente o Chiado: Proença, Cortesão, Sérgio, Aquilino. Chegou mesmo a haver uma aproximação entre o Pelicano e a Seara, entre monárquicos e republicanos sociais. Mas tudo não passou de um sonho rápido — e o «Guia de Portugal» pôde ser um resultado desse desejo de encontro em torno das coisas portuguesas. O Convento de S. Francisco albergaria ainda a Escola de Belas-Artes, o Museu de Arte Contemporânea e o ateliê de Columbano Bordalo Pinheiro, grande referência da criação artística da transição dos séculos XIX e XX. As tertúlias literárias e artísticas tornaram-se os centros fundamentais da animação do Chiado. Alexandre Herculano, já retirado em Vale de Lobos descia à cidade, assentando arraiais no Chiado. Rafael Bordalo Pinheiro representá-lo-á em traje de azeiteiro, a subir o Chiado, desde fazer contas com Jerónimo Martins até receber os direitos dos livros na Casa Bertrand. E o certo é que o azeite de Herculano se tornou afamado e premiado. Aí conheceu José Fontana e através dele pôde acompanhar os movimentos


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dos jovens iconoclastas da questão do bom senso e do bom gosto — solidarizando-se com eles quando Ávila e Bolama fechou as conferências do Casino Lisbonense (ali mesmo no Largo da Abegoaria, atual Largo de Rafael Bordalo Pinheiro). Mas detenhamo-nos no quarteirão fronteiro ao Jerónimo Martins. Bulhão Pato diz-nos o que era o célebre «Marrare do Polimento»: «À sala do Marrare seguia-se, à direita um corredor, com mesas de pedra a um e outro lado, e um espelho ao fundo; logo depois a casa do bilhar, numa espécie de pátio, coberto com uma larga claraboia. À entrada, à direita, havia um pequeno gabinete, onde no verão, as senhoras tomavam neve. No inverno, era esse o gabinete de Manuel Passos e dos seus camaradas políticos, alguns da emigração, como Herculano, Marreca e José Estêvão». E em falando de Marrare, referimos o mais célebre dos cafés de Lisboa, propriedade de um siciliano. Júlio de Castilho asseverou: «Lisboa era o Chiado; o Chiado era o Marrare; e o Marrare ditava a lei. Ser frequentador do Marrare era a suprema elegância dos elegantes; frequentar o Marrare era como para os romanos ir a Atenas, imprimia caráter». Ali, no primeiro andar, poucos dias depois do desembarque das tropas fiéis a D. Pedro, a 24 de Julho, o banqueiro Mendizabal ofereceu um sumptuoso banquete em honra do constitucionalismo — com Palmela, Terceira, Ficalho, Silva Carvalho, Agostinho José Freire e tutti quanti. Zacarias de Aça atribuiria a decadência do Marrare à fundação do Grémio Literário. As coisas mudaram e as modas também, trazendo-se da velha Albion a tradição dos clubes de Pall Mall. O Grémio Literário, que destronou o Marrare, foi fundado em 1846, em plena guerra civil da Patuleia, e pode dizer-se que é o marco simbólico do tal novo tempo. Aí militaram Garrett, Herculano, Rodrigo da Fonseca ou Passos Manuel, e onde diz a lenda que Eça teria lido Baudelaire. Já o Turf Club era mais reservado e distante, nasceu em 1886, sucedendo ao velho Jockey Club, criado em 1875 na travessa da Palha. E o Real Club Tauromáquico ainda é mais tardio, de 1892, e foi palco de acesos debates que dividiram as hostes entre os partidários dos touros de morte e os defensores da corrida à velha usança portuguesa... O Chiado dos clubes, dos cafés, das casas de chá foi sempre um mundo especial. E quanto a cafés, nunca houve outro que ombreasse com a pujança do Marrare. Mas façamos uma lista rudimentar: a Brasileira, o Café Chiado, a Bénard, a Ferrari, de tempo mais próximos de nós. E devo lembrar, no âmago do Chiado, o Centro Nacional de Cultura e quem o animou desde as origens, como casa de dramaturgia e representação. Almada Negreiros e Fernando Amado tornaram o Centro uma escola de teatro, alfobre de jovens atores e lugar de fundação da Casa da Comédia. Lembremo-nos da «Caixa de Pandora». Aí disse Amado num prólogo explicativo: «A boceta é uma espécie de caixa de surpresas. Mal se abre a tampa, dos buracos de sombra e das fundas

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perspetivas crescem não sei que vultos animados… Mas estaremos nós, pela imaginação, perscrutando a boceta de Pandora ou descobrindo a Comédia? O pano correu. Ora projetados, ora engolidos por espaços irreais, vestidos de mil maneiras, passam entes que lembram realizações plásticas de caprichoso demiurgo: irrompem do centro da terra, tombam dos astros, saltam fora do tempo». E quem nos trazia Fernando Amado em 1946 para representar o mundo? Clitemnestra, a Gata Borralheira, Mofina, Desdémona, Tamerlão, D. João, Shelley, Polichinelo, o público, o autor, o crítico, o empresário. E a quem dedicava? A António Dacosta e ao poeta Rui Cinatti. Era assim o Centro das origens: António José Seabra, Afonso Botelho, Gastão da Cunha Ferreira; e ainda Francisco de Sousa Tavares, Sophia de Mello Breyner Andresen, Gonçalo Ribeiro Telles, Henrique Barrilaro Ruas, António Alçada Baptista, João Bénard da Costa, José-Augusto França, Helena e Alberto Vaz da Silva… Os nomes não devem ser esquecidos. Aqui falou Gabriel Marcel do «Homo viator» e o muito jovem Eduardo Lourenço, vindo das margens do Mondego fez a sua primeira conferência em Lisboa, nos idos de 1956, sem que sonhasse que o mais atento dos seus ouvintes era exatamente José de Almada Negreiros… E continuamos a ouvir Fernando Amado: «Ali chegaram: donde vieram? Desaparecem: para onde vão? Se os perdermos de vista é que pela tampa da caixa entreaberta subtis emanações das suas naturezas passaram — e foram animar outras personagens sujeitas a idênticos destinos. Deste jeito os males que hão de espalhar-se pelo mundo saem pela boca aberta do Teatro…» («Peças de Teatro», pp. 596-597). Mas se falamos de moda, de representação, de cavaqueira, temos de chegar à Havaneza, onde se encontravam os melhores puros de Lisboa. A lista de quem aí se encontrava é digna de nota. Tinop chamou-lhe «a última praça-forte dos cavaqueadores do Chiado»: Teixeira de Vasconcelos, Tomás de Carvalho, Bulhão Pato, Eça, Ramalho, Junqueiro, Guilherme de Azevedo, Casal Ribeiro, Ficalho, Pinheiro Chagas, António Cândido, Oliveira Martins, Carlinhos Lobo d’Ávila, Eduardo de Noronha. Muitos esperavam aos domingos o final da missa da uma dos Mártires. E ali mesmo alguém, vendo passar Cesário, lhe terá lançado: «Adeus Cesário Azul!», a que o poeta pronto retorquiu: «Adeus seu troca-tintas»… O teatro sempre. A caixa de Pandora inevitável. De porta em porta, o Chiado ainda hoje é uma encruzilhada de recordações: logo em frente dos Armazéns do Chiado fica a memória da velha «Ática» e de Luís de Montalvor, e a recordação do «quinquilheiro» José Alexandre, que começou a vender hortaliça e flores em caixinhas e acabou a vender as melhores loiças e cristais. Façamos a lista, a eito: Chapelaria da Moda, Casa Pereira, Leitaria Garrett, o cabeleireiro Godefroy, a Farmácia Durão, o Hotel Borges, a casa David — e do


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outro lado da rua: depois do Jerónimo Martins, a Kodak, a Casa da Sorte e a antiga Tabacaria Estrela Polar, a joalharia Eloy de Jesus, a Pastelaria Baltresqui, Tatá & Rodrigues, Alfaiataria Piccadilly, «Paris em Lisboa» e os Armazéns Ramiro Leão… São flashes rápidos, não exaustivos, de um Chiado que foi mudando. Em Agosto de 1988 o grande incêndio pareceu condenar o lugar mítico de Lisboa. Por momentos pareceu não haver solução. Mas, como na «Caixa de Pandora», de Fernando Amado tudo pode voltar a viver… Se recorrêssemos a Eduardo Lourenço e aos seus exercícios críticos a partir dos mitos, teríamos de repetir que esses mesmos mitos permitem compreender. E não se esqueça que estamos na cidade que os nossos antepassados do tempo da civilização romana nos fizeram filhos e netos de Ulisses, símbolo por excelência da paixão temperada pela medida. Vistos criticamente, os mitos fazem luz sobre a memória. Não resumem as explicações, mas definem o campo em que se afirmam. Pessoa criou Alberto Caeiro. Esse guardador de rebanhos leva-nos aos mitos e aos sonhos de um Chiado teatral, sempre pronto a renascer.

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Parte II Chiado, Carmo, Utopia e Imagem em Movimento


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Não podemos compreender a emergência do modernismo e do futurismo sem referir o cinema. Trata-se considerar o movimento em duas aceções: o da vida vivida em aceleração, que Álvaro de Campos bem compreendeu na sua produção literária, e o da reprodução em imagens dessa mesma vida. Que extraordinária coisa era a reprodução do mundo e da vida através de imagens em movimento! Os desenhadores e os pintores já tinham tido essa intuição em diversos momentos e civilizações ao procurar dar-nos em sucessão de imagens a representação da dinâmica do movimento. Se nos lembrarmos de Lascaux ou da pintura de Giotto, de Brueghel, o velho, ou de Jerónimo Bosch, mas também da criação artística das sagas hindus ou das várias culturas da Ásia, antecipamos o que culminou no século XX no cinema ou na banda desenhada. O movimento sempre apaixonou a humanidade e a possibilidade da sua representação culmina na lanterna mágica e depois na cinematografia. As imagens do cinema mudo, desde os irmãos Lumière a Mack Sennett, abriram extraordinárias perspetivas e horizontes. Quando hoje nos lembramos do inconfundível andar de Chaplin, na personagem de Charlot, percebemos que a arte de representar deixou de ser puramente efémera para passar a poder eternizar-se, tornando a imagem de um homem a comer os pregos de uma bota em «A Quimera do Ouro» como uma referência inesquecível de humor e de tragicomédia… Pouco depois, Walt Disney punha em ação, a partir de uma imaginosa sucessão de desenhos, aperfeiçoando extraordinariamente a lanterna mágica, o inimaginável tempo em que os animais falavam… Como recorda Margarida Acciaiuoli no seu «Os Cinemas de Lisboa» (Bizâncio, 2012), no dia 18 de Junho de 1896, às oito e quarenta e cinco da noite, estreava-se o animatógrafo em Lisboa, no Real Coliseu da Rua da Palma, uma “assombrosa maravilha”, um “verdadeiro prodígio” que apresentava “à vista do espectador várias cenas apanhadas do natural”, e que deslumbrou Lisboa. Pouco depois, no Chiado, abriam o Salão S. Carlos (1907), na Rua Paiva Andrada, nas proximidades da Ópera, e o Salão Chiado (1907) na Rua Nova de Almada, que passaria a ser referenciado por antonomásia como ‘O Animatógrafo’, seguindo-se o Salão Trindade (1909), na Rua Nova da Trindade, bem como o Salão The Wonderful (1911), no Jardim de Inverno do Teatro D. Amélia, rebatizado Teatro da República. Mas, em boa verdade, o primeiro Salão, com direito a consideração especial, como espécie de caverna mágica, entre Platão e Alibabá, que aparece é o Salão Ideal ou Salão do Loreto… Mas temos de falar do Primeiro Salão dos Humoristas Portugueses, em 1912, no Grémio Literário. Almada Negreiros aí expõe ao lado de Rafael Bordalo Pinheiro e de Celso Hermínio, mas também de Cristiano Cruz, Emmérico Nunes,


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Jorge Barradas, Stuart de Carvalhais e Canto da Maia. Estamos perante um sinal de inconformismo. Trata-se de contrapor a decadência que marcou os últimos anos do século XIX e os primeiros do século XX a um desejo de renovação bem evidente na caricatura e no humor. «Ridendo castigat mores». E se 1915 é o ano da revista «Orpheu», também é o da criação da primeira banda desenhada portuguesa digna desse nome — as histórias de quadradinhos. Stuart de Carvalhais cria a dupla impagável de Quim e Manecas (que durará até aos anos cinquenta). E este caso é muito especialmente ilustrativo do que queremos dizer sobre a ligação entre o movimento, a imagem, o modernismo e o futurismo. Aliás, logo em 1916, a demonstrar a ligação incindível entre o cinema e a BD, Quim e Manecas são levados ao cinema no filme de Ernesto de Albuquerque (1883-1940), estreado no Cinema Colossal, da Rua da Palma, com a participação do próprio Stuart. Veja-se, pois, como o cinema se liga à representação gráfica das narrativas imaginosas. Dir-se-á que as imagens em movimento motivam o traço da caricatura, superando o naturalismo, mas dando também um passo adiante do simbolismo. E pode dizer-se que o cinema não está longe desta motivação. Mas se falamos de 1915 temos o «Manifesto Anti-Dantas», por ocasião da estreia da peça de Júlio Dantas «Mariana Soror», em resposta às críticas ao movimento modernista e ao futurismo. Cem anos! O centenário da revista «Orpheu» é oportunidade para uma reflexão sobre a cultura portuguesa contemporânea marcada, com resistências, pela modernidade. Sabemos que entre o primeiro número e o segundo da célebre revista não houve apenas alteração de diretores — de Luiz de Montalvor e Ronald de Carvalho para Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Houve uma nítida afirmação de um sentido estético futurista, em Abril de 1915, no número 2, representado ostensivamente por Almada Negreiros na identificação icónica de Fernando Pessoa. Nesse número está publicada a «Ode Marítima» de Álvaro de Campos, que mereceu de Sá-Carneiro a apreciação de obra-prima do futurismo, bem como os quatro extratextos de Santa-Rita Pintor, que com incompreendida originalidade assumem um conceptualismo baseado nas sensibilidades mecânica, litográfica e radiográfica, bem como um designado interseccionismo plástico, muito próprios e longe das influências italianas. São significativos os termos usados por Fernando Pessoa, dirigindo-se em carta a Camilo Pessanha: «É uma revista, da qual saíram já dois números; é a única revista literária a valer que tem aparecido em Portugal, desde a Revista de Portugal, que foi dirigida por Eça de Queirós. A nossa revista acolhe tudo quanto representa a arte avançada; assim é que temos publicado poemas e prosas que

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vão do ultra-simbolismo ao futurismo. Falar do nível que ela tem mantido será talvez inábil, e possivelmente desgracioso. Mas o facto é que ela tem sabido irritar e enfurecer, o que, como V. Ex.ª muito bem sabe, a mera banalidade nunca consegue que aconteça. Os dois números não só se têm vendido, como se esgotaram, o primeiro deles no espaço inacreditável de três semanas. Isto alguma coisa prova — atentas as condições artisticamente negativas do nosso meio — a favor do interesse que conseguimos despertar». Não por acaso, Fernando Pessoa compara «Orpheu» com a revista de Eça de Queirós estando no entanto a pensar, muito mais do que nessa iniciativa, no grito da geração do Bom Senso e do Bom Gosto (1865) que causou escândalo em Coimbra e que visou a escola do elogio mútuo e a decadência do gosto romântico — sob o magistério de Antero. Afinal, qualquer mudança exige sempre pôr em causa a lógica da continuidade. Hoje sorrimos quando lemos a apreciação de personalidades, até aí respeitadas, sobre a suposta loucura desses jovens que lançaram «Orpheu», que mais não era do que expressão do inconformismo e de uma renovação estética e artística. Se olharmos com atenção a história da cultura portuguesa nos últimos duzentos anos, verificamos haver uma continuidade genealógica entre os primeiros grandes mestres românticos, Garrett e Herculano, o realismo dos protagonistas da geração das Conferências Democráticas do Casino (com destaque para Antero, Eça e Oliveira Martins) e os animadores do Primeiro Modernismo, devendo acrescentar-se outros inconformistas que se recusaram a seguir os cânones de modas ou escolas (como Cesário, Pessanha ou Pascoaes — e depois a «Presença»). Essa linha merece ser realçada. Anuncia-se o tempo em que Almada Negreiros dirá: «Amadeo de Sousa Cardoso é a primeira Descoberta de Portugal na Europa do século XX». É, insista-se, o movimento que está na ordem do dia e torna-se essencial lançar as bases de uma ideia nova. Almada Negreiros repete por outros métodos e palavras o que os jovens de Coimbra, ao lado de Antero de Quental, tinham dito e feito. Elege um símbolo, Dantas, que se torna um alvo, com outrora Castilho. Havia que agitar as águas, para não ficarmos desterrados no tempo e na periferia da História. Como afirmou Pessoa, a revista tinha «sabido irritar e enfurecer, o que (…) a mera banalidade nunca consegue que aconteça». Ora, José-Augusto França e Eduardo Lourenço compreenderam, premonitoriamente, a importância de «Orpheu» e dos seus artífices — superando desconfianças e preconceitos, resistências e simplificações. E os dois autores conseguiram que se começasse a ler criticamente e com olhos de ver a obra heterogénea e rica dessa geração. E assim prenunciaram e anteciparam a voga que viria a surgir, algo tardiamente,


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reconhecendo a importância fundamental do grupo. «A nossa geração foi a primeira (diz Eduardo Lourenço) que de uma forma sistemática descobriu e explorou este género de leitura que só Oliveira Martins, num outro contexto, praticara, o que supõe um vaivém assumido e, em última análise, sem termo, entre razão e mito». De facto, J.-A. França recorre às narrativas para explicar outras narrativas, sob um «fundo omnipresente de configuração mítico-tautogórica». E assim o mito em lugar de constituir uma sombra que não permite ver a realidade torna-se um instrumento crítico que permite uma leitura clara da história e um sentido emancipador. E se «Almada não “raciocina” como Pessoa», apreende-se «na autossuficiência, iconiza-se e vê aquilo que vê, claramente visto, como ideia-mito, separado de tudo e, nessa separação, unido a tudo». Veja-se a edição do Centro Nacional de Cultura da revista «Contemporânea», de José Pacheco, cujo número-espécimen é precisamente de 1915. Pode dizer-se que «a leitura mitológica do modernismo português (para J.-A. França) — com o seu epicentro nos casos de Almada e Amadeo (lido por Almada) — exerceu, e exerce, na cultura portuguesa contemporânea uma influência considerável e sob certos aspetos hegemónica». E eis-nos ante um paradoxo, que resulta, afinal, dessa capacidade de usar os mitos como aguilhão crítico e não elemento acomodatício: «o nosso modernismo assinala (…) a espetacular ausência de Modernidade na nossa Cultura do século XX». É a partir dessa leitura dos mitos que ganha um interesse especial a geração de «Orpheu», considerada reveladora de uma necessidade de mudança e de inconformismo. O «Portugal Futurista» sai num único número (1917) e Almada publica a novela «K4 O Quadrado Azul» E há um pacto com Amadeo e Santa Rita Pintor, para descobrirem o mistério dos Painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves. Estranhíssimo pacto sobre um monumento histórico do século XV. De facto, esse era o desafio: chegar em primeiro lugar sem esquecer os primitivos de onde provimos e os novos que desejamos anunciar. Das conferências ao bailado, passando pela caricatura, pelo desenho, pela cenografia, pela imprensa, por tudo afinal, Almada anuncia um novo tempo e uma nova atitude. Como Antero e a geração de Coimbra, a das Conferências que se lhe seguiram, e a dos «Vencidos», que o não eram verdadeiramente porque desejavam ser, e foram, «vencedores, Almada e os modernistas assumem uma nova atitude e uma nova mentalidade. Ser falado, ser considerado singularmente não conformista, torna-se oportunidade excelente para que as águas se agitem. Há, por isso, palavras fortes no sentido de produzirem efeito, e traços seguramente claros e inequívocos, representando um impulso de vida. «Fazer jovem e alegre o nosso Portugal» obrigaria a «transpor essa bitola de insipidez em que se gasta Lisboa inteira, e atingir a expressão da intensidade da

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vida moderna». Daí a necessidade, como no «Ultimatum Futurista» (1917), de fazer uma diatribe escandalosa contra a situação mental e social do país. Portugal estaria a dormir desde Camões, havia que acordá-lo…, contra a nostalgia mórbida e o amadorismo («Portugal não é um país de vadios, é um país de amadores»). E é Fernando Pessoa que está apto a partir do gesto largo, baseado no movimento, para fundamentar um novo capítulo histórico — definindo-o na prática como um feixe de diversos caminhos, que exemplarmente, vai ligar a cada um dos seus heterónimos, bem como ao seu próprio ortónimo. Que é Bernardo Soares senão a ilustração desse encontro múltiplo e paradoxal? Cinematograficamente é o movimento que importa acima de tudo. Mas o futurismo, sem mais, é visto por Pessoa com desconfiança: «O futurismo vem a ser uma fotografia abstrata das coisas. Ora, toda a arte seja como for é antifotográfica e concreta»… «Orpheu» deve ser encarado como memória de um tempo transformador e de rutura. Não se celebra, pois, uma realidade imóvel e situada no passado, mas deve procurar-se entender o movimento — e nele a relação, criadora de coerências e paradoxos, entre razão e mito. «Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém na humanidade» — disse o próprio Pessoa. Ao partir da leitura crítica dos mitos, Eduardo Lourenço considera-os preciosos reveladores das origens e da iniciação da realidade humana, a fim de culminarem na formação de uma vontade consciente, ilustrada e aberta, capaz de ser emancipadora dos constrangimentos e limites: transformar o amador na coisa amada, fazer aparecer a unidade perfeita onde a dualidade existia, entre transcendência e imanência. Daí a importância da revisão crítica desse momento português de heterogeneidade e de início de caminhos novos. Articulemos, afinal, os momentos de mudança e projetemo-los na recusa do que seja fatal como o destino… Oiçamos ainda Almada: «O gramofone, o cinematógrafo, a Arte e a linotype reproduzem os sentidos, as qualidades, os defeitos, a sensibilidade, a ideia, mas tudo subjetivamente, tudo deficientemente, tudo convencionalmente. Inventese a máquina de reproduzir o cérebro! Industrialize-se o génio! E com a morte perpétua do subjetivismo, da deficiência e do convencionalismo proclamar-se-á a paz definitiva erguida de entre todos os cérebros absolutamente iguais para dentro. O único dado imprescindível para a invenção da máquina de reproduzir o cérebro é profetizá-la. (…) E a Velocidade é o triunfo da Europa que elucida o Mundo…» («K4 O Quadrado Azul»). E a terminar, fica-nos a memória de Quim e Manecas, aventureiros num mundo de perigos e de guerra, com a ingenuidade e a determinação, que ilustram um tempo e uma geração que quer renovar o tempo e o mundo — adaptando-se ao movimento e à velocidade…


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Na rua inteira que foi o Chiado, e era em 1859 das Portas de Santa Catarina que ao alto tinham existido, e passou a ser, em 1880, do Garrett, sem que o nome inicial se perdesse na memória lisboeta, e a ponto de, em 1925, vir ao tradicional Largo das Duas Igrejas que lá estão, recebendo, por confirmação, o monumento do poeta popular e chocarreiro que lhe está provavelmente na origem toponímica, e, sentado em 1925 no seu banco, lá ficou no sítio que mais ou menos foi da fonte monumental do Neptuno, vinda do Rossio e desmontada em 1859, deixando espaço, longamente, à dita Ilha dos Galegos, seus aguadeiros de tradição e, por sucessão, a outros que tais, de pau e corda, ou já só para recados, sequer amorosos, com o tempo que passou… Na rua inteira que foi do Chiado, digo, nunca houve cinemas ou salões de animatógrafo, mas sim nas imediações, e sem que, para o propósito deste texto, se deva sair da especificidade do bairro e descer à Baixa, que é outra espécie lisboeta, até ao Rossio ou por detrás dele, onde cinemas houve desde princípios do século XX. E onde também deixou de os haver, como no Chiado, ou por toda a cidade… Fiquemos por estas imediações do Chiado, que vão a caminho dos Ferragiais ou descendo ao Pote das Almas, ou indo para o Calhariz e subindo à Trindade. Estes os limites da zona, com sua lógica, e vindo depois a cronologia das salas inauguradas, e extintas também, todas elas — menos uma que é, por milagre, a mais antiga de todas em Lisboa e manteve, por milagre também, decerto, o seu nome de “Ideal”. “Salão” ou “Cinema” dito, embora, na voz corrente da clientela, tivesse sido, durante muito tempo, “o Loreto”, do sítio exacto em que está, na rua desse nome desde o Camões, e Nº 13, em loja de prédio de construção pós-pombalina. Assim era legalmente possível na altura e depois deixou de ser, por perigo de incêndio das películas de celulóide, mesmo quando, há muito já tinham mudado de suporte. A altura, foi em 1904, e foi, depois de locais desmontáveis em feira, o primeiro poiso fixo de exibição animatográfica em Lisboa. Teve ele melhoramentos, quatro anos mais tarde, popularizado em breve por uma frequência animada de ardinas que faziam horas para a saída dos vespertinos fornecidos pelas oficinas instaladas no Bairro Alto. E tanto animavam eles o sítio que chegavam a interromper o trânsito dos eléctricos que iam do Camões para a Estrela, transbordando dos passeios, pela rua dentro. O mesmo, aliás, se veria com outra categoria de gente mais fina, no cinema “S. Luis”, muitos anos depois, como vamos ver. Muito antes dele existir nas técnicas cinematográficas, o “Ideal” desde 1908 exibia filmes falados artesanalmente, pondo por detrás do ecrã pessoas a dizerem os diálogos da fita. Eram elas, por sinal, bombeiros voluntários da Ajuda contratados para o efeito — e entre eles se estreou o que seria o popularíssimo actor António Silva. O êxito foi enorme e logo o “Chiado Terrasse” imitou a manobra espectacular e também, em 1911, o “Chantecler” dos Restauradores, que está fora da nossa zona.


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Nela, a concorrência estabeleceu-se logo em 1907, 1908 e 1911, com três salas de breve existência, e mais duas que a prolongaram, como vamos ver, também desde 1908 e 09. Em 1907, na Rua Paiva de Andrade, Nº2, (onde depois foi o restaurante e casa de chá “Caravela”, e hoje se come de outra maneira), abriu, por ano e meio somente, o “Salão S. Carlos”, e, no mesmo ano e por menos tempo ainda, numa dependência dos Armazéns do Chiado, na Rua Nova do Almada, esteve em actividade o “Salão Chiado”. Explorou-o Raul Lopes Freire que logo no ano seguinte instalou o “Salão Central” nos baixos do Palácio Foz, para uma longa duração comercial, com filmes da UFA, reprises durante a guerra de 1940, e dependência do SNI e da Cinemateca, actualmente. Em 1909, e com obras em 17, instalou-se o “Salão Trindade” num espaço entre os dois teatros, da “Trindade” e do “Ginásio”, que cerca de 1920 foi adquirido pela Companhia dos Telefones para sede da sua estação central. O próprio “Trindade” teve ocasionalmente exploração cinematográfica, muito mais tarde, desde 1937, tal como o “Ginásio”, mais aturadamente, desde 1934 — e durante a Guerra de 1940 com exclusivo dos filmes alemães, em propaganda meio política, com a celebridade da vedeta Marika Röke; seria demolido nos anos de 1990, para utilização comercial do edifício construído sobre o teatro que fora reedificado em 1923, com grandes luxos decorativos de “arts déco” que mais ou menos perduraram. O “Chiado Terrasse”, que vimos abrir em 1908, na Rua António Maria Cardoso, quase à esquina do Largo do Chiado, teve mais de sessenta anos de vida cinematográfica, com obras de melhoramento logo em 1916 que bastaram até ao fim acontecido nos anos 70, a favor de uma empresa de seguros que lá está actualmente. Cinema popular, de longa vida de reprises, teve várias utilizações também teatrais, apresentou actos de variedades em 1921 e gabou-se de ser, em publicidades já de 1911, o “cinema da moda” de Lisboa, ou “o cinematógrafo de Lisboa mais amplo, cómodo e elegante” senão o “mais concorrido”, o que eram exageros. Mas quarteto de música privativo teve em 1918, que acompanhava, como era uso em muitas salas, as exibições dos filmes. Mais modestamente, na sua vida social, grandes bichas de espectadores às vezes iam pelo passeio fora, esquinado para o largo, para terem acesso à bilheteira, até ao fim aberta numa parede, para a rua, chovesse ou não chovesse. De qualquer modo, o “Chiado Terrasse” foi, no centro de Lisboa-Chiado, o melhor cinema das reprises, e logo após as estreias — que podiam ser, por exemplo mais significativo, cem metros adiante, no cinema “S. Luis”. Cerca dos anos 40, o “Chiado Terrasse” teve programas comuns com o cinema “Lys”, ao Intendente, onde servia outros clientes de bairro pequeno-burguês — nesta sociologia urbana do parque cinematográfico que importa conhecer para saber como se ia ao cinema em Lisboa, em passatempo favorito devidamente hierarquizado.

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Justamente nessa hierarquia entrava, pelo alto, o “S. Luis Cine”. “Teatro D. Amélia” edificado em 1894, nomeado assim à vista da rainha que tinhamos então, dirigido por um “brasileiro” Luis Braga que o respectivo rei D. Carlos fez visconde de S. Luis (como era uso) mas de Braga também; mudou de nome após a República e, com o nome dela, ardeu em 1914 e foi rapidamente reconstruido (por Tertuliano Marques) para abrir em Janeiro de 1916, e com o nome de “S. Luis Cine” adaptado aos novos espectáculos, em Abril de 1928. Abriu a nova sala, que ia sobretudo concorrer com o “Tivoli” de 1923 (traçado de Raul Lino na Avenida da Liberdade e que assim descentrava as exibições da 7ª Arte na capital), em Abril de 1928, com o grande filme de Fritz Lang “Metropolis”, animado pela orquestra de Pedro Blanch a executar a partitura de Kuppertz tocada em Berlim, na estreia da obra. Foi um acontecimento artístico e mundano que fixou uma clientela de luxo, logo partilhada com a do “Tivoli” — com grave distinção lisboeta, porém, que deve ser sublinhada, para melhor entender o Chiado, cinematográfico e não, nos anos 20, 30 e até 50. Se o “Tivoli” era “Avenidas Novas”, o “S. Luis” era “Lapa”, mais novos-ricos da guerra ali, mais riquezas tradicionais aqui, na história da formação e da habitação dos respectivos bairros. E não eram com certeza iguais os públicos das segundas-feiras da estreia do “Tivoli” e das terças do “S. Luis” — que enchiam, à saída, os passeios da Avenida ou interrompiam, por ser mais estreita a rua, o trânsito da António Maria Cardoso, com bichas de eléctricos pacientemente parados, e automóveis manobrando como podiam, entre gentes que se despediam ou olhavam umas às outras… Com mais categoria social, evidente, que a do público do “Ideal” do Loreto, eram semelhantes os efeitos de trânsito. Mas tão diferentes as assistências às reclamadas sessões de Carnaval, com bailes até aos anos 70 concorridíssimas! Saiba-se ainda, por comparação no mesmo bairro, que, se os ardinas do Loreto se “arranchavam” (era o termo usado, e é Felix Ribeiro quem o conta no seu saboroso primeiro estudo sobre os cinemas de Lisboa) a dois, pelo preço de uma entrada só, carimbada nas costas das mãos, no “S. Luis” o difícil era, fora dos clientes certos com assinatura, obter lugares cobiçados na estreia, só por cunhas ou gorjetas aos bilheteiros… Assim foi o “S. Luis Cine” com sua adequada programação muito da “Metro” em seu gosto, que meteu o sonoro em 27 de Maio de 1930, na estreia do “Prémio de Beleza” de Augusto Genina, argumento de René Clair, e interpretação da grande Louise Brooks, falado em francês — mas garantindo-se aos espectadores menos afeitos à língua, que “o conflito estava habilmente explicado, compreendendo-se todas as cenas, tal como no cinema mudo, estando portanto o público em frente de um espectáculo novo, completo e definitivo”… Nunca fiando, se pensaria, mas sabendo que a primeira exibição de cinema sonoro em Lisboa tivera lugar dois meses antes (5 de Abril) num pequeno cinema de bairro,


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à Graça, o “Royal Cine” que um empreendedor dono de restaurante na Baixa, galego de origem, Agapito Fernandez, construira, a par de um bairro dito “Estrela d’Ouro”, para seus inquilinos e uma casa de circunstância para ele, senhorio. E assim ganhou ele com regalada teimosia a partida do sonoro na capital, contra a grã-finagem do Chiado e o empresariato capitalista do mundano “S. Luis” — que logo depois ofereceu sessões contínuas de 12 horas em novidade de pouca dura. Moral da situação: nem o “S. Luis” nem o “Royal” já existem hoje!... Mas, na história do “S. Luis” há que incluir um prefácio, de 1911, quando, por pouco mais de um mês, “no delicioso salão de inverno” do ainda teatro “D. Amélia”, com cenário de Manini e duas palmeiras naturais em vasos, se realizaram espectáculos de animatógrafo às 19.30 da tarde, sob a designação auspiciosa de “The Wonderfull”, a tentar o quadro mundano do Chiado das casas de chá, das modistas, das livrarias, dos cafés, e dos “carnets mondains” que os quotidianos registavam com apreço e gula. “S. Luis”, sim, também as estreias, em 1931, d’A Severa, de Leitão de Barros e, em 1933, d’A Canção de Lisboa, de Cottinelli Telmo, em que começou, por assim dizer, o mau e o bom cinema nacional. ... Porém, ao “S. Luis” coube ainda um acontecimento cinematográfico único que deu ao Chiado uma posição bem particular, em Portugal. Foi o caso que, em 1912, Max Linder, famosa vedeta cómica do cinema francês, veio contratado a produzir-se, em “tournée”, no palco do já teatro “República”, com monólogos encenados e exibição de filmes da sua autoria e aplaudida interpretação. Na respectiva noite, teve ele uma “festa artística” em que se exibiu um filme especialmente rodado por um operador francês que o acompanhava, com a colaboração de André Brun que o recebia, e de Lino Ferreira, popular autor dramático. E vemos aí Max Linder partir da Estação do Rossio, subir a Rua do Carmo e a Garrett até à altura da Rua Anchieta, passar depois pelo Largo do Chiado, e chegar ao teatro em que nessa noite se exibia em carne e osso. Nenhuma história na fita e só o breve passeio pelo Chiado, seguido por muitos admiradores ou simples passantes intrigados com o aparato que foi policial também, para que o actor pudesse circular. Pela primeira e única vez uma vedeta internacional era filmada em ruas de Lisboa quase em tempo real, e a publicidade foi apreciada, no seu ineditismo. O filme dura mesmo assim 35 minutos e é produção da Pathé de Paris. Infelizmente desapareceu — e a presença física do Chiado no cinema ficou apenas como uma ficha de inventário. Mais inocentemente, Chiado abaixo, passearam amorosamente a Tatão e Chico d’O Pai Tirano de António Lopes Ribeiro, em 1941, em cinema assim-assim... ... Dos oito cinemas locais resta também e tão somente a recordação em gente de antes dos anos de 1970 de prática lisboeta — nesta arqueologia cultural a que a nossa iniciativa anual vai podendo assegurar nova vida de Chiado.

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A alunagem de Júlio Verne no Chiado e o “Guisado na Porcalhota” José Quaresma

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Figura 1 Júlio Verne caricaturado por Rafael Bordalo Pinheiro,

in António Maria, de 29 de Maio de 1884

“Julio Verne o illustre escriptor francez, chegou a Lisboa, jantou com David Corazzi e com outros convidados d’aquelle editor, entre elles este seu creado, e foi-se. Só andando com esta pressa, póde fazer viagens á lua no tempo que qualquer gasta em ir á Porcalhota comer Coelho guisado. Que tanto elle, como seu irmão Paul, façam boa viagem aos antipodas em I hora e ¾ e que se voltarem a Lisboa se demorem mais um bocadinho para lhes mostrarmos o jardim da Europa á beira-mar plantado.”1

Ponto I. Encontros com Manuel Pinheiro Chagas, Ramalho Ortigão, o próprio Rafael Bordalo Pinheiro, e outros autores destacados da efervescência do Chiado (nomeadamente de futuros “Vencidos da Vida”), ocorreram nos anos de 1878 e 1884 em lugares como o “Grand Hotel Central” de Lisboa (Cais do Sodré) e “Braganza Hotel”

1. Rafael Bordalo Pinheiro. Frase que acompanha a caricatura de Júlio Verne no António Maria, Vol. VI, 29 de maio, 1884.

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(Vitor Cordon), quais centros de irradiação das breves estadias de que Júlio Verne desfrutou no Chiado e nas fronteiras do mesmo. Veio no St. Michel (alusão ao filho) este homem de prodigiosa imaginação e sólidos conhecimentos de geografia, mineralogia, engenharia, e outros domínios para poder supor mundos paralelos, ficcionais, mas antecipadores da nossa realidade (inclusivamente, com uma antevisão do domínio do dinheiro sobre a política, como na obra projectada para os anos 1960, Paris au XX ème Siècle, com edição 130 anos após a sua concepção). Mas Júlio Verne não fala só de Voyages Extraordinaires no sentido futurista e tecnológico, pois, alia a literatura científica a anseios e narrativas imemoriais da espécie humana. Por isso, não é só pesquisa e delírio da tecno-ciência: abre ligações subterrâneas com Hefesto, com as sombras de Ulisses ou Ájax no Hades. Por outro lado, desprende-se da gravidade para habitar por várias semanas o mundo (Cinq semaines en Ballon, em 1863) num Balão tornando esse mundo tendencialmente global (um balão que sobrevoa a Terra-balão). Fá-lo quase ao mesmo tempo que Nadar, o fotógrafo — mas também o jornalista, o caricaturista do Panthéon Nadar, e o aeronauta persistente — se lança em 1863 (o mesmo ano em que Daumier faz troça litográfica da “arte” da fotografia e do nascimento da fotografia aérea) num mega balão chamado de Le Géant, com várias pessoas a bordo, numa casa esvoaçante, de dois andares, que se vai despenhar milhas mais adiante, para desespero de todos e para tomadas de decisão ainda mais utópicas de GaspardFélix Tournachon, de seu nome “real”: para vencer o ar temos de atravessá-lo com objectos mais pesados do que ele! (Ver a este propósito, Nadar, A terre et en l’air… Mémoires du ‘Géant’, Paris, E. Dentu, 1865). Surge então a querela dos “ares leves” e dos “ares pesados”, ao mesmo tempo que se constitui a Société d’encouragement de la navigation aérienne au moyen du

plus lourd que l’air. Júlio Verne também irá integrar esta sociedade. Mas, para além do elemento que é o ar, o homem tem, como todos sabemos, a atracção que Empédocles tinha por vários elementos combinados. Por esse motivo tanto ficciona na direcção da lua como desce aos abismos da terra, lugares nos quais se depara, certamente, com belezas inauditas, mas igualmente com deuses e semi-deuses que lá continuam em sombra e em forja.

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“Encontrou-o transpirado e atarefado, de roda dos foles. É que ele fabricava trípodes, vinte ao todo, para ficarem de pé à volta do muro da sua casa bem construída; e rodas de ouro colocaram sob a base de cada uma, para que entrassem, autómatas, na reunião divina e de novo voltassem a casa, maravilha de se ver!”2

Trata-se, nesta passagem, da actividade efervescente de Hefesto algures nas entranhas da terra, antes de Prometeu e do fogo roubado terem assomado à superfície: “Il se glisse donc furtivement dans l’atelier commun où Athéna et Héphaistos cultivaient leur amour des arts, il y dérobe au dieu son art de manier le feu et à la déesse l’art qui lui est propre, et il en est fait present à l’homme, et c’est ainsi que l’homme peut se procurer des ressources pour vivre.”3 Também aqui, a nosso ver, Júlio Verne pretendeu testar a utopia da vida humana, como se a quisesse olhar no seu status nascendi antes do furto mais relevante da história do mundo. As páginas iniciais de Voyage au Centre de la Terre, 1864 (um ano após a viagem do balão), são indiciadoras dessa preparação e dessa viagem telúrica: “Or, il y a en mineralogy bien des dénominations semi-greques, semi-latines, difficiles à prononcer […]. Il joignait au génie du géologue l’oeil du minéralogiste. Ave son marteau, sa pointe d’acier, son aiguille aimentée, son chalumeau et son flacon d’acide nitrique, c’était un home très-fort. A la cassure, à l’aspect, à la dureté, à la fusibilité, au son, à l’odeur, au gout d’un mineral quelconque, il le classait sans heister parmi les six cents espèces que la science compte aujourd’hui.”4 Voltando à superfície e vendo hoje no Chiado coisas que são por similitude de vida urbana ante-narrada em 1860, sobre a cidade de Paris, o exemplo da “alunagem” de Júlio Verne neste quarteirão da cidade pretende assinalar simbolicamente, mais uma vez, o espaço metatópico que o Chiado é, ainda que Rafael Bordalo Pinheiro ache o autor da Cidade flutuante (Ville flottante, 1971) muito pressuroso para se poder inteirar da profundidade de um espaço como este, pois, Júlio Verne contempla Lisboa e o jardim que é Portugal à mesma velocidade que se come um coelhozito na Porcalhota (actual Amadora)! Descontado o encadeamento da viagem de Júlio Verne, o seu exemplo serve também como imagem de vanguarda para a aproximação de arte, ciência e

2. Homero, Ilíada, tr. Frederico Lourenço, Lisboa, Livros Cotovia, 2005, Canto XVIII, 370 e segs. 3. Platão, “Protagoras”, in Protagoras; Euthydème; Gorgias; Ménexène; Ménon; Cratyle, tr. Fr. Émile

Chambry, Paris, Flammarion, 1967, 321 c-322 d. 4. Júlio Verne, Voyage au Centre de la Terre, Paris, Ed. Hetzel, 1967, p.3.

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natureza, exactamente como nos fala Malévicth a partir do Suprematismo Aéreo poucas décadas depois, com a diferença de que este pouco andou pelos jardins plantados mais a ocidente: Os pássaros coloridos na floresta virgem do Ceilão são belos, mas os aeroplanos no espaço virgem da época contemporânea não são piores.5

Ponto II. “Construir, habitar, pensar” (Bauen, Wohnen, Denken) é o título de um texto de Heidegger de 1951, sintomaticamente publicado numa obra na qual se encontra outra reflexão central do autor: “A essência da técnica” (Die Frage nach der Technik). Em ambos é incessante a força de um questionamento do acto imemorial do habitar e do criar extensões ônticas para o homem, com perguntas cada vez mais regressivas até ao ponto de sobrepor num grande círculo dimensões pretéritas, presentes e futuras do acto de construir e tecnicizar o mundo. O que tem a Utopia, Chiado, Carmo e as Artes na Esfera Pública a ver com estas considerações heideggerianas? Muito, segundo algumas das seguintes formas. “Mas, em 88, as ideias dos túneis e do viaduto de Miguel Pais eram retomadas, e para este houve concurso aberto pela Câmara e ganho por uma empresa de capitalistas franceses que projectou uma ponte de 25 metros de largura, ladeada de lojas de luxo, «abobadadas de cristal», entre S. Pedro de Alcântara, Sant’Ana e a Graça — «pequena cidade aérea que só encontraria companheiras nos Estados Unidos, ainda que menos belas e espectaculosas».”6

Esta passagem ironicamente ciceroneada por José-Augusto França pelo último quartel do séc. XIX, deixa bem “patente” (para retomarmos algum jargão heideggeriano) um projecto de “mundo” a “instalar” no espaço imaginário que é uma metrópole, produzindo um rasgão no território existente e traçando ligações em espaços aéreos que se afiguravam velados e intransponíveis, mas sobretudo, rasgando uma dimensão utópica de construção, qual tela densa e virtual, sempre estofo refractário para figuras que, sem a mediação de mudanças geométricas de planos

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5. « Les oiseaux colorés dans la forêt vierge de Ceylan sont beaux, mais les aéroplans dans l`espace vierge de l`époque contemporaine ne sont pas pirre.» Kasimir Malévitch, La Lumière et la Couleur, Tomo IV, tr. fr. J.- Marcadé e Sylviane Siger, Lausanne, L’Âge d’Homme, 1981, p. 45. 6. José-Augusto França, A Arte em Portugal no Século XIX, Vol. 2, Lisboa, Bertrand Editora, 1990, p.20.


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para lhes descortinar a verdadeira grandeza, nunca se chega realmente a visionar os projectos nele lançados. Como se, como afirmava São Paulo a propósito do Invisível ou do ainda Não Figurável, num primeiro momento tivéssemos de ver por enigma, num segundo momento víssemos artificialmente a sua verdadeira grandeza e, por fim, a conjugação da forma não diferida com a ilusão instrumental do parecer “já feito”. Sucede que as diversas fachadas do “parecer já feito” do nosso Tenente-Coronel Miguel Pais não são similares às metrópoles actuais, muito menos se podem assemelhar às metrópoles futuras. A u-topia inerente ao pensamento urbanístico e à construção arquitectónica sai perturbadíssima do fenómeno da screenologia desregulada, não apenas nas dimensões que nos habituámos objectivamente a ver, isto é, a assimilar sedução tecnológica, imagens, e informação em estado de semi-imersão, a saber: os eboards de um metropolitano e das escadas ascendentes e descendentes deste meio de transporte, ou a recepção de tudo aquilo a céu aberto, quando toupeiras dos túneis saímos, ou ao entrar num café, ou num centro comercial, ou nos locais de trabalho. Como dizíamos, não apenas por causa desta exposição imagética e electrónica continuada, mas também devido ao perigoso adensamento que sobrevém à nossa vida screenológica, por intermédio do cruzamento (o multisensory approach que é desejado e aquele que não o é) do mundo de écrans que cada um transporta nos bolsos com o mundo de écrans exteriores (pequenos, médios, grandes, de escala imperial), que desafiam os nossos órgãos sensoriais, ou outras zonas do corpo e da respiração soberana e insubstituível. “Lasting impressions, the slightness in their differences, the habituated regularity of their course and contrasts between them, consume, so to speak, less mental energy than the rapid telescoping of changing images, pronounced differences within what is grasped at a single glance, and the unexpectedness of violent stimuli. To the extent that the metropolis creates these psychological conditions — with every crossing of the street, with the tempo and multiplicity of economic, occupational and social life — it creates in the sensory foundations of mental life, and in the degree of awareness necessitated by our organization as creatures dependent on differences, a deep contrast with the slower, more habitual, more smoothly flowing rhythm of the sensory-mental phase of small town and rural existence.”7

7. Donald Levine (ed.), “The Metropolis and Mental Life”, in Georg Simmel On Individuality and Social Forms, Chicago, University of Chicago Press, 2011, p.325.

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Seja sob a forma de simpatia urbana e universal, qual urban media city, networked city, smart city, ou sob a forma de intrusão desmedida, sedução de scroll digital ou outro, encontramo-nos perante a grande necessidade de pensar que género de adaptação será esta à qual Georg Simmel deu respostas excessivamente simpáticas; a que géneros de disrupção no “habitar” (Wohnen) da Technopolis teremos de nos submeter; que descontinuidades sinestésicas teremos de vir a suportar; mas sobretudo, que flutuações estéticas subjectivas e intersubjectivas podemos esperar.

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(Re)construções do Carmo. Utopia no Espaço Público Célia Nunes Pereira

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«O Convento do Carmo, em boa medida, (...)» na sequência das «(…) bem intencionadas» campanhas tanto de reconstrução como de restauro de que foi objecto, as quais acabaram sempre por ficar «(…) incompletas (talvez por serem demasiadamente ambiciosas ou irrealistas para a época), estacionou como um símbolo de pedra — um esqueleto, ou um sinal dessa Morte incontornável que espreita a praça universal, lá em baixo, essa praça do Mundo que é o Rossio.»1

Na primeira metade do século XIX, impulsionada por influentes intelectuais como Alexandre Herculano, principia-se a abertura de uma nova vertente no que respeita à valorização do património arquitectónico português. Iniciativa que vemos espelhada através de publicações e artigos2 que, se assumem como verdadeiros manifestos, apelando a uma tomada de consciência pública das delapidares circunstâncias em que se encontravam os nossos monumentos3. Situação que urgia inverter. Neste sentido, logo no primeiro número da sua revista (O Panorama, lançada em 1837), Alexandre Herculano, aborda (emblematicamente) as cenográficas ruínas da antiga Igreja do Carmo, artigo4 onde a sua veia romântica5 chama a atenção para um abandonado espaço que urgia desocultar. Sob a real protecção do mecenas D. Fernando II6, as ruínas do templo carmelita são atribuídas a partir de 1863, à Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses, dirigida pela prestigiada figura de Joaquim Possidónio da Silva

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1. PEREIRA, Paulo, «A Igreja e Convento do Carmo: do gótico ao revivalismo», Separata das actas do Colóquio Comemoração dos 600 anos da Fundação do Convento do Carmo de Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1989, pp.112 2. Como «Os Monumentos» ou «Mais um brado a favor dos monumentos». Cfr. HERCULANO, Alexandre, «Os Monumentos (I)», O Panorama, nº69, vol. II, Lisboa, 1838, p.266-268; «Os Monumentos (II)», nº70, pp.275-277; «Mais um brado a favor dos monumentos (I), nº93, vol. III, 1839, pp.43-54; «Mais um brado a favor dos monumentos (II)», pp.50-52. 3. ROSAS, Lúcia Cardoso, «Monumentos Pátrios, A Arquitectura Religiosa Medieval — património e restauro (1835-1928)», Vol. I, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras Universidade do Porto, Porto, 1995, pp.21-23 4. HERCULANO, Alexandre, «A Arquitectura Gótica. Igreja do Carmo em Lisboa.», O Panorama, nº1, Maio, Lisboa, 1937 5. FRANÇA, José-Augusto, «O Romantismo em Portugal, Estudo de factos socioculturais», Livros Horizonte, Lisboa, 1993, p.127 6. Sobretudo de 1864 a 1886. Cfr., SOARES, Margarida Maria do Vale Jordão G., «Igreja de Santa Maria do Monte do Carmo de Lisboa — Memória e Ruína», Tese de Mestrado em Arte, Património e Restauro, apresentada à Faculdade de Letras Universidade de Lisboa, Lisboa, 2001


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(1806-†1896)7 — « (...) responsável pelo lançamento definitivo do interesse pela arqueologia medieval portuguesa contribuindo para a criação de uma nova consciência patrimonial.». A instituição funda aí a sua Sede e projecta desde logo a concepção de um futuro Museu8, que tinha como objectivo acolher o crescente acervo de depredadas antiguidades artísticas que se encontravam dispersas pelo país. Entre os interessantes núcleos de objectos arqueológicos que testemunham esta acção, destacam-se os conjuntos de tumularia medieval e lapidária. O projecto de criação do museu de “salvados” com componente pedagógica foi colocado em prática, tendo sempre a Real Associação, 9como matriz de orientação «(…) a concentração de esforços na divulgação, valorização e protecção da arquitectura, onde o restauro, sob uma faceta teórico-prática, mantém um papel de relevo.»10 Esta iniciativa traduz-se numa activa e permanente intervenção no espaço, tornando o edifício numa sui generis ruína musealizada de ressaibos caracteristicamente românticos. Factores que permitiram a laboração de um efectivo plano de reestruturação do espaço, respeitando a unidade arquitectónica que se tinha tido, «(...) o bom juízo de conservar (...)».11 Múltiplas foram as diligências que a Associação dos Arqueólogos e Arquitectos Civis Portugueses, dedicou a este monumento durante as várias campanhas de obras de adaptação e remodelação do espaço preexistente, de modo a alcançar a funcionalidade pretendida para um eficaz desempenho das actividades engendradas pela Sede e Museu, respectiva conservação e preservação estética do edifício. Inicialmente a Associação detinha o usufruto apenas da área que compreendia as três naves da Igreja, pois o transepto e cabeceira encontravam-se

7. MARTINS, Ana Cristina, «Possidónio da Silva e a Memória Histórica, Um percurso na Arqueologia Portuguesa de Oitocentos», Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa; ARNAUD, José Morais, Carla Varela Fernandes (coord.), «Construindo a Memória — Colecções do Museu Arqueológico do Carmo», Lisboa, 2005, pp.49-54. Sobre vida e obra deste arquitecto da Casa Real Cfr. MARTINS, Ana Cristina «Possidónio da Silva: um Exemplo da Arqueologia Europeia de Oitocentos», Revista Portuguesa de Arqueologia, Instituto Português de Arqueologia, nº4, Lisboa; «Possidónio da Silva, a R.A.A.C.A.P. e os Estudos Pré-históricos no Portugal Oitocentista», Arqueologia, Grupo de Estudos Arqueológicos do Porto, nº24, Porto, 1999; FRANÇA, José-Augusto, «Arte em Portugal no Século XIX», Bertrand, 1966, pp.320-322 8. ARNAUD, José Morais, Carla Varela Fernandes (coord.), op. cit.p.39-91 9. Idem, ibidem, p.39 10. SOARES, Margarida Maria do Vale Jordão G., op. cit., Lisboa, 2001; Cfr. as várias publicações editadas pela respectiva Associação primeiro atendendo ao título de «Archivo de Architectura Civil, Jornal da Associação dos Architectos Portuguezes», e posteriormente como «Boletim de Architectura e de Archeologia da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes», editados entre 1865 e 1899. 11. HERCULANO, Alexandre, «A Arquitectura Gótica. Igreja do Carmo em Lisboa.», O Panorama, nº1, Maio, Lisboa, 1937, p.4

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atribuídos, por porta ministerial, à Guarda Municipal (sendo usados como estrumeira e cavalariça dessa entidade estatal)12. Condições que vão se procurando inverter de modo a corresponder às suas necessidades enquanto instituição benemérita e de interesse público, cuja imagem inspiradora despertava entre os intelectuais da época uma progressiva onda de «(…) reflexão feita em torno da valorização e restauro do património.»13 Para uma melhor compreensão dos esforços realizados por esta Associação, elencamos uma sucinta listagem das intervenções de restauro efectuadas entre 1864 e o início do século XX14 a qual nos transmite as suas maiores preocupações: «Lavagem de cantaria dos tectos e paredes com eliminação de rebocos das paredes (1865); Eliminação das estruturas que entaipam o portal lateral Sul de entrada (1865); Vontade expressa de enquadramento das estruturas dos fechos dos arcos de acesso às capelas colaterais adoptando uma estética neo-gótica consentânea com o ambiente envolvente; Desobstrução do portal principal de entrada para o museu com a preocupação de fazer realçar os colunelos que o decoram, reconhecidos como elementos originais do templo gótico (1876); Criação de um pequeno adro externo e rebaixamento do terreno diante da fachada principal para sua maior valorização (1878); Conclusão da realização do adro com escadas exteriores de acesso às Ruínas e protecção com grade em ferro, fixa a pilares de cantaria (1881); Valorização do portal principal, parte integrante do monumento original, com um eficaz sistema de iluminação para a época, a luz Drummond (1880); Modernização da iluminação nocturna do mesmo portal com iluminação a gás (1885); Desaterro do entulho existente no interior das Ruínas com a preocupação de deixar em evidência o total embasamento das colunas das naves (1876 / 1878); Preocupação em pavimentar parte do interior das Ruínas, facilitando a circulação interna no museu e permitindo uma melhor manutenção conservativa da muralha do Carmo (1878); Colocação de vidros encaixilhados nas frestas e janelas (1872); Obras de conservação das abóbadas e terraços (1871 / 1879) — O acesso do público aos terraços da abside, “miradouro” privilegiado sobre a cidade, manteve-se em discussão e prolongou-se pelo século XX. Este terá sido concedido em situações pontuais e certamente para convidados

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12. Cfr. Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa/Alto da Eira, «Commando Geral das Guardas Municipaes (Correspondência)», 1834 a 1865, Oficio nº361 enviado pelo Comandante Geral da Guarda Municipal ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, 23.7.1864, referência citada por SOARES, Margarida Maria do Vale Jordão G., op cit, 2001, p.138 13. Idem, Ibidem, p.117 14. Factores que nos ajudam a situar no tempo e no espaço as ocorridas intervenções. Cfr.Idem, Ibidem, p.154-156 (Cfr. ilustrações no segundo volume desta tese).


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especiais,» (...) como no «momento de inauguração do Monumento a D. Pedro IV, 29 de Abril de 1870; Luta pela posse do Corredor do Carmo, passagem exterior a Sul do monumento, que permitiria o mais fácil acesso às Ruínas (através do Portal lateral Sul, para o que se apela à eliminação da estrutura que o mantém entaipado). Em 1900 é considerado, pela Associação, como zona envolvente, devendo ela também ser incluída no perímetro do antigo templo pois nele se encontrava um cruzeiro que pertencia ao adro da Igreja de Santa Maria do Carmo de Lisboa; Preocupação constante com a possibilidade de cobertura das naves para melhor conservação da mole arquitectónica exposta às intempéries e aperfeiçoamento das condições museológicas (1865 / 1881).» Na sua maioria, estes trabalhos foram custeados pelo Ministério das Obras Públicas do Reino e/ou pela Câmara Municipal de Lisboa, destacando-se também algumas acções de dádiva régia (caso dos primeiros caixilhos e vidros ofertados por D. Luís I), visto que, a Associação não auferia de recursos financeiros suficientes para fazer face a estas necessidades. A par dos restauros pontuais efectuados e das permanentes actividades postas em prática para acautelar a preservação do monumento as indagações em torno da criação de uma cobertura, continuam a inquietar os vários defensores do património, movidos pelo fervor utópico típico do romantismo. As manifestações, embora seguissem rumos diversos, convergiam no que seu principal objectivo: conservar e proteger o Carmo — «Porque se não determina uma cobertura de construção mista, para o Cruzeiro e depois para as naves do templo, evitando assim a sua completa ruína?»; 15 «Deixem-no estar como está [o templo do Carmo]. Cento e cinquenta anos, entretiveram-se a revestir de poesia os fustes, os arcos e as fantasias arquitecturais de Frei José Pereira de Santana e de Frei Patrício José. As obras inacabadas dos Carmelitas criaram já uma tradição de pitoresco. Não as perturbem....que as estragam.»16 Logo no ano seguinte à fundação da Associação, numa das Assembleias Gerais, Possidónio da Silva avança com a proposta de se solicitar perante o governo português uma significativa parte da verba destinada para a conservação dos monumentos nacionais, para investir na criação de uma cobertura do cruzeiro do templo. Não se verificando qualquer adjudicação neste sentido, o presidente da Associação apresenta uma nova proposta, sugerindo que se «(...) solicite

15. SÁ VILLELA, «As Ruínas do Carmo (breves considerações), I. O Monumento — II. O Museu — III. A Associação», Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1876 16. SEQUEIRA, Gustavo de Matos, «O Carmo e a Trindade», 1941, p. 119

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das Cortes na actual Legislatura a authorização para que por uma única vez seja concedido fazer-se uma lotaria extraordinária; afim de ser applicada a importância da décima estipulada para as obras do cobrir as naves deste edifício historico, e poder-se conservar o tippo desta arqchitectura, que especialmente o distingue de todos os outros existentes em Portugal».17 Intentos que também saem malogrados. Retomando-se novamente em 1874-75 a primeira ideia exposta, frisa-se a urgência e importância da obra a concretizar, de modo a ampliar o espaço expositivo do museu e proteger as ruínas da acção das intempéries — sugerindo-se que «(…) os trabalhos deveriam começar (...) talvez por cobrir o cruzeiro da egreja, que é a parte que mais facil parece de ser cuberta pela solidez das paredes; podendo ser a cobertura, que porventura se faça de construcção mista, para maior economia e brevidade d’esta muito urgente reparação.»18 O empenho e persistência de Possidónio da Silva, impulsionados pela urgência das obras de restauro a realizar no monumento, continuam sem cessar. Neste sentido irrompe o sistema de entradas pagas no Museu em 1878, que se viria a traduzir em ilusórios resultados. Ainda nesse mesmo ano «(…) em Março de 1878, em virtude de (...) já terem sido approvadas propostas tendentes a adquirir meios de receita, fora nomeada uma Comissão para elaborar o projecto de cobertura do edifício — mesmo sem a existência concreta dos meios financeiros que suportassem tais trabalhos — constituída por cinco elementos: Joaquim Possidónio Narciso da Silva, José Maria Caggiani, o Visconde de Alenquer, José Tedeschi e Valentim José Correia.»19 Nos anos seguintes os esforços continuam a direccionar-se no mesmo sentido. Em 1881-82 é dirigido mais um pedido ao governo português, oficializado pelo conselheiro José Silvestre Ribeiro, requerendo uma verba através do orçamento

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17. Proposta assinada por Possidónio da Silva a 13/07/1871 — Cfr. Arquivo Histórico da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Caixa 1 — Propostas, 1864-1887). Citado por SOARES, Margarida Maria do Vale Jordão G., op. cit., Lisboa, 2001, p.156 18. «Representação da R.A.A.C.A.P. ao Governo para obtenção de verba para o restauro e a cobertura do Cruzeiro com “estrutura mista”, AHAAP, Caixa 1 — Propostas 1864-1887. Citado por Idem, Ibidem, p.157; É também neste período (1873), no âmbito da Exposição Universal de Viena de Áustria, que Possidónio da Silva apresenta um «Projet pour un Musée des Beaux-Arts et d’Antiquités pour la Ville de Lisbonne». Cfr. SILVA, Joaquim Possidónio, «Projet pour un Musée des Beaux-Arts et d’Antiquités pour la Ville de Lisbonne», Imprimerie National, Lisbonne, 1873; Saliente-se que ainda antes desta última proposta, surge uma outra da autoria de Joaquim da Costa Cascaes, em 1867, igualmente com o objectivo de angariar fundos para a reconstrução do cobrimento das ruínas, ao qual se junta também o intento de implementação de uma capela para acolher os despojos mortais de D. Nuno Álvares Pereira. Objectivos, cujo alcance deveria ser efectuado através da abertura de uma subscrição nacional. 19. SOARES, Margarida Maria do Vale Jordão G., op cit, 2001, p.163


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anualmente atribuído aos monumentos nacionais. Inconformada com a não obtenção das condições que reivindicavam como essenciais para a conservação das peças museológicas, em Dezembro de 1889 a AAP, apresenta ao governo os vários problemas desencadeados pelo crescente volume de objectos artísticos que a Associação havia acolhido nos últimos tempos, bem como melhoramentos urgentes a satisfazer20. No Arquivo Nacional da Torre do Tombo existem dois importantes documentos que nos demonstram um projecto constituído por dois alçados para a igreja do Carmo com os seguintes intitulações: «Projecto de acabamento e restauração da antiga Igreja do Carmo. Para se lhe dar applicação de sala de expozições e Projecto de cobertura em ferro e vidro das Ruínas do Carmo»21 não se encontrando nenhum deles datado ou assinado, dispondo apenas da referência «Copiado por Rafael José Fragoso». Valentim José Correia e Veríssimo José da Costa, terão sido os arquitectos encarregados de projectar a traça da cobertura para as “musealizadas” Ruínas do Carmo, como nos indica a documentação existente no Arquivo do Ministério das Obras Públicas22: «(...) coadjuvando os architectos da dita Intendência, tanto na confecção do projecto para cubrir com ferro e cristal a antigua Igreja do Carmo a fim de servir de sala para as exposições industriaes (...)»; «Com cumprimento das ordens de S. Ex. o Ministro e Secretário d’Estado d’esta Repartição, é nomeada uma Commissão composta dos Architectos Veríssimo José da Costa e Valentim José Corrêa para projectarem a cobertura da incompleta Igreja do Carmo, por meio d’um systema d’arcos e caixilhos de ferro sobre os quaes se applicarão as vidraças para a transmissão da luz — Na feitura deste projecto e que deve igualmente incluída a parte relativa à conclusão dos arcos

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20. Avançando o período de 1855-1862. Cfr. SOARES, Margarida Maria do Vale Jordão G., op cit, 2001, p.161 e 166 21. Documento graciosamente cedido pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo — Cota atual: Ministério do Reino,«Projecto do acabamento e restauração da antiga Igreja do Carmo. Para se lhe dar applicação de sala de expozições e Projecto de cobertura em ferro e vidro das Ruínas do Carmo», (Copiado por Rafael José Fragoso) Colecção de Plantas do ex-Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 5277, n.º 17 e 18 22. Cfr. Respectivamente, «Atestado da realização de um projecto de cobertura da Igreja do Carmo de Lisboa com ferro e vidro, junto ao Processo individual de Valentim José Correia, Arquivo Histórico do MOP, Processo individual de Valentim José Correia, Documento nº4»; e «Atestado da realização de um projecto de cobertura da Igreja do Carmo de Lisboa com ferro e vidro, junto ao Processo individual de Valentim José Correia — com cópia do oficio ministerial que dá a ordem de execução e pormenores descritivos, Arquivo Histórico do MOP, Processo individual de Valentim José Correia»; Referenciado por Idem, Ibidem, p.165


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de cantaria que haverá a concluir ou a fazer de novo, deve a Commissão seguir rigorosamente a ordem d’Architectura com que foi começado este edifício.23 O que participo a V. Ex.a. para o fazer constar aos mencionados Architectos, afim de começarem desde logo o cumprimento deste serviço.(...)»24. Com excepção da documentação estatal estranha-se que nada seja referenciado sobre este projecto nos vários meios de divulgação da época, nem mesmo nas actas da Associação25 (tendo em conta que os dois arquitectos destacados para a elaboração do projecto, eram membros fundadores e sócios activos da Associação), em cujas reuniões a cobertura do museu é sempre uma das principais preocupações a debater durante décadas. Rejeitando-se todas as fontes escritas e iconográficas que lhes podiam permitir a realização de um projecto que devolvesse à igreja novamente a sua génese gótica, o projecto tinha como objectivo, «(...) réunir dans le même édifice des ouvres anciens, de sculpture de différentes époques [no seu pavimento térreo] tandis que son prémier étage, il serait déstiné aux galéries des tableaux des principales écoles; et aux gravures, aux médailles et aux ouvrages d’orfévrerie. Il y aurait, de plus, un Grand Salon pour les expositions modernes.»26 Factores, provavelmente, impulsionados por Joaquim Possidónio da Silva, ter participado nas obras da Galeria de Cristal do Palais Royal e das Tulherias em Paris, travando conhecimento com personalidades que incitavam naquele momento a expansão das estruturas em ferro e vidro, entre as quais se destacam os arquitectos de Napoleão Bonaparte Charles Percier e Fontaine com quem fez formação27 (e mais tarde com Victor Baltard e Henri Labrouste). Podendo assim supor-se que o presidente da Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses terá certamente colaborado na elaboração do projecto em ferro e vidro para a cobertura da antiga igreja do Carmo28, contribuindo com importantes sugestões como: «(...) distribuição, na abundância da luz, na ventilação regular, todas as condições essenciaes que se exigem em edifícios d’este genero, para que offereçam commodidade e salubridade.»29 — dando

23. Indicação através da qual vemos apelar às premissas Violletianas da Unidade de estilo. 24. Idem, Ibidem, p.164-165 25. Embora se tenha consciência que algumas delas foram desaparecendo ao longo dos anos. 26. ARNAUD, José Morais, Carla Varela Fernandes (coord.), op cit, 2005, p.68 27. PEREIRA, Célia Nunes, «A formação do arquitecto Joaquim Possidónio da Silva e a defesa do

património artístico em Portugal», «Chiado, Baixa e Confronto com o Francesismo’ nas Artes e na Literatura», Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Lisboa, 2013 28. SOARES, M. Margarida, Ibidem, pp.70-71 29. Idem, Ibidem, p.71

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origem a um organismo museológico vivo e dinâmico, com capacidades interactivas sedimentadas sobre as propriedades intrínsecas do monumento realçando a « (...) interligação entre o dia e a noite, luz natural e a artificial, o claro e o escuro, tão ao gosto revivalista e romântico.»30 Possidónio da Silva, «(...) pressupunha a transformação do valor de memória deste monumento involuntário em novo valor de utilização, ao pretender-se recriar no interior da igreja um dos “templos” de peregrinação laicizada da nossa contemporaneidade (...)»31, convertendo-a numa sala de exposições, cuja cobertura permitiria a continuação da ideia de espaço a “céu aberto”, à qual os olhares contemplativos de que era alvo, já se tinham afeiçoado. Todavia a impossibilidade de execução deste projecto permaneceu, em larga medida devido às incapacidades financeiras da Associação, ao que se jungia a ausência de apoio governamental. Elementos que foram imprescindíveis para a colocação em prática de tão arrojado projecto, que por si só já brotava pertinentes reticências no que respeita à certificação da sua estabilidade. Conjuntura que viria a ser acrescida pela polémica que tão ousada intervenção provocava num período onde robusteciam e aclamavam os valores nacionalistas e históricos do monumento, despoletando manifestos vários contra o restauro das ruínas do Carmo32, interpretadas como sinónimo invocativo de um bem-aventurado (memorial) passado — «O projecto não só se nos afigura audacioso, mas até temerário (...), tanto pelo lado financeiro como pelo lado artístico (...) sendo talvez impossível aproveitar-se confiadamente o que resta de pé, pois não offerece condições de resistência e de segurança. Neste caso ter-se-hia talvez de começar pelos alicerces. Onde ir buscar os recursos para tamanha empreza? (...) Reconstruir é, na maioria dos casos, profanar (...)»33 A importância deste projecto atravessa não só os valores da utopia do “(re) viver eterno” dos homens transposta para os monumentos, como também é uma forma de introdução na capital dos inovadores materiais que emanavam uma apelativa linguagem de vanguarda, ligada ao cerne da Revolução Industrial. Estes inovadores métodos, técnicas e materiais de construção que igualmente se tentaram aplicar a outras emblemáticas estruturações arquitectónicas

30. Idem, Ibidem, p.74 31. Idem, Ibidem, p.74 32. Manifestos como o organizado pela Comissão Organizadora das Comemorações da Imaculada

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Conceição, no qual terá participado Rosendo de Carvalheira. Cfr. SOARES, Margarida Maria do Vale Jordão G., op cit, 2001, p 33. Idem, Ibidem, p.174. Cfr. ainda pp.171-174


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portuguesas que se não encontravam concluídas como foi o caso da igreja de Santa Engrácia34, Sala do Capítulo dos Jerónimos (no decorrer das adaptações da Casa Pia nesse Mosteiro)35, Torre de Belém, Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha ou Sé de Lisboa36. Situação que levantava diferentes problemáticas, pois era difícil chegar a um consenso de critérios de intervenção a aplicar na prática, devido à divergência e profusão de teorias no âmbito da conservação e restauro, que acabavam por se sobrepor à efectiva e urgente protecção dos monumentos. No caso do Carmo como tivemos oportunidade de verificar, observamos que toda a esfera que gravitava em torno do seu restauro, acabava por se dividir em polos diferentes: de um lado os apologistas do restauro recorrendo a novos materiais37, técnicas e métodos (remetendo para as diversas teorias de diferentes intelectuais como Viollet-le-Duc, Camilo Boito e Gustavo Giovannoni, através das quais defendiam de modo geral a conciliação simultânea do «(…) valor museológico e o valor de uso dos conjuntos urbanos antigos.» e sua respectiva integração «(…) numa concepção geral da organização do território.») e do outro a idílica ruína romântica de sabor ruskianiano, segundo o qual — «Não temos qualquer direito sequer em tocar-lhes. Não são nossos. Pertencem em parte àqueles que os construíram e em parte a todas as gerações que se seguem da humanidade.» Consideramos que qualquer que fosse a teoria escolhida, pelas diversas facções que se instauravam em defesa da preservação dos monumentos, além da condicionante financeira, que impunha muitos limites de acção, os responsáveis tinham consciência que era necessário que «(…) o conhecimento crítico e evolutivo dos fenómenos (…) [estivesse] presente nas intervenções, (...) a par da sabedoria e do bom senso, para que a História não nos (…) [viesse] a julgar severamente»38. Apesar das principais matrizes do projecto saírem debeladas, as ideologias de concepção de novos projectos para abrigar os arcos em ogiva da igreja do Carmo, continuaram a ter lugar durante o século XX, como foi o caso do projecto solicitado

34. MANTAS, Helena, «Panteão Nacional — Memória e afirmação de um ideário em decadência (...)», vol. I e II, Dissertação de Mestrado em Arte, Património e Restauro, Faculdade de Letras Universidade de Lisboa, 2002, pp.96-120 35. SOARES, Clara Moura, «As Intervenções Oitocentistas do Mosteiro de Santa Maria de Belém: o Sítio, a História e a Prática Arquitectónica», Dissertação de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005 36. Sobre alguns destes monumentos consultar referências em ROSAS, Lúcia Cardoso, op. cit, Porto, 1995 37. NETO, Maria João Baptista, «Memória Propaganda e Poder, O Restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960)», Publicações Faculdade de Arquitectura Universidade do Porto, Porto, p.53, mas vejam-se também pp.25-55 38. Idem, Ibidem, pp.55

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ao Coronel de Engenharia Salustiano Monteiro de Lima, membro da Associação39 em 1904. Além deste, existiu ainda um projecto40 da autoria de Cassiano Branco41, que data da década de 60, através do qual se propunha a reconstrução do edifício e edificação de uma estátua de D. Nuno Álvares Pereira, no topo de um padrão de cruz lusitana, que figuraria a meio da antiga construção conventual (actual quartel da Guarda Nacional Republicana), encimando a praça do Rossio. Á semelhança das influências que o Carmo absorve na época da sua origem, também aqui observamos a influência da linguagem batalhina de traços fortificados utilizada na construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória. Até à actualidade estas e outras incursões traduziram-se em várias campanhas de intervenção a nível de limpeza, conservação e restauro levadas a cabo pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais42 — principalmente nos

39. ROSAS, Lúcia Cardoso, op cit, 1995, pp.79-81 40. Arquivo Municipal de Lisboa — Fotomontagem: «Projecto de reconstrução do convento do Car-

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mo e colocação da estátua de D. Nuno Álvares Pereira», década de 60, Espólio Cassiano Branco, Lisboa / PT / AMLSB / CB / 11 / 02 / 09 41. PINTO, Paulo Tormenta, «Cassiano Branco 1897-1970», Caleidoscópio, Lisboa, 2015 42. Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (ex-Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais) — Processos de Obras nas Ruínas durante o Carmo Século XX (Tratam-se de fontes sobre obras executadas na Igreja e Convento do Carmo depois deste ter sido declarado Monumento Nacional em 1910, até à década de 80 do século XX; Igreja do Carmo (ruínas): Obras — 1933 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo (ruínas): Obras — 1968 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo (ruínas): Processo Administrativo — 1937 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo (ruínas): Processo Administrativo — 1976 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo (ruínas): Zona de Protecção — 1946 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo (ruínas): Zona de Protecção — 1961 Nº IPA PT031106270007; Muralhas do Carmo: Reparação. Primeiro Volume — 1929 Nº IPA PT031106270007; Muralhas do Carmo: Limpeza e Conservação. Segundo Volume — 1939 Nº IPA PT031106270007; Muralhas do Carmo: Limpeza e Conservação. Terceiro Volume — 1949 Nº IPA PT031106270007; Convento e Muralhas do Carmo (Ruínas). Quarto Volume (proces[...] — 1967 Nº IPA PT031106270007; Convento e Muralhas do Carmo (Ruínas). Quinto Volume (proces[... ] — 1985 Nº IPA PT031106270007; Museu do Carmo: Processo de Obras. Primeiro Volume — 1978 Nº IPA PT031106270007; Museu do Carmo: Processo de Obras. Segundo Volume — 1979 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protec[...] — 1955 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protec[...] — 1975 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1949 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1947 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1959 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1946 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1958 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1958 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1958 Nº IPA PT031106270007; Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1952 Nº IPA PT031106270007; Ruínas do Carmo: Consolidação de Alvenaria em Arcos — 1959 Nº IPA PT031106270007; Reparação da Abóbada da Igreja do Carmo — 1951 Nº IPA PT031106270007; Reparação de pequenas deficiências na Associação dos Arqueól[...] — 1950 Nº IPA PT031106270007;


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anos 40 do século XX, ligados certamente às ideologias nacionalistas, bebidas neste caso na figura de D. Nuno Álvares Pereira, incutidas pelo Estado Novo, de fazer reviver os mitos heróicos do glorioso passado português. Operações, cujo teor só viria a mudar aquando a reestruturação do Museu Arqueológico do Carmo equacionada entre 1996 e 2001. A análise de todos estes testemunhos documentais que temos vindo a expor, não apresenta dúvidas em relação à exibição constante de uma linguagem de vanguarda em torno deste edifício monacal. Não tendo sido apenas durante o seu período original de construção, que ostentou um dialecto moderno e actualizado, mas sim consecutivamente, ao longo de todas as diversas eras em que foi objecto de engrandecimentos, reconstruções, reestruturações, reorganizações de espaço, ampliações das suas dependências eclesiásticas e restauros — mesmo que boa parte destes não tenham passado de utópicos projectos ou teorias romantizadas ligados aos contexto mítico-simbólico da sua génese.

Igreja e ruínas do Carmo: Obras dentro da sua zona de Protecção — 1946 Nº IPA PT031106270007; Muralhas do Carmo: Obras de Reparação — 1956 Nº IPA PT031106270007; Ruínas do Carmo: Diversas Obras — 1952 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo: Obras de Conservação e consolidação — 1955 Nº IPA PT031106270000; Ruínas da Igreja do Carmo: Obras de reparação — 1954 Nº IPA PT031106270007; Consolidação das Ruínas do Carmo — 1954 Nº IPA PT031106270007; Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Lisboa — 1949 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo (ruínas) em Lisboa — 1933 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo: Obras de Consolidação — 1954 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Carmo e Ruínas: Administração e Fiscalização — 1933 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1950 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1954 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1952 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1948 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1947 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1954 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1940 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos. 1947 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1947 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1948 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1930 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1937 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1946 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1948 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1947 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1949 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1947 Nº IPA PT031106270007; Igreja e Ruínas do Carmo: Diversos — 1954 Nº IPA PT031106270007; Museu do Carmo — 1982 Nº IPA PT031106270007; Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa — 1952 Nº IPA PT031106270007; Igreja do Convento do Carmo / Museu Arqueológico do Carmo — Lisboa, Lisboa, Sacramento Nº IPA PT031106270007; Convento do Carmo — Lisboa, Lisboa, Sacramento — Nº IPA PT031106270328; Igreja da Ordem Terceira do Carmo — Lisboa, Lisboa, Sacramento Nº IPA PT031106270599

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Bibliografia A.A.V.V, Boletim de Architectura e de Archeologia da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, editados entre 1865 e 1899 ARNAUD, José Morais, Carla Varela Fernandes (coord.), Construindo a Memória — Colecções do Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa, 2005 HERCULANO, Alexandre, «A Arquitectura Gótica. Igreja do Carmo em Lisboa.», O Panorama, nº1, Maio, Lisboa, 1937 FRANÇA, José-Augusto, O Romantismo em Portugal, Estudo de factos socioculturais, Livros Horizonte, Lisboa, 1993 Idem, FRANÇA, José-Augusto, «Arte em Portugal no Século XIX», Bertrand, Lisboa, 1966 MANTAS, Helena, Panteão Nacional — Memória e afirmação de um ideário em decadência (...), vol. I e II, Dissertação de Mestrado em Arte, Património e Restauro, Faculdade de Letras Universidade de Lisboa, 2002 MARTINS, Ana Cristina, Possidónio da Silva e a Memória Histórica, Um percurso na Arqueologia Portuguesa de Oitocentos, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa NETO, Maria João Baptista, Memória Propaganda e Poder, O Restauro dos Monumentos Nacionais (1929-1960), Publicações Faculdade de Arquitectura Universidade do Porto, Porto PEREIRA, Paulo, A Igreja e Convento do Carmo: do gótico ao revivalismo”, Sep. das actas do Colóquio Comemoração dos 600 anos da Fundação do Convento do Carmo de Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1989 PEREIRA, Célia Nunes, A formação do arquitecto Joaquim Possidónio da Silva e a defesa do património artístico em Portugal, «Chiado, Baixa e Confronto com o Francesismo’ nas Artes e na Literatura», Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Lisboa, 2013 Idem, A arte na igreja do Carmo de Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa (no prelo) PINTO, Paulo Tormenta, Cassiano Branco 18971970, Caleidoscópio, Lisboa, 2015

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ROSAS, Lúcia Cardoso, Monumentos Pátrios, A Arquitectura Religiosa Medieval — património e restauro (1835-1928), Vol. I, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras Universidade do Porto, Porto, 1995 SÁ VILLELA, As Ruínas do Carmo (breves considerações), I. O Monumento — II. O Museu — III. A Associação, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1876 SEQUEIRA, Gustavo de Matos, O Carmo e a Trindade, 1941, p. 119 SOARES, Clara Moura, As Intervenções Oitocentistas do Mosteiro de Santa Maria de Belém: o Sítio, a História e a Prática Arquitectónica, Dissertação de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005 SOARES, M. Margarida, Igreja de Santa Maria do Monte do Carmo de Lisboa — Memória e Ruína, Tese de Mestrado em Arte, Património e Restauro, apresentada à Faculdade de Letras Universidade de Lisboa, Lisboa, 2001 Arquivos Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa/Alto da Eira, Commando Geral das Guardas Municipaes (Correspondência), 1834 a 1865, Oficio nº361 enviado pelo Comandante Geral da Guarda Municipal ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, 23.7.1864 Arquivo Municipal de Lisboa — Fotomontagem: Projecto de reconstrução do convento do Carmo e colocação da estátua de D. Nuno Álvares Pereira, década de 60, Espólio Cassiano Branco, Lisboa / PT / AMLSB / CB / 11 / 02 / 09 Arquivo Histórico da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Caixa 1 — Propostas 1864-1887 Arquivo Nacional da Torre do Tombo — Cota atual: Ministério do Reino, Colecção de Plantas do ex-Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, cx. 5277, n.º 17 e 18 Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (ex-Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais) — Processos de Obras nas Ruínas durante o Carmo Século XX.


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O Carmo na esfera da Arte Pública. O documentário como plataforma de preservação patrimonial Célia Nunes Pereira

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“(…) a arte obedece a uma vontade de perfeição que habita a necessidade mais íntima dos homens, de acrescentarem ao mundo algo que o faz avançar para uma natureza diversa daquela que foi sua quando da criação primeira.” Bernardo Pinto de Almeida, As imagens e as coisas, Campo das Letras, Porto, 2002

I — Cinema documental como plataforma de preservação de património. O Carmo Durante os últimos anos de investigação que temos praticado em torno da igreja e convento do Carmo de Lisboa, muita e variada tem sido a documentação que temos encontrado de Norte a Sul do país, em bibliotecas, arquivos e museus, tanto de foro público como privado. Tratam-se de preciosos (e não raramente precisos) testemunhos, sobre as vivências que habitaram este antigo edifício, permitindo-nos viajar nele e através dele desde a sua construção (1389) até à actualidade. De modo geral esses testemunhos1, são constituídos por algumas largas dezenas de peças que se estendem da ourivesaria, à pintura, escultura, paramentos, manuscritos iluminados, aguarelas, fontes impressas, fontes manuscritas, fotografias, vídeos, entre outros géneros de registo de memórias, captação e reprodução de imagens e objectos, que nos transportam pela sua existência fragmentada, transformando o tempo e espaço do passado, em presente (pois vive da sua história), oscilando entre ambos, criando um incessante movimento de construção. É nesse movimento que inserimos os vídeos Museu do Carmo e Aspectos e Tipos de Lisboa, num contexto de arte pública, com o objectivo de evidenciar a sua importância sobretudo como documentos vivos, para uma efectivo conhecimento e preservação do património conjuntural que o Carmo é. O documentário Museu do Carmo, realizado em 1930 é certamente um dos primeiros (ou talvez mesmo o primeiro) vídeos a serem realizados sobre o edifício, antes das grandes intervenções que a extinta Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (actualmente designada como Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana2) viria a executar no local, durante as décadas seguintes (principalmente nos anos 40), pois ainda se observam os antigos tapumes de madeira e vidro, ao gosto arte nova, a preencherem a zona de entrada para capela-mor e capelas absidiais (Fig.1).

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1. PEREIRA, Célia Nunes, A Arte na Igreja e Convento de Santa Maria do Carmo de Lisboa (1389/1755) — contributos para o seu levantamento cripto-histórico, Vols. I e II, Tese de mestrado em Arte, Património e Restauro, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa 2010 (no prelo) 2. http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/Default.aspx


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Figura 1 Pormenor das ruínas da Igreja do Carmo de Lisboa (nave central). Museu Arqueológico do Carmo. Arquivo da Cinemateca Portuguesa. Documentário (imagens não montadas). 1930. ID CP-MC:2001621-010-00.53.47.00 Figura 2 Pormenor das ruínas da Igreja do Carmo de Lisboa (nave Norte). Museu Arqueológico do Carmo. Arquivo da Cinemateca Portuguesa. Documentário (imagens não montadas). 1930. ID CP-MC:2001621-010-00.53.47.00

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A sua importância estende-se muito para lá das imagens que nos são dadas em relação à arquitectura do arruinado templo, permitindo-nos observar os principais núcleos da sua colecção, no seio da qual são destacadas algumas das suas peças mais importantes (que fazem parte do acervo até hoje), constituição física e organização dos espaços e espírito vívido, ainda deveras imbuído do romantismo oitocentista (Fig.2), convidando-nos a embrenhar no momento temporal aberto que foi captado pela câmara. Embora com muito menos elementos documentais no que respeita à igreja do Carmo, também o documentário Aspectos e Tipos de Lisboa de 1933, nos sugere o mesmo convite, contudo este ganha outra relevância na medida em que abarca outros edifícios e espaços e deixa transparecer uma preocupação muita mais alargada no que respeita à perspectiva de comunicação, pois apresenta vários factores que denunciam uma preocupação mais consciente de quem capta as imagens, depreendendo-se uma tentativa de organização de um “discurso” imagético apresentado, através dos conteúdos filmados, onde se encontram alguns dos mais importantes monumentos e espaços da capital, ligados à cultura e lazer, que são identificados previamente. O seu realizador e director fotográfico foi F. Carneiro Mendes, que à semelhança de outros realizadores, produtores e directores de fotografia desse mesmo período, como Júlio Worm e João Freire Correia3, registou alguns dos mais importantes acontecimentos da actualidade portuguesa da época, trabalhos entre os quais se destaca O Cortejo do Mundo Português4 e a Exposição do Mundo Português5. Denota-se uma sede imensa pelo acto de filmar (a par da fotografia), impulsionado pela possibilidade e curiosidade de explorar as novas técnicas disponíveis de visualização da realidade vivida, aliada à necessidade de registo e alargamento da divulgação dos nossos conhecimentos, patrimónios (material e imaterial), monumentos, tradições, acontecimentos históricos, personagens lendárias, etc. etc., permitindo em uníssono mergulhar numa escala muito mais ampliada do conhecimento geral da realidade e para além dela: ficção.

3. http://cinecartaz.publico.pt/Filme/314748_programa-de-curtas-metragens 4. MENDES, F. Carneiro, O Cortejo do Mundo Português (realização, fotografia e montagem), ANIM

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(Arquivo Nacional das Imagens em Movimento): referência — 8000004.VHS.1/1 5. MENDES, F. Carneiro, A Exposição do Mundo Português (realização, fotografia e montagem), ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento): referência — 8000005.VHS.1/1


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II — Cinema Documental e o Cinema de Ficção. O Movimento que os une e define Posicionando-nos na ambivalência que faz parte inerente da arte cinematográfica, questionamo-nos se os dois exemplos de cinema documental que procuramos analisar neste artigo, reproduziram a realidade tal como ela era no momento que esta foi captada? Ou mesmo tendo critérios diferentes do cinema de ficção, participa da mesma génese? Ao debruçar-nos sobre este assunto encontramos documentação e opiniões muito variadas, mas a que nos esclareceu de forma mais clara e evidente sobre esta problemática, que assola o cinema documental desde o seu início, foi a bibliografia escrita por Bill Nichols6, no seio da qual se destaca a sua obra “Introdução ao documentário”, que nos oferece uma visão crítica e bastante construtiva dos conceitos que caracterizam a produção de filmes e vídeos documentários e suas diversificadas vertentes (documentário participativo, documentários expositivo, documentário poético, documentário de observação, documentário tradicional, documentário performativo, documentário reflexivo), identificando os limites da linha ténue que os diferencia do cinema de ficção. É a primeira vez que se escreve sobre o documentário, de forma tão aberta e completamente independente, identificando as suas ferramentas de trabalho para a sua efectiva execução de forma clara e coerente. Percebemos que o objectivo primacial do cinema documental é explorar a realidade tal como a observamos, o que lhe confere desde o seu início um cariz legítimo e de autoridade; relembremos que historicamente é assim que o cinema começa com filmagens como a conhecida A saída dos operários da Fábrica Lumière 7, ou A chegada do trem à Estação Ciotat8 dos irmãos Lumiére. Porém essas imagens são sempre um recorte, um fragmento da realidade, encontrando-se subjacente a manipulação do que é filmado, através da escolha do enquadramento, da iluminação, da perspectiva, do tema, da pesquisa que é feita em torno desse tema e posteriormente a sua montagem e edição, cujo percurso pode mudar o significado do momento filmado. Ou seja há uma série de recursos, técnicas e métodos que são usados tanto no cinema de ficção como no documentário, que nos impedem de definir este último como uma captação totalmente fidedigna da realidade.

6. Sobre a temática do documentário consultar: http://www.amazon.com/Introduction-Documentary-Second-Edition-Nichols/dp/0253222605 http://www.amazon.com/New-History-Documentary-Film-Edition/dp/1441124578/ ref=pd_bxgy_b_img_z http://www.amazon.com/Documentary-A-History-Non-Fiction-Film/dp/0195078985/ref=pd_ bxgy_b_img_y 7. https://www.youtube.com/watch?v=fNk_hMK_nQo 8. https://www.youtube.com/watch?v=VScyygFlqg8

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Contudo, se analisarmos este assunto — de extrema importância na área do cinema, do audiovisual, das imagens em movimento na arte contemporânea — de forma inversamente proporcional, observamos que também o cinema de ficção é uma tentativa constante de captação daquilo que está na génese teórica do documentário: recriar a realidade. Portanto, embora os dois documentários aqui abordados apresentem uma tipologia de filmagem que pode ser vista como uma reprodução mais aproximada da realidade, pois trata-se de uma captação quase “pura” dos momentos registados, sem recorrência a grandes artifícios, não deixa de ser concebida e manobrada como um instrumento interpretativo, com critérios selectivos, enquadramentos e perspectivas condicionadas pelo acto de filmar. A qualquer um dos casos está sempre inerente a existência do movimento e de um espaço percorrido. Henri Bergson (1859-1941), explica-nos a diferença entre esses dois conceitos através das suas conhecidas teses sobre o tema, definindo o primeiro como o acto de percorrer, o presente uno e indivisível, e o segundo como o passado, sucessão divisível de acontecimentos. Alargando este discurso à esfera da arte pública — pois as teses sobre o movimento que nos são deixadas por Bergson9, e expandidas por Gilles Delleuze (1925-1995)10 em torno do conceito imagem-tempo, ultrapassam largamente o mundo do cinema, colocando no patamar do realizador, os pintores, escultores, arquitectos, músicos — interligando esses dois mundos, observamos que se inserem no mesmo prédica, visto que há uma construção constante gerada por esse movimento, num espaço-tempo contínuo que é percorrido tornando-o presente através de cada imagem criada no seu cerne (materializando-a); dentro da qual o artista criador, inevitavelmente, se inspira na sua realidade, mesmo quando quer fugir dela mesma, ou seja, de certa forma: “Temos visões quase instantâneas da realidade que passa, e como elas são características desta realidade, basta-nos alinhá-las ao longo de um devir abstrato, uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do conhecimento…percepção, intelecção, linguagem, procedem em geral assim. Quer se trata de pensar e devir, ou de o exprimir ou até de o percepcionar, o que fazemos é apenas acionar uma espécie de cinematografo interior.”11 e exteriorizar através das diversas linguagens artísticas

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9. BERGSON, Gilles, Matéria e Memória — Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, Trad. Paulo Neves, Martins Fontes, São Paulo, Brasil, 1999; Idem, A Evolução Criadora, Trad. Bento Prado Neto, Martins Fontes, São Paulo, Brasil, 2005 10. DELEUZE, Gilles, Cinema: a imagem-movimento, trad. Stella Senra, Editora Brasileirense, Brasil, 1986; Idem, A Imagem-Tempo — Cinema 1, Trad. Sousa Dias, Assírio&Alvim, Lisboa, s.d.; Idem, A Imagem-Tempo — Cinema 2, Trad. Eloisa de Araújo Ribeiro, Editora Brasileirense, Brasil, 1990 11. DELEUZE, Gilles, Cinema: a imagem-movimento, trad. Stella Senra, Editora Brasileirense, Brasil, 1986, p.6


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que conhecemos os conteúdos, conhecimentos, ideias, que ele nos proporciona. A reconstituição deste movimento divide-se em dois “momentos” chave: a antiga e a moderna: “Para a antiguidade, o movimento remete a elementos inteligíveis, Formas ou Ideias que são, elas próprias eternas e imóveis.”12, enquanto que “A revolução cientifica moderna consistiu em referir o movimento não mais a instantes privilegiados, mas ao instante qualquer. Mesmo que o movimento fosse recomposto, ele não era mais recomposto a partir de elementos formais transcendentes (poses), mas a partir de elementos materiais imanentes (cortes).”13 — “Na verdade, dá no mesmo recompor o movimento através de poses eternas ou de cortes imóveis: em ambos os casos perde-se o movimento porque nos atribuímos um Todo, supomos que “o todo é dado”, enquanto o movimento só se faz se o todo não é dado nem pode vir a sê-lo. A partir do momento em que nós atribuímos o todo na ordem eterna das formas e das poses, ou no conjunto dos instantes quaisquer, ou o tempo é apenas a imagem da eternidade, ou é a consequência do conjunto; não há mais lugar para o movimento real.”14 Ainda com esta última ideia em curso, Bergson apercebe-se de um outro ponto de vista sobre o cinema que dá origem á sua terceira tese: “(…) não seria mais o aparelho aperfeiçoado da mais velha ilusão, mas, ao contrário, o órgão da nova realidade a ser aperfeiçoado.”15 Realidade em que se inscreve a mudança (qualitativa) na duração, expressa pelo movimento. Essa duração é o Todo (que nunca deve ser confundido com um grupo fechado de objectos), que aqui passa a ser compreendido como o Aberto “(…) porque lhe cabe mudar [transformar, transmutar, metamorfosear] incessantemente ou fazer surgir algo de novo; em suma: durar.” — o que não se aplica somente aos campos artísticos que temos vindo a abordar, mas a todas as áreas que constituem as nossas vidas de forma geral, chegando mesmo a transcendê-las. “O movimento tem assim, de certo modo duas faces. Por um lado, ele é o que se passa entre objectos ou partes; por outro, o que exprime a duração ou o todo. Ele faz com que a duração, ao mudar de natureza, se divida nos objectos, e que os objectos, ao se aprofundarem, perdendo seus contornos, reúnam-se na duração.”16 E esta por ser ininterrupta estabelece como uma espécie de “ponte” para o desconhecido: o futuro, o infinito.

12. Idem, Ibidem, p.8 13. Idem, Ibidem, p.8 14. Idem, Ibidem, p.11 15. Idem, Ibidem, p.12 16. Idem, Ibidem, p.16

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Figura 3 Presença e Ausência. Performance de Fernando Crêspo. Fotografia de José Morais Arnaud. Museu Arqueológico do Carmo. Lisboa. 2015

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Figura 4 Ícaro. Rogério Timóteo. Museu Arqueológico do Carmo. 2012

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III — A expressão artística como acto de preservação patrimonial Já bem longe de críticas redutoras e reacionárias de outros tempos — “Enquanto o capital cinematográfico ditar a lei, não é possível atribuir ao cinema contemporâneo nenhum outro mérito revolucionário que não seja o de promover a crítica revolucionária de concepções tradicionais de arte.”17 — cremos que na verdade o cinema nunca ocupou o lugar de ser concebido como algo meramente só para massas, pois em todas as épocas de produção cinematográfica sempre (co)existiram (como em qualquer outro campo artístico) os “gostos de nicho” a par do chamado gosto vigente. Ainda que assim fosse, “A reprodução técnica da obra de arte transforma a relação das massas com a arte [na nossa perspectiva, de modo muito mais abrangente e enriquecedor]. Uma relação o mais retrograda possível, por exemplo diante de um Picasso, pode transformar-se na mais progressista por exemplo diante de um Chaplin.”18 — progresso que se traduz num alargamento de novos públicos, que criam novas formas de análise, observação, entendimento, porque cada individuo é dotado de um “modo de ver” diferente do seu semelhante. Neste sentido é necessário continuar a criar condições para que esses novos “modos de ver” cresçam, pois ajudam a renovar o que já existe, desencadeando outros saberes e formas de consciencialização e afectos, em torno da preservação e divulgação do património e das artes. No caso da antiga igreja do Carmo, actual Museu Arqueológico do Carmo (1864), essa é uma das “lutas” diárias que encaramos com prazer, procurando incutir-lhe dinamismo através de novas e/ou renovadas (re)interpretações da sua história, da sua colecção, da sua arquitectura, da sua génese, das suas vivências, que continuam a inspirar quem nelas entra, sendo convidado a fazer parte. Neste âmbito os artistas contemporâneos desempenham um papel extraordinariamente importante, servindo muitas vezes de mediadores entre o objecto “antigo” e a contemporaneidade remediando vocábulos e conceitos, por intermédio de novas concepções artísticas que inquietam, atraem, fazem questionar o observador levando-o a transpor a linguagem exposta e tangível, despoletando a angariação de novos públicos e olhares. O projecto dedicado à Arte Pública no Espaço Público, tendo como pólo aglutinador o Chiado, já na sua 7ªedição, coordenado pelo Professor da Faculdade de Belas-Artes e artista plástico José Quaresma, este ano dedicado à temática O Chiado e o Cinema. Do cinematografo ao Videomapping.

17. BENJAMIN, Walter, A obra de arte na época da sua possibilidade de reprodução técnica, in Modernidade, ed. e trad. de João Barrento, Assírio&Alvim, Lisboa, 2006, pp.225 18. Idem, Ibidem, pp.230

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Artes na Esfera Pública. Lisboa-Paris, tem assumido anualmente um desempenho muito importante nesse âmbito. Á semelhança das exposições acolhidas nos anos anteriores, também este ano as intervenções artísticas, revelam conteúdos extremamente interessantes e invocativos, apelando à intervenção de quem as observa (convidando-o), estabelecendo um maior contacto de proximidade entre a obra/ artista criador, público e espaço envolvente, através das expressões artísticas de Orlando Farya, Isabel Castro, Paulo Lourenço, Rita Castro, Pedro Ramalho Joana Geraldes, Filipa Camacho, Bruce Paulino, Rui Cardoso e Elsa Bruxelas, que usando linguagens plásticas complemente distintas enriquecem o espaço do Museu na sua totalidade, incutindo-lhe uma nova aura. Ainda dentro do contexto do cinema e arte pública no Carmo, é importante referir outros projectos, que de igual forma têm ajudado a atrair novos públicos e a chamar à atenção para a importância deste multifacetado museu-igreja e sua salvaguarda, como é o caso do Fuso — Festival anual de vídeo arte internacional de Lisboa19, cujo programa desenvolvido no seio das artes visuais, dança e performance, também é acolhido desde 2013 nas ruínas das antigas naves da igreja (entre outras praças, jardins e museus da cidade); ou o projecto performativo Presença e Ausência da autoria do Prof. Fernando Crêspo20 (Fig.3), que demonstrando que a arte performativa, à semelhança de um filme, de um documentário, videoclip pode ser utilizada como plataforma de preservação artística, não apenas do “produto” filmado/captado, mas também do edifício onde estes “actos artísticos” são produzidos, interligando espaços físicos e temporais em uníssono — preservação de memórias. Além destes projectos artísticos e performativos, o Carmo é ainda inserido anualmente em muitos outros de carácter muito diversificado tanto a nível nacional como internacional, que abordam o tema da arte pública através de exposições (Fig.4), colóquios, filmes (relatório de conservação 2013/2014 — Museu Arqueológico do Carmo), documentários entrevistas, visitas guiadas, entre outros, ligados à sua história ou a acontecimentos que se sucederam no seu interior ou em seu redor. Assiste-se assim a uma incessante multiplicação da existência da Arte pela Arte, independentemente da técnica utilizada (fotografia, pintura, vídeo, escultura, instalações, performances, etc.): porque mais uma vez temos artistas a intervir num local dedicado à Arte, inspirados nas criações artísticas de

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19. http://www.fusovideoarte.com/ http://www.fusovideoarte.com/2014/programa_videobrasil.html 20. Ex-Director da Escola Superior de Dança do Instituto Politécnico de Lisboa.


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outrora; além de cada uma delas exprimir a sua própria mensagem, todas elas se unem como uma só voz em torno de um mesmo objecto que se converte em objectivo, o Carmo e a sua salvaguarda, desempenhando um papel triplo, na medida em que dão a conhecer as suas próprias criações, renovam o local que as acolhe e ainda zelam pela preservação e propagação da sua memória, divulgando-a, como já havíamos tido oportunidade de estudar noutras “esferas” de criação como é o caso do videomapping21, e conceitos do remediation&transcoding 22.

21. QUARESMA, José, Célia Nunes Pereira (Coord.), Videomapping e Cripto-História de Arte, CIEBA-FBAUL, Lisboa, 2015 http://www.amazon.co.uk/Videomapping-Cripto-Hist%C3%B3ria-Portuguese-Marl%C3%A8ne-Rautureau-ebook/dp/B00UCFXL7C/ref=sr_1_1?s=digital-text&ie=UTF8&qid=1425935216&sr=1-1&keywords=C%C3%A9lia+Nunes+Pereira 22.http://www.amazon.co.uk/Art-Remediation-Ana-Rito-ebook/dp/B00HF7IR60/ref=sr_1_fkmr 1_2?s=digital-text&ie=UTF8&qid=1425935216&sr=1-2-fkmr1&keywordsC%C3%A9lia+Nunes+Pereira

Bibliografia ARNAUD, José, Carla Varela Fernandes (Coord.), Construindo a Memória — Colecções do Museu Arqueológico do Carmo, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 2005 BENJAMIN, Walter, A obra de arte na época da sua possibilidade de reprodução técnica, in Modernidade, ed. e trad. de João Barrento, Assírio&Alvim, Lisboa, 2006 BERGSON, Gilles, Matéria e Memória — Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, Trad. Paulo Neves, Martins Fontes, São Paulo, Brasil, 1999 Idem, A Evolução Criadora, Trad. Bento Prado Neto, Martins Fontes, São Paulo, Brasil, 2005 DELEUZE, Gilles, Cinema: a imagem-movimento, trad. Stella Senra, Editora Brasileirense, Brasil, 1986 Idem, A Imagem-Tempo — Cinema 1, Trad. Sousa Dias, Assírio&Alvim, Lisboa, s.d.

Idem, A Imagem-Tempo — Cinema 2, Trad. Eloisa de Araújo Ribeiro, Editora Brasileirense, Brasil, 1990 ECO, Humberto, A definição de arte, Trad. portuguesa, Edições 70, Lisboa, 1981 HEIDEGGER, Martin, A origem da obra de arte, trad. portuguesa, Edições 70, Lisboa, 1990 NOBRE, Pedro Rito Nunes, Belém e a Exposição do Mundo Português. Cidade, Urbanidade e Património Urbano, Tese de Mestrado em Património Urbano, Vol. I, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010 PEREIRA, Célia Nunes, A Arte na Igreja e Convento de Santa Maria do Carmo de Lisboa (1389/1755) — contributos para o seu levantamento cripto-histórico, Vols. I e II, Tese de mestrado em Arte, Património e Restauro, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa 2010 (no prelo) PINTO, António Cerveira, O lugar da arte, Queztal, Lisboa, 1989 QUARESMA, José, Art and Remediation, CIEBA-FBAUL, Lisboa, 2014

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Idem, Célia Nunes Pereira (Coord.), Videomapping e Cripto-História de Arte, CIEBA-FBAUL, Lisboa, 2015 SHAPIRO, Meyer, Modern Art, Ed. George Braziller, Inc. Nova Iorque, 1968 Arquivos Cinemateca Portuguesa: ANIM — Arquivo Nacional de Imagem em Movimento MENDES, F. Carneiro, O Cortejo do Mundo Português (realização, fotografia e montagem), ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento): referência — 8000004. VHS.1/1 MENDES, F. Carneiro, A Exposição do Mundo Português (realização, fotografia e montagem), ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento): referência — 8000005.VHS.1/1 Museu do Carmo. Arquivo da Cinemateca Portuguesa. Documentário (imagens não montadas). 1930. ID CP-MC:2001621-010-00.53.47.00 MENDES, F. Carneiro, Aspectos e Tipos de Lisboa. Documentário. 1933. Descrição: Descrição: Estufa Fria. Pombos do Carmo. Igreja da Madre de Deus. Ruínas do Convento do Carmo. Palácio da Mitra. Ruínas do Palácio do Cardeal D. Luis da Cunha. São Vicente de Fora, Panteão Nacional. Jardim zoológico de Lisboa. ID CP-MC: 2001611-004-00.38.05.01

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Projecções sobre o espaço público Helena Ferreira

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Os ecrãs urbanos e as diferentes superfícies urbanas de projecção têm vindo a definir cada vez mais o seu lugar na topologia do espaço público contemporâneo. Em Portugal os exemplos ainda não são muito expressivos no que respeita à produção artística contemporânea com recurso a projecção de imagem, em particular, no espaço urbano. Os exemplos que se têm destacado encontram-se no conjunto de espectáculos multimédia com carácter político e de entretenimento de massas, como se pôde observar nos últimos anos no Terreiro do Paço como “O Fabuloso Desejo de Natal” (2014), ou “Projectar Abril” (2010) no Palácio da Presidência. Contudo, alguns festivais como o Fuso, Proyector, Fonlad, Magmart, Miden, Videoplay, entre outros, têm procurado destacar-se destes espectáculos multimédia com fins publicitários e/ou político-partidários e com isso têm impulsionado a divulgação de mostra de vídeos, de contexto artístico contemporâneo, em diversos locais a céu aberto, mas também em galerias, museus ou outras instituições culturais. Se por um lado, alguns locais públicos foram transformados em salas de cinema ao ar livre com auditórios improvisados (fazendo lembrar os populares drive-in cinemas norte-americanos dos anos 20 e 30) por outro, a imagem em movimento foi instalada num determinado local, sobre uma determinada superfície, por vezes imbuída de simbolismo histórico, social, político ou cultural, evocando os aspectos basilares da vídeo-instalação e das práticas site-specific. O estudo sobre a imagem em movimento e a sua relação com o espaço urbano tem se centrado particularmente nas questões relativas ao espaço e ao tempo, não só pela inevitável e intrínseca ligação entre o cinema (moderno) e a arquitectura, em particular devido à relação entre a mobilidade visual e a mobilidade virtual do espectador de cinema derivada dos dispositivos pré-cinematográficos (como o panorama e o diorama)1, mas também porque envolve um conjunto de meios culturais, históricos, sociais, físicos, arquitectónicos, através dos quais se projectam preocupações sobre a memória, a morte e a origem da imagem.2 As sociedades industrializadas, o movimento, a materialidade, o espaço, as temáticas citadinas e urbanísticas, haviam já sido elementos constitutivos do discurso construtivista cinematográfico baseado nas experimentações plásticas das vanguardas artísticas precedentes. Por outro lado, e mais tarde, inúmeras manifestações vieram demonstrar preocupações estéticas e artísticas

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1. Segundo Friedberg estes dispositivos ofereceram novas possibilidades de visualização permitindo ao espectador imóvel satisfazer o desejo de ter o domínio visual sobre as restrições do espaço e do tempo. Anne FRIEDBERG, Window Shopping: Cinema and the Postmodern. California: University of California Press, 1993, p. 28. 2. Stephen BARBER, Projected Cities. Cinema and Urban Space. London: Reaktion Books, 2002, p. 7.


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procurando explorar a ligação entre espaço público e espaço privado, interior e exterior, de forma mais ou menos abstracta, mais ou menos explícita, integrando princípios ou instrumentos provenientes do universo cinematográfico e/ou escultórico no processo criativo. Relembramos os trabalhos de Gordon MattaClark e os seus recortes escultóricos sob a forma de cones (superfície curva que remete para a projecção de luz) que abriam janelas gigantes nas fachadas dos edifícios permitindo enquadramentos cinematográficos do exterior para o interior e vice-versa, como se tratasse de enormes ecrãs projectados, convocando a experiência fenomenológica do “ver” e do “ser visto”. Ou, por exemplo, já numa perspectiva mais próxima do mundo digital actual, Projektion X (1972) de Imi Knoebel, no qual um enorme e luminoso “X” é projectado nas superfícies urbanas a partir de um veículo em movimento, durante um trajecto nocturno e errante pela cidade de Darmstadt. Trata-se de uma luz projectada sobre a forma de uma letra, que ora aparece ora desaparece na escuridão, de acordo com a distância das superfícies aleatórias que encontra e com a intensidade lumínica do local. A luz projectada vai pulsando de objecto em objecto, de tamanho em tamanho, alterando a sua forma e textura de acordo com as fachadas, as árvores, os muros, as janelas, etc. Neste exemplo é o ecrã que está em constante alteração e não a imagem projectada. Um outro fenómeno que se tem vindo a manifestar com maior visibilidade no campo da imagem em movimento na esfera pública são os ecrãs urbanos3 que têm despoletado cada vez mais o interesse de artistas e programadores culturais que vêm neste instrumento um espaço de criação artística e de trocas culturais, fortalecendo a economia local e a formação da esfera pública4. A propagação e multiplicação de eventos e festivais associados à imagem em movimento no espaço urbano partiu de uma preocupação central sobre o modo como o uso comercial de ecrãs e respectivas infraestruturas no espaço urbano se poderiam enquadrar no contexto artístico e cultural5.

3. Ecrãs urbanos são todos aqueles que incluem os ecrãs LED, ecrãs plasma, sinais de trânsito, painéis digitais, terminais de informação, superfícies arquitectónicas inteligentes, assim como fachadas media (media facades). 4. URBAN SCREENS [em Linha], Cons. 5 de Fev. 2015, Disponível em URL: <http://www.urbanscreens.org/about.html> 5. Em 2005 em Amsterdão, teve lugar o primeiro evento Urban Screens, uma iniciativa do Institute of Network Cultures de Amesterdão, que organizou a uma série de eventos, incluindo conferências, exposições, projecções ao ar livre, radiodifusão conjunta internacional, plataformas online e em rede para dar suporte a um movimento crescente e emergente no universo dos ecrãs urbanos. Esta iniciativa centrou-se na mostra de produções de arte digital e multimédia, contribuindo desta forma para alargar a reflexão estética, artística e cultural sobre o fenómeno prolífero e omnipresente dos ecrãs nas socieda-

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Estas três categorias genéricas, que muitas vezes se diluem e sobrepõem, a saber, as projecções ao ar-livre, as projecções urbanas site-specific e os ecrãs urbanos, são comummente associadas, respectivamente, a ciclos de cinema, videomapping ou vídeo-instalações, e mostradores digitais em quaisquer contextos urbanos, sendo que estes últimos podem englobar o conjunto dos dois primeiros. A projecção de luz sobre superfícies urbanas surgiu em grande parte como forma de criar espaços de reflexão colectiva através da qual o vídeo serve como meio de comunicação e não de consumo6. A atracção que a imagem em movimento exerce sobre os seus espectadores é potenciada quando esta é projectada num lugar do quotidiano ou superfície simbólica despertando, pois, um conjunto de sentidos que estimulam a consciência individual e colectiva sobre esse lugar. Trata-se de uma nova tipologia de produção artística que convoca questões muito concretas cujas preocupações são ainda devedoras de outros tempos, mas que agora ganham novos contornos estéticos, culturais e sociais. O aparecimento da projecção de imagem no espaço urbano surge numa altura em que diversos mediums se manifestam em “campos expandidos”, ao mesmo tempo que emergem novos mediums e formas de expressão que procuraram explorar novos terrenos e linguagens conceptuais que convocam a experiência e a participação do espectador, culminando na passagem do espaço galerístico para o espaço urbano ou natural. Desde os anos 80, Krzysztof Wodiczko tem produzido um conjunto de trabalhos que anunciaram novas preocupações ao nível do espaço, da escultura e da imagem através de projecções urbanas, em particular sobre fachadas de monumentos e esculturas públicas, que permitiam a activação destes lugares revelando poderosas mensagens imbuídas de um forte sentido crítico e político. Seja projectando imagens de sem-abrigos sobre a superfície das esculturas icónicas ou monumentos (The Homeless Projection: A Proposal for the City of New York, 1986; Homeless Projection: Place des Arts, 2014, Canadá), seja projectando a imagem de elementos bélicos sobre memoriais (The Soldiers and Sailors Memorial, 1985, Nova Iorque; Arco de la Victoria, 1991, Madrid; Nelson’s Column, 1985, Londres),

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des urbanas, estendendo as suas margens para o campo da electrónica e da tecnologia de ponta. Esta associação tem promovido e divulgado trabalhos que demonstram o potencial destes ecrãs, procurando expandir o uso de mostradores digitais dinâmicos no espaço público, de forma a que estes possam servir de plataforma para a expressão cívica e cultural, ao mesmo tempo que promovem o envolvimento do indivíduo em questões relacionadas com a sustentabilidade social, cultural e ambiental. Ver International Urban Screens Association. Disponível em http://www.urbanscreensassoc.org/. 6. Holly WILLIS, New Digital Cinema: Reinventing the Moving Image. London: Wallflower Press, 2005, p. 94.


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Wodiczko responde à necessidade de intervir sobre determinados eventos políticos ou sociais de acordo com a situação actual ou histórica daquele país, daquela cidade, daquele local, daquele edifício ou estátua, daquela comunidade, mantendo sempre no seu horizonte temas centrais como a guerra, o conflito, o trauma, a memória e a liberdade de expressão. As superfícies urbanas não são para o artista meros ecrãs de projecção, mas sim potenciais instrumentos de trabalho cuja materialidade e significação histórica, social ou económica são exploradas a partir da imaterialidade da imagem. Trata-se de uma operação de fusão entre arquitectura e imagem que culmina no seu principal objectivo: o de tornar a projecção num meio que permita “esculpir” o edifício de modo a apresentá-lo enquanto estrutura de reflexão sobre o conceito de poder7, impondo desta forma sobre o espaço urbano uma nova condição que obriga a revelar o que se encontra dissimulado. Para Wodiczko, a projecção pública envolve questionar quer a função quer a noção de pertença, posse ou propriedade na arquitectura8, evitando a todo o custo a decoração urbana resultante da “pseudo-criatividade” que apenas conduz à alienação das sociedades e não à consciência crítica das mesmas9. O objectivo da arte pública crítica não é uma auto-exposição feliz nem uma colaboração passiva com a grande galeria da cidade, o seu teatro ideológico e o seu sistema arquitectónico-social. Pelo contrário, é um compromisso entre os desafios estratégicos das estruturas da cidade e dos mediums que intervêm na nossa percepção quotidiana do mundo; um compromisso através de interrupções estético-críticas, infiltrações e apropriações que questionam as operações simbólicas, psico-políticas e económicas da cidade.10

7. Krzysztof WODICZKO, Critical vehicles: writings, projects, interviews. Cambridge, London: The MIT Press, 1999, p. 46. 8. Ibidem, p. 47. 9. Ibidem, p. 27. 10. Tradução nossa do original: “The aim of critical public art is neither a happy self-exhibition nor a passive collaboration with the grand gallery of the city, its ideological theater and architectural-social system. Rather, it is an engagement in strategic challenges to the city structures and mediums that mediate our everyday perception of the world; an engagement through aesthetic-critical interruptions, infiltrations, and appropriations that question the symbolic, psycho-political, and economic operations of the city.” Ibidem, p. 27.

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A perspectiva de Wodiczko acerca da arte no espaço público adequa-se ao enquadramento teórico acerca da esfera pública apresentada por Nancy Fraser que, procurando expandir a teoria habermasiana, propôs a esfera pública como um espaço discursivo no qual os membros de vários colectivos discutem e confrontam as preocupações entre cada grupo. Segundo Habermas a ideia de esfera pública (burguesa) consiste num conjunto de pessoas privadas que se reúnem e discutem assuntos públicos ou interesses comuns11. Contudo, em alternativa a esta teoria que define a esfera pública como um conjunto singular onde os assuntos privados e individuais devem ser evitados — referindo-se à burguesia em particular —, Fraser apresenta uma análise transformadora sobre a esfera pública alargando o espectro conceptual do “público” de acordo com a diversidade de um público mais generalizado e com isso considerando as diferentes classes sociais que o constituem12. A perspectiva conceptual, crítica e artística de Wodiczko e o ponto de vista teórico de Fraser, complementam-se mutuamente no que respeita ao papel do antagonismo na democracia assente na multiplicidade de interesses formados por diferentes grupos sociais cujas opiniões se confrontam em debate aberto no espaço público. O espaço público é por excelência um espaço de conflito, e é este o eixo central do trabalho de Wodiczko. Fazer emergir e confrontar a pluralidade de opiniões no espaço público através da justaposição dessas vozes latentes (sem-abrigos, imigrantes, clandestinos, veteranos de guerra, vítimas de violência doméstica) sobre as superfícies urbanas, sobretudo aquelas que representam o poder político, ou a memória colectiva, ou a história de uma sociedade. Ainda que para tal se transponha para o universo serpenteante das políticas burocráticas das sociedades democráticas, que apesar de tudo não controlam na totalidade o vazio legal que existe em torno das manifestações no espaço público. A título de exemplo, relembramos a projecção sobre a coluna de Nelson Mandela em Londres (1985), cuja autorização para a realização do projecto havia sido dada sob a promessa de projectar a imagem de umas mãos sobre a coluna. Wodiczko não só acabou por projectar sobre a coluna de Mandela um míssil envolto em arame farpado, como rodou o projector de slides na direcção da Trafalgar Square projectando, durante cerca de duas horas antes de ser interpelado pelas autoridades, a imagem de uma suástica na Embaixada Sul-Africana, como forma de protesto contra o regime do apartheid suportado pela então primeira-ministra Margaret Thatcher. “I knew they wouldn’t

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11. Jürgen HABERMAS, The Structural Transformation of the Public Sphere. Cambridge: The MIT Press, 1991, p.27. 12. Nancy FRASER, “Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy”. Social Text, nº 25-26, 1990, pp. 56–80.


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be able to stop me [...] bureaucracy doesn’t work at night, [...] the media does.”13 Ao projectar imagens controversas num espaço aberto de forma momentânea e súbita, Wodiczko opta por um público mais alargado, diferenciado e anónimo, liberto do dispositivo cinematográfico e museológico de recepção da obra de arte, permitindo ao espectador/transeunte ver a obra a partir de múltiplos lugares e pontos de vista da cidade. Por outro lado, ao contrário das projecções de Wodiczko — em que o público tem um papel activo na fruição da obra mas não é o agente activador da mesma —, o artista mexicano Rafael Lozano-Hemmer manifesta preocupações eminentemente centradas na participação dos espectadores explorando desta forma a relação entre corpo e arquitectura. Desde 1997, Rafael Lozano-Hemmer tem produzido a série Relational Architectures que se caracteriza por um conjunto de trabalhos cujo conceito significa: [...] a actualização tecnológica dos edifícios através da memória alienada [...] com o objectivo de transformar narrativas dominantes de um edifício específico ou configuração urbana sobrepondo elementos audiovisuais com o propósito de contaminar, repercutir e re-contextualizar.14

Desse conjunto de trabalhos destacamos Displaced Emperors (1997), Re:Positioning Fear (1997) Body Movies (2001), Under Scan (2005) e Two Origins (2007) nos quais o corpo é amplificado à escala urbana através da projecção de silhuetas dos transeuntes sobre superfícies ou monumentos. Estas obras pressupõem, de uma forma geral, a reflexão sobre a relação do corpo no espaço urbano, sobre questões políticas, históricas e sociais, cujas realidades ocultas são desveladas pela participação do público. As imagens projectadas são invísiveis até ao momento em que um participante se coloca em frente de um projector de luz, permitindo deste modo que a sua sombra revele a imagem ocultada. O corpo transforma-se simultaneamente em ecrã, instrumento de produção e de recepção. Em Displaced Emperors, Lozano-Hemmer propõe uma reflexão acerca da relação histórica e cultural entre a Áustria e o México, em particular sobre a disputa de uma coroa de penas pertencente ao imperador Azteca Montezuma adquirida

13. Krzysztof WODICZKO, op. cit, pp. 164-165. 14. Tradução nossa do original: “[...] as the technological actualization of buildings and the urban environment with alien memory. He aimed to transform the dominant narratives of a specific building or urban setting by superimposing audiovisual elements to affect it, effect it and re-contextualize it.” Maria FERNÁNDEZ, “Illuminating Embodiment: Rafael Lozano-Hemmer’s Relational Architectures”. Architectural Design, vol. 77, nº 4, 2007, p. 79.

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durante as conquistas espanholas e trazida para a Europa como símbolo de vitória. Através de sensores 3D, que permitiam reconhecer os gestos dos participantes que apontavam para um determinado local do edifício, uma enorme mão era projectada na fachada do Castelo de Habsburg em Linz, à medida que a mesma revelava o interior do Castelo de Chapultepec na cidade do México. Esta mão virtual activava também diferentes sonoridades, conforme a passagem de uma divisão para outra, como se se pudesse ouvir o som distinto de cada sala ou quarto. A obra é activada pelos transeuntes e estes são incitados pela obra a reflectir sobre as trocas culturais entre dois países com uma história desconhecida para a grande maioria. Na verdade trata-se de uma obra que de uma forma geral põe em causa o valor e a propriedade dos bens culturais que constituem o passado entre duas nações, aqui metaforizado com um exemplo concreto entre Áustria e México. Na obra Body Movies, as sombras dos transeuntes activam a obra ao mesmo tempo que revelam retratos fotográficos de pessoas projectadas, segundo diversas escalas, convocando deste modo um jogo acerca da auto-representação e da representação do outro, fazendo lembrar as intenções manifestadas por Peter Campus em Shadow Projection (1974), no qual o espectador se confronta com as questões psicológicas do eu, com a relação de cada indivíduo com o mundo interior e exterior, e com a desarticulação psíquica e física da identidade de cada um. Embora Body Movies nos remeta para esta obra pelo carácter imagético resultante da revelação de uma imagem a partir da sombra do espectador, a obra destaca-se não só pelo carácter tecnológico mas também pela convocação de novas formas de participação individual e interacção colectiva no espaço público. As reacções dos espectadores perante as suas projecções são manifestamente diversas consoante o contexto e a cidade em que são apresentadas. Segundo o próprio artista a reacção dos transeuntes, quando Body Movies foi apresentada em Lisboa em 2002, foi bastante comedida em comparação com as reacções do público inglês: [...] “Body Movies” is a piece that inspired different behaviors depending on where it was presented. When it was to be shown in Lisbon I thought of the stereotype of the “Latino” who loves to be out on the streets, partying and hugging affectionately so I expected a lot of this type of interaction with the piece. However what we saw was people trying their best not to overlap or interfere with another person’s shadow. In contrast, when we presented the piece in England, where I had thought we would see considerable modes-

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ty and moderation, people got drunk, took off their clothes and acted out a variety of orgiastic scenes, which was a lot of fun to watch. This anecdote


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points out the difficulty of making generalizations about the body in a public space, which seems to me like quite a healthy difficulty. 15

Vale a pena reflectir sobre esta variante da obra que merece ser analisada à luz do contexto urbano, cultural, social e expositivo em que foi apresentada. Body Movies foi apresentado em grandes centros urbanos como Roterdão, Linz, Liverpool, Duisburg, Hong Kong e Wellington no âmbito de festivais, bienais e eventos de arte, cultura e tecnologia. Em Lisboa, Body Movies16 foi apresentado no Parque das Nações junto ao Pavilhão Atlântico, no âmbito da Convenção Europeia de Negócios SAPPHIRE relacionada com as novas tendências e desenvolvimento no universo da gestão empresarial17. De facto, o contexto adquire uma relevância fundamental na determinação dos diferentes comportamentos daqueles que interagem com a obra. E, neste sentido, a diferença de reacções assenta não nas diferentes nacionalidades do público, mas sim nas diferentes esferas sociais e culturais que se reuniram naqueles eventos. Os locais intervencionados têm também um papel preponderante na construção de sentidos e atitudes, verificando-se diferentes ambientes e disposições quer se trate de zonas periféricas, residenciais ou empresariais, quer se trate de centros urbanos e históricos, instituições culturais ou locais de socialização. “Qualquer sítio pode ser transformado num público, ou para todos os efeitos numa esfera privada”18 diz-nos Rosalyn Deutsche. Segundo a historiadora de arte, artistas e críticos defensores da arte enquanto prática social crítica, procuraram redefinir o conceito de arte pública contrariando a política conservadora de definição do espaço público.

15. Rafael LOZANO-HEMMER, “A conversation between José Luis Barrios and Rafael Lozano-Hemmer”. In Subsculptures Exhibition Catalogue. Geneva: Galerie Guy Bartschi, 2006, p. 9. Cons. 20 Mar. 2015. Disponível em <http://www.lozano-hemmer.com/texts/bibliography/articles_interviews_essays/Subsculptures_2005_jlb2.pdf>. 16. Vídeo da instalação apresentada em Lisboa disponível online no website do artista em http:// www.lozano-hemmer.com/ e em <https://vimeo.com/33923131> 17. A integração de Body Movies no SAPPHIRE 2002 adveio da parceria entre a empresa SAP AG, que organizou o SAPPHIRE, e a instituição cultural que tutela a ARS Electronica com o objectivo de promover novas formas cooperação entre arte e tecnologia. Na sequência desta parceria que visava articular o mundo da indústria do software e o domínio da media art, Rafael Lozano-Hemmer, vencedor do prémio em Arte Interactiva do ARS Electronica 2002, apresentou em simultâneo a instalação interactiva em Linz e em Lisboa. ARS ELECTRONICA ARCHIVE: Catalogue Archive. [Em linha]. Cons. 20 Março 2015. Disponível em http://90.146.8.18/en/archives/festival_archive/ festival_catalogs/festival_artikel.asp?iProjectID=11828. 18. Rosalyn DEUTSCHE, “Art and Public Space: Questions of Democracy”. Social Text, n. 33, 1992, p. 39.

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Figura 1 Rafael Lozano-Hemmer. Displaced Emperors, 1997, Linz. Fonte: http://www.lozano-hemmer. com/displaced_emperors.php. Sob licença Creative Commons Attribution - Noncommercial-Share Alike 3.0.

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Figura 2 Rafael Lozano-Hemmer. Body Movies, 2002, Lisboa. Fonte: http://www.lozano-hemmer.com/ body_movies.php. Sob licença Creative Commons Attribution — Noncommercial-Share Alike 3.0.

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Ao transgredir os limites que convencionalmente dividem a arte pública da arte não-pública — divisões, por exemplo, entre as obras colocadas no interior ou no exterior ou entre as obras financiadas pelo estado ou por fundos privados — aprofundam-se outras distinções que, neutralizadas pelas definições predominantes do espaço público, são essenciais para a prática democrática. 19

Neste sentido, o discurso artístico apropriou-se do conceito de esfera pública ao considerar a arte como manifestação que contribui para a criação do espaço público enquanto espaço de confronto e de debate social. Esta redefinição rompe com a vulgar categorização de arte pública, na medida em que esta já não é apenas algo que ocupa ou projecta espaços físicos dirigindo-se a audiências preexistentes, mas sim um instrumento que constitui um público envolvendo as pessoas num debate político20. Posto isto, e ainda segundo a mesma autora, “um público difere de uma audiência”, pois o público “é formado quando os cidadãos se envolvem na discussão política”21, isto é, o público não existe antes da audiência, mas sim surge durante o debate22. A transformação de audiências em públicos é, portanto, constitutivo do universo da arte no espaço público, e neste sentido, o factor da i/mobilidade visual tem implicações directas na convocação de diferentes tipos de públicos, nomeadamente aqueles que encontram a obra por acaso e aqueles que se dirigem especificamente ao local para experienciar a obra. Contudo, isto não significa que as obras apresentadas no espaço público apenas têm impacto se realizadas exclusivamente em zonas de grande movimentação ou em contexto de eventos culturais, mas é importante salientar que esse factor se repercute de forma distinta na recepção dessas manifestações por parte das audiências e da criação de públicos. Por este motivo, as estratégias de programação cultural têm aqui uma função determinante no enquadramento expositivo da obra no espaço urbano, no panorama artístico nacional e internacional e na divulgação do evento. Como sabemos, a produção de eventos

19. Tradução nossa do original: “Transgressing the boundaries that conventionally divide public from nonpublic art — divisions, for instance, between artworks placed indoors versus those that are outdoors or between state-sponsored versus privately funded art — it excavates other distinctions which, neutralized by prevailing definitions of public space, are essential to democratic practice”. Ibidem, p. 39 20. Ibidem, p. 39. 21. Rosalyn DEUTSCHE, “The Question of ‘Public Space’”. Presented at the American Photography Institute National Graduate Seminar. New York: The Institute, 1999, p. 2. Cons. 30 Mar. 2015. Disponível em: https://iwalewapublicspace.files.wordpress.com/2012/02/rosalyn-deutsche-_-the-question-of-_public-space_.pdf. 22. Rosalyn DEUTSCHE, op. cit., p. 39.

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artísticos, em particular no espaço público, depende em grande medida de apoios e parcerias entre instituições culturais e empresas públicas ou privadas, cuja logística deve assegurar o não comprometimento das intenções estéticas e artísticas do projecto a desenvolver, assim como evitar que a arte esteja ao serviço de interesses económicos e empresariais, e que seja, consequentemente, usada como actividade satélite de entretenimento fortuito. O discurso artístico no espaço público é utilizado por diversos artistas cujas preocupações se centram particularmente nos aspectos relacionados com o poder, a memória, a alienação, a participação e a interactividade dos espectadores, contudo não podemos deixar de mencionar que para além destas temáticas e objectivos, outros exemplos revelam projectos artísticos frequentemente desenvolvidos em estreito compromisso com instituições ou empresas. O grupo URBANSCREEN identifica-se como um colectivo de artistas interdisciplinar e uma empresa de criativos constituída por artistas media, arquitectos, músicos e técnicos profissionais em diferentes áreas, e tem-se especializado no desenvolvimento de projectos para o espaço público no âmbito da instalação site-specific, projecções arquitectónicas, esculturas aumentadas, teatros virtuais e videomapping. Embora muitos dos seus trabalhos sejam fruto de encomendas por parte de empresas, bancos e entidades estatais ou privadas, este colectivo tem mantido uma coerência nas suas preocupações estéticas, artísticas e conceptuais, procurando enquadrá-las nos eventos anfitriões e desenvolvendo trabalhos profundamente integrados no circuito artístico contemporâneo, sobretudo no que respeita a manifestações artísticas no espaço público através de projecções urbanas. Focar-nos-emos, por agora, numa das temáticas centrais deste colectivo, nomeadamente as narrativas que associam o corpo, a arquitectura da imagem e as audiências. What is up? (Figura 3) é um trabalho encomendado pelo Kunstenfestival GrensWerk e consiste num ensaio sobre o confronto entre o espaço privado e o espaço público, através do qual a fachada de um prédio — a membrana divisória entre essas duas esferas — serve de superfície receptora de uma espécie de teatro virtual site-specific23, como o próprio grupo descreve, convocando a reflexão colectiva dos transeuntes acerca de um conjunto de noções dicotómicas, numa clara metáfora sobre vida privada e colectiva, íntima e pública, de cada indivíduo e a sua relação com a sociedade urbana. Através de uma projecção enquadrada sobre a fachada de um edifício histórico, na cidade Enschede na Holanda, esta acaba por se tornar

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23. URBANSCREEN [em Linha], Cons. 5 de Fev. 2015, Disponível em URL: http://www.urbanscreen.com/usc/831.


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Figura 3 URBANSCREEN. What is Up?, 2010, Enschede. Stills do vídeo disponível em URL: http://www.urbanscreen.com/usc/831. Cortesia do colectivo URBANSCREEN.

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numa enorme assoalhada à escala monumental. Contudo, as proporções da imagem projectada convocam um espaço interior que reflecte o estado de alma do protagonista metaforicamente enquadrado naquela superfície como se se tratasse de um gigante no interior de uma casa de bonecas. Esta ideia de desproporção, ambiguidade e ilusão é acentuada quando subitamente o espaço interno daquele quarto cúbico parece sucumbir à gravidade, ou quando de repente vemos o protagonista vivenciar situações inesperadas e bizarras como quando sai fora de campo por uma abertura na parte superior do cubo, à medida que entra simultaneamente por outra abertura da face inferior do mesmo. Tratam-se de acções que reflectem as construções que fazemos sobre a noção que temos de interior e o exterior, sobre o espaço público e privado, sobre os locais de passagem ou de contemplação. A fachada enquanto superfície de projecção adquire aqui um significado intrinsecamente conjugado com o conteúdo conceptual deste “teatro” projectado, a saber, o acto social de assistir a um espectáculo e o modo como percepcionamos a arquitectura de uma cidade. Não se trata de uma mera projecção sobre uma fachada residencial. Trata-se de reflectir sobre as mudanças históricas da configuração arquitectónica que compõe o espaço urbano, através de transformações temporárias que alteram a superfície do edifício revelando as diferentes camadas que o constituem. Por sua vez, What is up? convoca o confronto entre a mobilidade da imagem versus a imobilidade do espectador, ao contrário do que se pressupõe no espaço urbano: mensagens curtas, objectivas e estáticas para audiências em trânsito. Neste sentido, este teatro virtual rompe com as expectativas habituais de relação do homem com os ecrãs urbanos, mas também com a arquitectura e com o espaço urbano, na medida em que o espectador fixa-se perante a fachada de um edifício, não entra e senta-se à sua frente na escuridão urbana, adoptando o único ponto de vista possível, tal como numa sala de cinema ou de teatro. A moldura de tijolos projectada na fachada torna-se no proscénio que enquadra toda a acção em que nada é o que parece, mas onde são lançados indícios que sugerem que aquele é um espaço de contemplação e de vivência, como por exemplo a subida e/ou descida de estores por parte do protagonista (referência à abertura do pano no teatro), ou a diminuição e aumento da luz no início, na passagem de cenas e no fim da projecção. Ao mesmo tempo a imagem projectada deixa transparecer, de forma pontual, os elementos arquitectónicos da fachada do edifício num jogo de constante retorno entre espaço público e privado, dentro e fora, local de passagem ou de contemplação. A imagem projectada, desde o seu aparecimento a partir do teatro de sombras, da Lanterna Mágica e até às mais recentes manifestações artísticas ou de entretenimento, sempre suscitou curiosidade, fantasia e imaginação pelo simples facto de convocar algo que não está presente, isto é, permite-nos ver imagens


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imaterializadas, desencadeando consequentemente novas formas de ver “engendrando uma mobilidade psíquica paradoxalmente dependente da imobilidade física”24 do espectador. A imagem projectada no espaço público produz um conjunto muito amplo de tipos de atenção, atitudes e experiências, na medida em que actua sobre momentos e lugares, simultaneamente, de transição e de contemplação. Neste sentido, os trabalhos destes e de outros artistas que utilizam a projecção no espaço exterior (Site-specific outdoor projections) convocam o papel do transeunte como testemunhas (espectador), mas também como potenciais activadores da obra (participante). Por este motivo, o discurso artístico sobre a arte pública é devedora das práticas de site-specific dos anos 60 e 70, cujas interpretações e transformações derivaram da iminente questão sobre o lugar na arte, seja como temática seja em relação ao papel social e institucional da arte. Se por um lado, a especificidade do lugar era, e em certa medida continua a ser, um factor preponderante no modo como se interpreta ou como se intervém artisticamente sobre um determinado espaço, por outro, o lugar passou a adquirir outros níveis de reflexão e significação, a partir das quais diferentes discursos se confrontam, relacionam e influenciam mutuamente.

24. Liz KOTZ, “Video Projection: The Space Between Screens”, in LEIGHTON, Tanya (ed.), Art and the Moving Image: A critical Reader. London: Tate Publishing/Afterall, 2008, p. 372.

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Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Chiado em Campo. Da realidade Ă imagem real Elsa Bruxelas

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“Seja ela matéria ou espírito, a realidade aparece-nos como um perpétuo devir. Ela faz-se ou desfaz-se, mas nunca é algo feito.”1

O Chiado é um cenário privilegiado de cultura e história, local de acontecimentos em perpétuo movimento, onde as fachadas dos edifícios e o traçado ancestral das ruas proporcionam enquadramentos e espaços de grande cariz cinematográfico. Partindo da noção de enquadramento e do consequente fora de campo, pretende-se aqui relacionar a vivência de alguns espaços no Chiado com a linguagem cinematográfica. “O enquadramento é a arte de escolher as partes de toda a espécie que entra num conjunto. Este conjunto é um sistema fechado, relativa e artificialmente fechado.”2

O enquadramento tem uma relação directa com a intencionalidade do olhar, e com os mecanismos orgânicos com os quais direccionamos a atenção para o mundo envolvente. A imagem limitada pelo campo visual que nos é permitido obter dentro do nosso órgão da visão consiste numa espécie de “enquadramento natural” do qual não tomamos consciência devido à mobilidade de que dispomos. Trata-se de uma escolha instintiva, que tende a centrar o objecto de interesse enquadrando-o numa área maior ou menor consoante a relação estabelecida. A nossa visão binocular tem maior amplitude no sentido horizontal, mas não cobre toda a área envolvente, deixando inevitavelmente uma porção de espaço atrás de nós que apreendemos sinestesicamente: um fora de campo visual onde se encontra tudo o que não estamos a ver num determinado momento. Tal como afirma Rudolf Arnheim “[...] na prática o campo de visão é ilimitado e infinito [...] podemos ver o quadro inteiro como um todo uno”3 através da sucessão de imagens pois o nosso olhar não é fixo mas move-se. Para Arnheim são precisamente as restrições da imagem limitada pelo enquadramento do cinema que lhe dão a qualidade de ser Arte, obrigando os realizadores a fazer escolhas nos movimentos de câmara e na montagem. Naturalmente captamos

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1. BERGSON, Henri — A evolução criadora, p. 243. 2. DELEUZE, Gilles — A imagem-movimento, p. 33. 3. ARNHEIM, Rudolf — A arte do cinema, p. 24.


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sons, cheiros e outros dados através de outros sentidos, fora do campo visual, que nos fazem rodar a cabeça para os visar. Captamos luzes, formas e cores que assumem diversos significados, que continuamente interpretamos para anteciparmos situações e nos enquadrarmos no presente. Tanto observamos a grandiosidade de uma paisagem sem fim, como um pormenor num objecto próximo de nós; tanto percorremos com o olhar todo o espaço que nos envolve, como contemplamos por longo tempo o mesmo lugar. Fechamos, alargamos, aproximamos ou afastamos o campo de visão na nossa vida intencional e sensível, em conformidade com a nossa subjectividade soberana e insubstituível. A subjectividade do olhar fornece densidade à nossa compreensão ou leitura do mundo. “Com o cinema é o mundo que se torna a sua própria imagem, e não uma imagem que devém mundo.”4

Voltando ao Chiado, deparamo-nos com lugares que nos apresentam enquadramentos de tal forma cinematográficos, que facilmente somos levados a sentir-nos em campo, entrando num filme cujas personagens somos nós. Perante paisagens enquadradas pelos prédios em primeiro plano, abertas numa profundidade de campo realmente sem fim, com o Tejo a reflectir a luz ao fundo como nenhuma pintura o consegue, ou mesmo deixando-nos fotografar em pose à mesa com Fernando Pessoa em estátua, no café A Brasileira, registamos a representação do nosso papel: fazer parte desta cidade. Observamos, de uma colina para a outra, a cidade dourada

4. DELEUZE, Gilles — A imagem-movimento, p. 29.

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pelos tons na hora mágica do fim do dia, como que sentados numa plateia perante um Plano Geral nunca visto em película. A realidade da luz desta cidade, através da sua capacidade de mudança, transporta-nos para o tempo mágico do cinema manipulado pelos cortes da montagem. No largo da Academia de Belas Artes, no Chiado, há um lugar particularmente interessante onde constantemente as pessoas páram em contemplação: trata-se do vão de um edifício com um portão de grades que actualmente serve de entrada para um estacionamento automóvel privado, uma abertura para a magnífica paisagem da encosta lisboeta. Existem no Chiado vários lugares onde temos acesso a este tipo de paisagem da cidade, no entanto este local torna-se cativante precisamente por estar enquadrado arquitectonicamente numa forma semelhante a uma moldura, colocando-nos no lugar do espectador perante uma imagem de um filme ou uma pintura. Esta realidade enquadrada do portão lembra-nos inevitavelmente a força centrípeta de que falava Andre Bazin5, que aqui nos faz mergulhar na paisagem como que caindo no abismo definido pelo quadro cinematográfico. André Bazin faz um estudo sobre a relação da linguagem cinematográfica com a pintura, abordando uma questão fundamental: a oposição ontológica entre o quadro / moldura da pintura e o enquadramento que determina os limites da imagem. Segundo Bazin “a pintura opõe-se à própria realidade e sobretudo à realidade que representa pela moldura do quadro que a cerca”6. A moldura resolve a ruptura entre a pintura e a realidade, criando uma zona de desorientação espacial como uma solução de continuidade entre o “microcosmo pictórico” e “macrocosmo natural”. Na imagem em movimento do cinema o efeito é contrário, não há limite espacial: gera-se uma energia centrífuga. Evidentemente que ao comparar o quadro cinematográfico com o quadro pictórico, Bazin referia-se à pintura de cavalete, ao quadro transportável e sua moldura, não tendo em conta todos os suportes pictóricos de carácter instalativo com intenções imersivas que desde sempre existiram7. Desde as pinturas rupestres que aproveitam a expressão geológica das cavernas para criar ambientes de caça, passando pelos frescos nos murais, as narrativas religiosas das capelas em trípticos, nos tetos, chegando aos videomappings projectados nas cidades: o homem sempre teve a intenção de criar outros lugares através das imagens e dos seus significantes,

5. BAZIN, Andre — O cinema, ensaios: pintura e cinema, p. 173. 6. Idem, p. 173.

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7. Louis SEGUIN critica BAZIN sobre este assunto acusando-o de estar preso na sua própria moldura temporal, em L'éspace du cinéma, p. 36.


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instalando-os na realidade, independentemente dos limites pré estabelecidos por necessidades práticas ou comerciais, rompendo todas as fronteiras. Arnheim fundamenta a distinção entre a moldura do quadro pictórico e o enquadramento cinematográfico analisando duas forças em dois movimentos dinâmicos opostos: cêntricos e excêntricos. Estas relações espaciais de valor universal na experiência humana, são representadas através das formas visuais. Os centros são focos de energia definidos ou determinados pela indução perceptual, que “atraem ou repelem os centros exteriores que por sua vez afectam o centro primário”8. A própria terra tem um centro que é determinante nas noções de verticalidade e horizontalidade, estruturas essenciais da organização do espaço. “Os espaços fechados irradiam energia [...] cada uma das arestas que formam um espaço fechado, é uma combinação de centricidade e de extensão excêntrica.”9

Uma moldura determina o seu próprio centro de equilíbrio através da interacção dinâmica dos quatro lados, e condiciona a posição das formas no seu dentro. Por isso um quadro tem independência, podendo o pintor manipular a dinâmica do espaço interior. No ecrã cinematográfico o enquadramento muda conforme a narrativa da cena que passa, determinando a mudança do centro de energia, o que resulta numa composição transitória mais livre. O enquadramento arquitectónico do portão do largo das Belas-Artes é como uma moldura, condicionando toda a energia no seu centro dinâmico. Mas a imagem no interior é real e fervilha no tempo. Apesar de aparentemente não apresentar mudanças na composição por se tratar de uma paisagem urbana em plano geral, sentimos a sua realidade na profundidade do espaço. Esta contrariedade entre espaço fechado sobre o espaço real aberto atribui a este lugar uma sensação peculiar de abismo. Somos cativos da moldura centrípeta e lançados no seu centro cujo interior irradia centrifuguidade disparando vectores em todos os sentidos, dando à paisagem apresentada uma força absorvente extremamente atractiva, criando uma espécie de simulação de “obra de arte” através do artifício moldura na realidade. A zona de desorientação espacial, de que falava Bazin, é a sensação resultante do confronto entre as forças excêntricas da paisagem e as forças cêntricas impostas pelo enquadramento. Quando estamos perante uma moldura de um quadro, a

8. ARNHEIM, Rudolf — O poder do cinema, p. 19. 9. Idem, p. 80.

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própria moldura como objecto assume-se como um centro, resolvendo a questão entre o dentro e o fora. Mas perante a ausência de moldura, caso do ecrã cinematográfico, caímos no abismo da amplitude: o todo da realidade fílmica que nos é dado pelo movimento/tempo da imagem virtual. Segundo Derrida a moldura dá lugar à obra, completa-a, por um lado estabiliza-a e por outro despoleta movimento. O enquadramento ou a moldura é um parergon. Podemos considerar um parergon, aquilo que está para além da obra (o ergon): uma moldura, os panejamentos das esculturas que escondem os nus, as colunas decorativas nos edifícios, uma janela, um título e muitas outras formas explícitas ou não, tudo o que separa o dentro do fora. Não é interior nem exterior, é um suplemento que completa a obra, que a enquadra, fecha-a trazendo-lhe ao mesmo tempo a inquietação de um elemento exterior. O parergon perverte a relação da parte com o todo num jogo de forças em que a obra se entrelaça com a sua moldura. « Le parergon est une forme qui a pour détermination traditionnelle non pas de se détacher mais de disparaitre, de s’enfoncer, de s’effacer, de se fondre au moment où il déploie sa plus grand énergie. Le cadre n’est en aucun cas un fond comme peuvent l’être le milieu ou l’œuvre mais son épaisseur de marge n’est pas non plus une figure. Du moins est-ce une figure qui s’enlève d’elle-même. »10

Libertemo-nos deste parergon e entremos na Rua do Carmo: subindo a calçada num plano sequência, deparamo-nos com o elevador de Santa Justa enquadrado entre dois edifícios pombalinos, que nos transporta para a belle époque no fim do século XIX. Subindo o ângulo da câmara em contre-plongée observamos aquela estrutura metálica, podia ser em Vertigo de Hitchcock e alguém no gradeamento no Carmo, olhando para baixo. Cruzamo-nos com as coquettes de outras épocas ainda experimentando as luvas Ulisses. Numa panorâmica à direita, a Rua Garrett em plano geral com o movimento contínuo dos turistas subindo e descendo ao som dos tuk-tuk. Cortamos agora para a porta do café A Brasileira, num plano médio e fixo, frontal. À mesa com Fernando Pessoa, partilhamos a ilusão da imagem capturada, assistimos a cenas e narrativas cruzadas de cafés, casais desavindos, esperas impacientes, encontros e desencontros constantes, espectáculos de rua de várias etnias que rodeiam o Chiado, que tal como Pessoa restam numa memória fora de campo, impávidos neste novo enquadramento. Bazin pensa o cinema como uma extensão do real, partindo das capacidades do

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10. DERRIDA, Jacques — La verité en peinture, p. 73.


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médium e das necessidades da narrativa para a construção da arte, em oposição aos formalistas que utilizavam os efeitos da montagem de planos independentes (fisicamente e temporalmente) para iludir o cérebro através da capacidade de síntese. A manipulação da imagem cinematográfica consegue uma simulação da realidade muito próxima do olhar humano, sendo a escolha dos planos e dos movimentos de câmara determinantes nessa aproximação. Os planos sequência eram apreciados pela estética realista pois supostamente não “escondiam” nada cobrindo toda a ação sem “cortar” o plano, sem “truques” nem “manipulações visuais”. Bazin relaciona a imagem do cinema com o real, prolongando o ecrã muito além do parergon por um fora de campo, onde as personagens e narrativas continuam a existir. A invenção do cinema desencadeou muitas questões relacionadas com o tempo, o espaço e a realidade. Os pensadores que se debruçavam sobre estas questões depararam-se com uma tecnologia que, de certa forma, provava mecanicamente a existência do tempo, através da ilusão criada pela sucessão de imagens, neste caso 24 por segundo. O cinema permite iludir o espaço saltando de um lugar para outro sem transição temporal, manipulando a intuição do tempo com imagens reflectidas da realidade. Produz-se um falso tempo, se é que se pode provar a existência de um tempo verdadeiro e universal. Na linguagem cinematográfica, entre as montagens de narrativas paralelas ou de contrastes, como dos grandes planos para os planos gerais, o enquadramento determina o espaço explícito e sugere a envolvência do fora de campo visual ou psicológico, como força presente pela sua ausência. O fora de campo é um território espacial e psicológico vasto e indefinível, na medida em que se pode considerar o todo infinito da realidade. O fora de campo é determinante para atribuir significado àquilo que capta a nossa atenção. Agimos em função do nosso fora de campo. Deleuze parte da obra de Bergson para desenvolver a questão do enquadramento e do fora de campo no cinema, relacionando-a com a forma dinâmica de articulação de conjuntos seleccionados, num ecrã variável que se abre e fecha (aproxima ou afasta) segundo as necessidade dramatúrgicas do conteúdo do filme: “A divisibilidade da matéria significa que as partes entram em conjuntos variados que não param de se subdividir em subconjuntos ou de ser eles próprios o subconjunto de um conjunto mais vasto, até ao infinito. É por isso que a matéria se define simultaneamente pela tendência a constituir em sistemas fechados e pelo inacabamento dessa tendência. [...] este é o primeiro sentido do que foi chamado fora de campo: um conjunto ao ser enquadrado,

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logo visto, há sempre um conjunto maior, e que pode ser visto por sua vez, com a condição de suscitar um novo fora de campo, etc.” 11

Deleuze apresenta um estudo sobre o fora de campo considerando dois aspectos diferentes segundo o modo de enquadramento: um fora de campo que designa algo que existe ao lado ou em redor do enquadramento; e, um fora de campo que é mais inquietante e subsiste fora do espaço e do tempo, ambos ligados e em constante relação virtual com o todo. Das várias formas de fora de campo que podemos sintetizar, a menos interessante é sem dúvida o fora de campo visual técnico, na produção cinematográfica. Os actores quando saem de campo deixam de ser as personagens, passam da simulação da ficção para a realidade da rodagem. O confronto com a equipa técnica no fora de campo destrói qualquer continuidade na ficção. Mas esta imersão na realidade da rodagem de uma take de um plano não transparece no filme editado e projectado. Na projecção apenas temos acesso ao fora de campo que pertence à narrativa e à nossa subjectividade perante a obra, onde as personagens continuam ficcionalmente a existir. O som é uma evidência da presença do fora de campo sendo a sua relação com a imagem directa. Os sons produzidos fora de campo, que atravessam o quadro, prolongam o enquadramento além dos seus limites. Na vida real a capacidade auditiva permite reacções defensivas fundamentais à sobrevivência. O som indicia tudo o que não conseguimos ver, cobrindo o fora de campo visual na sua totalidade. As pinturas não têm som, cruzando-se as imagens com os sons ambientes por vezes intoleráveis por não estarem em harmonia com a imagem. Nesse caso procuramos o nosso silêncio interior como forma de anular a presença de um som não desejado, abstraindo-nos do exterior através da nossa concentração na imagem, deixamo-nos absorver no movimento centrípeto da pintura, desligados do mundo. Tal como a imagem real do cinema não é a realidade mas sim uma construção, o fora de campo existe além da imagem do quadro: completa, amplia e reconfigura a leitura e interpretação das imagens enquadradas. Muitos acontecimentos que não presenciamos como imagem, na construção da ficção cinematográfica, decorrem exclusivamente fora de campo nas narrativas e no som. Podemos concluir que na linguagem cinematográfica as imagens fora do campo visual, existentes apenas na narrativa e no som, são completadas com o material do nosso imaginário, o que lhes dá autenticidade, reconhecimento e originalidade, no sentido em

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11. DELEUZE, Gilles — A imagem-movimento, p. 31.


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que remete para a intersubjectividade da relação que se estabelece entre o Eu (e o nosso imaginário) e as imagens do/no mundo, das/nas coisas. Mas não será assim também na realidade? Actualmente, com o grande desenvolvimento técnico do vídeo e da imagem projectada, assistimos também ao romper do enquadramento tradicional do cinema nas instalações de vídeo que procuram criar ilusões com efeitos imersivos. Situações que reduzem o fora de campo a uma impossibilidade de definição, que deixam para segundo plano as narrativas tradicionais procurando apenas efeitos emocionais, presos por outros parergons, iludindo os nossos instintos primários de defesa, colocando-nos na ilusão de perigo nas nossas próprias cidades (o espaço real habitado e protegido), perante catástrofes, desmoronamentos, animais gigantes nunca vistos e muitas outras emoções despoletadas por imagens projectadas. Tudo isto sempre no paradigma da procura da verosimilhança na representação fantasiosa da realidade, o homem gosta de experienciar situações irreais, iludindo a realidade em que se encontra, desenvolvendo tecnologias sofisticadas para esse efeito. No paradigma da procura da representação da realidade, a linguagem técnica da imagem cinematográfica criou as suas regras e classificações para tipos de planos, ângulos situações, etc. O ponto de vista é o lugar da câmara convencionalmente escolhido na relação de correspondência da nossa visão com o mundo. Todos os planos funcionam em eixos ortogonais apenas desnivelando a linha de terra em situações subjectivas em que o ponto de vista (plano subjectivo) de alguma personagem o exige. Este desnível é estranhamente perturbador e desconfortável à nossa visão pois provoca um efeito de desequilíbrio pondo em causa a nossa verticalidade. Perante uma imagem desnivelada perdemos a leitura da normalidade e somos levados a sentir que nos colocaram numa posição estranha e artificial. O mesmo não se passa em relação aos ângulos verticais. O nosso corpo está preparado para olhar para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda, apenas procurando inclinar a cabeça na procura de uma melhor leitura, precisamente para corrigir a eventual falta de horizontalidade. Um enquadramento desnivelado incomoda do mesmo modo que um quadro (microcosmo pictórico) colocado torto na parede que pertence ao macrocosmo da realidade. Perante um quadro torto a nossa posição vertical de observador não é afectada, apenas a leitura do quadro fica danificada, enquanto que perante um plano desnivelado a nossa verticalidade é afectada. O ponto de vista da câmara é determinante e induz diferenças muito grandes na expressão do filme e no lugar do espectador. Através de diferentes posições da câmara altera-se a relação do espectador podendo o seu lugar situar-se mais perto,

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em pé, sentado, ou longe escondido, observando, ou mesmo no lugar de uma das personagens em campo. O ponto de vista da câmara é manipulador envolvendo ou distanciando o espectador com a obra. Deleuze defende que o ângulo escolhido (mesmo quando se trata de um ângulo estranho) deve ser justificado, pelo risco de se cair “num estetismo vazio” 12 Esta noção parte da análise do ponto de vista na linguagem cinematográfica em função da credibilidade e coerência da narrativa. Entende-se este princípio válido para a época em causa na linguagem cinematográfica, no entanto discutível na actualidade, visto hoje se procurar conteúdos emocionais e estéticos no que Deleuze chama “estetismo vazio ou não justificado”. Experimenta-se a imagem em movimento sobretudo em vídeo-arte, sem qualquer princípio narrativo ou lógica que a justifique, apoiando-se a criação em conceitos e formas diferentes e imprevistas de linguagem, tal como na pintura. A utilização de um ponto de vista sem justificação resulta num corte narrativo da linguagem que procura fluir na imitação da percepção natural da realidade e terá sempre a leitura de erro, ou, de outro modo, pode também resultar num efeito gratuito que revela a intenção do autor sobrevalorizar a imagem, uma cedência estética que se sobrepõe à acção. O que faz então com que alguns espaços ou enquadramentos no Chiado nos transportem para a ficção do cinema? “Tiramos fotografias da realidade que passa, e, como elas são características dessa realidade, basta-nos fazê-las desfilar ao longo de um devir abstracto, uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do conhecimento, para imitar o que há de característico nesse mesmo devir. Percepção, intelecção, e linguagem procedem geralmente assim. Quer se trate de pensar o devir, ou de exprimi-lo, ou mesmo de percebê-lo, não fazemos mais do que accionar uma espécie de cinematógrafo interior. Podemos resumir tudo isto dizendo que o mecanismo do nosso conhecimento usual é de natureza cinematográfica.”13

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12. DELEUZE, Gilles — A imagem-movimento, p. 29. 13. BERGSON, Henri — A evolução criadora, p. 271.


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Segundo um princípio prático da Arquitetura, “o espaço de modo nenhum é dado por si próprio. É criado por uma constelação particular de objectos naturais e feitos pelo homem. Na mente do criador, do utilizador ou do espectador, toda a constelação arquitectónica estabelece uma moldura espacial própria. Esta moldura deriva do esqueleto estrutural mais simples compatível com a situação física e psicológica.”14

O Chiado é o exemplo de uma zona da cidade muito antiga em constante reconfiguração, na qual diversas épocas vão deixando os seus traços. Um bairro constituído pelas suas zonas isoláveis, por sua vez divididas em ruas, praças, edifícios, recantos, pormenores, numa constelação de conjuntos interligados. Sendo um espaço construído na espontaneidade do tempo, a sua organização é oscilante, provocando leituras e imagens muito diferenciadas, dependentes do acaso do lugar do observador e da sua relação ou identificação com a vida da cidade. Estes contrastes convocam o observador para o envolvimento em situações descontínuas, como que saltando no tempo, mudando de lugar, ameaçando a noção de verticalidade e horizontalidade dos edifícios. A instabilidade da incoerência do traçado das ruas, consequente de uma cidade com história, traz-nos várias narrativas. A dinâmica imposta pelas sete colinas, que se apresentam em planos que acentuam a profundidade de campo, leva-nos a enquadramentos e planos gerais com diferentes níveis, em relação à linha do horizonte, pontos de vista cinematográficos por excelência. Sobretudo a luz própria desta cidade em constante mutação, consequente da reflexão da extensão brutal do rio e das tonalidades das construções arquitectónicas, que modela as formas em movimento. Estamos perante a linguagem cinematográfica: enquadramentos, planos, níveis, ângulos, luz, transportando-nos para locais e épocas diferentes numa descontinuidade intemporal. Andamos no Chiado como num filme.

14. ARNHEIM, Rudolf — A dinâmica da forma arquitectónica, p. 20.

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O Chiado e a technopoly.1 Imagens em movimento / panem et circenses JosĂŠ Quaresma

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É o ultimo poeta satírico de Roma e concentrou na sua boca o rancor, o sarcasmo, a mordacidade e a indignação como nenhum dos seus antecessores. […] Foi um autor muito citado e algumas das suas expressões tornaram-se lugares-comuns, como a célebre frase panem et circenses (pão e jogos de circo) […]. [in Dicionário de Literatura Latina. Maria Helena Ureña Prieto sobre o poeta satírico Juvenal]

The year is 1888. We are standing on a bridge in an industrial city in…not France or America, where the first public screenings of projected films took place, but in England. The city of Leeds. A man is filming there… his footage still exists. It was only ever shown in machines into which a single viewer looked, but predates the generally accepted birth of the movies in Paris in 1895 by seven years. [in Mark Cousins, The Story of Film]

URBAN SCREENS a project by Mirjam Struppek, Urban Media Research Berlin, investigates how the currently commercial use of outdoor screens and related infrastructure for digital moving images in urban space can be broadened with cultural content. It addresses cultural fields as digital media culture, urbanism, architecture and art. It wants to network and sensitise all engaged parties for the possibilities of using the digital infrastructure for contributing to a lively urban society, binding the screens more to the communal context of the space and therefore creating local identity and engagement. As well the careful integration in the urban environment needs to be adressed to prevent a visual overload. The current information technologies support the development of a new integrated digital layer of the city in a complex merge of material and immaterial space that redefine the function of this growing infrastructure of digital moving images. [http://www.urbanscreens.org/]

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1. Alusão ao título de Neil Postman, Technopoly. The Surrender of Culture to Technology, Nova Iorque, Vintage Books, 1992.


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So they will be partially themselves and partially Lincoln. [Krzysztof Wodiczko sobre o seu trabalho de imagem projectada num espaço urbano: Abraham Lincoln. War Veteran Projection, na Union Square, Nova Iorque, 2012]

Estas linhas apresentam-se simultaneamente como exultação e crítica das imagens em movimento na esfera pública. Por um lado, celebram as consequências artísticas e civilizacionais da festa ocorrida na Rua da Palma, mais precisamente no Real Coliseu, a 18 de Junho de 1896, com a observação de uma “maravilha” tecnológica, apenas seis meses após a apresentação do cinematógrafo em França pelos irmãos Lumière2. Celebra também a visão do fluricultor portuense que alargou o seu gosto por flores e plantas ao gosto pelas imagens estáticas (fotografia) e logo que foi possível, imagens em movimento, desde o momento em que encomendou um aparelho para filmar o fluxo da realidade, apresentando-o a 12 de Novembro de 1896, no Porto: “[…] portanto a menos de um ano de distância da primeira sessão pública com o «cinematógrafo Lumière», um português, Aurélio da Paz dos Reis, conhecido e estimado comerciante portuense e grande amador fotográfico, apresentava, por seu turno, no Teatro Príncipe Real, do Porto, os primeiros filmes portugueses. (…) O floricultor Paz dos Reis, que chegou a ter um comércio de vulto e relações com horticultores franceses e holandeses, era também um grande amador fotográfico. Deste gosto pela fotografia viria o seu entusiasmo pelas imagens animadas logo que delas tomou conhecimento. E daí ter procurado imediatamente adquirir uma máquina de filmar e projectar, que teria trazido de França com alguns filmes. Porque lhe chamou kinetógrafo português? Não se sabe.”3 Ainda no âmbito daquilo que se pretende rememorar com prazer, a participação na celebração das consequências para o Chiado e para a esfera pública do fenómeno das imagens em movimento, como foi o caso dos “Salões” de cinema.

2. “La collection d’appareils anciens de la Ville de Lyon acquise en 2003 comporte d’incontournables chefs d’œuvre techniques. Parmi eux, le Cinématographe dit “n°1”, celui qui projeta les dix premiers films le soir du 28 décembre 1895 au Grand Café à Paris devant 33 curieux qui devinrent les premiers spectateurs (…).” http://www.institut-lumiere.org/musee_index.html, consultado a 15 de Junho de 2014. 3. Alves Costa, Breve História do Cinema Português (1896-1962), Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, 1978, pp. 6-10.

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Desde o Salão do Chiado e o Salão Ideal (que ainda aí está, reaberto em 2014 sob a designação de Cinema Ideal, na Rua do Loreto, sobre o qual foi recentemente publicada uma obra da autoria de Maria do Carmo Piçarra), até ao Salão Wonderland no Teatro D. Amélia, actual Teatro São Luis. “Ao mesmo tempo, no Chiado, abriam o Salão S. Carlos (1907), na Rua Paiva de Andrade, nas proximidades do Teatro de Ópera, e o Salão Chiado (1907) na Rua Nova de Almada, que passa a ser referenciado como ‘O Animatógrafo’, seguindo-se o Salão Trindade (1909), na Rua Nova da Trindade (...), e o Salão The Wonderful (1911), no Jardim de Inverno do Teatro D. Amélia, rebaptizado Teatro da República. (...) Mas o primeiro Salão que aparece na cidade com alguma estabilidade é o Salão Ideal — o prolixo Salão do Loreto — a que várias vezes já nos referimos (...).”4 Porém, paralelamente aos Salões de Cinema, ainda sob o enquadramento daquilo que é proposto para o programa do Chiado deste ano (e tendo sempre no horizonte o impacto das imagens em movimento na esfera pública), não poderiamos deixar de referir a actualidade de algumas das suas tipologias, muitas destas instaláveis no espaço público concreto e urbano, com uma atenção particular ao problema da reciprocidade entre homens e ecrãs, entre transeuntes e redes urbanas de imagens em movimento, sejam estas captadas, emitidas ou projectadas, de formas secretas, discretas ou ostensivas: “Media screens — film screens, video screens, computer screen, and the like — pervade contemporary life, characterizing both work and leisure moments. If in earlier times our sense of self was constructed through language, discourse, or a print-based culture, the screenbased interfaces that define countless forms of communication between subjects have made us […] <<quite other than we were before>>.”5 Mas também os “media screens” sob a forma de videomapping, entre outras tipologias: “Can recent developments in video projection techniques aid us in finding new ways of expressing our creativity and creative audio-visual works on a new surface other than the screen? Videomapping is one of the newest video projection techniques that are used to turn almost any surface into a dynamic video display. (...) Lately a new trend of video mapping system is being used on architectural and historical structures, buildings and displayed in public spaces to reach a wider audience.”6

4. Margarida Acciaiuoli, Os Cinemas de Lisboa, Lisboa, Bizâncio, 2012, p. 49. 5. Kate Mondloch, Screens. Viewing Media Installation Art, University of Minnesota Press, Minnea-

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polis, 2010, loc. 97 de 3061. 6. Berna Ekim, A Video Projection Mapping Conceptual Design and Application: Yekpare, The Turkish Online Journal of Design, Art and Communication, TOJDAC, July, 2011, Vol. 1, Issue 1.


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Talvez seja desaconselhável lançar assim a seguinte história ligada ao Chiado, à Tecnologia, às Artes na Esfera Pública, e à Cidadania: ao mesmo tempo que preparávamos este texto, lá muito no meio de socalcos que ninguém determina ao certo como são irrigados e que funções executam, sonhámos com isto (assim nos surgiu agora, decorridas 7 ou 8 horas após a bela ocorrência): Algures na cidade, na esplanada de um jardim, folheávamos o jornal Público, um dos diários que estética e tecnologicamente melhor se adaptaram ao espaço virtual. No meio da composição analógica de caixas de texto e imagens, rapidamente mas de forma multifaseada, eclodem para nossa enorme gratificação visual e háptica (em belos scrollings), imagens fugidías e virtuais sobre um papel tornado ecrã, exactamente como uma vez lemos no próprio Público sobre uma investigação em “tecnologia transparente” que viria a ser realidade a partir das experiências laboratoriais da equipa de Elvira Fortunato (Cenimat, Universidade Nova de Lisboa), que transforma fibras de celulóide em condutores de informação electrónica e espantosos nanotransístores de “papel”.7 A acrescentar a tudo isto (e certamente muitas outras motivações que a anamnese e o divã nos devolveriam) deve ser dito que no dia anterior tinhamos feito diversas consultas da versão analógica do jornal e que a propósito de diversos temas fomos confortavelmente reenviados para ciber-recantos com arquivos fluidos de fotografias e videos.

7. Para obter uma impressão da investigação em curso há vários anos: Fortunato, E.; Correia, N.; Barquinha, P.; Pereira, L.; Goncalves, G.; Martins, R., “High-performance flexible hybrid field-effect transistors based on cellulose fiber paper”, Ieee Electron Device Letters, 2008, 29 (9), 988-990. Fortunato, E.; Barros, R.; Barquinha, P.; Figueiredo, V.; Park, S. H. K.; Hwang, C. S.; Martins, R., “Transparent p-type SnOx thin film transistors produced by reactive rf magnetron sputtering followed by low temperature annealing”, in Applied Physics Letters, 2010, 97 (5). Fortunato, E.; Martins, R., “Where science fiction meets reality? With oxide semiconductors!” in Physica Status Solidi-Rapid Research Letters, 2011, 5 (9), 336-339. Confrontar ainda outra investigação coordenada por Elvira Fortunato: “Imagine que o vidro da sua banheira, o pára-brisas do seu automóvel ou a folha transparente de acetato que usa regularmente são ecrãs. Não estamos a falar de sítios onde se projectam imagens, mas verdadeiros ecrãs que, uma vez desligados da corrente eléctrica, mantêm as propriedades de transparência a que está habituado. Por mais que olhe para os vidros não vê fios, nem percebe como é possível que eles acendam com o simples ligar e desligar de um botão. A tecnologia por trás destes ecrãs chama-se electrónica transparente e, apesar de estarmos a falar dela com se de um sonho se tratasse, há uma equipa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa que acabou de assinar um contrato com a Samsung para desenvolver estes novos dispositivos.” António Granado, “Tecnologia que permite produzir ecrãs transparentes está a ser desenvolvida em Portugal”, in Público, 15/04/2006. http://publico.pt/sida/noticia/tecnologia-que-permite-produzir-ecras-transparentes-esta-a-ser-desenvolvida-em-portugal-1254131. Site visitado em 31 de Março de 2015.

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Numa palavra, fomos manteados entre os mundos que nos esforçamos a toda a hora por harmonizar: uma pegada analógica, uma mão ciber-háptica, um olhar ultra-dilatado para o qual não chegam mil Pontys. A que propósito vem esta narrativa inicial?! Certamente do prazer em relacionar, com relativa liberdade de intersecção, os tempos heterogéneos da esfera natural e da esfera digital, a vida incarnada com a vida “screenizada” (mesmo decorridos 20 anos não podemos deixar de fazer referência a Sherry Turkle, autora americana que antecipou muitas questões relacionadas com a nossa identidade, corpo, intersubjectividade, entre outras, com os quais continuamos a debater-nos a propósito da complementaridade de dois ambientes radicalmente distintos, Life on the Screen. Identity in the Age of the Internet, e que ainda em 2011 nos voltou a interpelar com Alone Together. Why we Expect more from Technology and Less from Each Others). Mas aquela narrativa inicial sobre a fusão entre ecrãs reais e ecrãs oníricos também se atribui ao desprazer e à perplexidade que sentimos aquando da concepção antecipada de uma “fitaça” urbana de enorme constrangimento subjectivo e plural, a saber: a nossa integração num espaço real e denso de construção (o que passou a ser “absolutamente” normal, com mais ou menos polémicas urbanísticas, arquitectónicas e paisagísticas), mas agora duplamente imersos (uma expressão que muitas vezes é eufemismo para a condição de esmagados) numa outra densidade, supostamente mais fluída do ponto de vista material, que é a realidade ubíqua e screenológica8 em interacção com transeuntes em movimento. Não nos referimos simplesmente a algo que a partir de determinados hábitos quotidianos de selecção de alvos visuais se possa designar de cultura screenológica, tal como surge descrita em Pervasive Advertising, “Adscreens are increasingly common in a range of public spaces, specially in typical urban nodes (e.g. bars, restaurants, fitness or music clubs, etc.), and have been accepted by both media buyers and users. For media buyers, adscreens are complementary media because they are close to buying decision points (the ‘recency’ argument) and thus can leverage situations harboring strong latent viewer attention, e.g. queues (the ‘captive audiences’ argument) as well as reinforce messages from media (the ‘crossmedia’ argument). […] Users, on the other hand, have become familiar with traditional ways of experiencing advertising as part of their daily

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8. O conceito de Screenology foi desenvolvido por Erkki Huhtamo e está tematizado no texto: “Elements of Screenology: Toward an Archaeology of the Screen,” ICONICS: International Studies of the Modern Image (Tokyo), Vol. 7 (2004), 31-82.


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out-of-home experience and are adept at either filtering it out or enjoying its entertainment value.”9 Ou então, por Chris Berry no seu contributo para a obra da qual também é co-coordenador, Public Space, Media Space: “But, over the last decade and more, electronic moving image screens of various sizes and types have moved out to proliferate across the public spaces of the world’s cities. From the huge LED screens that cover whole sides of office towers and shopping malls to ATM screens and information screens in the lobbies and entrance halls of stations, banks and other publicly accessible buildings, they have become commonplace.”10 Aquele sonho, uma vez reproduzido e colocado em relação com uma realidade screenológica futura vai muito para além das instâncias de consumo e ricochete tecnológico que Jörg Müller e Chris Berry referem. Até aqui, isto é, até este estado de coisas da tecnologia, temos faculdades espirituais de tolerância e humanas de adaptação (alguns mais, outros menos) suficientemente desenvolvidas para escaparmos ao embotamento da nossa sensibilidade sinestésica, assim como salvaguardar da erosão um conjunto sólido de expectativas interpessoais. No fundo, uma “public screen culture” perfeitamente ao alcance de um transeunte razoavelmente preparado, com um pé no mundo digital e outro no mundo analógico, ainda tocado por aquele optimismo que se desprende da especulação urbana de Simmel, em 1903 (Die Grosstäte und das Geistesleben)11, que fez o pensador alemão conceber as grandes cidades, nomeadamente a de Berlim, como um espaço de modernidade desejada e uma comunicação simultaneamente impessoal e funcional, plena de heterogeneidade social e cultural, intensa na multiplicidade de impressões e movimentos, ultra benéfica para quem lhe é exterior, não constituindo, assim, nenhum risco para o homem o impacto destes excessos e desta impessoalidade, na medida em que a cidade arranca em nós uma qualidade urbana que funciona como “[…] um preservador da visa espiritual contra a violência da grande cidade”,12 pois, de outro modo “[…] o indivíduo despedaçar-se-ia interiormente se reagisse aos múltiplos contactos que decorrem na grande cidade como o faria num espaço mais restrito onde todos se conhecem. Na sua maior

9. Jörg Müller; Florian Alt; Daniel Michelis (eds), Pervasive Advertising, Londres, Springer, 2011, p. 37. 10. Chris Berry, “Shanghai’s Public Screen Culture: Local and Coeval”, in Public Space, Media Culture, Chris Berry; Janet Harbord; Rachel O. Moore (edts) Nova Iorque, Palgrave McMillan, 2013, p. 25. 11. Georg Simmel, “Die Grosstäte und das Geistesleben”, in Das Individuum und die Freiheit, Francoforte, Fischer, 1993. 12. Simmel citado por Daniel Innerarity, El Nuevo Espacio Público, tr. port. Manuel Ruas, O Novo Espaço Público, Lisboa, Teorema, 2010, p. 116.

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parte, as normas da grande cidade servem para a manutenção da distância: não ter de cumprimentar, não se intrometer numa conversa, não ter de prestar muita atenção são coisas que tornam suportável a proximidade espacial. […] Um dos grandes contributos de Simmel consistiu precisamente em mostrar que o que a crítica conservadora entendia como anonimato, alienação, desinteresse e decadência era um pressuposto do desenvolvimento individual: chamou-lhe Blassierkeit, uma atitude de desinteresse, indiferença e insensibilidade dos sentidos perante a continua estimulação que a cidade e os seus habitantes exercem sobre eles.”13 Ora, há 112 anos, quando Simmel defendeu esta possibilidade de indiferença urbana pela positiva, o mundo era outro. O conceito de grande cidade era outro; não tinhamos globalização auto-regulada e perigosa erosão das diferenças pessoais e comunitárias; não tinhamos tecnologia electrónica; não tinhamos partilha desavisada e “bisbilhotice” das redes sociais; também não tinhamos sobre as nossas cabeças o céu repleto de satélites a trabalhar connosco dentro e fora de casa, fazendo jus ao que Marshall McLuhan afirmava há cinquenta anos sobre a possibilidade do planeta Terra poder vir a transformar-se numa mega obra de arte, talvez neo-órfica diriamos nós e o casal Delaunay, juncadíssima de satélites em seu redor uma vez observada de outro cantinho qualquer do firmamento! Sucede que esta interacção assente num pressuposto maquínico e sedutor, tem assumido (e tudo indica que venha a assumir ainda mais) muito traços que se sobrepõem ao nosso instinto (o dionisíaco, o apolíneo, ou outro) e à extrema delicadeza da nossa vida intersubjectiva. “Technology proposes itself as the architect of our intimacies. These days, it suggests substitutions that put the real on the run. […] Technology is seductive when want is offers meets our human vulnerabilities. And as it turns out, we are very vulnerable indeed. We are lonely but fearful of intimacy. Digital connections and the sociable robot may offer the illusion of companionship without the demands of friendship. Our networked life allows us to hide from each other, even as we are tethered to each other. We’d rather text than talk.” 14

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13. Daniel Innerarity, ibidem. 14. Sherry Turkle, Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other, loc.

255 de 7517, Nova Iorque, Basic Books, 2011.


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As vulnerabilidades identificadas por Sherry Turkle deixam bastantes intervalos para a atomização intersubjectiva, abrindo por este motivo o caminho a diversas e indesejadas formas de “colonização” tecnológica (umas manipuladas, outras não), sulcando perigosamente o “mundo da vida” e provocando uma crise nos horizontes comuns da experiência humana, como a propósito de outros temas igualmente centrais para a intersubjectividade foi afirmado há quase um século por Edmund Husserl. Como é bom de ver, e sem querer tornar maniqueísta a nossa aproximação ao tema, os espaços entre as pessoas podem ser vivos e ricos de mediações críticas, ou cinzentos, frouxos, artificiais e remotamente burilados, sem lugar para o desejo da emancipação humana e indeterminação da liberdade criativa. Ou seja, só por intermédio desses espaços e a partir desses espaços se reinventa a política (obviamente, no sentido lato da expressão), se engendram coisas com as artes, se participa na esfera pública. “Ao evocar uma terceira figura das políticas da arte não quis propor um modelo de arte emancipada ou emancipadora. Teríamos muita dificuldade em fornecer hoje um ‘bom’ modelo de política da emancipação ou de arte da emancipação. Podemos, no entanto, identificar uma arte que trabalha no cruzamento das temporalidades e dos mundos de experiência, no próprio cruzamento do possível e do impossível, refutando o que nos dizem ser o império monótono do espectáculo.”15 Regressaremos à questão do “cruzamento das temporalidades e dos mundos”, mas também da densidade screenológica e da exposição excessiva ao stress interactivo. Hoje, ou melhor, desde os anos 60/70 do século XX, sabemos como a vida privada e familiar, aquela que supomos mais íntima e queremos libertar dos excessos screenológicos externos (pois, atendendo ao fluxo tecnológico interior-exterior, dos excessos “lá de casa” temos também a árdua tarefa de aprender continuamente a domesticar), ou seja, aquela vida privada e familiar que resta preservar das interferências screenológicas comerciais, informativas, ideológicas, ou outras, no fundo as interferências que assumem um carácter de usurpação tóxica, está muito polvilhada de screens (pequenos, médios e grandes), eboards e outros dispositivos nos quais se espalham muitas “cabeleiras” de informação lúdica, informativa, laboral, outras. Sendo assim, como a quantidade de informação doméstica real/virtual transpõe incessantemente os limites físicos do abrigo privado, saimos de casa já com

15. Jacques Rancière, “O tempo da emancipação já passou?”, in A República por vir. Arte, Política e Pensamento para o Séc. XXI, Coordenação editorial de Leonor Nazaré, Lisboa, FCG, 2011, p.100.

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os “devices” em riste, observando a realidade envolvente através de múltiplas próteses, resolvendo situações da vida com a atenção inteiramente dirigida a um smartphone ou a um tablet, sendo que os intervalos desta actividade diária e destemperada são manifestamente insuficientes para olhar os outros de cabeça nua (sem phones, sem devices, sem máscaras de desatenção). Ora se assim é, e todos os dias o olhar empírico nos comprova sociológica e antropologicamente o mesmo, não é de estranhar que o tempo disponível para sair da nossa cintura pessoal de “devices” (com a instrumentália do costume) seja um tempo já em défice, com muito pouco de “aqui estou”, uma coisa verdadeiramente matinal como seria desejável entre pessoas numa urbe pós-Simmel. E, justamente por isso, sem praticamente nenhum esforço de programação, de forma automática e sem pedir licença, a screenologia externa vai arranchar-se aí, naquilo que Sherry Turkle designava de “vulnerabilidades” hodiernas derivadas do excesso de exposição àquela. As trocas em ambientes imersivos (internos e externos) assim como a interpenetração dos ecrãs e dos respectivos conteúdos (mesmo que os conteúdos sejam os próprio media) conduz-nos docilmente para os “verdes prados” dos Salmos modernos (de extâse fraco em humanidade, mas forte em impressões e toxicidade), dos flancos totalmente oferecidos à devassidão screenológica. Não é necessário meditar muito para chegarmos à constatação de que a tecnologia é como um fármaco: o excesso aniquila mas a dose certa robustece e devolve-nos frescos à vida. Todos temos a profunda percepção de que existe um limite da nossa sensibilidade a partir do qual ela deixa de ser pura, deixa de escutar os zumbidos raros que trazem sinais do “tudo” e do “nada”, do que se deseja sem imposição externa. Se repito muito a minha exposição a uma coisa, que ainda por cima é coisa multiplicada e multiforme, essa exposição dá-me automatismo mas retira-me autonomia. Permitam-nos uma alusão aos Tempos Modernos (e que Modernos!) de Chaplin. Num ambiente de indústria pesada, à semelhança de muitos outros, todo o santo dia, um homem é visto sempre no mesmo lugar e em grande stress para acompanhar uma manga eléctrica que corre à sua frente com os respectivos objectos de atenção e trabalho. Os gestos são contínuos, tensos e repetitivos, como que ao ritmo da montagem frame a frame do próprio filme, sobrepondo o ambiente febril da montagem da fábrica à montagem cinematográfica: aparafusa e desaparafusa, aparafusa, desaparafusa, aparafusa, desaparafusa, aparaf… Como faz isto e muito mais coisas parecidas naquele ambiente laboral (entre outros actos maquínicos, recordemos como se sentou num cadeirão tecnologicamente preparado para tudo o que requer o acto de almoçar, não necessitando de mexer um dedinho para se alimentar, mas tendo sido esmagadíssimo em toda a


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dentuça quando os sincronismos da máquina — cremalheiras que activam o prato da sopa, as outras comidas, os copos, os guardanapos, etc. — avariaram!), como diziamos, como é tudo maquínico e repetitivo, ao crepúsculo, ao tocar a buzina para desferrar da fábrica, sai para o ar livre e vai pela rua fora a aparafusar narizes de pessoas, presumindo-se a partir dessas imagens, aparafusando e desaparfusando tudo o que o mundo contém. Regressemos ao tema central, isto é, ao excesso screenológico: a nossa preocupação não é a indução screenológica ao consumo generalizado, à criação de apetites desnecessários, à instrumentalização política, ideológica, outras. Também não é apenas a usurpação de um território que se pretende participado por muitos nas deliberações sobre o que erguer e inserir na paisagem urbana. É, outrossim, mais fundo ainda, é essa coisa invasiva e repetida até à substituição da nossa vontade mais inexpugnável (incluindo todas as zonas sensíveis involuntárias) que é respirar tecnologia. Ou seja, deslocar-me só um pouco daqui para ali e logo com projecções e emissões de imagens com todos os estatutos ontológicos que possamos conceber (blocos noticiosos, excrescências artísticas de carácter tecno-decorativo em recantos onde não queriamos ver nada, muito menos um ciber-recanto, representações artísticas figurativas da realidade, etc. etc. etc.) Sabemos que, entre outras prestações subjectivas, o homo aestheticus também é bulímico. É-o no sentido malevitchiano de que tudo vem à nossa sensibilidade e opera incessantemente a partir de um nada purificador, justamente esse nada em que consistem os objectos (um mundo sem objectos como sabemos que Malévitch propos há precisamente 100 anos). Esse homem malevitchiano é um projecto estético-antropológico nunca totalmente verificável, mas que sentimos como sempre presente e bem calado lá no fundo da nossa identidade plural e heteronímica (por isso mesmo, em graus diversos de adesão, somos sensíveis ao projecto suprematista de regresso ao “Zero das Formas”, e aos “desertos” imagéticos e perceptivos nos quais a “Sensibilidade” se faz continuamente “Pura”; por isso mesmo nos inclinamos para escutar a Poesia Toda de Herberto Helder, ou entender a cissiparidade pessoana. Ora, sendo nós também um corpo que tem esta finura e exigência estética “transcendental”, queremos dizer, extra-quotidiana, não podemos começar a falar já dos excessos de exposição às camadas de visibilidade feitas de dispositivos tecnológicos arquitectonicamente encastrados, uns salientes, outros discretos, assim como uma entrega acrítica e impotente às imagens em movimentos? (Pois, lá chegaremos ao momento em que as imagens em movimento não apresentarão uma regulação como hoje se verifica, e então, estaremos expostos a movimentos e contra-movimentos de imagens nos sentidos mais inesperados).

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Certos homens, certas mulheres singularizam-se — no exercício da arte, do pensamento, da história ou da política — ao fazer dos rostos, das multiplicidades, das diferenças e dos intervalos o seu próprio cuidado de humanitas. Situam-se a si próprios na diferença ou no intervalo, ao mesmo tempo que ‘entram em conflito com o mundo da vida pública’, quando esta se organiza com base na inhumanitas de uma verdade única. É neste ponto do discurso de Arendt que adquire todo o seu sentido o elogio de Lessing, escritor, dramaturgo e pensador, cujo ‘recuo para fora do mundo ainda [foi] útil ao mundo’; ele, cuja atitude ‘radicalmente crítica’, ou mesmo revolucionária, articulava poesia e acção num mesmo e obstinado afrontamento de todos os preconceitos.16

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16. Georges Didi-Huberman, “Coisa pública, Coisa dos povos, Coisa plural”, in A República por vir, op. cit., p. 57.


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As cores da «Cidade Branca» — Lisboa no ecrã (olhares do cinema estrangeiro sobre a cidade de Lisboa) Fernando Rosa Dias

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«Estou só no Mundo. Ver é estar distante. Ver claro é parar. Analisar é ser estrangeiro» (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, parte 83)

Este ensaio propõe-se a apresentar vários aspectos com que Lisboa foi vista através do cinema estrangeiro. A distância de um olhar exterior, e nesse sentido estranho, é aqui explorado como processo poético e hermenêutico de um olhar sobre a cidade através da linguagem cinematográfica, onde a cor, a luz, os enquadramentos, os sons, os motivos, etc. ajudam a definir distintas representações que surgem como revelações de diferentes carismas de cidade e, em parte, de uma sua mitificação. Lisboa não será vista aqui como mero palco ou lugar referido numa narrativa cinematográfica, mas como personagem fulcral através de significativos exemplos cinematográficos. Recentemente confrontado sobre a possibilidade de fazer um filme em e sobre Lisboa, o famoso realizador e actor Woody Allen destacou os dois motes dominantes do olhar internacional sobre a Lisboa, mitos que se inscreveram durante a segunda Guerra: espiões e romance1. Vista assim, Lisboa era palco de encontros de personagens remotas, estranhas a si e ao seu lugar, mas que nele teriam encontros circunstanciais sob o domínio de uma clandestinidade que a cidade constantemente perdoava. Lisboa era vista de fora como um lugar de passagem, portanto, de transições e transações para algo melhor. Neste sentido, não nos interessam filmes que utilizaram Lisboa como mero cenário, como os casos de Sans Espoir de Retour / Streets of No Return (1989) de Samuel Fuller ou The House of the Spirits (1993) de Bill August. Embora filmados nela, e aproveitando as suas características físicas, não são sobre e com a cidade. Por outro lado, também não é o documentário que nos interessa, mas apenas a ficção cinematográfica e como esta captou, imaginou e mitificou Lisboa.

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1. «Acho que Lisboa tinha que ser um filme romântico. Porque Lisboa é romance ou espiões. Quando pensamos em Lisboa pensamos logo em espiões. Lisboa era aquele lugar na segunda Guerra Mundial, para onde os espiões iam». Woody Allen, 2012, consulta: http://www.lux.iol.pt/ internacionais/woody-allen-admite-filme-com-espioes-em-lisboa--woody-allen-woody-allen-lisboa/1376465-4997.html.


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Cena 1 — O Paraíso dos Espiões e dos Amantes Para essa mitificação de Lisboa foi determinantes o famoso filme Casablanca (1942) de Michael Curtiz, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Logo no início do filme Lisboa é referida, mesmo que apenas como um ponto geográfico, como lugar de fugas e contrabandos durante a 2ª Guerra, através da ponte aérea Casablanca-Lisboa. Não é visível como cidade, mas coloca-se no mapa2, em todos os sentidos, para o cinema internacional. É nestas passagens, entre amores transviados e fundos de contrabandos e espionagem, que momentos fugazes de salvação se sucediam. Lisboa era já o cais separado da Guerra que assolava a Europa, um cais virado para a travessia Atlântica. É natural que o filme de Henry Hathaway sobre a espionagem internacional durante a segunda Guerra (The House on 92nd Street, 1945) tenha uma cena em Lisboa, mera transação que o mito da cidade dos espiões à época obrigava, que sentimos forçada na narrativa, mas obrigatória na construção que da cidade se fizera. Para referir filmes em que Lisboa se revela local de suporte da narrativa, e ainda no interior da mesma definição mítica, o primeiro caso a apontar é One Night In Lisbon (1941) de Edward H. Griffith, que tem a curiosidade de ser uma produção americana numa altura em que os Estados Unidos ainda não tinham entrado na Guerra. Lisboa seria aqui um mero local de passagem para uma intriga de espionagem de fundo que serve de entrelaçamento narrativo a uma história amorosa. A própria cidade reconstitui-se em cenário artificial não sendo filmada directamente para nenhuma sequência do filme. Sendo contemporâneo da 2ª Guerra, o filme desloca a Guerra real que se torna mera metáfora para uma comédia, em que a (ainda) neutralidade dos Estados Unidos (na personagem central do texano Dwight) faz simetria com a de Portugal (nessa noite passada em Lisboa) — embora o texano passe pela Guerra divertindo-se para além dela; e Lisboa não queira saber da Guerra enquanto a tem dentro de si através dos jogos de espiões, tornados farsa cómica. Deste modo facilita-se a deslocação da rivalidade das frentes de Guerra para um conflito de alcova entre aliados no desejo de uma mesma mulher: Madeleine Carroll/Steve (Leonora Penycoste), é prometida ao comandante britânico Peter (John Loder) e desejada pelo texano Dwight Houston (Fred MacMurray). A luta sem tréguas resvala para o desejo de uma mulher, e tudo parece valer para isso tal como na guerra3.

2. Angélica García-Manso, «Lisboa. A cidade que nunca existiu», in Ciudades de Cine (coord.: Francisco García Gómez; Gonçalo M. Pavés), Madrid: Ediciones Cátedra, 2014, p.159. 3. Cf. Manuel Cintra Ferreira, ficha da cinemateca «One Night in Lisbon (1941)», 1 Outubro 1994.

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A Guerra torna-se assim um pano de fundo da narrativa de sedução. Mesmo nas cenas de Londres, a Guerra apenas se oferece através do barulho de fundo das bombas ou da máscara de gaz com que Madeleine brinca, enquanto as personagens parecem não quererem deixar que isso afecte o seu quotidiano. O luxo dos ambientes, saídos ainda da elegância da arte déco, é dominante. O filme começa com um bombardeamento, mas este é imediatamente transformado na primeira cena de sedução que abre toda a narrativa. O acaso da guerra, leva o texano Dwight Houston a um abrigo de 20 pessoas onde está apenas Madeleine. Sentindo nisso uma predestinação, Dwight inicia um processo de atracção, usando para tal a sua flauta imitadora de patos, simulando sons de sedução de macho e de fêmea. Encurralada e perante as investidas, a personagem feminina (Madeleine) procura vãmente desviar-se [«Por favor, eu não quero ser romântica, Mr. Houston» (Madeleine, do filme)]. É também sobre o bombardeamento, no caso o mais agressivo do filme, que Dwight comunica a Madeleine que no dia seguinte vão partir para «Lisbon… Portugal». De Portugal é dito, ainda em Londres, que «estão sempre a fazer vinho e as mulheres fazem o trabalho todo» e que tem demasiado sol (diz Florence, a criada de Madeleine4). Mas também que é um local em paz, com o «céu brilhante, o mar azul e grandes castelos» talhados como jóias (diz Dwight5, no que é já estratégia de mediação para impelir Madeleine para os Estados Unidos, então outro lugar de paz). Lisboa é nesse sentido o cais do não regresso a Londres: «Vá para Lisboa com o seu amor com a minha bênção», diz Lord Fitzleigh (Edmund Gwenn), ministro da Guerra, a Madeleine, sua motorista particular voluntária. Chegamos a Lisboa a 2/3 do filme, abrindo com uma perspectiva dos portos e do Rossio (filmada de modo avulso e sem actores). Segue-se um olhar das personagens, supostamente panorâmicas sobre Lisboa, mas sem contraplano, seguindo-se a partir de então apenas cenas de interior. Aí desenrola-se um jogo amoroso rodeado de intriga de espionagem, que espreitam pelo buraco da fechadura, que desviam telefonemas da embaixada para espiões alemães, da passagem secreta da cabine telefónica, até à carta secreta que se revela afinal como um conselho amoroso de Sir Fitzleigh. A carta afirmava: «Of all forms of caution, caution in love is the most fatal», numa alusão ao apoio dos Estados Unidos na Guerra que

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4. Leonora: «What Portugal is like?». Florence: «All about making wine and women doing all the work. It must be very beautiful. I heard it is a very unmodern place. Sunshine is a great deal. I should not like that» (original em ingles, do filme). 5. Dwight: «Portugal is a country still at peace with people having fun and still laughing. Bright sun and blue sea. Great castles made of tiles looking like jewels» ((original em ingles, do filme).


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afinal toda a relação do casal aponta. A trama amorosa transforma-se em sinais equivocados para os espiões alemães. Lisboa é apenas uma sucessão de cenas de interiores, de encontros em quartos de hotel e restaurantes de luxo, nunca se vislumbrando (muito menos reconhecendo) a cidade, nem no décor nem nas vistas insinuadas das janelas. Um mau português e uma má imitação de fado (ou canção portuguesa) cantado por Antoinette Valdez, completam essa artificialidade. De Lisboa temos apenas esses dois planos exteriores iniciais em vista aérea — e uma carroça tipicamente madeirense, em absurda mistura de costumes pitorescos. Todo o resto é estúdio, no jogo de sombras de hotéis, caves com adegas e passagens secretas. Mas, embora sem se interessar em filmar a cidade, o filme contribui simultaneamente para o mito da cidade de espiões e de romance. O filme termina com um beijo em Lisboa onde o casal fica, numa varanda sem qualquer panorâmica. Lisboa fez parte da narrativa mas nunca existiu ao longo das filmagens, nem nunca foi palco real de qualquer acção dos actores. Se o amor entre Madeleine e Dwight apenas serviu para os serviços secretos britânicos localizarem e apanharem uma rede de espionagem nazi, a verdade é que o romance é a intriga principal. Que isso se desenrole quase sem a consciência das personagens principais, meras peças do jogo da Guerra real, e com todo o filme a inverter a ordem das importâncias ao se centrar nos destinos dessas personagens, diz da diferença que o filme estabelece: a Guerra real era questão britânica, e ainda não americana (embora com claras simpatias inglesas), nem dessa cidade de Lisboa (que se apresenta com sombrias influências alemãs). Entende-se que o filme não foi distribuído em Portugal porque ameaçava a neutralidade assumida, sobretudo o modo como apresenta os espiões alemães a influenciar a polícia portuguesa na chegada de estrangeiros e a organização no país das suas redes, dominando lugares e passagens sombrias, como a indicada passagem secreta da cabine telefónica do hotel para a cave da adega — e esse seria o olhar que se mitificava sobre Lisboa. O filme que ajudou a criar a imagem mítica da Lisboa de espionagem e romance, foi também o que não viu a cidade e que a cidade não viu. O mesmo estratagema surgiu com o ambiente em cenário da Lisboa apresentada em The Conspirators (1944) de Jean Negulesco, artificialidade que as inscrições em português não conseguem disfarçar. Outras breves passagens também não nos permitem encontrar Lisboa como personagem. É o caso de International Lady (Uma Mulher Internacional) (1941) de Tim Whelan, em que Lisboa é uma breve passagem entre Londres, os Estados Unidos e o Canadá, apenas valorizado como esse lugar de transição para a

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salvação, ou With a Song in my Heart (1952) de Walter Lang, em que apenas temos uma visão panorâmica de uma Lisboa estranhamente tempestuosa, que faz despenhar-se no Tejo o avião onde viajava a protagonista (a cantora Jane Froman, por Susan Hayward) de passagem para Londres durante a Guerra, sendo todas as cenas em Lisboa no interior de um hospital refeito em estúdio. Também em Journey for Margaret (Refugiados) (1942) de W. S. Van Dyke, Lisboa é várias vezes referida, e narrativamente passa-se nela como lugar de transição e salvação, mas nunca é enquadrada cinematograficamente, sendo uma espécie de topos ausente. A acção desenrola-se em Londres com cena final da chegada ao cais do verdadeiro destino da salvação que é Nova Iorque; de Lisboa, como cais da mediação, nada se apresenta. Como cais de passagem, Lisboa fica em elipse, fora de cena e sem acção, uma ausência real apenas indirectamente evocada. Lisboa é nestes filmes apenas uma pura heterotopia, segundo a noção de Foucault6, um aeroporto ou um cais de passagem. E foi com base nesta terra de ninguém que a matriz da produção americana criou então parte do imaginário cinematográfico sobre Lisboa. Storm Over Lisbon (1944) de George Sherman, com Vera Ralston (no papel de Maritza Mazarek) e o carismático Erich von Stroheim (no de Deresco, nome de origem romena) nos principais papéis, seria das maiores contribuições para a mitificação de Lisboa como lugar de espiões e contrabandos durante a 2º Grande Guerra. Tudo se desenrola em torno de Deresco, o dono de um cabaret lisboeta situado numa torre-prisão7, que tenta adquirir informações secretas com o sentido de as vender aos Japoneses, e Maritza (Vera Ralston) que pretende ao longo do filme fazer a passagem, para estoicamente desistir no fim, ficando para ajudar os aliados através da espionagem.

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6. Michel Foucault, «Des espaces autres» , in Dits et Écrits, Paris: Éditions Gallimard Foucault, 1994, vol. IV, pp.752-762. 7. «A inspiração para a cenografia da torre do Deresco’s terá sido obtida a partir de outro documentário da série The March of Time hoje disponível no arquivo da HBO e provavelmente da interpretação livre a partir de postais ilustrados da Torre de São da Casa O’Neil (ou de Santa Marta) e do farol de Santa Marta em Cascais e mesmo da Torre de Belém. Do alto da torre, Deresco explica ao espião Alexis Vandelyn antes de considerar matá-lo e lançá-lo ao rio Tejo, que dali é possível apreciar “one of the most exciting views of the world”». João Mascarenhas Mateus, «Uma cidade de Espionagem Internacional. Lisboa segundo Hollywood», consulta: http://www.metakinema.es/metakineman7s4a2_Joao_Mascarenhas_Mateus_Lisbon_International_Intrigue_Hollywood.html#


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Na última cena do filme, Maritza recusa a oferta para permanecer na Europa ao serviço da contraespionagem e desaparece lentamente ao som de uma música melancólica de cavaquinhos, em jeito de fado8.

A mitificação de Lisboa como paraíso dos espiões, estende-se à frente nipónica da guerra norte-americana, tornando o enredo (tal como em One Night in Lisbon) completamente contemporâneo à história real coeva. Por outro lado, o filme parece prolongar vários aspectos de Casablanca que tinha tido enorme sucesso pouco tempo antes: Na verdade, Storm over Lisbon, aparece como uma continuação de Casablanca, porque o espectador é levado finalmente à cidade à qual a maioria dos refugiados de Casablanca desejam chegar. Uma cidade que é de novo um ninho de várias proles de espiões aliados e do Eixo, estabelecidos no entanto de forma menos improvisada. O bar Rick’s de Rick Blaine.(Humphrey Bogart) é substituído pelo casino de Deresco’s de Deresco (Eric von Stroheim), um escroque que vende pelo melhor preço informações de qualquer espécie que interesse a qualquer serviço secreto. Em Casablanca o herói é o dono de um “night club”. Em Lisboa, o casino pertence ao vilão9.

Na sombra da noite, o cabaret esconde outra sombra de negócios através do contrabando de vistos. O sombrio espaço nocturno de Deresco é assim um negócio subterrâneo para a utopia, essa passagem para os Estados Unidos. Lisboa é novamente apenas como transição para o cais do destino salvador, sendo agora este último apenas aferido e exterior. Mas esconde-se ainda uma terceira camada, de negócios de espionagem ainda mais profundos e sinistros, alimentados pela mútua neutralidade da personagem (Deresco) e do local (Lisboa). Em função de contactos privilegiados, a partir do seu cabaret, Deresco é uma espécie de espião fee-lancer que trabalha para quem quiser pagar os seus avultados preços. Com muita cave dominada pela figura de Deresco, e pouca Lisboa e muito pouco português e portugueses, este não é ainda um filme sobre Lisboa, mas sobre uma mitificação da cidade que a segunda Guerra construía. Com imagens retiradas de documentários vemos vistas alargadas do Rossio e da Praça Camões

8. Ibidem 9. Ibidem

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e detalhes de calçada portuguesa. O resto é o ambiente nocturno e interiores10. Os portugueses no filme reduziam-se praticamente apenas aos tocadores de guitarra, que se revelam ser polícias disfarçados, numa infausta evocação da PIDE. A certa altura vemos Deresco a negociar a bobine de um filme de espionagem. Sabendo de história de cinema e das proibições feitas ao realizador Erich von Stroheim, torna-se irónico ver o actor Erich von Stroheim nesta transação, vendendo-se como actor para outros realizadores, sempre com força carismática. À distância surge-nos como ironia ao cinema das grandes produções e como negócio — com tabela para dentro do filme e para o ao seu tráfego de salvações humanas. Logo após a Guerra, Paul Stein filmou o musical Lisbon Story (1946). O enredo circula entre Paris e Lisboa, mas ambas as cidades são poucos visíveis, sendo Paris apresentada como um teatro de variedades, em contraste com a severidade dos alemães ocupantes, e Lisboa reduzida a cenas de hotel, chamado redundantemente Hotel Lisboa. Lisboa «não é uma cidade», sendo apenas «um lugar de passagem» por um hotel cosmopolita11. A ideia das personagens principais em abrir um cabaret em lisboa (lembrando a personagem Deresco em Storm over Lisbon, não fosse aqui a dimensão mais feliz do music hall em que se movem as personagens) após a queda de Paris, contrasta com a culpa e responsabilidade da fuga inscrita no acto. Lisboa é assim apresentada como um lugar de desistentes, opondo-se à necessidade de resistentes: «de que serve estarmos a salvo se a França está perdida? (…) trabalhando em França podemos torná-la insuportável para os alemães» (do filme). Lisboa é apenas o refúgio que faz desejar Paris; e, nesse sentido, um nó de viragem no enredo de um filme que coabita o musical com a Resistência. Cena 2 — A circunstância do Romance Les Amants du Tage (1955) de Henri Verneuil, segundo um romance do mesmo nome de Joseph Kessel de 1954, é um filme de viragem, afastando os espiões (embora a figura do inspector da Slotand Yard o possa substituir com outros contornos) para se centrar numa história de amor de figuras à deriva. Por outro lado é um filme que

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10. «A acção desenrola-se em cinco lugares distintos da cidade: o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo, o casino-torre de Deresco, o esconderijo subterrâneo de Craig, uma zona arborizada ao longo do Tejo e um bar típico. (…).Na verdade, a ponte-embarcadouro e a fachada fluvial da estação são primorosamente imitadas. Para esta reconstituição terá sido fundamental um documentário de actualidades da série The March of Time produzido em 1943 e hoje disponível no Steven Spielberg Movie and Film Archive (2) destinado, entre outros objectivos, a dar conta da actividade da ligação da Pan American Airways em Lisboa». Ibidem. 11. António Rodrigues, «Lisboin Story (1946)», Folha da Cinemateca Portuguesa, 6 outubro 1994.


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filma directamente a própria cidade de Lisboa. A mudança de paradigma que o filme nos propõe, dentro de uma vocação mais típica do cinema francês, é o facto de não restituir Lisboa no cenário, mas de a explorar em espaço aberto. A cidade é o lugar de um romance de personagens extraviados, que chegam por acaso e por acaso ficam e se apaixonam. O filme seria censurado cerca de 20% pelo Estado Novo, devido as cenas de sedução de Katleen Dinver (Françoise Arnoul). No percurso mais politizado de Verneuil, este filme ocupa um lugar raro, de que não perde qualidade. Um pequeno prelúdio apresenta-nos a tragédia de Pierre Roubier (Daniel Gélin), saindo dos festejos da libertação de Paris na 2ª Guerra, para encontrar a mulher com um amante ao abrir a fechadura de casa. A diferença entre a alegria anterior e o choque depois de abrir a porta é crucial, e será depois explorada na tensão com a chave que a amante do Tejo lhe fornecerá. Pierre assassina de imediato a mulher, seguindo-se um rápido processo judicial que o liberta. Esta curta parte passada em Paris termina em conversa com o advogado que exibia a sua estratégia de salvação, ao qual Pierre respondia indignado pelo facto de ter cometido um assassínio. Pierre impõe a si próprio um exílio pessoal de vida solitária que o leva a Lisboa. Após o genérico, encontramos Pierre já como taxista em Lisboa, sendo ajudado pela personagem interpretada por Amália Rodrigues a conseguir uma prorrogação do seu visto. Todo o restante filme se passará em Lisboa, com uma extensão à Nazaré, onde o casal se entregará pela primeira vez. É como taxista que conhece Katleen Dinver (Françoise Arnoul), viúva de um lorde inglês, a sua amante do Tejo. A primeira parte é a sedução, que culmina nas areias da praia da Nazaré, numa aproximação mútua, que se faz numa tensão entre os passados de cada um e a diferença de estatuto social. A segunda metade desenvolve-se com a entrada da figura do dectective Lewis da Scotland Yard (por Trevor Howard), que persegue Katleen por desconfiar que esta assassinou o marido. Esta personagem intromete-se entre os amantes, lançando manhosas intrigas de Katleen sobre Pierre — lembrando com o seu sofismo cínico (oposto ao estoicismo de Pierre; e de Katleen no final) a famosa personagem Iago do Othelo de Shakespeare. A tensão final, intrometida na atracção dos amantes, desenvolve-se entre a memória do crime de Pierre que assassinou a mulher, e a desconfiança de Kateen ter assassinado o marido. Katleen acaba por contar a Pierre o seu crime, como modo de terminar a desconfiança, mas esse é já o momento da fatalidade. A confissão a Pierre revela-se uma auto-confissão, um assumir-se a si própria como culpada. No final é Pierre que parece libertar-se das desconfianças relativas a Katleen ao mesmo tempo que encontra nela uma simetria de cumplicidade, tal como julga ter despachado as intrigas do detective inglês, levando Katleen consigo para o barco. Mas é esta que o

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abandona entregando-se ao detective como culpada. A cena final articula o desespero de Pierre no interior do barco a ver Katleene no cais de Lisboa, enquanto ele finalmente parte. O Tejo que os juntou agora separava-os. Lisboa já não é lugar de espiões ou de encontros desviados da Guerra, mas de vagabundos da vida em situação de pós-Guerra. Ela acolhe a desistência de vida de Pierre, a sua culpa e punição auto-infligida, que ia treinando em resiliência boémia e apática; tal como acolhe a fuga de Katleen e a sua culpa não assumida. Lisboa era o cais das hesitações de Pierre, onde um dia se deixou ficar adiando constantemente a partida, para se deixar à deriva pela cidade (que a actividade de taxista bem sublinha). A paixão por Katleen, como uma chama reacendida sobre os seus recalcamentos, fornecia-lhe a razão da partida. O filme vai passando por um quotidiano praticamente desaparecido de Lisboa, como os engraxadores, os ardinas, as varinas com os seus pregões, os empregados de café com os seus uniformes, etc. Invertendo os tempos, era uma Lisboa ainda sem Cristo Rei nem Ponte sobre o Tejo. Cruzamos com Pierre e Katleen várias facetas de Lisboa, do mais moderno ao mais pitoresco12: é a cidade dos cafés, da baixa ao Rossio; das ruelas apertadas de Alfama à Bica; do passeio de barco pelo Tejo como miradouro da saída (e aqui a única viagem de barco que ambos fazem, em mera viagem circunstancial e circunscrita a Lisboa sendo, portanto, ainda e afectivamente Tejo); dos hotéis de luxo onde desemboca Katleen e de onde esta se afasta, em fuga do seu recente passado e ao encontro de Pierre; das caves onde se toca o fado. O fado é explorado como principal fundo musical de tristeza, da guitarra portuguesa que chora (como afirma Katleen) e da sua poesia melancólica, tendo Amália13 como grande centro (e a canção Barco Negro com texto de David MourãoFerreira, que lançaria Amãlia em fama internacional). O fado aparece como uma versão de cabaret da noite lisboeta, ao mesmo tempo que canta um drama humano pela sua intensa letra, sobre o canto de uma mulher cujo amante pescador não volta do mar, e ela não quer acreditar que ele não regressa. A dor da canção torna-se um mote de dor que liga os amantes do Tejo, e se intensifica na sua viagem à

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12. O filme era acusado pela crítica portuguesa da época do excesso de pitoresco, escondendo-se a sua faceta moderna: «Em “Os Amantes do Tejo”, Lisboa é uma capital onde um pequeno guia é anda descalço, onde os motoristas não usam gravata, onde as ruas são estreitas e mal iluminadas». António Feio, «Lisboa, a eterna desconhecida», in Olá, Lisboa, 2 Fevereiro 1955. 13. Segundo Amália Rodrigues este seria este filme que a lançaria internacionalmente, tornando-a uma espécie de embaixatriz de Portugal. Cf. Manuel Cintra Ferreira, «Les Amants du Tage (1955)», Folha da Cinemateca Portuguesa, 6 Outubro 1994.


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Nazaré, com a impressionante cena das mulheres a acariciar a areia da praia para acalmar o mar para onde olham estoicamente esperando os seus homens. De manhã temendo que me achasses feia, acordei tremendo deitada na areia, mas logo os teus olhos disseram que não e o sol penetrou no meu coração. Vi depois, numa rocha, uma cruz, e o teu barco negro dançava na luz; vi teu braço acenando, entre as velas já soltas. Dizem as velhas da praia que não voltas… São loucas! São loucas! Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir, pois tudo em meu redor me diz que estás sempre comigo. No vento que lança areia nos vidros, na água que canta, no fogo mortiço, no calor do leito, nos bancos vazios, dentro do meu peito estás sempre comigo.

Ao longo do filme os ambientes oscilam em contrastes de que Lisboa é o agente de unidade. A luz e as sombras; a urbanidade e a ruralidade; a alegria e a tristeza, etc. Tal como a cidade de Lisboa é o lugar para acolher o grande contraste entre as personagens: se Pierre se fechava sobre si e se recalcava, isso era devido a uma sinceridade intensa que a si próprio se obrigava. A disponibilidade sedutora de Katleen, pelo contrário, dissimulava, lançando uma performance enigmática que se dava nos seus gestos. Pierre tem uma introdução inicial, esclarecedora do seu crime e culpa, que faz com que tudo se saiba e se inscreva de modo autêntico em cada um dos seus gestos; de Katleen nada sabemos, fazendo de cada um dos seus gestos a dissimulação de um segredo, inscrevendo constantemente a dúvida e a interrogação. A revelação do passado de Katleen vai-se fazendo ao longo do filme, não de modo lacónico e certeiro como com Pierre. E se no caso de Pierre as dúvidas se desfizeram no epílogo inicial, em cada revelação sobre Katleen remanescem sempre resíduos

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de dúvida, há sempre um lastro de mistério. Curiosamente é Katleen que tem fotos do seu passado; mas estas escondem constantemente o seu marido falecido, que Pierre deduz ser o autor das fotografias. Pierre transporta mais autenticidade na sua recusa de memória pessoal. Nele a opacidade oferecia a sua transparência; nela a transparência escondia a sua opacidade. Os crimes também são diferentes, tal como acusa Pierre a certa altura, sendo o dele passional, ficando depois a culpa da consciência, enquanto o dela foi pensado, lento e premeditado procurando depois ocultar-se da consciência para se fintar a esta. É entre estas diferenças que se move, maliciosamente, o detective inglês com inevitável sucesso, mesmo no desenlace final em que parecia derrotado. Depois de contar tudo a Pierre ficava a ambiguidade da decisão de Katleen em ficar14. O cais de Alcântara em Lisboa é a imagem final, um cais de separação, com a presença de Katleen e com Pierre ausente. O actor e realizador Ray Milland: fez de Lisboa o título de um dos filmes que realizou: Lisbon (Lisboa) (EUA, 1956) com Maureen O’Hara. O projecto tinha sido inicialmente apresentado a Nicholas Ray, com a actriz Joan Crawford, que se dedicaram antes às filmagens do famoso western de 1954, Johnny Guitar). Lisbon é considerada a primeira produção de Hollywood em Portugal, utilizando os Estudios da Tobis, tal como a primeira vez que Lisboa (como Cascais e Sintra) entraram no grande ecrã a cores. O filme não se liberta completamente do imaginário de espiões, transportando-o de modo menos plausível para a Guerra Fria, mas muda o paradigma do olhar do cinema americano, ao filmar Lisboa ao ar livre e como cenário real (à maneira de Les Amants du Taje, mas a cores). O Captain Robert John Evans (Ray Milland) é a personagem principal, que atraca sem rumo em Lisboa. Figura aventureira e livre, será o eixo de todas as intrigas que em seu torno se armam. A outra figura é Sylvia Merrill (Maureen O’Hara) que surge em Lisboa para pagar um resgate para o seu marido milionário, preso para lá da cortina de ferro, tendo para isso o contacto do contrabandista grego Aristides Mavros (Claude Rains), personagem maliciosa que contrata Robert Evans para ser o intermediário, e transportar o milionário. O ardil da narrativa está no facto da esposa do milionário não desejar que o marido seja resgatado com vida e de Robert Evsans não o saber! O filme vai apresentando cenas em lugares de referência, como a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, a Praça do Comércio ou o Castelo de São Jorge, tal como se estende para locais circundantes,

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14. «(…) the tragedy hanging with the final decision of whether she should flee to Brazil on a boat with him (leaving a question mark over whether her intentions are love alone), or surrender to the police and thereby prove that she loves him». Paul Buck, Lisbon: A Cultural and Literary Companion, Oxford: Signal Books Limited, 2002, p.100.


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como Cascais (uma cena de praia) ou Sintra (uma cena no miradouro do Palácio de Seteais). O filme tem a presenção do actor português Humberto Madeira (na personagem Tio Rabio) e uma breve aparição de Laura Alves a vender flores em Seteais. O fado aparece com a canção Lisboa Antiga, cantada por Anita Guerreiro numa cena de restaurante, com o mesmo espírito de cave nocturna que se explorara em Les Amants du Tage. Com La Peau Douce (Angústia) (1964) de François Truffaut, encaminha-se e alteração das narrativas cinematográficas sobre Lisboa, da despedida das marcas da Guerra e da sua imagem de paraíso dos espiões. Nesta película, Lisboa é apenas o palco do início de um triângulo amoroso centrado na personagem masculina (Pierre Lachenay, por Jean Desailly), que é o «vértice valorizado»15 entre as duas personagens femininas (Nicole, a amante, por Françoise Dorléac; e Franca, a esposa, por Nelly Benedetti). Um homem de família (Lachenay), editor, vem a Lisboa efectuar uma conferência sobre Balzac e conhece a hospedeira de bordo (Nicole) que se torna sua amante. Assumindo a responsabilidade rompe com a esposa Franca e junta-se a Nicole que não pretende esse compromisso. É na solidão sequente que Lachenay é assassinado por Franca, no café parisiense que costuma frequentar. O filme partiu de um caso real: a 26 de Junho de 1963, Nicole Gérard mata o marido num restaurante na Rue de La Huchette em Paris. A partir dessa notícia, Truffaut desenvolveu o seu enredo. Mas o filme devolve-se de novo à vida real, afectando o próprio Truffaut: apaixona-se pela actriz Françoise Dorléac, sai de casa e divorcia-se. As cenas de Lisboa marcam os primeiros minutos do filme: a saída do restaurante A Quinta no topo do Elevador de Santa Justa e junto aos arcobotantes da Igreja do Convento do Carmo, com vista panorâmica sobre a cidade, a travessa dos Laranjeiros, tendo ao fundo o Elevador da Bica, ou ainda a entrada do Hotel Tivoli. Lisboa é apenas o lugar onde aconteceu um romance, uma terra outra, quase uma terra de ninguém, que abre o caso com Nicole e dá início a todo o triângulo amoroso. Lisboa não se impõe como um topos concreto, nem há necessidade de lá voltar. Todo o filme se desenrola com outros interesses. Em oposição, Paris é o lugar que constantemente serve de barreira à relação dos amantes; aqui o relacionamento desenvolve-se numa «engrenagem sórdida e angustiante, minada pelo sentimento de culpa e pela falta de tacto»16. Lisboa tinha sido

15. J. N. A., «La Peau Douce (Angústia) (1964)», Folha da Cinemateca Portuguesa, 7 Outubro 1994. 16. Cyril Neyrat, François Truffaut, Madrid : Prisa Innova (distribuição exclusiva de «O Pú-

blico»), 2008, p.41

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o lugar do encontro que se verifica constantemente impossível em Paris — esta cidade é hostil ao seu relacionamento17. Lisboa aparece como lugar mítico especial no filme Saraba natsu no hikari [Adieu clarté d’été; Farewell to the Summer Light] (1968) do cineasta japonês experimental Yoshishige Yoshida. Falsamente apresentado como um road-movie, o filme não segue, contudo, a deriva de uma viagem. O seu périplo salta entre lugares para estar neles, sem se preocupar em viajar entre eles. Embora próximo de Viaggio in Italia (1954) de Roberto Rossellini, no sentido em que a viagem acompanha o caso amoroso de um casal — neste caso num casal em início de relação; no filme italiano num casal em crise de uma antiga relação, substituindo-se assim os lugares de Itália de Rossellini por lugares da Europa (embora Roma seja a cidade final da viagem do filme de Yoshida). O filme centra-se em Makoto Kawamura (Tadashi Yokouchi), professor universitário de arquitectura que viaja na Europa em busca do edifício que inspira uma Igreja que existia em Nagasaki, destruída pelas perseguições cristãs no Japão, e que descobrira num desenho que o acompanha; e Naoko Toba (Mariko Okada), uma japonesa casada com um francês e morada em Paris, que se dedica à importação de mobiliário e objectos de arte, e que teve familiares mortos em Nagasaki. Esta cidade japonesa, simultaneamente referida e ausente, assume relevância simbólica no filme: primeiro como o primeiro lugar de fixação dos portugueses, com feitoria comercial, portanto da primeira chegada da cultura ocidental; depois como símbolo de destruição da bomba atómica no final da 2ª Guerra, portanto, umo símbolo trágico dessa ligação do Ocidente com o Japão. Nagasaki intersecta as respectivas mnemose e amnese das duas personagens, sendo o lugar ausente que anima o encontro amoroso em diferentes lugares da Europa: Kawamura veio para a Europa para recuperar uma memória das origens do contacto (a Igreja); Naoko para esquecer uma recente e trágica da morte da família com a bomba. Contudo, o amor deste encontro, marca o retorno dessa ligação às raízes que Naoko procurava esquecer. Na primeira cena do filme observamos Kawamura a entrar na Igreja do Mosteiro dos Jerónimos pelo portal Sul, passando depois ao Claustro, a que se segue a Torre dos Jerónimos. A passagem por estes lugares históricos são acompanhados por reflexões da personagem em voz off (dominante no filme) sobre a epopeia dos portugueses para Oriente, a sua chegada ao Japão, e como fundadores da feitoria de

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17. Luis Urbano, «Cidade Coincidente», in Ruptura Silenciosa,. Revoluções: Arquitectura e Cinema nos anos 60/70, Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, 2013, p.151.


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Nagasaki. O encontro com Naoko dá-se em cima do mapa do mundo no mosaico do chão do Padrão dos Descobrimentos, enquanto Kawamura aponta no mapa uma data marcante da relação dos portugueses com o Japão. Segue-se o ruído da baixa de Lisboa, a subida para o Castelo, ou Alfama. Yoshida explora o passeio através de enquadramentos de rigorosa disposição formal, impondo simetrias e cruzamentos inesperados às suas personagens, sempre peças de um jogo compositivo. Segue-se a Praia do Guincho, na proximidade do referido Cabo da Roca, como o lugar mais ocidental do continente Europeu. Lisboa era esse símbolo, o mais antigo e primeiro do contacto com o Japão, e o mais distante na sua ocidentalidade extrema, em referência a essa Europa. Era o primeiro marco ou cais do périplo de uma busca a iniciar. O filme acompanha o diálogo das personagens em Óbidos e Nazaré (no Sítio da Nazaré) completando-se aí a passagem do casal por Portugal. Seguiu-se Espanha, Paris, Mont-Saint-Michel, Estocolmo (Suécia), Dinamarca, Amesterdão, de novo Paris e finalmente Roma. Lisboa foi esse cais inicial, na geografia e na história, simbolicamente referido na evocação de Nagasaki como cidade ausente, oferecida nas memórias perdidas ou recalcadas das duas personagens. Cena 3 — O Cais da Deriva Existencial Com Dans la Ville Blanche (A cidade Branca) (1983) do suíço Alain Tanner dá-se outra viragem crucial do olhar do cinema internacional sobre Lisboa, tornando-a uma cidade-cais de passagem de figuras em deriva existencial. As cenas inicias desenrolam-se na sala da máquinas de um barco, em que o ruído ensurdecedor nos impede de escutar os diálogos (servindo de introdução à incomunicação da língua que atravessa o filme — com quatro línguas ao todo, Lisboa confronta a personagem com um complexo de Babel). Mas a narrativa começa com o desembarque de Paul (Bruno Ganz) em Lisboa, cidade-cais duma paragem ou suspensão que se estende — e o filme abre-se então à luz e esse mar (Tejo) que a casa das máquinas não permitia. Nascido sem argumento prévio, o filme desenvolvia-se com as próprias filmagens, nascendo a narrativa com a chegada do marinheiro Paul a Lisboa (e Tanner foi também marinheiro) para, a partir daí, as acções emergirem como puro acontecer18. Tanner fez de Lisboa o palco de uma passagem de um mecânico naval, mergulhando a personagem numa volubilidade e inconstância na cidade, de que não conhece a língua nem os hábitos. Como disse o próprio é o olhar de um estrangeiro (simultaneamente da personagem, do actor e do

18. Cf. Helder Lima Santos, «Três filmes com Lisboa», in Off-side Magazine, Lisboa: Dijornal, 13 Abril 1983.

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realizador), simultaneamente entre o excesso de intimidade do seu estar e da desadaptação do seu ser perante a cidade19. Os primeiros minutos lançam a personagem numa deriva entre o Cais de Sodré, Alfama, a Baixa Pombalina ou o Castelo. Depois de filmar a cidade com a sua Super 8 portátil e se fascinar por Rosa (Teresa Madruga), simultaneamente empregada de mesa e criada de quarto (e é quando esta confronta sarcasticamente o patrão, que a explora nessa dupla condição, que entendemos o primeiro fascínio de Paul por ela), Paul decide não apanhar o barco, ficando abandonado da vida nesse cais-cidade, numa aventura sem rumo. A partir desse momento, o tempo e o espaço tornam-se estruturas vazias que apenas a pensão e a cidade suportam. A solidão e a deriva dominam uma busca sem rumo. Paul vai filmando a cidade (e Rosa) com uma câmara Super-8, recolhas avulsas dos encontros que vai tendo. Envia os filmes com cartas, que são reflexões pessoais sobre a sua deriva, à companheira que se encontra em Genebra na Suiça (e daqui apenas vemos fragmentos repetidos e monótonos que se opõem à variedade oferecida nas cenas de Lisboa). Lisboa torna-se assim um filme dentro do filme — e a filmagem das ruelas da cidade, sobretudo através do Eléctrico 28 é o grande travelling do filme. Quando Paul entra no bar (o British Bar na zona do Cais de Sodré) onde conhece Rosa, fixa-se na estranheza do relógio invertido (que ainda hoje lá está). Rosa revela não ser o relógio, mas o mundo que anda ao contrário. O filme torna-se uma reflexão sobre um tempo suspenso num mesmo lugar (Lisboa). Nas reflexões das suas cartas a personagem reflecte: «O tempo desfaz-se», pensando na sua condição em que não está nem em trabalho nem em férias (stá sempre entre), porque o seu tempo perdeu a medida e a ordem, numa deriva aberta sem desígnio ou numa liberdade desapegada. A meio do filme Paul é assaltado, ficando sem dinheiro, aprofundando a sua dimensão de desamparado — encontrará depois um dos assaltantes que confronta, sendo esfaqueado. Ao longo do filme o processo de Paul não é de integração, mas de acentuação de um desenraizamento, de uma não-integração. Paul está sempre num não lugar, sempre entre decisões: entre a terra e o mar que é Lisboa, entre Rosa e a companheira na Suiça, entre o dia e a noite, entre o trabalho e as férias. Para Paul, Lisboa revela-se um cais heterotópico, um entre-lugar na referida linha do trabalho de Foucault sobre este conceito. Neste sentido, não há um continuum lógica da montagem sequencial, concatenando fragmentos

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19. Alain Tanner, entrevista com Cristina Baptista, «Alain Tanner fala de “A Cidade Branca” que filmou em Lisboa no último verão», in Diário Popular, Lisboa, 5 Março 1983.


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adequados às características da cidade de Lisboa. Tanner filmará sempre Lisboa entre o trecho e o conjunto, entre estar dentro e a percorrê-la como que num labirinto, ou a estendê-la numa panorâmica de exteriorização — que o faz fascinar pelo outro lado do rio. A luz dominante é de um branco cinzento (fotografia de Acácio de Almeida) que fornece uma brancura triste à cidade. Esse branco que domina na perspectiva de Lisboa vista do outro lado do Tejo — há uma cena do outro lado e será a partir daí que Tanner iniciará (e terminará) o filme Requiem, retorno do cineasta suíço à cidade, O branco conjuga os ritmos do azulejo, da calçada, ou das janelas nas paredes desgastadas. O branco das paredes e das toalhas brancas a secar é para a personagem a cor da solidão. Receando a partida de Paul a qualquer momento, por razões da sua errância, é curiosamente Rosa que parte bruscamente para França sem deixar morada — num jogo de assimetria com a companheira de Genebra de corpo distante, mas de morada certa. É Rosa que decide o desfecho perante a inconsequência de Paul. Tal acompanha o crescente desespero de solidão e de incomunicação que domina os seus encontros ao acaso e que se sucedem sobre um tempo desfeito — como o grupo que encontra numa tasca a ver o jogo Brasil/Itália do Mundial de Futebol Espanha’82, ou logo a seguir o grupo a escutar fado e a jogar dominó. O esforço de comunicação esbarra na diferença da língua e na impossível integração da personagem, que nos deixa um expressão da sua errância: «O único país que gosto verdadeiramente é o mar» O filme termina com a partida de Lisboa, de comboio (na Estação dos Restauradores), e após vender a câmara de filmar para comprar o bilhete. No comboio depara-se com outro rosto em que se fixa como se fixou em Rosa, abandonando-nos na possibilidade de outra história, noutro lugar. Diz em voz off a personagem: «O corpo de uma mulher é demasiado grande (…). A recordação e o esquecimento têm a mesma origem. As mulheres são demasiado belas». Lisboa era também o corpo de Rosa. Tanner voltou a filmar Lisboa 15 anos depois em Requiem — Um Encontro com Fernando Pessoa (1998), com narrativa inspirada em livro de Antonio Tabucchi (Requiem: uma alucinação) — sendo uma espécie de sonho ou alucinação para Tabucchi e uma «realidade irreal» para Tanner20. A personagem central tem o mesmo nome que a de Dans la Ville Blanche: Paul (Francis Frappat), sendo agora um

20. Allan Tanner, entrevista com Michele Levieux, in: L’Humanité, consulta: http://www.allocine. fr/communaute/forum/message_gen_communaute=2&nofil=450402&cfilm=17578.html

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intelectual que tem memórias e afectos com ligação a Lisboa. Se a personagem de Dans la Ville Blanche só tinha o seu presente na deriva amnésica pela cidade, agora é o presente que se esvai no excesso de memória. A personagem vive assombrada por mortos que a memória lhe convoca e que se tornam as suas personagens da cidade. Estas personagens fantasmas surgem-lhe confundindo os tempos, participando num diálogo que se desenrola num presente de que estão simultaneamente demitidos. As personagens imaginárias centrais são um amigo que morreu de herpes (que efectuava uma ligação ao tríptico de Bosch no Museu Nacional de Arte Antiga), a companheira que o abandonara pelo amigo e que se suicidara, o pai que falecera jovem com cancro e Fernando Pessoa, esta como figura de afectos poéticos e como encontro derradeiro que fechava todos os encontros, desenrolado na passagem entre o dia e a noite, a fechar o pano da luz branca. O filme desenvolve-se num jogo de encontros entre a imaginação e a realidade, que se confundem como planos existenciais. Fernando Pessoa é a matriz poética desse desdobramento de personagens saídas do imaginário de si que a personagem partilha ao logo do filme com os seus encontros; como também é uma espécie de símbolo poético da cidade de que nunca saiu, desse estar pela imaginação em todo o lado sem nunca ter saído de Lisboa, como diz a personagem de Fernando Pessoa no encontro final (sempre de costas, sem rosto concreto, mas que nós vislumbramos através da sua forte iconografia forte que preenche esse vazio). Fernando Pessoa contrapoem-se assim à figura de Paul em Dans la Ville Blanche, personagem errante e sem cais, um no man’s land que a cidade não pode segurar (e os vários dias em que esteve em Lisboa foi mais pelo fascínio do abandono do que da pertença), numa deriva existencial que lhe abria a imaginação reflectida nas reflexões nas cartas para a companheira em Genebra. Pessoa é o homem fixo num cais para uma errância do imaginário que arrasta a existência, alma de uma Lisboa como cais mítico para o mundo [Pessoa «qui vivra aussi longtemps que vivra Lisboa» (do filme)] O filme inicia-se do outro lado do rio, em Cacilhas, miradouro para a «cidade branca», onde Paul espera alguém incerto que não chega (um filme de encontros que começa com um desencontro)21. Como uma beckettiana espera de Godot lançada como plano vazio inicial, desdobra-se o processo de encontros imaginários que o filme vai colher: «(…), porque é que aceitei este encontro aqui no cais?, tudo isto é absurdo»22. A espera é irreal e simbólica, que acompanhamos sempre como sendo especial e de um tal de «o convidado», mas que saberemos no final ser Fernando

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21. «J’adore la rive sud du Tage. Il y a la ville en face et le soir c’est absolument merveilleux» Ibidem. 22. Antonio Tabucchi, Requiem. Uma Alucinação, Lisboa: Quetzal,, 1991, p.8.


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Pessoa, que será o derradeiro e simbólico-poético encontro, após outros mais biográficos à personagem. Tudo começa ao meio-dia. E cedo a personagem pergunta as horas, sublinhando tanto a espera, como também a dimensão inócua da consciência do tempo nesta narrativa. Aliás, é irreal o tempo dessa sucessão de encontros com fantasmas (que invadem todo o ambiente do filme, tonando todas as personagens potenciais fantasmas) numa narrativa concentrada em metade de um dia, desenrolando-se até à meia-noite (a melhor hora para encontrar os fantasmas) — note-se que era um encontro marcado às doze horas, não sabendo a personagem se tal correspondia ao meio-dia ou à meia-noite: «(…) ele tinha marcado às doze, mas talvez quisesse dizer doze da noite, porque os fantasmas aparecem â meia-noite. Levantei-me e percorri o cais»23. A referência às horas define um tempo diegético que pertence a sequência do filme, por contraponto aos irreais tempos de encontros com fantasmas: Comme ce n’est pas un roman romanesque, mais une sorte de récit découpé, de rencontres, c’est le matériau lui-même qui a dicté la marche à suivre. ( …) que le livre a une logique interne très solide, que ces rencontres qui donnent l’impression d’être le fruit du hasard constituent, en fait, une trame dans laquelle elles s’emboîtent pour arriver là où elles doivent arriver. (…) le temps est disloqué, le temps linéaire n’existe plus, ou bien est en boucle. (…). Cela a déterminé le jeu des acteurs. La caméra m’a servi à mettre tout à la bonne distance, à ne pas tailler dans les choses24.

Segundo a narrativa de Tabucchi, que Tanner sublinha, é o último Domingo do mês de Julho, apontado como o mais quente do ano — ajustando-se a isso os tempos curtos de filmagens durante o mês de Agosto de 199725. Os encontros do filme parecem encontros com fantasmas dados sob o excesso de luz e calor de Lisboa, miragens tal como se o resto da cidade, a sua vida real e quotidiana, fosse um deserto. A capital portuguesa é um lugar onde confluem viagens reais e imaginárias: «Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!» (Álvaro de Campos, «Na Véspera»). É o onírico comanda a viagem enquanto narrativa, sendo o real um pano de fundo. O cenário é a matriz real desse périplo de sonho e alucinação.

23. Ibidem, p.15. 24. Allan Tanner, entrevista com Michele Levieux, Op.cit. 25. Ibidem.

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A personagem deambula por lugares conhecidos como o Cemitério dos Prazeres, Campo de Ourique, Praça do Comércio, pela Rua Augusta, por Alcântara ou ainda no Museu de Arte Antiga nas Janelas Verdes com significativo momento com um pintor que se dedica a pintar pormenores do tríptico das Tentações de Santo Antão (1495-1500) de Hieronymus Bosch. Alain Tanner (…) lê Tabucchi (…) e Fernando Pessoa e, por meio dessas leituras, lê e relê a cidade e a cultura lisboeta, que representa mediante personagens característicos como o cauteleiro, o motorista de táxi, a cigana, dentre outros. 0 protagonista Paul deambula doze horas por uma Lisboa muito particular construída a partir de leituras, rememorações, lembranças, relações mentais e existenciais e também lugares simbólicos que a inscrevem na estrutura narrativa fílmica26.

É um filme que se desenrola num curto tempo narrativo, mas que se desenrola como se tivesse todo o tempo. Também é um filme de um périplo sobre a cidade de Lisboa como que numa espera por um encontro no interior da qual se tem vários encontros. Doc’s Kingdom (1987) de Robert Kramer apresenta Lisboa com outras coordenadas, mas com o mesmo princípio de Dans la Ville Blanche de Tanner. O protagonista, simplesmente Doc (que depois sabemos chamar-se James Matter; interpretado por Paul McIssac), é um ex-militante activista de esquerda que se desacreditou da luta armada e reinventou a vida — e «de guerreiro, tornou-se médico»27. Depois de passar por África fixa-se em Lisboa, essa «cidade à margem da Europa» (do filme), «um espaço indefinido entre a Europa e o resto do mundo», um cais ou extremo do mundo, «à margem de tudo, à beira do nada»28. Afirma a personagem principal numa das suas cartas anuais a Rose/Rozzie «Querida Rose. Quase morro. Mas encontrei o rio. (….). Este rio é a fronteira da Europa ou algo assim» (carta de Doc, do filme). Tal como no filme de Tanner, é nesse cais-cidade que é Lisboa que a personagem atraca na sua deriva marginal, encontrando uma cidade de no man’s land, cais-cidade ou mais cais do que cidade: «Não queria família, nem carro, nem casa,

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26. Patrícia Peterle, «Réquiem de Antonio Tabucci e Allan Tanner: Uma Viagem pelo Imaginário Português», in Revista do Gel, Revista de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo, nº2, 2005, pp.231-240, consulta: revistadogel.gel.org.br/rg/article/viewFile/314/218 27. Cf. António Rodrigues, «Doc’s Kingdom (1987)», Folha da Cinemateca Portuguesa, 7 Outubro 1994. 28. Ibidem.


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nem morada, nem número de telefone, nem apartado dos correios…» (Doc em conversa com o filho, do filme). Também, tal como na personagem Paul de Dans la Ville Blanche de Tanner, Doc escreve regularmente (aqui apenas uma vez por ano) uma carta para uma companheira, distante no espaço (no caso não na Suíça, mas nos Estados Unidos) e no tempo. Desta, que falecera, chega o filho a Lisboa para conhecer Doc. Nada têm a comunicar entre si, e na mesma cidade-cais separam-se após improfícuos diálogos. O filme termina com Doc a escrever uma carta ao filho que assim substituía Rose. A diferença é que esta personagem carrega consigo uma memória que o Paul do filme de Tanner não tem (essa parecia não ter nem passado nem futuro, ficando na deriva do presente). A Lisboa do filme é marginal. São zonas de cais e periferia, de armazéns e industriais, que nos oferece uma imagem da cidade alheia às vistas turísticas, seja nos motivos seja e nos enquadramentos. Lugares sombrios, interiores (mesmo quando são exteriores) como marca dessa personagem que recriou a sua identidade para se retirar do mundo — viver um outro de si num outro lugar que é esta Lisboa recôndita. Domina a escuridão e dominam os castanhos de cor perdida e dessaturada. O espaço de luz residual não tem profundidade, fazendo que os espaços ou as figuras desapareçam rapidamente nas trevas (uma luz e cromatismo a lembrar a pintura de Columbano). E no diálogo intercalado entre Nova Iorque e Lisboa da primeira parte do filme, entre o Doc e o filho Jimmy (Vincent Gallo), na dimensão furtiva aos centros e nas sombras, as duas cidades, tão diferentes, quase se confundem. Por isso, nessa montagem paralela das cidades, a deriva do pai em Lisboa é análoga à deriva do filho, após a morte da mãe Rose, em Nova Iorque. Na cena em que o filho persegue Doc pelas sombras e recantos, como uma memória das trevas do inconsciente, a escuridão domina sobre momentos de aparição de fragmentos do rosto. Lisboa distingue-se nos ruídos esparsos de fundo, onde a língua portuguesa passa a dominar sobre o primeiro plano de inglês dos diálogos e monólogos. Uma sequência de noite, num táxi em que o filho viaja pós a sua apresentação e discussão com o pai, oferece-se num fragmento nocturno da Sé de Lisboa, sendo o único momento em que temos uma vista mais reconhecida da cidade. Alguns actores portugueses participam no filme. João César Monteiro aparece como César, um taberneiro que é a única figura confidente de Doc — o único depositário da sua solidão. Ruy Furtado é o Sr.Ruy, o marinheiro que viajou pelo mundo e que se descobre com cancro no cérebro quando regressa para se estabilizar no seu lugar — opondo-se assim a Doc, o médico sem lugar (o seu lugar é «aqui», onde se está, diz Doc a certa altura em conversa com o filho). Na cena final ficamos apenas com o rosto da personagem perante o espelho. Imagem de solidão e de auto-interrogação. Não há cais nem cidade.

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Les Nuits Fauves (Noites Bravas) (1992) de Cyril Collar é um dos primeiros filmes sobre a Sida, vivida por triângulos amorosos desdobrados. Mas tudo se centra no amor de Laura (Romane Bohringer) por Jean (Cyril Collard), cuja bissexualidade o apanha nos tempos dramáticos da Sida (que ajudou no estrondoso sucesso francês do filme, com arrastamentos internacionais). O sexo é pecaminoso, mas por estarmos tão expostos às relações humanas perdemos a jurisdição moral. O nosso juízo suspende-se a pairar na impossibilidade de julgar os actos por apego às personagens. Laura é o eixo dessa suspensão — como culpar a entrega vertiginosa de Laura a Jean, se é o amor que a impele. É esse amor de Laura que despista certas tendências do filme, evitando que recaia nos mundos de Pasolini ou Fassbinder com que várias vezes é comparado. Todo o drama nasce e desenvolve-se em Paris, onde Laura e Jean se conhecem. Lisboa é o lugar das cenas finais, lugar da fuga derradeira de Jean, onde reconhece o amor de Laura e um apego tardio à vida. Lisboa mostra-se em torno de Jean, ou em contraplano do seu olhar, como um lugar em que a luz se oferece com plenitude, sendo contraditoriamente um lugar para morrer. Após ter filmado pela zona de Sintra Der Stand der Dinge (Ao Correr das Coisas) (1982), um filme sobre a impossível rodagem de um filme de ficção científica, e no seio desse esforço malogrado se desenvolver o enredo de um filme sobre filmagens, Wim Wenders filmou alguns anos depois Lisbon Story (1994). Os filmes têm clara sequência, tendo Lisbon Story retomado a personagem de Friedrich Munro (Patrick Bauchau), o mesmo realizador de cinema de Der Stand der Dinge. É este realizador que convida o engenheiro de som Philip Winter (o actor Rüdiger Vogler) para colaborar com ele para a recolha de sons para um filme sobre Lisboa. Neste filme, Wenders explora, bem ao seu estilo, uma deambulação livre pelos lugares da cidade, como já explorara em Alice in den Städten (Alice nas Cidades) ou Der Himmel über Berlin (As Asas do Desejo). O protagonista anda sem rumo por Lisboa captando os seus mais diversos sons. Supostamente vem em busca de alguém (o realizador que o convidou), do qual se vai esquecendo ao longo do filme em função dos encontros que vai tendo com a cidade. Lisbon Story coloca os próprios criadores do cinema dentro do cinema, usando isso como mote do seu sobrevir, daí o filme já ter sido referido como equivalente para Wim Wenders o que foi 81/2 (1963) para Federico Fellini29.

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29. Angélica García-Manso, «Lisboa. A cidade que nunca existiu», in Ciudades de Cine (coord.: Francisco García Gómez; Gonçalo M. Pavés), Madrid: Ediciones Cátedra, 2014, p.165.


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Nos encontros de Philip Winter vamos encontrando vários artistas portugueses, como Vasco Sequeira, Canto e Castro, Viriato Jose da Silva, João Canijo, Ricardo Colares, Joel Cunha Ferreira, Sofia Bénard da Costa, Vera Cunha Rocha, Elisabete Cunha Rocha, o grupo musical Madredeus (Teresa Salgueiro, Pedro Ayres Magalhães, Rodrigo Leão, Gabriel Gomes, José Peixoto, Francisco Ribeiro) ou Manoel de Oliveira. Lisbon Story é dos filmes que mais atravessa as diferenças de Lisboa, dos centros às periferias da cidade, mas nota-se o privilégio pelas zonas antigas e, sobretudo, Alfama. A arquitectura labiríntica, com a sua truncagem dos espaços, convinha ao jogo de encontros que surgem subitamente como adventos. Mas é isso que fornece ao filme um clima diferente à deriva da personagem central. Ao contrário de Dans la Ville Blanche de Tanner ou Doc’s Kingdom de Kramer não são figuras numa deriva e solidão existencial, nem são perdidos da vida. Aqui a deriva é apenas um perder-se na cidade, nos seus ritmos arquitectónicos e urbanos, da luz, das texturas e das cores, dos sons e das vozes, de encontros sociais, sobretudo com crianças. Manoel de Oliveira surge no filme, primeiro a apresentar depoimentos em estúdio, e depois nas ruas de Alfama, onde se transforma num mimo de Charlot. Decerto ironia ao facto de Oliveira querer primeiro ser actor cómico, fascinado pelo burlesco do cinema mudo, ensejo perdido sem mágoa na melancolia do tempo que o consagraria como um grande caso na realização cinematográfica portuguesa, tal como a sua figura de mimo se perdia divertida pelas ruelas de Lisboa. Lisbon Story é um filme de encontros furtuitos, mas sem o drama e a solidão dos filmes de Tanner e Kramer, embora em todos se verifique o desapego pelo domínio de um guião prévio. Aqui a cidade tráz o seu presente até nós, interage connosco e integra-nos. Se em Dans la Ville Blanche o guião parecia nascer da deambulação de Paul e dos choques que a sua deriva provocava com a cidade, aqui a diegese narrativa é o que vem ter com a personagem, que vive o prazer do fluxo do presente e do que este leva até si, um presente despretensioso, feito de pequenas sensações e cogitações exortadas do mero deambular na rua — e este é certamente o filme que mais se perde com deleite nas ruas de Lisboa, ultrapassando mesmo os dois filmes referidos de Tanner. A personagem tem o protótipo do cinema de Wenders: um cinema que não impõe uma ordem ao mundo para deixar que o mundo influa no cinema com o tempo da sua própria respiração. Andrzej Jakimowski apresenta em Imagine (Polónia, 2012), uma relação particular com Lisboa. O filme dá-se com a chegada da personagem Ian (Edward Hogg) a uma escola e clínica oftalmológica, trazendo consigo insólitas experiências pedagógicas centradas na ecolocalização humana, a capacidade

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humana de detectar objectos e obstáculos físicos do ambiente/espaço envolvente através dos ecos. A personagem não usa a habitual bengala, preferindo as suas botas ou os estalidos com a boca, e com estes barulhos vai medindo o espaço e os obstáculos em seu redor. A personagem explora também a imaginação como uma energia iluminadora, um modo de aferir o espaço envolvente a partir dos vários sinais sinestésicos apreendidos, que são também empolgados no processo, num processo de superação de medos e de aventura e descoberta. O filme apresenta o desafio de dar a ver a invisibilidade, provocando desenvolvimentos sinestésicos, alertando para sons e cheiros, ao mesmo tempo que se move com a luz e a cor. Desenvolvida nesta captação do mundo, o espaço exterior descobre-se por fases e, a narrativa propaga-se como uma apreensão dessa capacidade e do seu respectivo jogo da conjetura (sendo a mais marcante no filme o facto de estarmos ou não perto de um cais com um grande barco). O filme dialoga com o que está fora de cena da visibilidade e do que será esse mundo a partir de sinais invisíveis. O filme desenvolve-se do espaço fechado (que, na verdade, não é Lisboa, tendo as filmagens decorrido num orfanato situado num Convento de Évora) para o exterior, como que uma descoberta da cidade de Lisboa a partir de sequências de sondagem do espaço. Vamos descobrindo cada vez mais a cidade, oferecida através de pequenos sinais, como o eléctrico ou fragmentos de ruas. Jakimowski tem a preocupação de nos recusar visões panorâmicas da cidade, vista sempre por fragmentos e enviusadas perspectivas. Lisboa vai-se timidamente descobrindo com os diálogos e hipóteses das personagens, no modo como a imaginação lê os sinais sinestésicos, sobretudos sonoros. Entre esta passagem, do fechamento interior ao risco da abertura exterior, desenvolve-se a relação de Ian com Eva (Alexandra Maria Lara). Ivan é confiante e aventureiro e Eva não sai do quarto com medo dos obstáculos. O seu contacto dá-se à janela, numa invisibilidade mútua mediada pelo barulho das janelas e dos pássaros que nela poisavam. Ivan usa sementes para chamar os pássaros a si e com isso a atenção de Eva. O fechamento de Eva, em contraste com a liberdade dos pássaros que na sua janela se abeiravam, irá ser desviado pelo carisma de Ian, que seduzia com os seus processos — tal como chamava a atenção com o som das suas botas e estalidos. Numa cena anterior à final vemos Ivan e Eva bem perto, sem ela se aperceber da presença de Ian (deixando na dúvida o contrário). Na cena seguinte, a final, a espacialidade abre-se através de um travelling que acompanhamos do interior de um eléctrico para termos aí a maior panorâmica do filme. Vemos então a proximidade do rio e a passagem de um grande barco ao mesmo tempo que nos vemos


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num bairro típico de Lisboa. O filme foi-nos recusando uma visão de Lisboa, sempre fragmentada e incompleta, em perspectivas e enquadramentos que a encobriam, colocando o observador numa constante dedução. Só nessa cena final, quando nos despedimos da personagem feminina através do eléctrico que passa por ela e no interior do qual ficamos para ver Lisboa, na zona de Alfama através do percurso do 28, a panorâmica se abre como um zoom induzido pelo distanciação do olhar. Descobrimos então que existia esse grande barco que Ivan conjecturava e percebemos que a imaginação superara as determinações do visível. Após vivermos a tensão dos limites da cegueira, e os riscos do seu desejo de autonomia e liberdade perante a extensão do mundo, o filme revela-nos, como uma parábola, uma evidência da relação do cinema com a cidade: que há sempre algo fora da cena do visível, algo para o exercício da imaginação. Dois filmes mais históricos fornecem-nos imagens de uma Lisboa temporalmente enquadrada: The Russian House (1990) e Sostiene Pereira (1995). Em comparação com os filmes anteriores, estes não apresentam um olhar particular sobre Lisboa, embora a narrativa incorpore e dependa da cidade. Lisboa é mero cenário real de narrações que no seu interior de sucedem. O olhar é estrangeirado e turístico, sem se animar nem na distância nem num enraizamento. Em The Russian House (A Casa da Russia) (1990) de Fred Schepsi recupera-se a mítica imagem da 2ª Guerra. Lisboa volta a ser lugar privilegiado para encontros de espiões, a cidade onde tudo pode acontecer por detrás da sua aparência discreta e sem que ninguém se aperceba. Lisboa aparece quase sempre enquadrada por Janelas de onde é vista. Mais que um lugar de acontecimentos é uma panorâmica enquadrada, como se tudo se decidisse apesar dela e ela estivesse fora da acção. Sostiene Pereira (Afirma Pereira) (1995), de Roberto Faenza, a partir de título homónimo de Antonio Tabucchi coloca-nos mais dentro da realidade histórica portuguesa nos primeiros tempos do Estado Novo e do esforço de entrar dentro de uma reconstituída cidade da época. O facto do realizador e do romance de origem serem italianos (embora Tabucchi conheça bem melhor a realidade portuguesa), faz com que o filme abra um diálogo entre os fascismos de Salazar e de Mussolini. O drama do Dr. Pereira (Marcello Mastroianni), director de um suplemento cultural do jornal Lisboa (que nos remete directamente para o histórico Diário de Lisboa), entre o dever ético-político e a mera questão artística, é que rege o espaço de relações sociais. Lisboa é o lugar histórico dos acontecimentos e o cenário do filme. São apresentados vários lugares, com destaque inicial para a persepctiva do miradouro do Jardim de S. Pedro de Alcântara e o elevador da Calçada da Glória, embora se filme sobretudo Alfama, onde a personagem deambula, ou se destaque o peculiar fascínio pelo Arco da Rua Augusta, que marca a

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cena final. Em segundo plano prevalecem os actores portugueses, destacando-se Joaquim de Almeida, Teresa Madruga (a Rosa da La Ville Blanche de Tanner), Nicolau Bryner, Mário Viegas, Filipe Ferrer e João Grosso. O filme já foi acusado por excesso de fidelidade ao livro, sem perspectiva cinematográfica, desenraizado na sua perspectiva estrangeira, com cenas dispensáveis e sem nada a unificar a dispersão, sendo Faenza apontado por ser mais turista do que viajante30. Mas fica a curiosidade da reconstituição história de uma Lisboa de peculiar funcionamento fascista a partir de um olhar italiano. Com um enredo contemporâneo, a partir de obra homónima do escritor e filósoifo suíço Pascal Mercier, Night Train to Lisbon (2013) de Bill August aproxima-se dos filmes anteriores. A narrativa acompanha Raimund (Jeremy Irons), um professor suíço de grego e latim, que impulsivamente apanha um comboio de Berna para Lisboa, após sair bruscamente de uma aula, em busca do mistério de uma rapariga que salvara de suicídio, mas que logo se desloca para um misterioso e intenso livro que esta transportava. O livro, em torno de reflexões de resistência à ditadura, tornam-se o mote que move e fascina Raimund. Mais do que a cidade, é a personagem do escritor do livro, da sua biografia e das razões da sua escrita, que vamos descobrindo e desvelando da sua inacessibilidade, dando ao filme um ar de «thriller filosófico». Lisboa é apenas o palco luminoso dessa busca pelo escritor Amadeu de Almeida Prado31 — e, a partir daí, o filme abre um diálogo com o passado e o tempo da ditadura portuguesa, tal como foram explorados em The Russian House e Sostiene Pereira. E, como em Sostiene Pereira, a questão passa pela coragem da decisão de um acto cultural com atitude política. Lisboa oferece-se a partir de uma primeira deambulação, com a chegada à Estação dos Restauradores, Rossio, a Calçada do Duque, o miradouro do Jardim de S. Pedro de Alcântara, aproveitando a panorâmica para o Castelo, o Elevador da Bica, Alfama, a ida ao Cemitério dos Prazeres, mais adiante a viagem sobre o Tejo no cacilheiro. Depois vamos tendo cada vez menos Lisboa, com a intromissão das cenas históricas da vida de Amadeu do Prado, cada vez mais sombrias, até chegarmos à cena final com a partida do protagonista da Estação de Santa Apolónia. Um conjunto de actores portugueses vai definindo as várias personagens, casos

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30. Luís Miguel Oliveira, «Sostiene Pereira (Afirma Pereira) (1995)», Folha da Cinemateca Portuguesa, 17 Abril 1999. 31. «(…) it was something important for me to try to keep, that universe full of inaccessible people». Bill August, entrevista com Ariston Andreson, «Five Questions with Night Train to Lisbon director Bille August», in Filmmaker Magazine, 29 Março 2013, consulta in: http://filmmakermagazine. com/67616-five-questions-with-night-train-to-lisbon-director-bille-august/#.VR6jifzF-08


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de Beatriz Batarda, Marco d’Almeida, Nicolau Breyner — e ainda com Bruno Ganz, o actor de Dans la Ville Blanche. Epílogo A primeira atenção do cinema internacional a Lisboa desenrolou-se durante a 2ª Guerra a partir do seu bizarro lugar natural, sob cuja alçada de aparente calma todos os negócios de guerra eram feitos (Storm over Lisbon, 1944). Daí nascia Lisboa como cais da passagem de personagens em fuga. Mas o paraíso dos espiões era também o dos romances (One Night in Lisbon, 1941). Mas Lisboa era cenário, artificialmente reconstituída e com panorâmicas retiradas de documentários. Após a Guerra, a cidade e Cais passa a receber personagens com outras fugas e derivas, tornando-se lugar de paixões emergentes (Les Amants du Tage, 1955; Lisbon, 1956). Lisboa tornava-se cenário real que recebia essas paixões, tal como ainda encontramos em La Peau Douce (1964) de Truffaut e em Saraba natsu no hikari (1968) deYoshishige Yoshida. Os anos 80 propõem um símbolo de um retomar e renovar o interesse sobre Lisboa, lançado por Dans la Ville Blanche (1982) de Alain Tanner, e de modo mais sombrio com Doc’s Kingdom (1987) de Robert Kramer, seguidos com uma perspectiva menos desesperada com Wim Wenders em Lisbon Story (1994). De cais de passagem das fugas da Guerra, e de encontros de espiões ou de amantes, Lisboa passa a cais de figuras numa deriva mais existencial e solitária, que só têm o tempo actual (Tanner e Kramer) ou mais poética, saboreando o fluxo do tempo presente (Wenders). De grande porto de embarque da Europa em guerra, de ponte aérea ou marítima de fugas, à sua fama como Vila Branca, ela revela-se como um lugar de vários dramas. Num estudo sobre Lisboa no Cinema, João Bénard da Costa concluía que afinal a Vila Branca era antes uma «Vila Negra»32 — para nós ela teve sempre várias cores. «Vim parar aqui sem razão, como tudo na vida» (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, parte 83)

32. João Bénard da Costa, in La Ville au Cinéma — Encyclopedie (dirc.: Thierry Jouse, Tierry Paquot), Paris: Cahiers du Cinema, 2005, p.436.

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Parte III Dromologia e Pausa


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Dois momentos históricos da performance no Chiado: as acções futuristas e o Grupo Acre Fernando Rosa Dias

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Prolegómenos a um tempo de suspensão «A consciência de fazer explodir a continuidade da história é própria das classes revolucionárias no momento da acção. A grande Revolução introduziu um novo calendário. O dia em que começa o novo calendário funciona como um compilador histórico do tempo» (Walter Benjamin, «Teses sobre a Filosofia da História», tese XV).

Este ensaio destaca dois momentos marcantes da história da performance artística no Chiado. Ambos aconteceram em dois momentos históricos particulares de maior perturbação política do século XX português: num primeiro tempo, a performance no âmbito do futurismo lisboeta, desenvolvida por Santa-Rita Pintor e por Almada Negreiros, entre os anos de 1914 e 1918, acontecida num tempo situado entre a recente e instável instauração da República (em 1910) e a Primeira Guerra (1914-1918); num segundo tempo, as intervenções do Grupo Acre (Lima Carvalho, Clara Menéres, Alfredo Queiroz Ribeiro), com acções entre a performance e a arte pública, por vezes com particular teor conceptual, mas sempre efectuadas em espaços urbanos e sociais, e que se sucederam nos anos imediatamente seguintes à Revolução dos cravos de Abril de 1974 (o grupo organizou acções entre 1974 e 1977), utilizando esse tempo social de suspensão e de alterações para a liberdade de algumas das suas acções. Comecemos por caracterizar estes tempos históricos de intervalo ou de suspensão1, tempos de paragem dos relógios (usando expressão de Walter Benjamin), que para nós resultam da contradição da modernidade, entre um tempo histórico contínuo, linear e regulado, e um tempo utópico de força antecipadora e redentora. Entre esse tempo que procura controle e regulação e este outro que altera o estado das coisas, tensão em que se decidem as dimensões humanizadas de uma temporalidade própria à modernidade, define-se um tempo de permeio, um parênteses em que actuam revoluções sociais e culturais, por vezes simultaneamente. As revoluções são tempos de refundação que comprometem a história imediata. Rompendo com as anteriores estruturas de controlo e manutenção são um tempo de maior indefinição.

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1. Retomamos ideias que trabalhámos em ensaio sobre o tempo na tensão entre modernidade e pós-modernidade. Fernando Rosa Dias, «Vanguarda e Pós-Modernidade: Do Tempo de Ruptura à ruptura dos Tempos», in Revisitação da Querela Modernidade/Pós-Modernidade (coordenação: Fernando Rosa Dias, José Quaresma), Lisboa: Editora Ur, 2011, pp.162-252.


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O relógio é o símbolo de um tempo ordenado, uniforme, contínuo e manipulável da modernidade, um tempo fora das forças míticas e dos ciclos da natureza. Se esta é a grande faceta de um regulado tempo moderno que reduz a imprevisibilidade, as revoluções (e as vanguardas) são a forma, também moderna, do seu antídoto, uma elasticidade do devir que força a previsibilidade a dobrar-se de modo a intensificar a tensa vivência do momento. Não se recupera um contacto com as forças míticas e inesperadas relativas aos ciclos regulados pelo tempo natural, mas permite-se ao homem forçar o inesperado e o inaudito do próprio momento. O niilismo, a revolução ou as vanguardas são formas violentas deste tempo da modernidade. Na XV das Teses sobre a Filosofia da História, Walter Benjamin (1892-1940) refere a singular imagem da revolução de se «ter disparado contra os relógios murais», na qual encontramos uma concepção deste tempo em que quer deter o devir regulado. Além da dormência hermenêutica, do esvaziamento momentâneo de significados, sublinhe-se ainda essa paralisação dos relógios, momento em que o tempo adquire espessura própria subtraindo-se ao tempo vazio e linear, obtendo dimensão fundadora na sua suspensão. O que aqui nos interessa sublinhar como modo preliminar é como este tempo de intervalo (ou entre parêntesis) conspurca o estado regulado das coisas abrindo actos de risco, um tempo a-legal que permite outra aventura das acções, corrompendo fronteiras entre gestos culturais ou mesmo entre a arte e a vida — um tempo no seio do qual os riscos de tais gestos culturais melhor libertam a força de excepção. A performance futurista “Futurista declarado, em Portugal, há só um, que sou eu”. SANTA-RITA PINTOR [GUILHERME SANTA-RITA] (1916) «Nós vivemos numa pátria onde a tentativa democrática se compromete quotidianamente. A missão da República portuguesa já estava cumprida desde antes de 5 de Outubro: mostrar a decadência da raça. Foi sem dúvidaa República portuguesa que provou conscientemente a todos os cérebros a ruína da nossa raça, mas o dever revolucionário da República portuguesa teve o seu limite na impotência da criação. Hoje é a geração portuguesa do século XX quem dispõe de toda a força criadora e construtiva para o nascimento de uma nova pátria inteiramente portuguesa e inteiramente actual prescindindo em absoluto de todas as épocas precedentes» ALMADA NEGREIROS (Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX, 1917)

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As primeiras manifestações performativas a partir das artes plásticas localizáveis na arte portuguesa decorreram no âmbito do futurismo português, centradas em Santa-Rita Pintor, que consigo compeliu Almada Negreiros. O tempo é ainda de proximidade com a instauração da República, aditado com a marca da I Guerra e os exílios provocados por esta. Santa-Rita regressava obrigado de Paris reencontrando-se em duplo exílio: porque era em Paris que animavam as vanguardas que lhe interessavam; e porque era de simpatias monárquicas. Esta situação ampliava-lhe individualmente o estado de excepção, só lhe restando uma actuação provocatória sobre o seu lugar pátrio. O Chiado, palco cosmopolita onde se lançavam os dilemas de ser ou não ser moderno a partir do estar periférico, era onde se decidiam as possibilidades maiores desse tempo de excepção. É após o regresso que vamos ter Santa-Rita Pintor como o principal actor não da história de uma pintura, mas dos primeiros ensaios performativos da arte moderna portuguesa. Santa Rita Pintor (ou Guilherme Pobre) partira para Paris em 1910 como bolseiro em pintura de História com o apoio de Veloso Salgado2, com o quadro Sansão e Dalila, tema apresentado aos bolseiros desse ano. Na fase académica revelara um esforço de domínio das anatomias e da representação. Contudo, alguns apontamentos aludiam outra força expressiva particular como Cabeça de Velha, Louco ou a própria prova de bolseiro (Sansão e Dalila). Estas duas últimas apontam um interesse pessoal pela irracionalidade e o desespero, um pathos alimentado pela irracionalidade que se experimentava em pintura. De Paris enviaria uma cópia da Olympia de Manet em inícios de 1911 (e que terá sido efectuada em finais de 1910), obra que ainda provocaria incómodo à Escola. Esta proximidade com Manet não era clara orientação estética de SantaRita. Teria nos pintores portugueses na altura em Paris reflexos em Armando de Basto ou Manuel Jardim. Sendo este último um dos seus maiores amigos em Paris, sobretudo à data, regista-se certamente aqui a razão desta filiação momentânea de Santa-Rita. Acrescente-se que não era normal que a prova de bolseiro fosse uma cópia, mas um original. A cópia servida através de uma das obras mais escandalosas da história da pintura e de arranque da pintura moderna e anti-académica, sublinha mais uma vez, não tanto uma afinidade estética por Manet (sem outro registo em Santa-Rita), mas antes o enunciar de um acto provocatório. Outra curiosidade é que a cópia tem as mesmas medidas

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2. Em 1910 era o «unico concorrente ao pensionato de Paris» com a obra Sansão e Dalila. Cf. «A Exposição das provas escolares do alumnos de Bellas-Artes», in Ilustração Portugueza, Lisboa, nº210, 28 Fevereiro 1910, pp.276-278. Esta obra foi recentemente redescoberta na Faculdade de Belas Artes.


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Figura 1 Santa-Rita Pintor, Sansão e Dalila, 1910, Prova de Bolseiro, FBAUL

Figura 2 Santa-Rita Pintor, Oedipo e Antigone [original desaparecido], Exame Final da Escola de Belas Artes de Lisboa, reprodução in Ilustração Portugueza, Lisboa, nº210, 28 Fevereiro1910

que o original, situação ilegal e proibida nas cópias de obras museológicas. Em 1912 perdia a bolsa, supostamente devido a uma excessiva confissão de monárquico em polémica muito directa com João Chagas (1863-1925), Ministro republicano de Portugal em Paris3. O acto levaria à suspensão de todas as bolsas de artistas, o que colocou Santa-Rita em crítica posição. Tal poderá ajudar a entender algum afastamento de Santa-Rita dos restantes grupos de artistas portugueses, coadjuvado pela alteração que sofria na mesma altura ao assistir às intervenções dos futuristas italianos. Se desenvolvemos estas narrativas — a provocação na pintura através da retórica sarcástica de Orfeu no Inferno, da escolha da Cópia da Oympia de Manet como prova de bolseiro e a polémica já com teor público e político com João Chagas — é porque consideramos que estas antecipam marcas de uma intenção subversiva que se desloca da pintura para a acção directa não do pintor Santa-Rita, mas da personagem Santa-Rita Pintor sobre o espaço público-cultural. O Futurismo vem certificar artisticamente esta tendência, impulsionando a sua continuidade com outra estratégia cultural que iria acertar-se com o regresso de Paris.

3. Cf. Henrique de Vilhena; A Vida do pintor Manuel Jardim. Vol.I, Lisboa, 1945, p.308.

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Na edição de Portugal Futurista (1917) surgia a reprodução da pintura Orpheu no Inferno, datando-a de 19034. A mancha larga, o cromatismo acre de forte vermelho monocromático, o delírio temático e compositivo, completamente ao avesso do academismo, supõe que a data seria uma blague propositada em 1917, sendo a obra posterior, reacção à fase académica ou ao fim da bolsa, assim sublimados. SantaRita introduzia, com escárnio trocista, a figura do (seu) mestre Veloso Salgado (1864-1945) como personagem do inferno. Com os motivos futuristas figurados nas máquinas e aeroplanos representados, a referência no título a Orpheu (lembrando a revista) e a mancha expressionista, remete-se a obra para uma intencional blague cronológica com cerca de 10 anos, depois da passagem por Paris e do conhecimento do futurismo de Marinetti por parte de Santa-Rita. Orpheu nos Infernos estará mais próximo delírio megalómano do desejo de pintar um ciclo miguelangelesco de frescos no Mosteiro dos Jerónimos (denominado O Papão) na «mesma astralidade convulsionante», numa desfiguração até à abstracção «astral», de «coloridos informes» e com “forte impressão alucinatória»5.Para nós ela já não é produto de uma intenção plástica, mas de um acto provocatório e performativo de sublimação anti-académica que consideramos na sequência da cópia da Olympia e após o impacto futurista, portanto, de cerca de 1912. Nesta obra o efeito provocador já interessava mais que a construção artística da mesma. Mal referido nas narrativas de Diogo de Macedo, ausente das fotografias do círculo dos Expositores Livres de 1911 (Manuel Bentes, Domingos Rebelo, Emérico Nunes ou Francis Smith) como nas de Amadeo de Sousa Cardoso, pouco se sabe da estadia de Santa-Rita em Paris, supondo uma independência e aventura particulares. As cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa são os mais relevantes documentos sobre Santa-Rita em Paris, num jogo entre aparições e desaparições repentinas (e da parte de Sá-Carneiro entre a atracção e a repulsa, entre a vitimização e o ciúme). As descrições de Sá-Carneiro ajudam a entender a dimensão agressiva e provocatória que Santa-Rita começou a desenvolveu em Paris. Note-se que

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4. A obra era reproduzida in Portugal Futurista, Lisboa, 1917, p.7, acompanhada da seguinte nota: “Este quadro, intitulado «Orfeu nos Infernos», foi pintado aos 14 anos de edade por Santa Rita Pintor, ao tempo estudante da Escola de Belas Artes de Lisboa. Ha a notar, na composição do trabalho, a introdução de elementos, como aeroplanos, de todos inarmonicos perante um conceito clássico do tema, sendo notavel tambem a fisiognomia mefistofelica da obra, expressa entre outras cousas, pelo facto rebelde de Veloso Salgado, então professor do Artista, ser por este colocado entre as personagens do seu Inferno”. Segundo Joaquim Matos Chaves a obra seria posterior (entre 1913-1915) tendo o artista, por intencional blague, antecipado a sua datação; in Santa Rita Pintor. Vida e Obra. Precisões e Considerações, Lisboa, Quimera Editores, 1989, pp.17, 102-103. 5. Cf. Raul Leal; “As tendências Orfaicas e o Saudosismo”, in Tempo Presente, Lisboa, nº5, Setembro 1959.


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Mário de Sá-Carneiro tinha acabado de chegar a Paris, em inícios de 1912, sendo Santa-Rita um dos convívios privilegiados dos primeiros tempos. Santa-Rita inspiraria Mário de Sá-Carneiro para caricaturar uma personagem (Gervásio Vila-Nova) da sua novela A Confissão de Lúcio (1914), pequena vingança ou confronto com os próprios medos e que faria os seus incómodos ao pintor6. Santa-Rita que partira para Paris para uma aventura de Pintor regressaria personagem de uma actuação performativa e provocatória de inspiração futurista que decidiria o seu lugar em Lisboa. Santa-Rita apresentaria nesse ano de 1912 num café parisiense, Mário SáCarneiro como «operário futurista» (expressão que melhor se encaixaria depois a Almada Negreiros), para desagrado deste. É possível pensar que Santa-Rita, de modo conflituoso e até violento para a figura de Mário Sá-Carneiro, teve neste, e apesar de tudo, o seu primeiro cúmplice futurista português. Interessa por isso, entender as relações de Santa-Rita com o futurismo, começando por aquele que consideramos o seu momento de viragem. Em Fevereiro de 1912 terá, segundo vários testemunhos, visto a exposição dos futuristas italianos e assistido às suas atitudes provocatórias e panfletárias. O próprio Santa Rita, afirmaria ter assistido às conferências do mentor do futurismo italiano na Galeria Bernheim-Jeune7. Também Diogo de Macedo se recordava «de ver lá o pintor SantaRita e o escritor Aquilino Ribeiro»8. Este parece ser um momento decisivo de uma espécie de viragem de Santa-Rita em Paris ou, pelo menos, um momento em que reconhece essa orientação. O que estava atrás anunciado de atitude provocatória como que deslindava aqui o seu propósito e o que viria a seguir começava a ter sentido no interior deste novo programa. Pouco se sabe de pinturas. Segundo cartas de Mário de Sá-Carneiro um quadro de Santa-Rita com o título de teor futurista O Ruído num quarto sem Móveis9 teria sido exposto no Salon des Indépendents parisiense. O pintor continuava

6. Segundo Mário de Sá-Carneiro, Santa-Rita nunca lhe perdoaria a “cena” de “A Confissão de Lúcio”. Carta a Fernando Pessoa, de 18 Outubro 1915. 7. Conforme Santa-Rita Pintor deixa explicito em carta a Homem Cristo Filho, in A Ideia Nacional, Lisboa, 29 Abril 1916. 8. Diogo de Macedo, 14, Cité Falguière, nova edição acrescentada com uma nota de abertura pelo autor e um desenho inédito de Modigliani, Lisboa, Edição Jornal do Foro, 1960, p.80. 9. A exposição desta obra era anunciada algo ironicamente em Portugal por Eduardo de Freitas; “O «Cubismo» Nacional. Guilherme de Santa Rita”, in Teatro, Lisboa, 1 Março 1913, p.4. A reprodução fotográfica substituía a obra de Santa Rita por outra que se reconheceria de Picabia, em desentendimento possivelmente propositado e de maldade provinciana. Ver carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 10 Março 1913. Sobre esta questão e a referida obra, ver Alfredo Margarido; “A complexa relação de Mário de Sá-Carneiro com o cubismo”, in Colóquio Artes, Lisboa: FCG, nº82, Setembro 1989, sobretudo p.34.

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ainda a trabalhar nele em Outubro de 191210, e já estaria terminado em Março do ano seguinte, tendo estado no quarto do poeta para emoldurar como oferta a Homem-Cristo Filho (1892-1928)11. É com este título, mais um quadro reproduzido depois sem cor no Portugal Futurista (Perspectiva dinamica de um quarto de acordar, 191212) que o futurismo aparece com maior clareza no que sabemos das pinturas de Santa-Rita Pintor. As restantes, como as obras reproduzidas no nº2 de Orpheu terão um registo mais sincrético, do que poderemos indicar como cubo-sintético-futuristas. Confidenciava ainda a Sá-Carneiro o projecto de enviar um escandaloso quadro destinada ao Salão de Belas-Artes de Lisboa, intitulado Portugal, com polémica mais política, mas com uma curiosa intenção artística. Numa das partes do quadro «vê-se uma mulher olhar pela janela pensando no filho que partiu. Mas não se vê essa mulher nem os olhos dessa mulher. Mas sabe-se que ela olha...»; o quadro devia ainda dar destaque à bandeira monárquica portuguesa13. Referia ainda um quadro que representava um «W.C.», que Sá-Carneiro também nunca veria. Santa-Rita situava o desejo de mostrar mais o que se sabe, do que o que se vê, com curiosos intentos meta-representativos. Este tipo de provocação pela pintura é o que apontámos no projecto Papão e em Orfeu no Inferno. Ao longo das cartas a Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro passava de fascinado para um «insuportável» desgaste emocional, reconhecendo cada vez mais «loucura», tal como «hipocrisia, mentira, egoísmo e cálculo, cujo somatório é este; todos os meios são bons para atingir os fins» — e na mesma carta, escrita no último dia de 1913 apontava a «pouca feliz escolha» dos meios: o cubismo e a monarquia (não referindo o futurismo). Mas é a partir do regresso de Paris, em Setembro de 1914 que se observa de modo claro a assunpção de Santa-Rita por uma dimensão performativa de sabor futurista. Imediatamente no regresso a Portugal, Santa-Rita propunha-se a editar os manifestos de Marinetti e, segundo o próprio, por suposta procuração deste14, tendo para tal pedido o apoio de Mário de Sá-Carneiro para «arranjar editor»15. Dizia regressar

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10. Ver carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 28 Outubro 1912. Aqui o poeta chamava o quadro de O Silêncio num Quarto sem móveis, tendo corrigido em carta seguinte, de 16 Novembro 1912. 11. Ver carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 10 Março 1913. 12. Reproduzida in Portugal Futurista, Lisboa, 1917, p.8. 13. Ver carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 10 Dezembro 1912. 14. Conforme Santa-Rita Pintor deixa explicito em carta a Homem Cristo Filho, in A Ideia Nacional, Lisboa, 29 Abril 1916. 15. Pedido a que o poeta acedeu por simpatia, embora não acreditando que algum livreiro em Lisboa aceitasse. Carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 13 Julho 1914.


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para «fazer a sua obra» e impor-se «socialmente». O seu regresso assumia assim um destino diferente de Amadeo de Sousa-Cardoso — enquanto este trazia uma consciência plástica vanguardista, com as lições cubistas, futuristas, orfistas e até expressionistas articuladas, Santa-Rita trazia uma vontade de actuação de provocação pública de caracter cultural de marcação futurista (que era a única à data) — daí que fez sentido para Amadeo isolar-se a pintar em Manhufe (só saindo para expor no Porto e em Lisboa), enquanto Santa-Rita só podia actuar num centro urbano e cultural: a baixa de Lisboa e o Chiado. Refira-se a importância de Carlos Porfírio (1895-1970) nesta aventura futurista. Terá vindo com Santa-Rita no último regresso deste de Paris, devido à Guerra, ambos acompanhados de manifestos futuristas, sendo fácil imaginar que aí teriam congeminado projectos de sabor futuristas como os que vieram a realizar entre Faro e Lisboa16. Além do Heraldo de Faro, a própria edição do Portugal Futurista teve impressão na capital do Algarve e o número único teria tido coordenação do próprio Carlos Porfírio embora, inevitavelmente, a partir de muito material enviado por Santa-Rita e Almada Negreiros. Carlos Porfírio apresentava-se ainda em 1917, em plena animação do futurismo do Heraldo, em exposição com Lyster Franco, Jorge Barradas e Raúl Carneiro17, onde apresentava, entre outros títulos de sabor simbolista, uma obra intitulada Cabeça Futurista. A aventura futurista tinha este eco de Faro, sobretudo na proximidade entre Carlos Porfírio e Santa-Rita. Observamos três fases das acções mais performativas de Santa-Rita Pintor desenvolvidas em Lisboa nesse tempo de exílio da Guerra, no final da qual falecerá. Num primeiro momento Santa-Rita encontra-se com a revista Orpheu, fascina-se pelo impacto provocatório do primeiro número, bem ao seu gosto, e envolve-se descaradamente no nº2, para incómodo de Mário de Sá-Carneiro já de retorno a Paris. Embora na impossibilidade de poder continuar o projecto editorial de Orpheu como porta-voz do futurismo em Portugal, percebe-se que na sua sequência Santa-Rita é estimulado mas de modo pouco consequente, com vários projectos (um deles logo anunciado nas páginas do nº2 de Orpheu) que mal se realizaram — e assim será até à exposição de Amadeo anunciando diletantemente várias actividades. Depois desta exposição, que certamente lhe terá deixado algum fascínio e incómodo, desenvolve com maior empenho a preparação da Sessão Futurista e

16. Teodomiro Neto, “Carlos Porfírio na pintura contemporânea algarvia”, in Anais do Município de Faro, nº22, 1992, pp.166-170. O artigo aponta para 1917 o regresso de Carlos Porfírio e Santa-Rita Pintor, o que nos parece bastante improvável. 17. Ecposição de Arte — Lyster Franco, Raul Carneiro, Carlos Porfírio, Jorge Barradas (catálogo-desdobrável), Faro: Teatro Lethes, inaugurada a 6 de Maio de 1917

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da edição de Portugal Futurista, articuladas no que se pode considerar o seu testemunho artístico, falecendo poucos meses depois. Esquematizemos estas três fases com os vários acontecimentos, segundo o que se pode descortinar pela informação existente: 1. Primeira fase (com Orpheu): — Santa-Rita regressa de Paris em Setembro de 1914. Segundo consta terá vindo de comboio acompanhado de Carlos Porfírio, pintor algarvio que iria animar o futurismo do Heraldo de Faro e que seria o editor do Portugal Futurista. Durante a viagem terão congeminado algumas ideias. — O nº2 da revista Orpheu, de Abril de 1915, era nitidamente ocupada por Santa-Rita, que lhe influía uma dinâmica «para-futurista», integrando como «trabalhos futuristas», quatro reproduções em hors-text duplos de obras suas. O escândalo do primeiro número (Janeiro 1915), onde já se apresentava a monumental Ode Triunfal, poema futurista de Pessoa-Álvaro de Campos, assumia agora maior orientação do futurismo. Neste segundo número o movimento estendia-se a obras poéticas como Poemas sem Suporte18 de Mário de Sá-Carneiro e Ode Marítima de Pessoa-Álvaro de Campos, ambas dedicadas «a Santa-Rita Pintor». Claramente, Santa-Rita tentou apropriar-se da revista para aí lançar o seu projecto futurista, com desagrado de Mário de Sá-Carneiro que se considerava a si e a Fernando Pessoa (1888-1935) como os «proprietários”» da revista19. Esforçando-se para a sua continuidade, que entretanto Sá-Carneiro se via na impossibilidade de dar20, Santa-Rita pensara um nº3 dedicado a Picasso, misturando aí obras suas com as do pintor espanhol21. A hipótese de Amadeo de Souza-Cardoso, fazia alterar o projecto que se chegou a preparar para ser dedicado, no âmbito das artes plásticas, ao pintor que se refugiara em Amarante22. Se o terceiro número retardava, o suicídio de Mário de Sá-Carneiro definitivamente suspendia a edição. Santa-Rita ainda tentaria convencer Fernando Pessoa a continuar a revista como grande porta-voz

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18. Um parte desta obra, intitulada Manucure, assumia mais essas influências futuristas tal como a sua ligação a Santa-Rita: “MARINETTI+PICASSO=PARIS«SANTA-RITA PINTOR+FERNANDO PESSOA ALVARO DE CAMPOS!!!!” (excerto de Manucure). 19. Ver cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 13 Setembro, 15 Setembro, 2 Outubro, 16 Outubro e 3 Novembro de 1915 20. Carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 13 Setembro 1915. 21. Carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 2 Outubro 1915. 22. Almada afirmaria: «A colaboração de Amadeo [em Orpheu] ficou nas fotografias em meu poder de quadros seus para o “Orpheu” 3». Almada Negreiros, «Orpheu» (1965), in Obras Completas. Vol. VI. Textos de Intervenção, Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1993, p.176.


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futurista mas perante a lacónica mas eficaz negação deste, que respeitava o incómodo que Sá-Carneiro antes revelara pela invasão excessiva no nº2, sujeitava Santa-Rita a interromper a via orphista como meio para lançar a polémica futurista. É a partir deste momento, da publicação gorada, que se sublinham intervenções mais directas no espaço público e de carácter performativo. 2. Segunda fase (depois de Orpheu e até ao murro de Amadeo de Sousa Cardoso a Santa-Rita): — Ainda no embalo do referido escândalo do primeiro número de Orpheu, SantaRita aproveitara o nº2 para anunciar algumas conferências de carácter futurista amanhadas pelos cafés do Chiado23, entre Junho e Julho de 1915. Os títulos anunciavam-se: de Santa-Rita «A Torre Eiffel e o génio do futurismo»; de Raul Leal, «O Theatro futurista no Espaço», de Mário de Sá-Carneiro, «As esfinges e os guindastes: estudo do bimetalismo psicológico»; e de Manuel Jardim, A Arte e a heráldica». As conferências não se realizariam perante a recusa de um dos conferentes (Manuel Jardim24), e por ausência de outro (Mário de Sá-Carneiro, que entretanto abalara, em Julho, para Paris)25. — A mais relevante antes da sessão futurista de 1917 (e mais próxima desta, como seu ensaio) foi o relato de um «grande Congresso de artistas e escritores da nova geração para protestar contra a modorra a que os velhos os obrigam» efectuado no Verão de 1915 na Cervejaria Jansen26, que substituía o anunciado no nº2 de Orpheu. Não se consta ter apresentado polémica ou reacções relevantes, parecendo pouco mais que um dos que era costume efectuar-se nos encontros quotidianos entre os artistas modernos nos cafés e cervejarias do Chiado e da Baixa. Seria tal inconsequência que justificaria a necessidade da Sessão Futurista de 1917. — Além desta, apenas breves referências, como a de Santa-Rita «a falar de tempos relativos e absolutos» acompanhado de Raúl Leal27 ou à distribuição dum

23. «Pois apesar de a récita ter sido preparada em segredo, já alguma coisa disso transpirou nos cafés». “Gente para tudo”, in A Capital, Lisboa, 5 Julho 1915. 24. Manuel Jardim, além de se considerar artisticamente afastado de Orpheu, sentiu-se com o facto de o anúncio e a programação da sua conferência se ter efectuado sem ele próprio saber, por indiscrição de Santa-Rita. Cf. Henrique de Vilhena; A Vida do pintor Manuel Jardim. Vol.II, Lisboa, 1947-48, pp.142-157. 25. Cf. Reinaldo Ferreira; Reinaldo Ferreira, in Ilustração, Lisboa, nº87, 1 Agosto 1929, pp.35-38 (acompanhado de ilustrações de Stuart Carvalhais). 26. Segundo Reinaldo Ferreira; in Ilustração, Lisboa, nº87, 1 Agosto 1929, pp.35-38 (acompanhado de ilustrações de Stuart Carvalhais). Relativamente ao programa anunciado em Orpheu, Sá-Carneiro e Manuel Jardim seriam substituídos por Rui Coelho e Almada Negreiros. 27. Carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 5 Novembro 1915.

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panfleto-manifesto intitulado O Bando Sinistro, que Santa-Rita incitara ao mesmo Raúl Leal, ainda no arrastamento do enleio criado pela edição do Orpheu28. Outras têm carácter de anedota, em que tais acções resvalavam, e que chegaram até nós por relatos indirectos29. Almada compararia Santa-Rita a Bocage, deixando «no vulgo chalaças que não fez», adiantando: «Cortei relações pessoais com quem se bastava com a notoriedade de andar por aí a brilhar em “histórias do Santa-Ritta” provocando gargalhadas e ignaro do magistral que nessas mesmas histórias estropiadas ainda ía»30. — A exposição de Amadeo nas salas da Liga Naval, em finais de 1916, voltaria a animar o espírito futurista. Santa-Rita consegue que o pintor debite, em entrevista ao jornal O Dia31, traduções parcelares de manifestos futuristas, misturadas com opiniões pessoais. A exposição que, cerca de um mês antes, no Porto, se intitulara “abstraccionismo”, ganhava agora o apelido de “futurista” adaptando-se aos interesses de Santa-Rita, que assim poderia de algum modo utilizar algum do seu efeito. Mas pode-se falar de uma aproximação entre Amadeo e Santa-Rita, cada qual no seu extremo, tendo Almada como mediador. Foi deste contexto de cumplicidades que se desenvolveu o que chamámos de Pacto Futurista32. A narrativa chegou até nós pela memória de Almada Negreiros, o único sobrevivente de 1918. Almada relatou: «Amadeo de Souza-Cardoso, Santa-Ritta-Pintor e eu, diante da tábua quinhentista “Ecce-Hommo” do Museu e Arte Antiga, firmámos o pacto do grande-frete da Poesia: enquanto a Poesia não é. Assim que saímos do Museu fomos cortar os nossos cabelos e sobrancelhas à navalha de barba e assim passeávamos pela capital o remotíssimo grito do silêncio. Amadeo e Santa-Ritta não sobreviveram um ano ao nosso pacto»33. Almada Negreiros voltaria a abordar a questão nas famosas

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28. Ver carta de Santa-Rita Pintor a Raul Leal de 30 Agosto (Julho?) 1915, in Tempo Presente, Lisboa, nº3, Julho 1959, p.21. Para reacção a este manifesto, cf. “Muito Paúlico. Literatura de manicómio astral”, in O Mundo, Lisboa, 5 Julho 1915. Ambos reproduzidos in Nuno Júdice, A Era do “Orpheu”, Lisboa, Editorial Teorema, 1986, p.106 e 107-110, respectivamente. 29. Para estas histórias, cf. veja-se o artigo de Reinaldo Ferreira, Op, cit.; Maria José de Almada Negreiros; Conversas com Sarah Affonso, Lisboa, Edições “o Jornal”, 1982, pp.49-50; e a antologia de Joaquim Matos Chaves; Santa Rita Pintor. Vida e Obra. Precisões e Considerações, Lisboa, Quimera Editores, 1989, p.18, pp.28-37. 30. Almada Negreiros, «Orpheu» (1965), in Obras Completas. Vol.VI. Textos de Intervenção, Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1993, p.174. 31. O Dia, 4 Dezembro 1916. 32. Fernando Rosa Dias, «A Arte Moderna Portuguesa e os painéis de Nuno Gonçalves: “La durée d’après Nuno Gonçalves”», in catálogo da exposição: D’Après Nuno Gonçalves, Lisboa: Faculdade de Belas artes da Universidade de Lisboa; Museu do Chiado; Museu Nacional de Arte Antiga, 11 Novembro 2010 a Abril 2011, pp.26-48 (uma organização do CIEBA; coordenação de José Quaresma). 33. Almada Negreiros, «Amadeo de Souza-Cardoso» (Diário de Lisboa, 21 Maio 1959), in Obras


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entrevistas a António Valdemar no Diário de Notícias em torno dos painéis de Nuno Gonçalves: «Assim é que, com o aparecimento do “Orpheu” ao mesmo tempo que o princípio da grande nomeada dos painéis, os inimigos, os opostos ou os contrários daquele movimento, atiraram-nos à cara com o Nuno Gonçalves (?). Isto fez precisamente com que a facção plástica do “Orpheu” se sentisse e tomasse a peito a resolução de tratarmos também dos painéis. Assim foi que, no ano de 1918 [1917?], Amadeo de Sousa Cardoso, Santa Rita Pintor e eu, firmámos um pacto de estudos sobre esses painéis.». «Jovens como éramos, esse pacto foi firmado do seguinte modo: cada um de nós foi ao nosso barbeiro pessoal e cada um de nós mandou cortar, rapar a cabeça à navalha de barba e as sobrancelhas também.» «(…).» «Do pacto com Amadeo de Sousa Cardoso, Santa Rita Pintor e eu nada se adiantou. Não passaram quinze dias sem que Santa Rita Pintor e Amadeo de Sousa Cardoso se tivessem separado violentamente. E nesse mesmo ano ambos faleceram [considerando que tal teria acontecido em princípios de 1917, os falecimentos seriam no ano seguinte]. Então, continuei a estudar sozinho»34. A história era de novo relatada em comemorações dos 50 anos de Orpheu: «Com Santa-Ritta e Amadeo e eu fizemos o pacto do estado dos famosos painéis que deixou precipitados os conhecimentos anteriores ao encontro das letras e da pintura. O selo do nosso pacto foi cortarmos o cabelo à navalha de barba. Ainda não tinha acabado de crescer o cabelo, SantaRitta e Amadeo separam-se violentamente. Morreram ambos nesse mesmo ano»35. Este pacto, de compromisso de geração e de modernidade, que juntava aqueles que eram certamente os três nomes mais vanguardistas das artes plásticas portuguesas, tem uma marca performativa em tom de ritual e compromisso. O pacto logo se desfez: como diz Almada, na zanga entre Santa-Rita e Amadeo, seguido da morte dos dois passado não muito tempo e com poucos meses de diferença. Uma espécie de performance mais privada e em tons de ritual e pacto, mas com esse passeio público com os cabelos e sobrancelhas rapadas. O murro que Amadeo terá dado a Santa-Rita em pleno Chiado, que já poderia vir de desagrados de Paris, alimentada pela personalidade truculenta de Santa-Rita ou em supostas intrigas de Eduardo Viana36, fecha esta performance de firmação de pacto tal como esta segunda fase

Completas. Vol.VI. Textos de Intervenção, Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1993, p.164. 34. «Assim Fala Geometria — Almada negreiros reconstituiu a obra-prima da pintura primitiva portuguesa na capela do Fundador do Mosteiro da Batalha e afirma “Todo este trabalho seria para uma geração e não um trabalho individual como fiz. Não perdoo!» (entrevista de António Valdemar a Almada Negreiros), in Diário de Notícias, Lisboa, 9 Junho 1960. 35. Almada Negreiros, «Orpheu» (1965), in Obras Completas. Vol.VI. Textos de Intervenção, Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1993, p.175. 36. Maria José de Almada Negreiros; Conversas com Sarah Affonso, Lisboa, Edições “o Jornal”, 1982,

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que abordamos. Nos meses seguintes tudo se orientará para a Sessão Futurista e para o Portugal Futurista, assentes na cumplicidade entre Almada e Santa-Rita, já sem Amadeo que regressava para Amarante para o seu último e impressionante ciclo de produção pictórica — mas com ligações aos futuristas de Faro e tendo Almada em permeio já a envolver-se com os bailados, questão de que Santa-Rita se demarcaria, embora o avanço da doença decerto o retirasse cada vez mais das ruas da baixa de Lisboa e da polémica futurista que aí quisera instalar. 3. Terceira fase (a sessão futurista): — O momento alto, que se assume como o grande momento de despedida artística de Santa-Rita Pintor, com valor de testemunho artístico e, portanto, com outra responsabilidade programática, centra-se na Sessão Futurista (I Conferência Futurista), que seria a base da edição do nº1 de Portugal Futurista (sessão única e número único, como decerto Santa-Rita já calcularia). Este momento duplo desenrolou-se numa grande cumplicidade entre Santa-Rita Pintor e Almada Negreiros. Em relatos de memória, a pintora Sara Afonso diria lembrar-se de então os ver andarem pelo Chiado, sempre os dois em fila, o Almada um pouco à frente e o Santa Rita atrás — e acrescentava: «[Almada] era mesmo a única pessoa que se dava bem com o Santa-Rita»37. — Assim, cerca de quatro meses depois da exposição de Amadeo (e um pouco menos do murro deste a Santa-Rita) em Abril de 1917, Santa-Rita e Almada organizavam a I Conferência Futurista, apresentação tumultuosa no Teatro da República (que foi Teatro Dona Amélia até 1910 e denominado S. Luíz a partir de 1928), que se tornava o apogeu performativo e futurista de Santa-Rita e Almada Negreiros, proporcionando ainda a edição do número “eventual” da revista por si coordenada, Portugal Futurista (Novembro 1917), que acabaria por se apresentar também como um planfeto de despedida do que pudera ser o futurismo português. Dos relatos em periódicos ficaram o papel de orador de manifestos de Almada Negreiros, «operário futurista» na própria fatiota, espécie de fato de macaco futurista com que se fotografava como ícone reproduzido no Portugal Futurista. Santa-Rita, magro e esquálido de pé sobre a frisa, interrompia Almada Negreiros, provocando e espevitando o público38. Almada Negreiros, magro e atlético, empolgava recitando manifestos

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pp.49-50, p.112. 37. Maria José de Almada Negreiros; Conversas com Sarah Affonso, Lisboa, Edições “o Jornal”, 1982, pp.49-50, p.28 38. Cf. antologia crítica in: Almada Negreiros. Manifestos e Conferências. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, pp.357-360


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de Valentine de Saint-Point (Manifesto Futurista da Luxúria), Marinetti (Le MusicHall, de 1913) e o seu Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX (todos eles editados no Portugal Futurista). No seu manifesto, Almada proclamava repetidamente a necessidade de criar a pátria portuguesa do Século XX, contra o sentido decadente de um país preso na saudade e «a dormir desde Camões». E a finalizar: «O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades» — Pouco depois da sua conferência, Almada ainda divulgava em carta à A Capital, de 20 Abril 1917, que se preparava para apresentar a Lisboa «um espectáculo prático e positivo de Futurismo», apenas adiantando «que a segunda parte é uma comédia futurista, em que tomam parte, interseccionistamente, os melhores números de variedades actualmente em Lisboa e ainda outros elementos espontaneamente civis»39. Nada houve destes espectáculos, seguindo-se apenas a edição do Portugal Futurista em Novembro e, logo no mês seguinte o ânimo da chegada dos Bailados russos, que empolgariam Almada (com Santa Rita já saído de cena devido à doença). — O testamento derradeiro de Santa-Rita seria o único número da revista Portugal Futurista, impresso e editado em Faro sob direcção de Carlos Porfírio. Era apreendido logo à saída da tipografia, por supostas razões políticas e morais, devido à «linguagem despejada» do texto Saltimbancos de Almada Negreiros. Fernando Pessoa esclareceria que, editado fora dos grandes centros, a revista escapara à censura prévia que a situação de Guerra implicava, para ser resgatada já nas bancas; mas a própria polícia, contemporizava consentindo que «os rapazes salvassem o maior número de exemplares que pudessem»40. O espalhafato servia assim de narrativa de mitificação da revista futurista, ritual performativo e social com o seu próprio sacrifício. A edição reproduzia textos das intervenções da sessão futurista de Abril com uma nota introdutória de tom declamatório sobre o acontecimento por Almada Negreiros, a que se acrescentavam fragmentos de mais alguns manifestos, sobretudo dos pintores futuristas italianos. De Almada um texto sobre os Bailados Russos em Lisboa e a prosa Saltimbancos, dois textos de Bettencourt Rebello, sobre Santa-Rita e o futurismo, o ensaio L’abstractionisme futuriste de Raul Leal e ainda poemas de Fernando Pessoa (Episódios e Ficções de Interlúdio), Almada Negreiros (Mima-Fataxa, Sinfonia Cosmopolita e Apologia do

39. Almada Negreiros, «A Ideia Futurista na Ribalta. Carta de Almada Negreiros», in A Capital, Lisboa, 20 Abril 1917, p.2; reeditado in Obras Completas. Vol.VI: Textos de Intervenção, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1993, p.45. 40. Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa: Ática, 1966, pp. 407-409.

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Triângulo Feminino) e Três Poemas de Mário de Sá-Carneiro. Um dos textos originais marcantes era o Ultimatum de Álvaro de Campos, espécie de manifesto futurista sarcástico-político que atacava as figuras do poder internacional, com violência acrescida se pensarmos na situação de guerra. E se tinha toda a importância a reprodução a preto e branco de quadros de Santa-Rita, e alguns de Amadeo de Sousa-Cardoso, os verdadeiros ícones futuristas da revista acabavam por ser as fotografias de Santa-Rita em fato de xadrez e chapéu mole enfiado na cabeça (tal como era conhecido nas ruas e cafés do Chiado), em tom de clown com um quadro ao fundo, e de Almada Negreiros com o que chamámos fato de operário futurista. Santa-Rita falecia41 cerca de quatro meses depois deste último momento futurista — e se a Sessão Futurista e a edição do Portugal Futurista marcavam o seu grande testamento artístico, deixava como estranho testamento à família o desejo de destruição da sua pintura42. Esta seria como que uma última e póstuma performance, mas com a qual definia a herança do mito da personalidade. Este trabalho sobre a sua personagem, e não da sua obra, que nos surge decisiva para julgar a dimensão e necessidade performativa de Santa-Rita, foi logo entendido pelos seus contemporâneos. O próprio Santa-Rita dissera a Mário de Sá-Carneiro que «valia muito mais o Artista que as suas obras», para ele «coisa secundária»43 e afirmava que ser futurista era um modo de ser «outro eu»44. Por essa transfiguração de si, e não de obra artística produzida, passava a sua originalidade: «Ah!, meu caro amigo, você não calcula como a originalidade me preocupa. É uma necessidade moral e física de ser outro eu. Eu queria falar como ninguém fala, com palavras que ninguém mais empregasse; vestir-me de outra maneira, viver numa casa como nunca existisse»45. Nas páginas do Portugal Futurista seria já adequadamente apresentado como «homem de acção», cujo «poder exteriorisadôr é tão vigoroso e tão intenso que

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41. Falecia em 29 de Abril de 1918, com 28 anos, vítima duma arrastada tuberculose pulmonar «ocorrida por um infeliz, precipitado e grave incidente de S.e.t.p.». Henrique de Vilhena; «Recordando Santa-Rita Pintor», in Átomo, Lisboa, nº36, 30 Dezembro 1950, p.4. Sara Afonso diria que Santa-Rita «morreu com aquelas doenças que os homens tinham». Maria José de Almada Negreiros; Conversas com Sarah Affonso, Lisboa, Edições “o Jornal”, 1982, pp.49-50, p.56. 42. “É convicção aceite geralmente, o facto de o pintor, sentindo a morte chegar, ter pedido a seu irmão, o poeta Augusto de Santa Rita, que destruísse a sua obra”. Joaquim Matos Chaves; Santa Rita Pintor. Vida e Obra. Precisões e Considerações, Lisboa, Quimera Editores, 1989, p.18. 43. Carta de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, de 10 Dezembro 1912 44. Carta de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, 3 Novembro 1915. 45. Afirmação do próprio Santa-Rita Pintor. Cf. Rebelo de Bettencourt, O Mundo das Imagens. Crónicas, Lisboa, Edição “Ressurgimento”, s/d (1928?)


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Figura 3 Santa-Rita Pintor, fotografia in Portugal Futurista, 1917

Figura 4 Almada Negreiros, fotografia in Portugal Futurista, 1917

ultrapassa a própria arte e estende-se a toda a vida»46. Dele se diria ainda que «a sua obra foi a sua vida»47 ou que «pôs génio na vida e só talento nas obras»48. Almada Negreiros consideraria Santa-Rita o «mistificador mais completo»49 e veria nele um «Pintor em essência, mais do que de oficina»50. Reinaldo Ferreira diria: «Mas a grande obra de Santa-Rita, pintor, como aliás a de tôda a soldadesca da legião a que pertencia, não está nos trabalhos materiais realizados: reside nos episódios aventureiros do espírito, nas façanhas extra-«atelier», nas sortidas de guerrilha, na valentia das suas proesas isoladas e pessoais — que foi o que apavorou o adversário

46. Rebelo de Bettencourt, “Santa Rita Pintor”, in Portugal Futurista, Lisboa, 1917, p.3. 47. Rui de Aragão, “Santa Rita — Rita Pintor!”, in Aventura, Lisboa, nº2, Agosto 1942, p.84. 48. Carlos Parreira; Santa Rita, in Memorian, Lisboa, 1919. 49. Almada Negreiros, cit, in Maria José de Almada Negreiros; Conversas com Sarah Affonso, Lisboa,

Edições “o Jornal”, 1982, p.29. 50. José de Almada Negreiros; Op. cit Vol. V: Ensaios, p.58.

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e o venceu»51. Ou António Ferro em certeiro aforismo: «Santa-Rita nunca pintou, pintou-se. A sua morte foi uma tela que se rompeu»52. Almada Negreiros que fora o corpo ou o operário desse futurismo, mostrara ainda à época o interesse por outra dimensão performativa modernista pela baixa de Lisboa: a dança, que o marcaria nos mesmos anos 10 com extensões à década seguinte, na qual seria um «diletante» e, também aqui — ou sobretudo aqui — um «português sem mestre» como lhe chamou José-Augusto França53. Almada referiu em «Nota» de Portugal Futurista um primeiro bailado que coreografou e apresentou a 6 Abril de 1915, em pleno tempo de Orpheu. Seria O Sonho da Princesa na Rosa, onde tinha sido figurinista e coeógrafo e que acontecera no Palácio da Rosa dos Marqueses de Castello Melhor. No verso do Manifesto Anti-Dantas apresentava os seguintes bailados projectados em 1916: História da Carocinha, I acto, bailado infantil; Lenda d’Inês, prólogo e três actos; Bailado da Feira, prólogo e três actos; Joujous, em preparação, bailado de bonecos. A presença em Portugal do casal Delaunay tonificou este ânimo, tendo Almada pensado em bailados com figurinos de Sónia. As famosas cenografias e figurinos dos primeiros Ballet Russes em Paris também só podiam fascinar Almada enquanto desenhador modernista, sobretudo de Léon Bakst (tal como será de pensar as marcações de Bakst no Amadeo de Sousa Cardoso de 1912 e inícios de 13, no seu primitivismo luxuoso e exotismo elegante)54. Os ecos de Paris dos Ballets Russes, desde 1909, ecoavam com facilidade no Chiado e nos artistas modernos. No seu modo amador, a dança de Almada decorria entre uma dimensão atlética corporal e uma dimensão visual. Consta-se que Almada Negreiros e José Pacheko foram receber os Ballet Russe na sua chegada a Lisboa de comboio. Almada seria convidado como hóspede de Diaghilev, assistindo aos ensaios, tendo estabelecido amizade com Massine então o primeiro

51. Reinaldo Ferreira, Op, cit., Para mais algumas histórias, cf. 52. António Ferro, Teoria da Indiferença, Lisboa, Rio de Janeiro: E. Antunes [1920] (2.ª ed. revista e

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aumentada). 53. Cf. Filomena Serra, «Almada Negreiros e a Dança», in A Dança & a Música nas Artes Plásticas do Século XX (coordenação de Margarida Acciaiuoli e Paulo Ferreira de Castro), Lisboa: Edições Colibri, Instituto de História de Arte, Estudos de Arte Contemporânea, Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, 2012, pp.63-73. Almada passara esse fascínio da dança para a poesia (Rondel do Alentejo, de 1913, publicado em 1922; e sobretudo Mima Fataxa publicada em Portugal Futurista), ou vários desenhos, tal como os que ilustravam o artigo sobre os ballets de Manuel de Sousa Pinto na Atlântida (nº26 a 28 15 Dezembro 1917, 15 Janeiro e 15 Fevereiro 1918; estes textos seriam reunidos no livro Bailados Russos, Lisboa: Edição da Atlântida, 1918). 54. Cf. Maria João Castro, «Dança na Pintura Portuguesa do Século XX», in A Dança & a Música nas Artes Plásticas do Século XX (coordenação de Margarida Acciaiuoli e Paulo Ferreira de Castro), Lisboa: Edições Colibri, Instituto de História de Arte, Estudos de Arte Contemporânea, Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, 2012, pp.47-62


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coreógrafo do grupo. A primeira apresentação a 13 de Dezembro de 1917 no Coliseu tinha a presença de Almada e todas as figuras da geração modernista — tais como Carlos Ramos, José Pacheko, Jorge Segurado, Cottinelli Telmo, Leitão de Barros, António Ferro, Luís Reis Santos (mais tarde também dançarino com o pseudónimo de Luís de Turcifal; mas que faria carreira como historiador de arte) ou ainda Raul Lino e Rui Coelho que já os tinham visto em Paris. O grupo teria actuações até 27 Dezembro no Coliseu, e ainda a 2 e 3 de Janeiro no Teatro S. Carlos. Na Sessão Futurista Almada apresentara, entre outros, o Manifesto Le Music-Hall de Marinetti (1913) que publicava na edição única de Portugal Futurista onde também surgia o texto «Os Bailados Russos de Lisboa» em tom de manifesto, assinado por Ruy Coelho, Almada Negreiros e José Pacheko — os grandes entusiastas dos ballet russe e da dança moderna — eram eles que já tinham efectuado os primeiros esforços nos anos anteriores como seriam eles os protagonistas dos bailados portugueses modernos que de imediato realizariam, em Abril de 1918, novamente no ciclo aristocrático do Palácio da Rosa dos Marqueses de Castello Melhor, de que se destacou o bailado do Encantamento (música de Ruy Coelho e cenários e figurinos de Raul Lino; coreografia do 1º acto de Almada Negreiros e do 2º acto de Louis Symonoff e David Bromberg) e o famoso bailado A Princesa dos Sapatos de Ferro (música de Ruy Coelho, cenário de José Pacheko e figurinos de Almada)55. Almada seria ainda bailarino neste espectáculo, como Bruxa e Diabo, personagens bem resolvidos pela sua agilidade atlética. Almada ainda programava o bailado Jardim de Pierrette, de espírito carnavalesco, apresentado em Junho de 1918 no Teatro da Trindade, em plena zona do Chiado. Em reposição no S. Carlos em 1925 do bailado A Princesa dos Sapatos de Ferro, Almada sentiu-se utilizado, altercando-se publicamente com Ruy Coelho nas páginas do Diário de Lisboa, onde anunciava «retirar a minha colaboração na festa de Rui Coelho»; e a pedido do próprio Almada Negreiros «por não querer bailar no Teatro de S. Carlos»56. Destas aventuras de Almada Negreiros como coreógrafo contam-se ainda memórias de o ver passar com as suas dançarinas a correrem e a fazerem ginástica pelo Chiado. Santa-Rita e Amadeo faleciam. A I Guerra terminava mas já não haveria para estes regresso a Paris — e em Paris o mote lançado por Jean Cocteau era de «regresso

55. Cf. Daniel Tércio, «Uma Bailarina Russa em papel da “Nacional”», in livro/catálogo: Chiado — efervescência urbana, artística e cultural de um lugar (coordenação de José Quaresma e Fernando Rosa Dias), Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, CIEBA, 2010, pp.62-71 56. Cf. Cartas e entrevistas no Diário de Lisboa de 27 Abril a 27 Maio 1925; reeditado in Almada Negreiros, Obras Completas. Vol.III — Artigos do Diário de Lisboa, Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1988, pp.121-130.

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à ordem». Para o modernismo português, a polémica futurista parecia fechar-se como se tudo tivesse sido uma ficção clownesca sem consequências reais possíveis: «Eles viveram, portanto, uma vida entre parênteses e fabricaram um tempo irreal, ou, melhor, “ilegal”. A sua acção foi uma espécie de fogo de palha, rapidamente consumido...»57. Fechava-se um primeiro tempo de suspensão onde a performance tinha tido a sua primeira história no Chiado e na arte portuguesa. O Grupo Acre Após a Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, despoletou-se um tempo análogo de parêntesis. No âmbito das artes plásticas verificou-se um fechamento quase total de galerias de arte, sobretudo comerciais, restando os espaços mais institucionais, tal como se deu um fim algo abrupto de um recente mercado da arte que a época marcelista tinha feito nascer de modo intensamente insólito (embora no ano anterior a 2ª crise do petróleo lançasse primeiras ameaças), abrindo-se um vazio de exposições mais comerciais e individuais. Da revolução de 25 de Abril de 1974 até quase ao final da década, o que dominaram foram exposições e actividades colectivas, nascendo alguns grupos de artistas com espírito interventivo e, sobretudo, no espaço público. O grupo Acre (constituído pelo pintor Lima Carvalho e os escultores Clara Menéres e Alfredo Queiroz Ribeiro) é um marcante exemplo deste tempo — que nos interessa porque foram dos primeiros (logo a seguir à revolução de 1974), porque tiveram um particular interesse performativo enquanto acção e intervenção pública (actuação no espaço social e urbano de cidades como Porto, Caldas da Rainha ou Lisboa) e porque algumas aconteceram no Chiado. O que ressalvamos é exactamente esse modo especial em como a performance intervém no espaço público, física/espacial e socialmente, e de como essa acção no urbano procura um impacto social, sobressaltando as rotinas de quem passa nos lugares: «O grupo Acre agia por conta própria, sem bolsas, nem subsídios, sem autorização para ocupar os espaços públicos e privados»58. A primeira intervenção pública do grupo foi em Agosto 1974, logo no verão seguinte a revolução de Abril. Esta primeira acção teve uma dimensão urbana e guerrilheira com grande impacto. Efectuada na Rua do Carmo, principal ligação do Rossio ao Chiado, como que estando no nervo ou canal do centro de Lisboa, entre

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57. José-Augusto França; A Arte e a Sociedade Portuguesa no século XX, Lisboa, Livros Horizonte, 1972, p.22. 58. Joaquim Lima Carvalho, «Arte e actos públicos do grupo Acre», in O Chiado, a Baixa e a Esfera Pública (coordenação de José Quaresma), Lisboa: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, CIEBA, 2011, pp.152-153.


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Figura 5 Grupo «Acre» (Lima Carvalho, Clara Menéres, Alfredo Queiroz Ribeiro), Intervenção na Rua do Carmo, 1974

Figuras 4 e 5 Grupo «Acre» (Lima Carvalho, Clara Menéres, Alfredo Queiroz Ribeiro), Cartaz e diploma da intervenção de Venda de Diplomas de Artista, 1975

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a parte baixa e a alta — ou entre a alta da Baixa (o Chiado) e a baixa da Baixa (Baixa Pombalina e Rossio) — e no topo da rua mesmo antes de fazer esquina para dar início à Rua Garrett (e que seria bem perto do centro nevrálgico do Incêndio do Chiado que eclodiria a 25 de Agosto de 1988). A performance consistiu em pintar durante a noite círculos a amarelo e rosa-magenta, na calçada da rua A acção optou por um colorido de cores vivas e reluzentes (diríamos um cromatismo algo Benetton) que contrariasse a tendência de vermelho e negro das ideografias e logótipos políticos que irromperam na época. A rua despertava para os transeuntes na manhã seguinte transfigurada, interferindo com a rotina quotidiana de uma das zonas comerciais mais movimentadas e populares da cidade. A pintura foi realizada na madrugada, obrigando a um interrupção do trânsito por parte dos artistas, efectuado sem autorização legal, mas possível nessa agilidade que o tempo pós-revolução permitia, desse tempo de suspensão da legalidade. O grupo dedicou-se também à difusão de comunicados (nº1 a Outubro de 1974) ou Decretos de Lei (nº1/75 de 15 de Janeiro), normalmente de caracter aforístico e relativo ao mundo da arte: «Ser artista é uma maneira de estar na vida, não uma profissão» (Decreto de Lei). Esta atitude adquire particular sentido se pensado nesse estado de vazio legal do tempo pós-revolucionário, tempo de vazio de leis anteriores, de formulação novas leis e, inclusive, de necessidade de uma nova Constituição. Para o grupo Acre ela transportava a ironia do despropósito de se constituirem leis sobre questões artísticas. É neste espírito que surge outra histórica intervenção do grupo que foi a distribuição de diplomas de artistas a partir da Livraria-Galeria Opinião (Rua Nova do Trindade), de 23 Janeiro a 5 de Fevereiro de 1975. A acção derivava e tinha o centro logístico numa criada Repartição de Assuntos Artísticos (que actuaria nessa Galeria Opinião em Lisboa e na Galeria Dois no Porto). Os diplomas eram gravuras assinadas já com a impressão de 20 valores (Muito Bom com Distinção e Louvor), com o nome escrito a letra francesa e com carimbo, sendo vendidos ao preço simbólico de 20$00, que era menos que a despesa material das impressões. Os diplomas eram simuladamente autentificados por elementos do Grupo, Clara Meneres e Lima Carvalho, então professores na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. A acção teria reacções da instituição, cuja direccão chamaria os artistas a uma advertência interna, e com colegas da instituição a arrancar cartazes da rua59

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59. Ernesto de Sousa, «O Diploma e a dessublimação», in Vida Mundial Lisboa, nº1848, 13 Fevereiro 1975, p.7. Cf. catálogo da exposição: Porto 60/70: os Artistas e a Cidade, Porto: Museu de Arte Contemporânea de Serralves, 25 Janeiro a 29 Abril 2001, pp.268.


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(alimentando com isso a dimensão pública, visível e invisível, de todo o acto). Os 20 valores podiam ironizar alguma inflação de notas nas Faculdades de Belas Artes, onde esta avaliação máxima começava a surgir com insistência. Ou o caso do Grupo Os Quatro Vintes, constituído em 1968 (até 1972) por Ângelo de Sousa, Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues, que teria papel decisivo na questão da nova-abstracção portuguesa. O Grupo surgiu no âmbito cultural da Escola Superior de Belas Artes do Porto, no desenvolvimento de tertúlias desenroladas em torno das Exposições Magnas (1952-1968) e Extra-Escolares (19591968), ou ainda do Grupo 21g7, que procurara desenvolver a arte da gravura no Porto. O nome do Grupo misturava o facto de os quatro elementos do grupo terem tido classificação de 20 valores na licenciatura (considerando que tal podia significar uma situação inflacionária a necessitar de reforma pedagógica, o nome poderia ter uma marcação irónica) e uma marca de tabaco chamada Três Vintes da qual se apropriavam de modo zombeteiro (que surgiria na capa da primeira exposição do Grupo60). A acção do Grupo Acre, que conhecia bem Os Quatro Vintes, transfere essa inflação interna à instituição de formação artística, para uma inflação social e pública. Entre o princípio de Joseph Beuys (1921-1986) que qualquer um pode ser artista, e o confronto com o poder da assinatura legitimadora da arte, por Marcel Duchamp ou Piero Manzoni, definia-se uma atitude com ironia imediata para a Escola Superior de Belas Artes ali tão perto e a toda a questão da formação artística. Qual a validade cultural de um diploma artístico? Ao contrário de outras actividades de enquadramento corporativo, onde os espaços de formação superior e os seus diplomas definem critérios de legitimidade (e até obrigatória legalidade) da sua prática, no mundo artístico, sobretudo no âmbito das artes plásticas, tal já há muito que deixara de acontecer. Para Joseph Beuys todo o homem é um artista61, não existindo um método nem privilégios de ensino, porque todo o individual transporta um universal, pelo que a questão era fazer revelar o universal de artista em cada um. A intervenção do Grupo Acre simula uma autoridade exterior no interior do qual qualquer individualidade pode ser um artista. Quando Beuys reproduzia heliograficamente a imagem «La rivoluzione

60. Os Quatro Vintes realizariam exposições na Galeria Alvares (1968) e na Galeria Zen (1969, ambas do Porto, na SNBA (1969) em Lisboa e na Galeria Jacques Desbrières (1971) em Paris. Cf. Ibidem, pp.19-21. 61. Cf. Fernando Paulo Rosa Dias, “As Artes Plásticas na Alemanha depois de 1945: Imagens para uma Colecção”, in catálogo da exposição Arte Alemã do pós-Guerra/German Art after 1945, Lisboa: Centro Cultural de Belém, 25 Fevereiro a 16 Abril 2000, pp.27-29.

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siamo Noi» (1972), a noção de indivíduo pretendia aí ser o centro de um poder transformador de si e dos outros (ou do social), independente de qualquer autoridade, sendo importante esse mergulhar comportamental na regeneração do espaço público num tempo real (na sua noção de «escultura social», em que «pensar é esculpir»). Na acção do Grupo Acre não há mudança nem prova do sujeito, sendo-lhe certificado arbitrariamente o ser artista por intromissão no espaço público de uma autoridade que aí assalta o sujeito. Em Beuys acredita-se na transformação do sujeito sem necessidade de certificar (sem necessidade de diploma), enquanto o Grupo Acre certifica (fornece diploma) sem transformação, em acto de simulação irrisória. Nesta perspectiva, a ironia à instituição de formação poderia assim adquirir outro sentido, sobre a autoridade inócua desta mesma para se ser ou não artista — transferido para o poder dos críticos e de instituições de exibição da arte. Mas esta ironia, porque atravessava com facilidade as memórias da Academia, e a sua estigmatização, não deixava de servir também de espelho ao próprio princípio de Beuys de qualquer um poder ser artista. No limite, o diploma de artista nada certifica e o facto de ser vendido na rua ao desbarato só se sustenta na condição de ingénuo por parte de quem o recebe, porque o que se sublinha do acto é a sua dimensão inócua — pelo que, a partir deste estado de derrisão, a Academia revela a ironia da sua história numa difícil sobrevivência que está na dificuldade em fazer de alguém artista. Tal invasão artístico-performativa do espaço público não procurava levar a arte ao público nem que a arte se tornasse pública — ao provocar que qualquer membro do espaço público (não se exigindo qualquer prova de capacidade, nenhum curriculum artístico, nem sequer que fizesse parte de um público de arte) se certificasse como artista sublinhava por irrisão toda o vazio de critérios para essa legitimação. A ilusão conceptual estava montada, como uma representação dos atributos institucionais, onde se provava que o ser artista facilmente se manipulava. A ilusão não estava numa imagem feita por um artista (tal como se construiu na afirmação do artista tradicional das Belas Artes), mas na «imagem» jogada daquilo que era ser artista. Acrescente-se a nota de que a Escola Superior de Belas Artes, ainda no espírito do processo revolucionário iria efectuar pouco depois uma das suas mais respeitadas reformas pedagógicas, que ocuparia o ano lectivo de 1977-1978. Em Abril 1975 o Grupo protagonizava a ocupação de uma residência na Rua Marquês da Fronteira reclamando aí um «museu de arte moderna». A ausência e respectiva reivindicação de um Museu de Arte Contemporânea era antiga, vinda já dos anos 20, quando José Pacheko criticava o Museu no Chiado que, chamado de Arte Contemporânea, nem de moderna conseguia ser, preso a um naturalismo de finais do século anterior — e o mesmo Pacheko ironizava em contraponto que para se ver arte moderna em espaços públicos de Lisboa só nas telas da Brasileira


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do Chiado cuja encomenda promovera. A questão agudizou-se ao longo do século, com solicitações várias, mais sérias ou irónicas, por partes dos agentes culturais e artistas. Tal museu só se definiria com o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, fundado em 1983. A ocupação do Grupo Acre finalizava com a intervenção da polícia militar e um processo judicial. O grupo actuou ainda noutras cidades. No Porto pendurava uma lona vertical na torre dos Clérigos. Em Agosto de 1977, nos IV Encontros Internacionais de Arte das Caldas da Rainha colocavam uma placa comemorativa na fachada de um prédio particular a sul da praça central conhecida popularmente por Praça da Fruta. A placa assinalava: «No 1º andar desta casa nasceu (…) D. Sebastião Rei de Portugal». A placa com a inscrição era colocada em casa que surgiu séculos depois do nascimento do Desejado, que não se sabe que tenha tido qualquer relação com a cidade. A simulação da história e da comemoração surpreendia os transeuntes atónitos com a novidade do (falso) facto. Ainda nestas actividades nas Caldas elaboraram um Monumento em Memória ao levantamento militar de 16 Março 1974, o que provocaria a ira de milícias populares que reagiram mal, com destruição da obra e agressão aos artistas presentes perseguindo-os pela cidade. Os Encontros terminaram com essa perseguição por parte da população, à caça dos artistas, para os agredir e expulsar da cidade — fim trágico-cómico dos Encontros Artísticos, na interacção recusada. A perigosa situação ditava o fim das actividades do Grupo Acre, que já vinha desanimando com a morte de Alfredo Queiroz Ribeiro por acidente de viação em Dezembro 1974. Por outro, era tudo sinal de que o tempo de suspensão terminava; fechado o tempo alegal, os relógios começavam a andar e as instituições a redefinirem a sua normalidade.

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Bibliografia geral AA.VV. História da Arte em Portugal (Volume 13), Lisboa: Publicações Alfa, 1986. História da Arte Portuguesa (direcção de Paulo Pereira), Lisboa: Temas e Debates, Círculo de Leitores, 1996. Panorama Arte Portuguesa no Século XX (coordenação de Fernando Pernes), Porto: Fundação Serralves, Novembro 1999. Arte Portuguesa. Da Pré-História ao Século XX (Volumes 15-20) (coordenação de Dalila Rodrigues), Fubu Editores, 2009. Chiado — efervescência urbana, artística e cultural de um lugar (coordenação de José Quaresma e Fernando Rosa Dias), Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, CIEBA, 2010. O Chiado, a Baixa e a Esfera Pública — Ensaios e Exposições de Arte Pública (coordenação de José Quaresma), Lisboa: Associação de Arqueólogos Portugueses, Chiado na Moda 2011, 2011. Reviver o Chiado / Repensar o Chiado — Conferências e Exposições (livro de actas e catálogo das Jornadas Europeias do Património; coordenação de José Quaresma), Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, CIEBA; Academia Nacional de Belas Artes, 2011. Os Humoristas de 1912 e o Futuro da Memória, (actas e catálogo das Jornadas Europeias do Património; coordenação de José Quaresma), edição digital, DVD-ROM, FBAUL-CIEBA, Academia de Belas Artes, 2012. A Dança & a Música nas Artes Plásticas do Século XX (coordenação de Margarida Acciaiuoli e Paulo Ferreira de Castro), Lisboa: Edições Colibri, Instituto de História de Arte, Estudos de Arte Contemporânea, Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, 2012

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Chiado, Baixa e Confronto com o francesismo» nas Artes e na Literatura — Arte Pública, Espaço Público (coordenação de José Quaresma), Lisboa: Junta de Freguesia dos Mártires e FBAUL-CIEBA, 2013 ALMEIDA, Bernardo Pinto de, Pintura Portuguesa do Século XX, Poto: Lello Editores, 2002 (3ª edição revista e aumentada; 1ª edição de 1993) CHAVES, Joaquim Matos, Santa Rita Pintor. Vida e Obra. Precisões e Considerações, Lisboa, Quimera Editores, 1989. DIAS, Fernando Rosa, «A Arte Moderna Portuguesa e os painéis de Nuno Gonçalves: “La durée d’après Nuno Gonçalves”», in catálogo da exposição: D’Après Nuno Gonçalves, Lisboa: Faculdade de Belas artes da Universidade de Lisboa; Museu do Chiado; Museu Nacional de Arte Antiga, 11 Novembro 2010 a Abril 2011, pp.26-48. Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa EntreGuerras (1914-1940), Lisboa: Campo da Comunicação, 2011 (Prefácio de Raquel Henriques da Silva) «O Outro de Si — manifestações do «Outro» no Modernismo Português», in Actas das Conferências «Ciências das Artes», nº5: Arte e Sociedade, Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, 2011, pp.304-321. FRANÇA, José-Augusto O Modernismo na Arte Portuguesa, Lisboa, Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1980. A Arte e a Sociedade Portuguesa no século XX, Lisboa: Livros Horizonte, 1980 (2ª edição actualizada). A Arte em Portugal no século XX (1911-1961), Lisboa: Bertrand Editora, 1991, 3ª edição acrescentada; 1974, 1ª edição). A Arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX (1910-2000), Lisboa: Livros Horizonte, 2000 (4ª edição) GONÇALVES, Rui Mário Pintura e escultura em Portugal — 1940-1980, Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1980.


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A Arte Portuguesa do Século XX, Lisboa: Temas e Debates, 1998. Vontade de Mudança. Cinco décadas de artes plásticas, Lisboa: Editorial Caminho, 2004. Catálogos Arte Moderna Portuguesa no Tempo de Fernando Pessoa, Frankfurt: Schirn Kunsthalle, 20 Setembro a 30 Novembro 1997; Lisboa: Centro Cultural de Belém, 18 Dezembro 1997 a 12 de Fevereiro de 1998 (textos de Paulo Henriques e João Bonifácio Serra).

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Circa 1968, Porto: Casa de Serralves, 6 Junho a 29 Agosto 1999 (textos de João Vasco Marques Pinto, Vicente Todolí, João Fernandes, Miguel Wandschneider, Eduardo Prado Coelho, Germano Celant, Robert PincusWitten, Antje von Graevenitz, Marita Sturken e Maria José Fazenda). Anos 70 — Atravessar fronteiras, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, 9 de Outubro 2009 a 3 de Janeiro de 2010 (coordenação de Raquel Henriques da Silva).

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Chiado em efeito dromológico. Crónicas de heterotopias mundanas Fernando Rosa Dias

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Entre o Religioso e o laico — a entrada do Chiado na modernidade Após ser bairro medieval de conventos, com necessária introspecção religiosa, a entrada do Chiado na modernidade forneceu-lhe outras e múltiplas funções, desapegando os frades das ruas e invadindo-as com outras classes sociais, destacando-se uma burguesia em busca de consciência e afirmação de classe: «O Terramoto de 1755 e a extinção das Ordens religiosas em 1834 alteraram totalmente esta faceta conventual do Chiado, que se tornou um local mundano e burguês. Decididamente, como disse Garrett, aqui o “barão substitui o frade”»1. Se à sua saída da medievalidade o Chiado se apresentava como um bairro de mosteiros, onde os frades dominavam, a modernidade foi invadindo-o de um laicismo aburguesado, cultural, consumista e turístico. Ao mesmo tempo ofereciam-se novos ritmos, com a chegada imediata de novos instrumentos de velocidade que se acrescentavam ao peão e ao cavalo, como o eléctrico (os carris começam em 1872 ainda puxados a cavalos, o «carro americano», e a primeira carreira eléctrica em 1901), as lambretas, o automóvel ou o mais recente fenómeno (ou epidemia) do tuk-tuk, o «autorriquexó». Entretanto, algumas igrejas continuam lá, mantendo a sua função religiosa, mas outras dinâmicas se estabeleceram, definindo a espantosa encruzilhada que caracteriza o Chiado. Marcante na manutenção dessa tradição religiosa, e de forte ligação com a cidade, é a procissão do Senhor dos Passos, iniciada em 1587 — já se disse que o Chiado se torna «miradouro» «à passagem deste préstito»2. Sinalizemos as actuais Igrejas do Chiado. A Igreja de Nossa Senhora do Loreto (com construção primitiva em 1522, ardeu em 1651, para ser reconstruída em 1676, como depois do terramoto de 1755, reabrindo em 1771) e a de Nossa Senhora da Encarnação (concluída em 1718, foi reconstruída após o terramoto, reabrindo em 1785) estão frente a frente a fechar o Chiado, duas «sentinelas vigilantes» que parecem substituir as torres das antigas muralhas fernandinas de Santa Catarina, como um aconchego espiritual à entrada no passeio galante e mundano da via do Chiado. Logo a seguir, a Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, que substituiu após o terramoto, e com traça urbana renovada, uma velha Igreja da Paróquia de Nossa Senhora dos Mártires, criada em 1147 por D. Afonso Henriques. Na Calçada do

1. Margarida Calado, «Antes do Terramoto: O Chiado dos Conventos», in livro/catálogo: Chiado — efervescência urbana, artística e cultural de um lugar (coordenação de José Quaresma e Fernando Rosa Dias), Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, CIEBA, 2010, p.96. Para as igrejas no Chiado, ver ainda Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), pp.29-31. 2. Cf. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), pp.35-38.

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Sacramento ainda está a Igreja do Sacramento, erguida em 1671, a única em Lisboa orientada para Sul. Também colocada em ruínas pelo terramoto, seria ali recomposta a partir de 1772. Se estas igrejas ainda estão lá, cumprindo as suas funções religiosas, outros espaços religiosos foram entretanto transformados e adaptados a outras funções: o vasto Mosteiro de S. Francisco é hoje Faculdade de Belas Artes, Academia e Museu de Arte Contemporânea; tornando-se, portanto, um lugar das artes por excelência, em diferentes funções e ritmos. Com estas instituições afins, com uma mesma origem histórica fundada na Academia de Belas Artes de oitocentos e a partilharem o mesmo espaço, a Cidade de S. Francisco, como se chamava, alberga hoje o que poderia ser uma Cidade das Artes: com a Faculdade de Belas Artes, a Academia Nacional de Belas Artes e o Museu de Arte Contemporânea. O Convento do Espírito Santo da Pedreira foi trocado pelos armazéns do Chiado. O Mosteiro do Carmo é hoje Museu Arqueológico do Carmo, com impressionante espaço aberto na zona das naves, memória viva do terramoto de 1755, com as suas reconstruídas nervuras góticas sem panos, abertas como um esqueleto estrutural. Esta reconfiguração do religioso em comercial e cultural são marcações dessa história do Chiado e da sua entrada na Era Contemporânea. Mas a história que nos interessa nessa transformação do Chiado é a construção de uma fortuna laica, que o tornou um microcosmos central da cidade e do país, onde a cultura e mundanidade passaram a ter aí a sua primeira expressão. A referida metamorfose do Chiado, de dominantes funções religiosas em laicas, permitiu uma história de diferentes camadas de tempo e funções que se concentraram no seu pequeno espaço. As origens da toponímia, e para lá da querela que ainda possa existir, revelam uma dupla vertente original, ambas nascidas de alcunhas e ambas de grande potencial significativo. Uma refere a alcunha de Chiado ao taberneiro e vinhateiro Gaspar Dias; a outra aponta a mesma alcunha a António Ribeiro, o poeta popular e chocarreiro3. De um lado temos a origem mundana do Chiado de tabernas e a sua transformação ou extensão em cafés, pastelarias, leitarias, casas de chá, restaurantes, casas de pasto, etc.; a outra, do poeta, está na marcação artística de teatros, salas de cinema, galerias, museus, e as várias instituições de cultura, tal como a sua extensão a livrarias, editoras redacções de jornais. Ambas se ligam em termos de vivência social e artística, com as várias tertúlias em cafés. E ambas fazem já parte da componente comercial, que se estendia às mais variadas actividades. E em todas elas, o

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3. Cf. Ibidem, pp.27-28.


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Chiado parecia apresentar o mais refinado, o exemplo ou modelo de referência, o seja, o que fazia história. Tudo parecia lá acontecer primeiro. Qualquer estudo olisipográfico confronta-se imediata e fatalmente com esta forte concentração de frenesim, de vida e de história, que marcam aquele espaço como camadas densas de diferentes vidas. O Chiado é, no fundo, apenas uma Rua (antiga Rua Direita das Portas de Santa Catarina e Chiado e hoje Rua Garrett) e um pequeno largo a oeste (que foi o lugar da Porta ou Portas de Santa Catarina, devido à cerca de D. Fernando, construída entre 1373 e 1375, e demolida em 1702, e que já foi ainda Largo da Cordoaria Nova, Largo das Cavalariças Reais, Largo do Loreto e Largo das Duas Igrejas, até 1925, altura em que passaria a ser Largo do Chiado; e também teve a alcunha popular de Largo dos Galegos) que ligam a colina das Portas de Santa Catarina e o Bairro Alto a oeste, com a Baixa Pombalina a este, e que uma rede de perpendiculares estende e comunica a norte e sul, que são ainda sua parte. A nossa questão é como este espaço tão cerceado, situado na mediação de outros, quase parecendo um mero elo de ligação entre eles, conseguiu incorporar tantos ritmos e metamorfoses de densa expressão mítica nacional, sempre acompanhando os tempos que pareciam ter nele a sua primeira expressão. Um topos denso e saturado de polis — que, pela sua história e vida, mais parece uma vasta avenida de uma das grandes capitais do mundo. Há três dimensões de vida e história que vamos usar para o sublinhar: a cultural, a comercial e a mundana. Chiado cultural O Chiado é um símbolo de uma intensa vida intelectual e artística portuguesa, com os Museus, a Academia e Faculdade de Belas Artes, o Grémio Literário, os teatros e cinemas, as esculturas monumentais no espaço público (com destaque para o ciclo dos poetas), as galerias ou as livrarias. O Chiado foi dos românticos, como dos naturalistas do grupo de Leão, como dos futuristas de Orpheu e de várias gerações de modernistas. Os vários movimentos da difícil construção da nossa modernidade artística tiveram aí o seu palco. O Grémio Literário, criado em 1845, instalava-se em 1875 no palacete do Visconde de Loures na actual Rua Ivens, referenciando aí um lugar simbólico de cultura, nascido com o romantismo nacional de Herculano e Garrett (e por proximidade justifica a mudança toponímica da Rua Garrett que substituiria a de Rua Direita das Portas de Santa Catarina e Chiado). O Grémio sinaliza também o Chiado como lugar de encontros literários, de exposições,

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debates e tertúlias em cafés e livrarias/editoras, e os seus vários clubes4. Por vezes estranhamente algo negligenciada é a sua ligação à artes plásticas, enquanto zona de exposições desde as origens da Academia de Belas Artes. Em 1836 abria a Academia de Belas Artes e a Biblioteca Pública no Mosteiro de São Francisco. Daqui nasceria depois, por separação, a Escola de Belas Artes (hoje Faculdade de Belas Artes, com uma actual comunidade de cerca de 2000 pessoas, entre alunos em três ciclos de formação, professores, investigadores e funcionários), a Academia Nacional de Belas Artes e o Museu de Arte Contemporânea (do Chiado) — entretanto saiu o espólio da Biblioteca para edifício maior que suportasse a sua crescente colecção, no que seria o último projectado por Pardal Monteiro, dentro dos seus trabalhos para a Cidade Universitária de Lisboa, a Biblioteca Nacional no Campo Grande, inaugurada em 1969. E lá estivera instalada a Galeria Nacional de Pintura da Academia de Belas Artes. Seria o Convento de S. Francisco a receber o monumental acervo de arte que vinha de todo o país dos Conventos extintos em 1834. A colecção crescia nos anos seguintes, e após a lenta catalogação, restauros, emolduramentos e outros preparos, inaugurava-se a Galeria Nacional de Pintura em 1869, que era o antepassado do Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia (depois Museu Nacional de Arte Antiga) inaugurado em Junho de 1884 nas Janelas Verdes5. Relativamente a esta relação com as artes, interessa apontar a quantidade de galerias de arte que já se fixaram no Chiado, e com relevância histórica na arte portuguesa. As galerias em Lisboa sempre tiveram dispersas (ao contrário do fenómeno da Miguel Bombarda, grande construção na cidade do Porto de finais do século XX), desvantagem que um crítico de arte estrangeiro, mas activo em Portugal na época, apontava em 1964: «Lisboa, uma cidade com quase um milhão de habitantes, conta apenas com meia dúzia de galerias que, lamentavelmente, estão mal situadas e afastadas umas das outras»6. Esta constatação pode ser confrontada com outra contígua, que acrescentamos em retrospectiva: se nunca houve essa zona das galerias em Lisboa, ele só poderia, contudo, ter acontecido num lugar — no Chiado. Levantemos algum historial, ainda por fazer com profundidade, das galerias e espaços expositivos de arte no Chiado. Logo no início, e na história das nossas

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4. Cf. José-Augusto França, «O Grémio Literário», in livro/catálogo: Chiado — efervescência urbana, artística e cultural de um lugar (coordenação de José Quaresma e Fernando Rosa Dias), Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, CIEBA, 2010, pp.28-29. 5. Hugo Xavier, «A Galeria Nacional de Pintura da Academia de Belas Artes de Lisboa: da formação do acervo à criação do Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia (1834-1884)», in catálogo: Belas Artes da Academia — Uma Colecção Desconhecida, Lisboa: Galeria de Pintura do Rei D. Luís, 14 Janeiro a 29 Março 2016, p.27-39. 6. Nelson Di Maggio, “Arte”, in Flama, Lisboa, nº838, 27 Março 1964, p.33.


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primeiras exposições temporárias e públicas de arte, em regime análogo ao do salon francês, este nascido mais de um século antes, surgiram as Exposições trienais que a Academia Nacional lançava em 1940, com a presença da Rainha D. Maria II, fundadora da Academia. Continuadas em 1843, interrompidas em 1846 e 1849 (devido à Guerra Civil do cabralismo e sua crise) seriam retomadas novamente em 1853, 1856 e 1862, ano em que a Academia se tornava Academia Real de Belas Artes. Nesta altura, e nos mesmos espaços da Academia, começaram a realizar-se as exposições da Sociedade Promotora de Belas Artes, criada em 1860 na Academia de Belas Artes. Esta Sociedade fundir-se-ia mais tarde com o Grémio Artístico, que tinha sido criado em 1890, nascendo daí a Sociedade Nacional de Belas Artes, com edifício próprio inaugurado em 1913, já bem fora do Chiado7. Não muito longe, no tempo e no espaço, o Grupo do Leão efectuou na Sociedade de Geografia, então na Rua do Alecrim (ali bem perto do Chiado e praticamente sua extensão), as suas Exposições de Quadros Modernos (Exposição de Arte Moderna a partir da 5ª, de 1985, devido à crescente presença de escultores) marcantes e preenchendo os anos de 1980. Sabe-se ainda que Columbano efectuou em 1894 uma exposição de dezoito retratos na Livraria Gomes, no Chiado, e que em 1911 apresentou trabalhos no seu ateliê da Academia de Belas Artes. A modernidade foi lançada pelos humoristas em diferentes exposições pelo Chiado. As duas primeiras exposições, em 1912 e 1913 realizavam-se nas salas do Grémio Literário. Uma terceira em 1920, tal como uma exposição de arte de modernistas, promovida pela revista Alma Nova em Fevereiro de 1917, aconteciam no Salão do Teatro S. Carlos. O Salão Bobone foi o mais marcante da cidade com a sua regularidade, num modernismo elegante e mundano nas primeiras décadas do século XX, regular até à década de 1930. Pertencia ao fotografo Augusto Bobone, que tinha também aí o seu espaço de ateliê, que se estendia entre os números 79 a 87 da Rua Serpa Pinto. A Galeria UP, criada por António Pedro, na mesma Rua Serpa Pinto (28-30), seria marcante na década de 1930, e expôs nomes marcantes do tempo como António Pedro, Almada Negreiros, Sara Afonso, Abel Manta, Jorge Barradas, Mário Eloy, Bernardo Marques, Arlindo Vicente, Helena Veira da Silva, Arpad Szenes ou Júlio dos Reis Pereira. A Casa Repe de mobílias em liquidação serviu para a mítica exposição surrealista de António Pedro e António Dacosta (com a escultora inglesa

7. José-Augusto França, «Para a história das Academias de Belas Artes em Portugal», in catálogo: Belas Artes da Academia — Uma Colecção Desconhecida, Lisboa: Galeria de Pintura do Rei D. Luís, 14 Janeiro a 29 Março 2016, pp.11-17.

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Pamela Boden) em 1940. A primeira exposição do Grupo Surrealista de Lisboa era efectuada no n.º 25, 4.º andar, da Travessa da Trindade, mesmo ali perto, na paralela à Rua Garrett, por trás da Brasileira, em espaço que tinha sido casa e ateliê de António Pedro, e que este deixara António Dacosta habitar ao longo da década de 1940 e até à sua partida para Paris em princípios de 1947. E poucos anos depois, em 1952, outra histórica exposição do surrealismo português era efectuada na Casa Jalco, loja de móveis na Rua Ivens e a poucas dezenas de metros da Rua Garrett (esta exposição animaria a ideia de fundar um espaço expositivo regular, dando origem à Galeria de Março, essa bem mais distante do Chiado). A Galeria Pórtico, marcante em meados dos anos 50, e por poucos anos, abriu bem anexo ao Chiado, logo ali no início da subida da Rua da Misericórdia, numa loja de mobiliário e decoração, desaparecida faz poucos anos. Foi animada por um grupo de alunos das Belas Artes casos de René Bertholo, Lourdes Castro, Gonçalo Duarte ou José Escada, nomes que viriam pouco anos depois, em 1958, a fundar em Paris a mítica revista (e grupo) KWY. A Galeria do Diário de Notícias abria na sua livraria em pleno Largo do Chiado, nº9, em Abril 1957 com uma exposição de Alberto de Sousa e com conferência de Reynaldo dos Santos8. Seria activa até 1964, tendo algumas circunstanciais e efémeras reaberturas expositivas até aos anos 80. Embora acusada de ser «muito diferente o valor dos artistas», realizaram-se ali «algumas das melhores exposições» da «temporada» de 1962-19639. Chegaria a expor João Vieira, Menez, René Bertholo, Lourdes Castro, Costa Pinheiro, Carlos Calvet, Manuel Baptista, Fernando Conduto, Bual, Hogan, Jorge Martins, Areal, Júlio Pomar, Nikias, entre outros. Bem perto, existiu a Galeria Opinião, no nº24 da Rua Nova do Trindade, activa no início da década de 1970 e ainda sobrevivendo aos primeiros tempos da Revolução de Abril de 1974, tendo acolhido então actividades de performance pública do Grupo Acre, como a venda de diplomas de artista no Chiado, em plena rua, em princípios de 1975 10.

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8. «Uma nova galeria de arte em Lisboa», in Diário de Notícias, Lisboa, 4 Abril 1957, p.7; «Galeria de exposições de arte. Na livraria do “Diário de Notícias” no Chiado», in Diário de Notícias, Lisboa, 11 Abril 1957, p.1; «Galeria de exposições de arte. Na livraria do “Diário de Notícias” no Chiado», in Diário de Notícias, Lisboa, 13 Abril 1957, p.1; «A inauguração da galeria de exposições do “Diário de Notícias”», in Diário de Notícias, Lisboa, 14 Abril 1957, p.1; S. P. (Sellés Paes), «Artes plásticas. Uma nova galeria em pleno Chiado», in Diário Ilustrado, Lisboa, 19 Abril 1957, p.6.. 9. Rui Mário Gonçalves, «Crítica de Artes Plásticas. Exposições Individuais», in Jornal de Letras e Artes, 12 Junho 1963, p.5. 10. Fernando Rosa Dias, «Dois Momentos Históricos da performance do Chiado: as acções futuristas e o Grupo Acre», in O Chiado da Dramaturgia e da Performance. Arte na Esfera Pública (coordenação de José Quaresma), Lisboa: CIEBA-FBAUL, Aix-en-Provence: LESA, 2014, pp.40-71.


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Nos últimos anos, e ainda activas, apontemos a existência de diferentes espaços expositivos. A galeria da Faculdade de Belas Artes, que já foi em vários locais e, como vimos, tem um passado fundador enquanto ligado à Academia de Belas Artes. Recentemente institucionalizou um lugar próprio de actividade regular com várias dezenas de exposições por ano, naturalmente articulado com os ciclos escolares de formação e o seu Centro de investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA). Também aí a Cisterna chegou a ser um lugar mítico de exposições e performances, activa entre os anos 80 e 90 do século passado, mas que questões de segurança suspenderam. Assinale-se ainda que esta instituição tem efectuado exposições exteriores, de finalistas dos cursos ou outras, e que algumas se estenderam a locais do Chiado ou ao próprio Chiado, com exposições artísticas em pleno espaço público, destacando-se as dinamizadas pelo Professor José Quaresma desde 2009. E as próprias salas e corredores vão-se animando constantemente, servindo de exibição dos trabalhos dos alunos, sobretudo em época de avaliações. De sentido mais comercial, apontemos algumas galerias actuais. A Galeria Chiado 8, da seguradora Fidelidade-Mundial, no rés-do-chão do Palácio Pinto Basto, de fachada virada para o próprio Largo do Chiado, e que durante alguns anos actuou em colaboração com a Galeria Fernando Santos do Porto, quase uma sucursal (que depois se instaria, com galeria própria e também por poucos anos, na Rua de São Paulo já fora da zona do Chiado). A Galeria de Arte Espaço Chiado, no centro comercial Espaço Chiado na Rua Nova do Trindade. A Galeria de Arte Fundação Sousa Pedro, na Rua Serpa Pinto, nº10, em espaço que era a cripta da Igreja dos Mártires, activada depois das obras decorridas entre 2005 e 2006, mas com actividade algo irregular. Na Rua Ivens, que liga o Chiado à Faculdade e à Academia de Belas Artes, temos a Galeria João Esteves Oliveira, no nº 38, fundada em 2002, mas que já faz história com o seu trabalho específico de arte moderna e contemporânea sobre papel; e a Galeria S.Francisco, logo ao lado no nº40, que é a mais antiga activa no mesmo lugar no Chiado, criada em 1969, indo já na terceira geração, sendo dirigida pela pintora Margarida Cepeda. Bem perto do Chiado apontemos ainda de actividade recente, algumas galerias: a Galeria Alecrim 50, na Rua do Alecrim; A Galeria Domus na Rua Victor Cordon; a Galeria Galveias, fundada em 2000 na Rua da Misericórdia (que tem articulações com a Galeria S. Francisco); a Galeria Quadrado Azul, sucursal de homónima do Porto, no Largo dos Stephens, nº 4. E claro, não esquecendo as galerias de arte nos cafés, sendo famosas as d’A Brasileira, que na reforma elegante do espaço em 1925, incorporou uma galeria de quadros dos modernos (Jorge Barradas, António Soares, Eduardo Viana, José Pacheko, Almada Negreiros, Bernardo Marques e Suart Carvalhais), que se tornava

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emblema e desafiava o definhamento do Museu de Arte Contemporânea logo ali. Os quadros desgastavam-se, e disso acusaria o crítico Alfredo Marques em 196311, para serem trocados na sequência de nova reforma do espaço em finais de 1960, que incorporaria obras de uma nova geração de artistas, que ainda lá estão12. Em afinidade, refira-se, da década de 1950, o mural em mármore policromado de Bartolomeu Cid dos Santos na Havaneza, com motivos do Chafariz dos Galegos, ou a grade de bronze esculpida por Jorge Vieira logo ao lado, na dependência do Banco Burnay (em processo de remodelação em que parte da Havaneza era absorvida pelo Banco). Ou o painel cerâmico de Jorge Barradas para a loja da Editora Ática. Ou ainda, e recuando na história da arte, as pinturas e esculturas em Igrejas, como os frescos e painéis que Pedro Alexandrino pintou em finais do século XVIII tanto para a Basílica de Nossa Senhora dos Mártires como para a Igreja do Sacramento. Decisiva história são os teatros e cinemas, que não existindo na rua que tinha sido do Chiado, nem no Largo homónimo, cresceram bem anexados em seu redor, como que o cercando, fazendo do Chiado lugar de encontro e passagem dos seus espectáculos13. O Teatro Ópera do S. Carlos inaugurava tudo em 1793, como sala de Ópera da cidade (que finalmente substituía a malograda Ópera do Tejo, destruída com o terramoto de 1755 após seis meses de vida), e abria um largo defronte, como uma brecha no espaço dos labirínticos conventos, tal como convocava outras modas e elegâncias. Em 1813 abria, bem perto, o teatro de S. Roque, onde é hoje a Santa Casa da Misericórdia. O Teatro do Ginásio ou Gymnásio, depois de ser uma espécie de circo, nascia em 1846 na Rua Nova do Trindade, com obras e reaberturas em 1852 e 1869. Ardia em 1921 para reabrir e logo se adaptar como sala de cinema (ou cine-teatro) à entrada dos anos 30, porque os tempos e modas de espectáculo eram já outros. O Teatro da Trindade abriu em 1867 e vai mantendo a sua actividade. Foi aqui, a 8 de Novembro de 1940, a primeira apresentação pública do Gaio Verde, Grupo de Bailado projectando por António Ferro dentro do plano de «educação do gosto» do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), numa

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11. Alfredo Marques, Diário Popular, 8 Abril 1963. Cf. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), p.205. 12. Fernando Rosa Dias, «O Chiado na Pintura — Imagens da Tertúlia», in livro/catálogo: Chiado — efervescência urbana, artística e cultural de um lugar (coordenação de José Quaresma e Fernando Rosa Dias), Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, CIEBA, 2010, pp.246-265. 13. Cf. José-Augusto França, «O Chiado e o(s) cinema(s)», in O Chiado e o Cinema. Do Cinema ao Videomaping — Artes na Esfera Pública (coordenação de José Quaresma), Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2015, pp.17-26; Margarida Calado, «O Chiado e o Cinema. Um Ensaio entre a História e a Memória», Ibidem, pp.27-37; Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), pp.63-67.


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síntese entre a modernidade dos bailados russos e a cultura popular portuguesa. Em 1894 abriu o Teatro D. Amélia, depois República em 1910, ardido em 1914 (escapando o Jardim de Inverno), e que se mantém ainda com o nome de S. Luís, que passou a ter em 1918. Aqui nasceram das primeiras projecções do animatógrafo de Lisboa, o São Luís Cine, inicialmente com sessões curtas, por vezes intercaladas com o teatro. Logo acima instalava-se o mais popular Chiado Terrasse, que nascia em 1908 para durar, com relativa regularidade, mais de 60 anos. Bem perto, nasciam em 1907 o Salão S. Carlos, logo no início (nº2) da Rua Paiva de Andrade, e o Salão Chiado na Rua Nova do Almada (que cerca de dois anos depois fechava, pouco depois do dono abrir um Salão Central na Avenida da Liberdade, avenida que iria ao longo das décadas seguintes roubar algum protagonismos ao Chiado das salas de cinema). Como também seria popular o Salão Trindade, na Rua Nova do Trindade, que nascia em 1909. O Chiado da sala de ópera nacional, depois lugar dos teatros, também se assinalava como lugar das salas de cinema nas primeiras décadas do século XX. Tudo começara ali bem perto do Chiado, na rua do Loreto, onde, em 1904, nascera o Cinema Ideal, a mais antiga sala de cinema ainda activa e a primeira a ser concebida com esse fim. Substituía as efémeras barracas de feira que inicialmente exibiam a magia do animatógrafo, para o exibir como arte, com histórias e narrativas mais complexas que concorriam com o teatro e as variedades. Esta dinâmica cultural e artística desabitou o hábito do monge que dominava o Chiado medieval, abrindo-lhe espaços, criando outras dimensões de suspensão, já não religiosas, e com isso pedia elegâncias que se exibiam nesses lugares, como o chique que se exigia no Teatro D. Amélia/São Luís, ou no seu Cine São Luís, tal como já se exigia (e ainda se vai implicitamente exigindo) na ida à ópera do S. Carlos, onde por vezes o foyer se transformava num desfile de passerelle social de elegâncias, sempre mundanas por mais chiques que sejam, ao qual, no interior, os camarotes davam alguma continuidade. Chiado comercial O comércio, por vezes derivado do cultural e animado nas vivências dos cafés, fez do Chiado o centro da moda lisboeta. As suas fachadas e montras, nacionais ou, sobretudo, cosmopolitas, foram sempre parte da dinâmica visual do Chiado, da sua variedade e luxo, com que se opõe à regularidade da Baixa Pombalina. São múltiplas as actividades: as chapelarias, que teve e ainda vai tendo, os barbeiros, as casas de decoração e móveis, as papelarias (destacamos apenas uma referência histórica, a Papelaria Veríssimos, fundada em 1840), as farmácias, as joalharias, as casas fotográficas, de chocolates, a lingerie feminina (a famosa A Pompadour, com edifício de

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Raul Lino inaugurado em 1925), etc, até às mais recentes marcas. Das mais variadas marcas dos mais diferentes produtos que lá se representaram, destaca-se normalmente a famosa Singer, que se instalava em 1874 em pleno Largo do Loreto. E, claro, os grandes Armazéns, nascidos em plena Belle Époque e ao seu estilo, para durarem quase um século. Primeiro, os Grandes Armazéns do Chiado, que se instalavam no lugar da Igreja do Espírito Santo da Pedreira, destruída com o terramoto, e do Palácio Barcelinhos que ainda aí estivera a seguir durante alguns anos. Os Grandes Armazéns do Chiado nasciam em 1894, puxando para uma estratégica zona de encruzilhada do Chiado um comércio cosmopolita de modelo parisiense, uma espécie de chique popular centrado numa oferta alargada de artigos, sobretudo de confecção, perfumaria e ourivesaria. Logo ao lado, já a descer a Rua do Carmo, foram criados os Armazéns Grandella por Francisco de Almeida Grandella, com edifício do francês Georges Demaye inaugurado em Abril de 1907, numa arte nova de estrutura de ferro inspirada nos franceses Samaritaine. Foi deste edifício que emergiu o incêndio de 25 de Agosto de 1988, que simbolizou o fim desta forte tradição dos grandes armazéns. Toda esta dinâmica comercial fez do Chiado um lugar de montras, um espectáculo visual da sedução ao consumo. Em 1928, entre 22 e 29 de Janeiro, o Diário de Lisboa organizou A Semana dos Artistas, que espalhou 66 artistas dos teatros do centro da Cidade ao longo das lojas do Chiado14. Também ficou famoso o papel do Chiado no concurso e prémio de decoração de montras que em 1940 o SPN de António Ferro criou, dentro da sua «campanha de bom gosto», iniciativa que ao longo dos anos foi tendo irregularmente edições similares. E de montras, e pela mesma altura, durante a II Guerra, perante a neutralidade do país, paraíso dos espiões, os diferentes países em guerra faziam ali a sua propaganda, pelo Chiado — eram montras políticas e de propaganda. Em exemplo, a «montra alemã» da Secção de Turismo dos Caminhos de Ferro Alemães, que se situava estrategicamente, entre 1942 e 1946, no edifício na esquina entre a Rua Garrett e a Rua do Carmo, virado para os Grandes Armazéns do Chiado. Não vamos apresentar a vasta listagens de lojas e marcas que fazem parte de uma vastíssima história do Chiado. Remetemos para a destacada viagem do livro de Mário Costa15, apenas a necessitar de actualizações desde a sua primeira edi-

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14. «Semana dos Artistas em 1928», in http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2014/08/semana -dos-artistas-em-1928.html [consulta: Janeiro 2016] 15. Remetemos para o conjunto do levantamento de Mário Costa, bastante completo até à década de 1950. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição).


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ção, nos inícios da década de 1960, onde ficou. Apresentemos apenas o panorama dinâmico da tradição de livreiros e redacções de gazetas, de lojas de música e discos e de fotografia, pela forte ligação às dimensões cultural e mundana que nos interessam aqui. As casas livreiras sempre foram uma determinante expressão cultural do Chiado, tendo várias vezes tertúlias próprias (a de Aquilino Ribeiro na Bertrand ou do António Sérgio na Sá da Costa) que concorriam com as dos cafés. Elas são um símbolo da dobra do Chiado dos Conventos para o Chiado cultural e comercial, sendo a Bertrand um grande caso sobrevivente com os seus quase 300 anos, que a candidatou a livraria mais antiga do mundo ainda activa (mesmo que uns meses fechada, compreensivelmente, por causa dos efeitos do terramoto de 1755). A cultura livresca instalava-se no Chiado podendo ser elo de mediação entre a cultura dos mosteiros e a dos cafés, que pedia, e à do comércio de que já fazia parte. Mário Costa deixou uma lista de livreiros no Chiado a partir do século XVIII, desde os irmãos Borel, Pedro de Melo, Pedro de Vale Cardoso, Manuel Caetano Ribeiro, José dos Santos, Paulo Martim, Valentim Lagier, a Librairie Française, ou a Tipografia Franco-Portuguesa. Mais recentemente a Hermes do Diário de Notícias, que foi também galeria de arte durante alguns anos. Muitas são ainda activas ou apenas recentemente desaparecidas. Com uma profundidade histórica que ainda se cruza com o Chiado dos Conventos, e consagrada como a mais antiga do mundo ainda activa, temos a Bertrand (desde 1732); mas ainda a Ferin (desde 1840), a Sá da Costa, a recentemente desaparecida Portugal, a Aillaud & Lellos, a Luso-Espanhola (onde, desde 1996, está a Coimbra Editora), a Editora Ática, que se instalava em 1946 no espaço que acabara de ser da propaganda alemã ou, algo recentemente, a Fnac, que é livraria e outras coisas (e que não fazendo parte da construção desse Chiado cultural, o revitalizou e lucrou). O Chiado foi também sede de jornais e periódicos, em geral impressos ali perto, nas gráficas do Bairro Alto, permitindo que jornalistas, cronistas e ilustradores se cruzassem nos seus espaços. Mário Costa sinalizou essa «vida irrequieta das gazetas», dos «arautos da imprensa» que habitavam o Chiado16. O Dia, que iniciou a 29 de Dezembro de 1887, até 1926, teve redacção instalada em pleno Chiado no nº80 (e na fase final na Rua António Maria Cardoso, nº20). O Novidades, fundado a 7 Janeiro 1885, após estar no nº25 da Praça Luís de Camões, instalou-se num 1º andar do nº109 da Rua Nova do Almada, na

16. Ibidem, p.367.

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esquina com o Chiado, cujas janelas pareciam uma «atalaia sobre o Chiado»17. O Palácio do Loreto no Chiado acolheu a redacção de O Repórter (que nascera em 1888) quando em 1916 ardeu o edifício desta no Terreiro do Paço. O República fundou-se em 1911 com instalação no 1º andar do nº48 do Chiado, mudando em 1915 para o Largo da Trindade. Na Rua das Portas de Santa Catarina, no antigo nº13 esteve a efémera revista literária A Semana (1850-1851). Abreviando, assinale-se ainda A Vida Mundial Ilustrada, a Humanidade, o Arquivo Democrático, o Diabo, além dos vários periódicos com domicílio na Bertrand. Houve também alguns periódicos que utilizaram o nome do Chiado. Destaque-se a Gazeta do Chiado, redigida no Restaurante Silva, que foi um semanário satírico e humorístico com grande sucesso em 1876-1877. Além dos referidos, havia todo um universo de jornais e revistas, de jornalistas e cronistas, que não estando no Chiado, estavam perto e nele passavam18. E, claro, não esquecendo a cumplicidade, e importância neste mundo de jornalista, da instalação da Rádio Renascença entre a Rua Ivens e a Rua do Loreto, onde está desde a década de 1930 e, por enquanto, até agora. O Chiado também foi local de lojas de música e de discos. A mais famosa foi a Valentim de Carvalho, fundada a 14 de Fevereiro de 1824 por Eduard Neupart, musicólogo alemão, e com o seu nome (Salão Neupart), vendendo então instrumentos musicais e partituras impressas. Nos anos 20 começou a chamar-se Valentim de Carvalho/Salão Neupart, começando a vender os primeiros discos vinil, ainda a 78 rotações, chegando a representar as grandes marcas mundiais nas décadas de ouro do disco: His Master Voice, RCA, Deca, Columbia. Nos anos 30, criou ainda um estúdio de gravação no 1º andar da loja na Rua Nova do Almada. Esta loja encerrava com o incêndio de 1988, perdendo grande parte do seu arquivo histórico de gravações. A Valentim de Carvalho viria poucos anos depois, e durante alguns anos, a abrir uma mega loja na Rua do Carmo. Nascida na altura e em concorrência com esta, a Fnac fez e vai fazendo história no mundo do disco, agora CD. A Companhia Nacional da Musica SA, que em 2003 sucedia no mesmo espaço que já tinha sido a Sassetti e a Strauss, funciona mais abaixo na Rua Nova do Almada, nº 60-62. Dedicado sobretudo à revenda em segunda mão, temos ali perto a Louie Louie, nas Escadinhas do Santo Espírito da Pedreira (que se instalara primeiro na Rua Nova do Trindade), e a Sound Club Store, no Espaço Chiado da Rua da Misericórdia.

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17. Ibidem, p.369. 18. Para outra extensão destas diferentes manifestações da existência dos periódicos, cf. Ibidem,

pp.367-379.


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Refira-se ainda a peculiar Cidade do Fado, carrinha-loja que vende em plena Rua do Carmo, sobretudo fado e para os turistas. Também as casas de fotografia confluem o lado artístico com o comercial. Eram chamados fotógrafos ou retratistas, destacando-se o ateliê e galeria Bobone, os irmãos Novais, o Vasques ou a Fotografia Alemã, a Fotografia Inglesa, a casa do Alfred Fillon, do Camacho, etc19. Parte essencial da história da fotografia em Portugal passa por estes nomes e pelo Chiado. Chiado Mundano Das tabernas, de onde nasceu (aludindo a taberna de Gaspar Dias), o Chiado sempre foi um lugar de restaurantes, casas de pasto, cafés, pastelarias, leitarias, gelatarias, etc., lugares cruciais da sua vasta história de dinâmica social e vivencial. A tradição mundana do Chiado, que não esquece as exibições de elegância que o cultural e o comercial impunham, tem como principal nervo os cafés, de referência francesa e italiana, que em Lisboa se sobrepunham nitidamente ao pub inglês, e os restaurantes e casas de pasto. Local de fixação e convívio, que se articula com a demanda do passeio e travessia que a actual Rua Garrett cativa, eram também lugares de tertúlia e animação cultural. Alguns são lendários. É o caso do famoso Marrare do Polimento, que se estendia pelos números 54 a 64 da actual Rua Garrett, para onde se deslocara em 1820 (depois de se ter instalado em 1818 no Largo de S. Carlos) pelo italiano António Marrare, para se tornar um centro de poder político e cultural (que em grande parte se transferiria para Grémio Literário) e o primeiro criador de janotas e de marialvas. Este «cenáculo da má-língua»20 foi visto como «o mais notável pasmatório do Chiado, o primeiro palratório da velha Olisipo» e «chamariz de todos os alfacinhas»21. Afirmaria Júlio de Castilho: «Lisboa era o Chiado; o Chiado era o Marrare; e o Marrare ditava a lei. Ser frequentador do Marrare era a suprema elegância para os elegantes; frequentar o Mararre era como para os romanos ir a Atenas; imprimia carácter»22. O Marrare foi perdendo fôlego na viragem do século para se extinguir em 1866. No seu vasto lugar iria instalar-se depois O Café, o Alfaite Jung e no segundo andar o Grupo dos Amigos de Lisboa; e depois ainda muitas coisas23.

19. Ibidem, pp.56-60, 113-115. 20. Ibidem, p.143. 21. Pinto de Carvalho, «Os Cafés de Lisboa, in Serões, nº53, apud Mário Costa, Ibidem, p.141. 22. Júlio de Castilho, Memórias de Castilho, apud Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História.

Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), p.142. 23. Para as múltiplas actividades que se instaram no «prédio do Marrare», cf. Ibidem, pp.146-153.

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Figuras 1 e 2 Manuel de Macedo, «Noticiarista. (à porta do café Marrare do Polimento)», in Júlio de César Machado — Lisboa na rua, 1874

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O Café Central (na actual Livraria Sá da Costa, logo ao lado e na sequência da Brasileira e Bénard), nascia com o desaparecimento do mítico Marrare, como que o sucedendo como placo de «boémia extravagante» e lugar de afirmação de janotas e marialvas. A Pastelaria Marques (em frente à Livraria Bertrand, entre os nº 70 e 72), era reconhecida pelo seu salão de casamentos. A Leitaria Garrett (no nº 46) começou na década de 1920, até 1982. Ainda sobreviventes e míticas: A Brasileira, a dos artistas e intelectuais modernistas por excelência, que nascia em 1905 para vender o genuíno café de Minas Gerais, que se reformulava como café em 1908, e que na reforma do espaço em 1925 incorporaria a referida galeria de quadros modernos, saídos com novas reformas do espaço efectuadas entres os anos 60 e 70,com crítico afunilamento do espaço e uma nova geração de quadros; e a Bénard, de tendência mais mundana e feminina com outros gostos e elegâncias afins, que também ainda lá está, praticamente logo ao lado. Perto deste espírito de cafés temos a Casa Havaneza, nascida em 1865, conhecida pela importação de cigarros e charutos, sobretudo de Havana, que eram em tempos moda chique masculina. Tornou-se centro de crítica e maledicência, tendo sido conhecida por «Club des Bavard» ou «Academia da má língua», a que Raúl


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Brandão chamou «termómetro» e Mário Costa «Caledoscópio citadino», e assim foi sendo praticamente até fechar algo abruptamente em 196024 Em continuidade, refiram-se alguns restaurantes históricos. O Restaurante Club ou Restaurante Silva, no 1º andar do nº12 da então Travessa de Estevão Galhardo, tinha janelas para o Chiado, e era frequentado pela classe alta e elegante. Num dos seus gabinetes estava a redacção da Gazeta do Chiado. O Restaurante Augusto no nº1 da travessa da Trindade, foi o grande concorrente do Silva. Ali perto, vivendo o ambiente do Chiado, o Café-Restaurante Tavares, ou Tavares Rico, centro elegante onde cultura, política e boémia se juntavam, nascia em 1779 com café e bilhares, mas só em 1784 se instalava na Rua da Palma de S. Roque, onde foi atravessando os séculos com várias mudanças. Conta-se que os excêntricos irmãos Tavares, que assumiram o estabelecimento em 1823, dirigiam-se aos clientes em verso25. Tudo isto criou rotinas, tipologias e personagens típicas do Chiado. Havia a certa altura a hora do chá das cinco horas, a «hora estética» ou «hora do pecado»26, em que o mais elegante mundo feminino aparecia — sobretudo na Pastelaria Garrett (ou a Garrett do Chiado) restaurante, pastelaria e casa de chá, devido ao seu espaço elegante criado no final da Grande Guerra com concertos musicais. Depois, com a falência desta em 1934, a moda transitaria em parte para as Marques e Bénard27. Sobre o Chá das 5, e a sua relação com os janotas do Chiado, atendamos Ramalho Ortigão n’As Farpas: «Toda a gente conhecida é em Lisboa um estreito círculo de senhoras, assinantes de S. Carlos, que se vestem na mesma costureira, que mandam vir os chapéus da mesma modista, que usam o mesmo perfume e concorrem de combinação nos mesmos sítios, nas matinées umas das outras, nos

24. Ibidem, pp.179-189. 25. Ibidem, pp.235-255. 26. António Alves Martins, «Chá das Cinco. A Hora do pecado», in Diário de Lisboa, 14 Maio 1921,

p.4. O Diário de Lisboa criou, logo no seu aparecimento em 1921, a rubrica «Chá das Cinco», com comentários mundanos da vida de Lisboa e do Chiado: «Lisboa comentada às 5 da tarde», referia numa das crónicas a escritora Fernanda de Castro. Nela colaboraram nomes como Fernanda de Castro, António Ferro, Almada Negreiros, Thomaz Ribeiro Colaço, João Ameal, António Alves Martins, Sarmento Duque, Adolfo Norberto Lopes, entre outros. Numa das suas crónicas do «Chá das Cinco», escreveu Almada Negreiros: «Às cinco horas nunca me apetece chá, é só às cinco e meia, e apesar disso quasi sempre tomo café. (…).Já uma vez entornei sem querer um bule de chá por cima dos Lusíadas e ficou muito melhor. Era chá de tília por causa do nervoso. (…)». (Diário de Lisboa, 13 Junho 1921). 27. Ibidem, pp.114-115.

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respetivos chás das 5 horas da tarde, nos bailes do Paço, no tiro aos pombos, etc. Todo o janota que não conhece estas senhoras não é um janota garantido e autêntico. Ora, na sociedade de Lisboa os homens, com exceção de alguns velhos, de alguns eclesiásticos e de um ou outro mendigo, são todos janotas: e, para o demonstrar, referem-se às senhoras a quem aludo como se entre eles e elas tivesse de todo o tempo existido a intimidade mais estreita, mais indissolúvel»28.

Este era o mundo de uma personagem central do Chiado: a mulher elegante, a coquette nacional. Tal como a mulher da cidade moderna de Baudelaire, que «torna emprestada todas as artes» com a sua «frágil beleza»29, esta é também para ser contemplada, com a sua bela figura elegante, do vestido à maquilhagem. Ela é o centro em torno da qual gravitam outras personagens típicas, como o janota e o marialva. Os cafés foram absorvendo a cultura, parecendo por vezes que ela se fazia aí mesmo, substituindo os ateliês. Já disso ironizava nos anos 20 o jornalista Augusto D’Esaguy, em crónica indignada por não verificar a merecida atenção à Exposição dos Cinco Independentes (1923), de jovens artistas bolseiros de Paris: «A vida do artista em Lisboa é toda amassada em blagues, nos cantos adormecidos dos cafés. Há artistas, nós o podemos apontar, que fazem do café o seu atelier — o atelier da má língua. Falam da sua obra como se tivessem obra, como se fossem mestres a quem a glória tocou há muito. Outros falam embriagados nos seus quadros, nos quadros mortos, falecidos, anónimos sem um grito, completamente ôcos, iguais aos do mestre, iguais aos dos catálogos estrangeiros»30.

E 20 anos depois a mundanidade dos cafés do Chiado era ironizada, com perversos tons ideológicos, à facilidade com que o Chiado dos cafés servia de plataforma para uma fácil afirmação dos artistas modernistas:

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28. Ramalho Ortigão, As Farpas. Crónicas de Jornal, p.190, in http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/09/As-Farpas-.pdf [consulta: Janeiro 2016] 29. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte XI: O Elogio da maquilhagem, pp.49--52 30. Augusto D’Esaguy; “Vida artística — Henrique Franco e os 5 Independentes”, in República, Lisboa, 15 Novembro 1923, p.2.


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Figura 3 Nogueira da Silva, «Tipos Nacionais — O Janota (à porta do café Marrare do Polimento)», in Revista Popular, 1851

Figura 4 Manuel de Macedo, «O Marialva (à porta do Café Central», in O Gajo, 1877

«O Chiado é a fábrica miraculosa onde se constrói a mentalidade semi-mesocratica do “Café”, anti-tradicionalista e espectaculosamente liberal. O Chiado é uma espécie de túnel invisível pelo qual pode entrar um asno no Rossio para sair no Loreto uma celebridade…» (…) «ante-câmara de literatura “vanguardista” mais ou menos comunisante…»31.

O Chiado criou mesmo uma fauna própria. O seu ambiente foi o palco gerador dos famosos janotas e marialvas, figuras típicas de um excesso de exibição social que

31. Jorge Ramos: «Depoimentos. Comunisantes sem máscara, ensaístas sem cultura e nefelibatas sem vergonha», in Aléo, Lisboa, nº15 (série III), 5 outubro 1944, p.8.

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o Chiado decretava. O janota («janotas de Belle-Époque»32 ou janotas do Chiado) é uma espécie de dandy ou flâneur em marca nacional. Não tem o estoicismo do dandy de Baudelaire, com o seu heroísmo na decadência de aristocrata, em entretempos de aristocracia e democracia33. A versão do Chiado é mais superficial e frívola. Ramalho Ortigão descreveu os janotas n’As Farpas: «Assim também se daria justa satisfação aos democratas janotas que, de guedelha anediada, calças arregaçadas, chapéu para trás, casaca nova, flor ao peito, lenço na manga, luvas desembainhadas, há catorze meses berram agudamente por mundanismo e por chique como esteios de uma república em que eles até hoje debalde esperam que o indigno capital e a corrupta aristocracia lhes proporcionem ocasião de estrear-se nos salões do novo regime, valsando com duquesas, fazendo olho de conta a princesas, mordendo reivindicativos e gulosos a mousse de jambon à la créme chantilly do abolido regime, e finalmente empiteirando-se a fundo com o Royal Selery, extra-seco, das instituições morta»34. «Os jovens janotas, de calças arregaçadas, chapéu de coco atirado para a nuca, bengala agarrada pelo meio, e pés curtos de bicos para dentro, sempre que não estão parados às esquinas, caminham rija e desenganadamente para a frente, parecendo quererem a cada passada carambolar com as duas bolas de bilhar que todos trazem metidas por dentro nas biqueiras dos seus sapatos americanos. Todos eles se penteiam (nenhum à Capoul como os do meu tempo) à moda nova, a quem em Montmartre chamam a coiffure casquette risca ao meio, e todos os cabelos, escorridos e lustrosos, achatados a toda a redondeza do crânio. E isso lhes dá o ar interessantíssimo de outros tantos náufragos acabando de emergir das vagas e aguardando os acontecimentos filosoficamente do alto de uma rocha»35.

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32. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), p.94. 33. Cf. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte IX: O Dandy, pp.41-45. 34. Ramalho Ortigão, As Farpas. Crónicas de Jornal, pp.559-560, in http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/09/As-Farpas-.pdf [consulta: Novembro 2015] 35. Ibidem, pp.637-638, in http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/09/As-Farpas-.pdf [consulta: Novembro 2015]


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O marialva está mais próximo do flâneur, mas em versão mais alfacinha e provinciana. Esta versão portuguesa do flâneur é mais preguiçosa, ficando encostado à parede enquanto voyeur da cidade: que em vez de se passear vendo prefere ver passar estando. Não tem muito desse flâneur de Baudelaire que se «casa com a multidão»36, nem desse «ocioso urbano» «que habita os espaços intermédios», tal como o caracteriza Walter Benjamin37. Por isso também é bem menor a sua resposta às modas, de que é caricata versão. O Marialva era mais rude, um «brigão audacioso mas provocante, que, apenas pelo luxo de ser falado, sem causa a justificar-lhe o acto, armava horrível contenda, onde o box e a cana da índia eram, por vezes, valiosos auxílios de trunfo». De aparência, «o Marialva era, em geral, delgado, ossudo, o rosto macilento pelas noites perdidas à mesa do jogo, nas ceias dos restaurantes, nas alcovas perfumadas do demi-monde», com a «calça esguia, apertada pela perna, um pouco larga sobre a bota, chapéu alto de aba direita» e o «calçado era quase sempre de salto de prateleira, onde a espora de correia tilintava caindo desdenhosa»38. Das representações destas figuras, destacamos as caricaturas de Nogueira da Silva (1830-1868) e Manuel de Macedo (1839-1915), dignos antecessores de Raphael Bordalo Pinheiro, e por isso algo esquecidos, porque este tudo abafou com o seu impacto na caricatura portuguesa da segunda metade de novecentos. Famosos e típicos durante quase todo o século foram os galegos, que normalmente acumulavam as funções de paquetes com a de aguadeiros. Os «paquetes do Chiado», que vadiavam pelas portas do Central, viviam por trocos de recadinhos amorosos ou segurar ginetes de janotas e marialvas39. Estes moços de fretes que pairavam no Largo do Loreto eram sobretudo galegos, que ali exerciam a actividade de aguadeiros, fazendo com que este lugar, já com vários nomes, como vimos, ganhasse ainda a alcunha de Largo dos Galegos40. «Em 1800, os galegos imigrados em Portugal são já perto de 80 mil. Ao longo dos 100 anos seguintes, dedicar-se-ão sobretudo à venda ambulante de água pelas ruas de Lisboa. Estão por todo o lado: entre o Rossio e a Arcada

36. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte III: O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança, pp.13-20. 37. Cf. Neil Leach, La an-estética de la arquitectua, Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001, p.70. 38. Moura Cabral, O Chiado, apud Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), p.229. 39. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), p.251. 40. Cf. Ibidem, pp.95-96.

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do Terreiro do Paço, entre os ministérios e o cais, à porta dos armazéns, à esquina das ruas da Baixa, aos montes no Chiado, onde havia um largo conhecido por “Ilha dos Galegos”. Só aguadeiros, em Lisboa, são 3.454 por volta de 1830. Mas servem ainda para levar a trazer recados, para entregar encomendas ou fazer mudanças de casa. Dois galegos e uma corda podiam transportar quase toda a mobília de uma sala, dizia-se então. E dizia-se também que um amor sem galego era um amor sem pés»41.

Esta presença de galegos no Chiado devia-se, antes de tudo, ao chafariz do que se instalara no Loreto, construído entre 1871 e 1874, onde Machado de Castro esculpiu uma figura de Neptuno, que ainda estaria aí por cerca de 80 anos, sendo depois deslocada a escultura para o Largo da Estefânia. Cada chafariz costumava ter por decreto um certo número de aguadeiros, que à época eram constituídos, quase na totalidade, por galegos. Sabe-se que o do Chiado, o terceiro maior de Lisboa, tinha 198 aguadeiros no ano de 1851. A concentração dos mesmos perto da entrada de cafés elegantes tornou-os especialistas de recados amorosos. Podemos ainda acrescentar toda uma lista de actividades que enchiam o Chiado, com cheiros, sons ou cores próprios, como as floristas (com a Tia Russa, famosa pela sua feiura42) o realejo, as castanhas, os engraxadores ou os ardinas. Muitas delas desaparecerem, outras trocaram-se ou vestiram outras modas. Hoje encontramos as mais diferentes expressões musicais, sobretudo no Largo do Chiado, além de malabaristas, mimos, ou ainda de desenhadores e pintores de rua. O turismo da Era da Globalização, que invadiu hoje o Chiado, sendo o mais intenso causador de um actual processo de metamorfose, a ponderar, tem diluído a caracterização destas figuras típicas, tal como tem feito aparecer negócios novos, cruzados com o fim de outros. Mas o turismo já tinha forte tradição no Chiado, e alguns foram marcantes no século XIX, como o Hotel Mata, o Hotel Gibraltar (a que sucedeu o Hotel Universal), o Hotel dos Embaixadores, o Hotel Europa (ou Hôtel de l’Europe), o Hotel Itália, ou o Hotel Alliance. Ainda activo temos o Grande Hotel Borges, criado em 1884, data em que o Chiado tinha oito hotéis, e que Mário Costa apresenta como «a melhor câmara óptica, para observação das elegantes que passam»43. Mais recente, temos o Hotel Chiado, que a reconstrução do Chiado após o

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41. Marina Tavares Dias, «Os Galegos», in: http://lisboadesaparecida.blogspot.pt/2014/04/os-ga legos.html [consulta: Janeiro 2016] 42. Cf. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2ª edição), p.108. 43. Ibidem, p.131. Para outra extensão dos antigos hotéis do Chiado, cf. Ibidem, pp.127-131.


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incêndio colocou nos dois últimos andares dos Armazéns do Chiado para, como muitos outros nos arredores do Chiado, dar resposta a explosão turística de Lisboa nos últimos anos. Bastante marcante na vida turística do Chiado foi a criação do Dia do Turista, 10 de Abril, criado pelo SNI em 196344. O Chiado foi uma das artérias de Lisboa onde esta comemoração mais atenção e efeito provocaram. Hoje, praticamente todos os dias são dias do turismo no Chiado. Todo o seu comércio cede a essa marca, em esforço difícil com as suas tradições, e em tempos que muitas delas se perdem ou já se perderam. Nos últimos anos assiste-se ao desaparecimento do último barbeiro ou da última casa de pasto. Lisboa está na moda turística, e o Chiado ainda mais. Mas há uma tensão entre esta nova dinâmica e a sua ligação com a tradicional. Se o Chiado era o lugar de Lisboa que mais queria estar à moda de Paris, para aí adquirir uma referência cosmopolita, também foi, por isso mesmo, um lugar que sempre articulou várias camadas de tradições. Agora acentuou-se como lugar de outra recepção cosmopolita a do turismo contemporâneo da globalização (e já não do romantismo, do naturalismo ou do modernismo), como lugar de outras passagens efémeras e sem rotina enraizada. Pouco bairro de habitação, o Chiado arrisca-se a perder uma fauna própria que foi a sua história e carácter nessa disseminação turística. Dromologia, sincretismo e heterotopia no Chiado Depois do esforço de caracterização dos lugares, procuremos entender as suas dinâmicas espaciais e vivenciais. O Chiado foi sobretudo um lugar de passagem, mas que soube inculcar desacelerações e pausas ao transeunte. O Chiado tornou-se a parte alta da baixa de Lisboa, sendo lugar de passagem por via da Rua Garrett, para depois se desdobrar para a Praça do Comércio via Rua Nova do Almada, ou para o Rossio via Rua do Carmo. Esta última via permitia ainda a passagem, na segunda metade do século XIX, para o Passeio Público, vasto jardim da Lisboa romântica, que tinha as suas portas principais viradas para os actuais Restauradores. Entre uma e outra, várias perpendiculares efectuam passagens urbanas, autênticas travessas (típicas da Lisboa antiga) que atalham a ligação do Chiado a outras partes adjacentes da cidade. Este lugar de passagem que é o Chiado, de domínio pedonal na sua génese, foi incorporando outras velocidades que os novos tempos pediam: a carruagem ainda no século XIX, o eléctrico (hoje ainda passa o 28, grande sobrevivente do tempo dos eléctricos, e de grande sucesso turístico), o elevador (o do Chiado, o de São

44. Cf. Ibidem, pp.83-84.

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Julião e o único ainda activo de Santa Justa45), o automóvel, os mais recentes tuk-tuk’s (sucesso turísticos, com o seu chiar de motoreta, que alguns lisboetas consideram uma praga), ou ainda o comboio (considerando a proximidade anexa de um dos terminais de comboio mais marcantes da cidade e o mais urbano porque perto do centro: a estação dos Restauradores, com a sua particular traça neomanuelina com que se dispõe para a cidade entre as praças dos Rossio e dos Restauradores). Subterraneamente, ainda, o eixo veloz do metro, que finta o obstáculo físico da cidade de superfície, fornecendo ao peão não só novos eixos subterrâneos de ligação interna ao bairro, gerindo as próprias assimetrias que caracterizam o Chiado, entre a saída no topo, bem perto das esculturas dos poetas Chiado e Fernando Pessoa, ou em baixo, defronte á ortogonalidade da malha Pombalina. Consideramos que a dimensão pedonal ainda domina no Chiado e dificilmente deixará assim de ser: o peão é o centro referencial dos seus ritmos, o diapasão das suas velocidades. Se o Chiado é zona de passagem e de encruzilhada de diferentes meios de transporte e suas diferentes velocidades, estas são também acondicionadas (desaceleradas, diríamos) para o próprio peão; como para os outros planos (cultural, comercial e mundano) que a animam e servem de suspensão das velocidades, sempre com o peão ao centro. A rua é ainda do peão; não é a estrada do automóvel. O Chiado criou um ritmo sincrético próprio que resistiu à poluição que as velocidades efectuam sobre a habitabilidade dos espaços, tal como Paul Virilio definiu com a sua noção de dromologia46. A dimensão física de qualquer urbanidade é definida pelo espaço enquanto abertura e fechamento, cheio e vazio, enquanto edifício e rua, em modos de relações e dinâmicas. A espacialidade urbana vive sobretudo de «interespaços» ou

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45. Todos eles foram concebidos por Raoul Mesnier: o Elevador do Chiado foi o primeiro, entre a Rua do Crucifixo e a Rua Nova do Carmo, atravessando o Hotel Universal, existindo entre 1892 e 1912, para se desfazer com a construção dos Armazéns do Chiado; o elevador de Santa Justa, ou ascensor Ouro-Carmo como se chamou, marca da arquitectura do ferro no seu neo-gótico, foi inaugurado em 1902 estando ainda activo; e ainda o Elevador de São julião, também conhecido como Elevador da Biblioteca Pública ou do Município, que ligava o Largo de S. Julião e o Largo da Biblioteca, hoje da Academia de Belas Artes, inaugurado em 1897 e activo até 1915, sendo desmantelado em 1920; estes dois últimos eram raridades de puro eixo vertical; todos eles geriam a oscilação desnivelada das cotas topográficas do Chiado. Houve ainda o projecto monumental e algo utópico, que não se chegou a construir, não de um ascensor para superar declives como os anteriores, mas de uma passadeira a ligar as colinas: um projecto de um viaduto metálico apresentado por Miguel Pais em 1880 que ligava o Chiado ao Largo do Caldas. Cf. Ibidem, p.47-50, 105-108. 46. Cf. Fernando Rosa Dias, «A “dromologia” de Paul Virilio e a arquitectura contemporânea: reflexões sobre a crise da “polis” e da “domus”», in Arte Teoria, Lisboa: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, nº7, 2005, pp.234-248.


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intervalos, no seio do qual se comportam forças, e não propriamente de vazios47. No Chiado há uma multiplicidade orgânica das forças destes interespaços. Esta «ladeira vaidosa», assim lhe chamou Ramalho Ortigão, «artéria chique», «centro de elegância, de blague, de sorriso»48, parecia ser o centro de tudo. O Chiado tem tudo e está perto de tudo, e tudo está perto do Chiado. Em tempos tudo aí parecia acontecer primeiro, e tudo aí se parecia decidir: «o que um pequeno número de jornalistas, de políticos, de banqueiros, de mundanos, decidir no Chiado que Portugal seja — é o que Portugal é»49. Ou ainda: «O Chiado não é Lisboa, Lisboa não é o País, mas a verdade é que para conhecer o País é necessário conhecer Lisboa e para conhecer Lisboa é necessário conhecer o Chiado»50. O Chiado não é nem nunca quis ser uma utopia. A sua história é de metamorfoses nas quais podemos observar um microcosmos de várias mudanças históricas, sociais e culturais. O seu corolário é esse sincretismo onde se cruzam várias dromologias. Talvez o possamos considerar uma urbanidade heterotópica na linha de Vattimo, enquanto lugar que não tem um código fechado, mas aberto e móbil, por oscilação, fluidez e desenraizamento, portanto lúdica51. O Chiado não é um lugar de um género único de habitante, mas um lugar que todos podem habitar. Mas aqui, mais do que se poluírem umas às outras, essas velocidades parecem querer definir um lugar concreto — o Chiado. Talvez por isso o Chiado seja uma espécie de «centro de gravidade» de Lisboa52: como se todos os ritmos da cidade, ela por si tão plural, estivessem nele contidos, sincrética e heterotopicamente. Saturado de sensações e sinestesias, o Chiado concentra uma modernidade que o país não conseguia ser e aí se conjeturava. Era a melancolia da geração de 70, dos Vencidos da Vida (e as conferências do Casino mesmo ali tão perto, no antigo Largo da Abegoaria, hoje Largo Raphael Bordalo Pinheiro), que sonharam um país que excedia o real, ou a consumição dos modernos por desejarem outra arte e actualidade. Mas essas modernidades só existiam aí de passagem, efémeras e narcoticamente, como modas fátuas que se tornavam história na sua própria expressão imaginária. Que aconteciam nesse peculiar lugar de

47. Cf. Rudolph Arnheim, A Dinâmica a Forma Arquitectónica, Lisboa: Editorial Presença, pp.23-25. 48. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lis-

boa, 1987 (2ª edição), p.19. 49. Eça de Queirós, cit.Luís de Oliveira Guimarães, in Ibidem, p.12. 50. José Sousa Gomes, cit. Ibidem, p.20. 51. Cf. Cf. Gianni Vattimo, A Sociedade Transparente, Lisboa, Relógio d’Água, 1992, pp.65-66. 52. Guilherme d’Oliveira Martins, «A Alma do chiado…», in livro/catálogo: Chiado — efervescência urbana, artística e cultural de um lugar (coordenação de José Quaresma e Fernando Rosa Dias), Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, CIEBA, 2010, p.52.

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passagem que é o Chiado, e que consegue inscrever o passageiro na (sua) história. O Chiado incorpora uma vasta história de mudanças físicas e sociais, hábitos e modas, com variantes de cores, sons e cheiros, com as suas diferenças de traças e perfis arquitectónicos, de mutações de fachadas e montras, por vezes com transformações na malha urbana (embora mantendo a estrutura, mesmo que com camadas de mudanças toponímicas), alterações de alturas, modificações dos solos (por exemplo, o asfalto e calcetamento foram obras decorridas mais ou menos entre 1886 e 1888, substituindo a incómoda poeira de Verão do anterior macadame), ou variações da própria luz, da natural à artificial. Lugar de passagem para a Baixa ou o Jardim Público, o Chiado tornou-se lugar de passerelle de elegâncias. Passar no Chiado era querer estar na moda internacional, que foi faceta mundana de muitos dos seus modernismos. Centro de modernidade, com as modas e gostos, mas também de património, de História e historietas, é o lugar onde melhor se oferece tanto a profundidade do tempo como a fugacidade da vida, apresentando-se assim como o lugar de Lisboa onde melhor se espelha a definição paradoxal da modernidade de Baudelaire, que congrega de um lado «o transitório, o fugitivo, o contigente» e do outro «o eterno e o imutável»53. Mesmo com os golpes trágicos, do terramoto de 1775 ao incêndio do Chiado de 1988, é um espaço de sobrevivências e de metamorfoses, com passagens e ligações entre diferentes tempos, em que o novo se liga com o velho, infiltrando-se um no outro. Foi certamente isso que lhe permitiu ser um espaço onde a escala vivencial do peão, no seu centro, se mantém sem perda substancial de outros ritmos, que interagem e discorrem a partir deste centro. A pergunta de espanto olisipográfico será: como é que cabem tantas camadas de memória e de vida no Chiado? Concentrado de História e histórias, o Chiado cria um imaginário que impregna o real, passando a defini-lo, e sem o qual não se entendia. O seu excesso não cria um hiper-real, como um simulacro baudrillardiano54, porque a história e mitografia do lugar lhe oferece uma gravidade e um conteúdo. Os signos artificiais não engolem o real, porque nunca se conseguem desenraizar dessa espessura. O artifício do simulacro chega tarde porque o Chiado o atende com a espessura de uma ontologia complexa e densa, carregada de história e de desejo, e onde já várias histórias de artifício estão incorporadas. As estratégias do simulacro já estão integradas, vindas de modos do passado que ali se aclamaram: nos

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53. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte IV: A Modernidade, pp.21-24. 54. Cf. Jean Baudrillard, Simulacros e Simulação, Lisboa: Relógio d’Água, 1991.


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artifícios da moda do janota, na ilusão da arte, na blague dos modernistas, na sedução das montras, etc. Mito e realidade são o real do Chiado. No Chiado a transparência e sedução nunca podem ser lisas. Há uma opacidade que se arremete, venha ela do mito ou da realidade do Chiado, tantas vezes indistintos. Há uma resistência (um tédio, uma melancolia) que o faz resistir à lisura da «sociedade positiva, na qual as coisas, doravante transformadas em mercadoria, devem expor-se para ser, o seu valor cultual desaparece em benefício do seu valor de exposição». O Chiado repousa em si mesmo, cativando a distância de uma aura, de inacessibilidade, que lhe permite resistir à «tirania da visibilidade», à «coação icónica da transformação em imagem», da submissão ao puro domínio da visibilidade55. O Chiado oferece uma aderência e opacidade que faz com que mesmo as suas componentes de imaginário, os seus jogos de aparência e de sedução expositiva, não se sobreponham à sua vontade de existência. Terminemos com uma tentativa alegórica. A estátua de Fernando Pessoa, inaugurada a 13 Junho 1988 em plena esplanada do café A Brasileira, é um centro particular de cativação do transeunte, um peculiar sucesso de arte pública por interacção e proximidade. Esta escultura de Fernando Pessoa foi efectuada por Lagoa Henriques, formado nas Belas Artes do Porto, mas que durante vários anos foi relevante Professor de Desenho na Faculdade de Belas Artes situada na zona do Chiado, instituição esta que acolheu o seu espólio e que hoje apresenta num nicho dos seus corredores o restaurado gesso da mesma estátua de Fernando Pessoa. Diz-se que o poeta era uma figura reservada mas de múltiplas tertúlias circunscritas, entre A Brasileira e o Martinho da Arcada, tal como nos mostram os diários nas suas Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação (destacamos o ano de 1913), com a multiplicidade de encontros vários com figuras da cultura portuguesa. Hoje é o turista anónimo, centenas e milhares por dia, que se sentam com a sua imagem, num particular momento de suspensão no seio dos ritmos do Chiado. E daí observamos, logo em frente, a estátua do Poeta Chiado e, mais ao fundo, o Monumento a Camões (referência do romantismo, obra do escultor Victor Bastos), numa conexão visual entre poetas (e esculturas) de diferentes épocas e estéticas. Entre o monumento a Camões e a escultura de Fernando Pessoa, os mais míticos poetas da cultura portuguesa, uma diferença se instala. A primeira estátua ocupa uma praça; a outra, uma mesa. Uma está num pedestal; a outra sentada à mesa connosco. Verifica-se uma mistura de encanto e tédio que despoleta uma profundidade reflexiva e estética, cavada nesse

55. Cf. Byung-Chul Han, A Sociedade da Transparência, Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2014, pp.25-26.

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contraponto entre a proximidade intimista da estátua de Pessoa e a distância solene e inacessível de Camões. O Chiado sempre no meio. Propomos este contraste como uma alegórica ratoeira, em que, por breves segundos, o anónimo viandante (ou turista) sofre o silencioso impacto de um tédio atávico impregnado por esses resíduos de mitologias e imaginários que o Chiado bafeja.

O Chiado sabe-me a açorda. Corro ao fluir do Tejo lá em baixo. Mas nem ali há universo. E o tédio persiste como uma mão regando no escuro. (Álvaro de Campos / Fernando Pessoa)

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The city as a mise-en-scène of artistic urban travels (audiowalks, urban drift, performace walks: ‘the art of walking’) Marta Ostajewska

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City The modern city is usually a structure devoid of the center, escaping in the periphery, blocks of flats, fragmented, dispersed, impossible to comprehend. It is a space broken up into various levels and layers, fragmentary, polycentric and discontinuous. Getting to know it is possible through our active interaction with the city: walking, hiking, tramping, drifting. Urban travels have transforming potential. They allow us to decode reality more sensually, or to cut ourselves off from it and immerse in the created, fictional world. They play on individual senses, opening the opportunity to experience and understand the space around us. That is why many contemporary artistic activities focus on the city and urban art of walking / strolling / tramping. For artists, the city becomes one of the partners, an intimate space, a board, and stage design. Street (...) is a theater1 Zygmunt Bauman writes in Postmodern ethics and we play in this theater every day. In the following text I outline a picture of contemporary flâneurs, urban travelers, walkers and performers who roam the postmodern metropolises build up and open new meanings by drifting, walking, wandering. I present artistic action on urban tissue by focusing on their potential transforming experience and relations with the environment. Referring to the achievements of psychogeography and sociology of the city, I build a short analysis of a contemporary artist, gentleman of the street. Parisian Slacker I will start by sketching the history of some gadabout, a dandy and precursor of contemporary urban walks. It is a flâneur, nineteenth-century stroller, loafer and tramp, discoverer of urban nooks, connoisseur of the street, polishing pavement in order to kill boredom and saturate with images. This efflorescence of Baudelair’s poetry2, described by Walter Benjanim3, became the archetype of urban experience. The term itself was created in the 16th-17th centuries and from the beginning was saturated with ambivalence, meaning both curiosity and idleness. It appeared in the prose of Honorius Balzac4, in the texts of Anais Bazin or

1. Z. Bauman, Postmodern ethics, Warsaw 1996, p. 226. 2. Ch. Baudelaire, Parisian spleen, translator J. Guze, Warsaw 1992. 3. B. Seal, Baudelaire, Benjamin and the Birth of the Flâneur, “Psychogeographic Review”, 14.11.2013

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[online], <http://psychogeographicreview.com/baudelaire-benjamin-and-the-birth-of-the-flaneur/> [access: 7.06.2015]. Walter Benjamin wrote about flâneur in, among others, Das Passagen-Werk, an unfinished text from 1927 which deals with Paris, its streets, advertisements and the boredom of a big city. 4. H. Balzak,The Physiology of Marriage; Petty Troubles of Married Life, translator T. Żeleński-Boy, Warsaw 1963.


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Charles-Augustin Sainte-Beuve. Victor Fournel described flâneur as a photographer of the urban experience5, who starts the shutter with a blink of an eye. He immerses himself in the crowd merging with the mass of passing bodies. Passionate-street viewer, amateur detective6, away from home, yet feeling at home everywhere. According to Baudelair, this walking gentleman, playing a key role in understanding and portraying the city, walked aimlessly, and the nothingness and emptiness which he felt around him he filled with a lot of impressions7. Sometimes you could see him with a turtle on a leash with which he traversed the city arcades. He imposed trends, so in the mid-nineteenth century, more and more walkers appeared on the streets of Paris experiencing the city in a slow rhythm, holding their “elegant” turtles8 on ribbons. Flâneur an esthete, a lonely artist-stroller, steeped in mystery and curiosity, has become the key to philosophical reflection on the city. The city itself has become a stage where every day, among thousands of disguises and props, “real life”, “the art of quasi-meetings”, the game of observation was played out. Flâneur is a sophisticated player who plays in directing street life, where passers-by are actors and their lives are performances. However, this director is non-invasive, it is not about instructing or interfering, but merely observing. Scenarios are written by wandering, its pace and route, while art itself is a vibrating improvisation, a process that never ends, consisting of numerous episodes. Life is an art in the eye of a walking flâneur. And the city and its streets is a fascinating scene, feeding us new emotions every day. Flâneur is the first and honest researcher in the city. His experience, however, is fragmentary, deprived of the whole view. The whole can be tried to capture only on the path of reflection to which the experiment leads. Without a “experience of journey”, there is no reflection or philosophical attempt to understand the city. Flâneur is its precursor.9

5. F.-V. Fournel, Ce qu’on voit dans les rues de Paris (What One Sees in the Streets of Paris), Publisher A. Delahays, Paris 1858. 6. P. Dejneka, Flâneurie the essence of the phenomenon and transformations, University of Warsaw, 2000 [online], <http://www.dejneka.fp.pl/> [access: 07.06.2015]. 7. S. Kracauer, Jacques Offenbach and Paris of his time, translator A. Sapoliński, Warsaw 1992, p. 85. 8. R. Prouty, A Turtle on a leash, “One-way street”, 28.10.2009 [online], <http://onewaystreet.typepad. com/one_way_street/2009/10/a-turtle-on-a-leash.html>, [access: 07.06.2015]. 9. W. Benjamin, Angelus Novus. Ausgewählte Schriften 2, Frankfurt am Main 1988, p. 417. “The flâneur type brought Paris to life,” said Walter Benjamin in the introduction to Franz Hessel’s book.

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Psychogeography, unitarian urban planning and urban Drift Letters and situationists took the next step in exploring urban wandering, creating psychogeography and the concept of drift. In 1953, Ivan Szczegłow issued a manifesto: Formula of New Urbanism, in which he described the concept of the original and innovative organization of space, adapted to human needs and dreams. According to Szczegłow, the city was a total work of art (...) in which the game with time and space finds its full dimension10. His text fell on fertile ground and became one of the key manifestos of psychogeography11, a science created in the 1950s. This scientific creation, a cross between psychology and geography, was a mixture of urban wandering and political radicalism. Psychogeography presented new ways of understanding the environment, transformed boring routes that we use to go to work or shop every day, into something new and unexpected. It studied the relationship between space and emotions it evoked, and one of the main research tools was drift in urban space. At the same time “unitary urban planning”12 was created by Szczegłow and refined by Constant Anton Nieuwenhuys. It is a synthesis of art and technology, striking the functionality of architecture, opening it to the surroundings, fun and revolutionary dreams. It suggestions were very controversial, e.g. building roads on Parisian roofs, creating prisons with unlimited visits, opening 24-hour parks and a subway that never sleeps, demolishing cemeteries and museums, and transferring artworks to cafes. Equally utopian-ludic was the drift of situationists, who in a drift valued the element of freedom, fun and the possibility of “constructing the situation” (events that are sometimes accidental, sometimes a consequence of the creative actions of “driftmen”). Drifting consisted of free, plan-free wandering around the city. Wandering should be guided by the emerging desire spontaneously to go in a certain direction — towards some building attracting attention.13 In 1958, Guy Ernest Debord wrote The Drift Theory14 a manual for this psychogeographic research procedure. Drifting was not just a form of spending free time in the city desired by situationists, but above all a critical diagnostic tool. It was supposed to be independent of the weather, was

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10. M. Sieńka, Aesthetic impression as a reaction to reality — versus, 1999 [online], <http://simon.hell.pl/ wrazenie.html> [access: 07.06.2015]. 11. G.-E. Debord, Introduction to a Critique of Urban Geography, “Les Levres Nues” nr 6, 1955 [online], <http://library.nothingness.org/articles/SI/en/display/2> [dostęp: 07.06.2015}. 12. Unitary Urbanism at the end of the 1950s, “Internationale Situationniste” nr 3, 1959 [online], <http:// www.notbored.org/UU.html> [access: 07.06.2015]. 13. M. Sieńka, op. cit. 14. G.-E. Debord, The Drift Theory, “Internationale Situationniste” nr 2, 1958 [online], <https://magivanga. wordpress.com/2012/04/28/teoria-dryfu/> [access: 07.06.2015].


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limited in time (usually it lasted from dawn to dusk, with a break for sleep, but it could also happen at night and lasted for several days in a row), it usually concerned the space of the entire city, but sometimes happened static drifts in separate spaces (markets, stations, shopping centers). Drifting could also take place in groups of up to five people. Each drift was followed by the moment of creating the report, which included observations, descriptions, impressions in the form of text, drawings or photographs. Psychogeography analyzed them and tried to use the acquired information in practice. It studied which parts of the city, what shapes and forms evoke specific feelings.15 On this basis, it created emotional maps of the city and tried to design ideal cities. For situationists reality was a work of art and drift was one of the main tools of analysis and reflection. Spontaneous walking around the city was supposed to transform the city, create ephemeral “works of art-situation” and realize a utopian vision of a place where everyone could realize their dreams and emotional needs: dream city, maze city. Unfortunately, due to internal conflicts, the group broke up in the 1970s before it could fulfill its postulates. Promenadology Promenadology16, the urban’s sociology section which was created in the 1980s, no longer had such ambitious and unreal plans. It focused mainly on walking as a conscious perception of the environment, re-entering the bloodstream of the city. It was a reaction to the growing alienation of man from the environment through the development of technology and science and changes in the way of movement (cars, fast and cheap airlines, subway, public transport), which cut off from “experiencing” the surrounding space. The creator of promenadology was the Swiss sociologist Lucius Burckhard and his wife Annemarie, working at the University of Kassel. The scientist introduced the issue of walking into the university critical context, exploring the available ‘walking knowledge’ (Spaziergangswissenschaft) and focusing on human perception of space in motion. His goal was, as in the case of situationalists, to plan and build better, customized urban spaces. Walking as an art practice At the end of the 20th century, theoretical texts on urban walking as an artistic practice sprouted widely (Walking through the City: from Practice to Method, Andy

15. M. Sieńka, op. cit. 16. L. Burckhardt, Why is Landscape Beautiful? The Science of Strollology, ed. M. Ritter, M. Schmitz,

Birkhauser, 2015.

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Vandevyvere, Amelie Daems, Veronique Clette; Walking and Mapping: Artists as Cartographers Karen O’rourke, 2013; The practice of Everyday Life, Michel De Certeau, 2011; Walkscapes: Walking as an Aesthetic Practice, Francesco Careri, 2001; The Art of Walking: A Field Guide, David Evans, 2013). Festivals related to walking as a practice of art began to arise. Sideways17 took place in Belgium in 2012. A five-week festival, which is a mobile art laboratory, during which performances, site-specific activities and walking-related lectures were presented in five cities. An internet platform was also created to bring together artists interested in city walks as a space for critical practice (www.walkingartistsnetwork.org). In 2013, the first edition of the B_TOUR Festival18 took place in Berlin promoting artistic city tours. The second edition of the festival was carried out simultaneously in Berlin and Belgrade. B_TOUR is the answer to the needs of creating local, creative, democratic communities. It tests contemporary urban needs and checks how art can meet them. Festival walks in a non-obvious way open new levels of city reading, move imagination, sketching the image of the place where we would like to live. One of the activities that appeared in the previous edition of the festival was a walk by Alisa Olevy I’m a stranger.19 Its participants set their own route and created a map, but also took part in an expedition prepared by someone else. At the end of the walk, they had to give the ‘stranger’ the map which they have created. The issue of ‘walking’ has become one of the working topics raised during the BIO50 Design Biennale in Ljubljana.20 The Walking the City working group was created, which was one of twelve groups studying everyday issues. During the year’s collaboration, artists from around the world carried out a series of projects related to walking around the city. In February 2014 in Berlin, on their initiative, The Agency of Walking was born.21 Thirteen members of the agency designed ephemeral urban activities. Sophie Rzepecky and Aya Bentur created the Still Walking (urban performance) by building a walking choreography with passers-by by breaking it down into smaller and smaller elements. Maja Baloh organized walks around non-tourist parts of Ljubljana with a group of seniors talking about their immediate

17. Sideways Festiwal [online], < http://www.tragewegen.be/nl/about> [access: 07.06.2015]. 18. B_TOUR [online], < http://b-tour.org/> [access: 07.06.2015]. 19. D. Kent, A. Oleva, I’m a stranger, “B_TOUR” [online], <http://b-tour.org/im-a-stranger.html>,

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[access: 07.06.2015]. 20. BIO50 [online], < http://bio.si/en/>, [access: 07.06.2015]. 21. A. Bentur, The agency of walking [online], <http://www.ayabentur.com/THE-AGENCY-OF-WALKINGEXHIBITION> [access: 07.06.2015].


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surroundings. Paolo Patelli created Friction Atlas22, a visual map showing the negotiation and circumvention of rights related to assemblies and joint marching in various cities. Thanks to his project we could learn that in Sweden you need to apply for a special permission to dance in public, in New York a picnic of more than twenty people in the park is already a gathering, while in Cairo walking together with ten other people without permission is illegal. In 1997 an Urban Travel Agency was created by an artist operating and living in Cologne. Boris Sieverts23 organizes about twelve walks a year, each of them lasts from six hours to three days. They are walking around the outskirts of the city, on no man’s land, just off the highway or in a closed factory. Landscape is the material from which the artist tries to squeeze unobvious beauty. He also organizes lunches during walks. Elements of surrealism pervade all its activities, and their participants feel as if they were taking part in an exotic vacation. City as a playground24 The element of perverse fun, lightness, saturation of the periphery or urban nooks with humor is one of the tactics of walking city artists. This is an evident reference to the dandy-flâneur, who treated the stroll as a game, a kind of intertextual play in the theater, voyeurism, creation. Dach ist doch keine Art! — an urban art collective based in Berlin uses humor and irony in its activities. It examines the impact of social rules on human behavior. Observing the movement in a given urban space (at the station, market square, etc.) it composes its individual gestures and introduces them into a closed cycle, bursting the beaten patterns from the inside. It studies the relationship between conventional, everyday traffic and the physical organization of the urban environment. It believes that creative interventions and the introduction of an element of fun in public spaces releases the potential to challenge the inherent properties of these spaces and the rules that govern them. Material organization of space enforces particular logic of action, creates norms and ways of behavior in everyday life. Urban planning and architecture are an expression of the ideology appropriate for a specific place and time (...). Creative interventions in space question their character and properties and call into question their basic

22. P. Patelli, Frictionatlas [online], <http://frictionatlas.net/>, [access: 07.06.2015]. 23. Boris Sieverts, Goethe Institut [online], <http://www.goethe.de/kue/the/pur/bos/enindex.htm>,

[access: 07.06.2015]. 24. F. Stephan, The City as gaming platform, Goethe-Institut Poland, January 2014 [online], <http://www. goethe.de/ins/pl/lp/prj/spi/mag/urb/en12072557.htm> [access: 07.06.2015].

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assumptions and rules.25 One of the group’s humorous implementations is Spatial Compositions, a creative intervention in the space of the Berlin market. Based on buyers’ movements, it paraphrases and ironically poses them, adding animal-like gestures to human ones. It creates a subtle game with space and random participants of the action. The theme of fun and games is also implemented by the Invisible Playground collective. The group, founded in 2009 in Berlin, invents city games referring to the local specificity of the place.26 As part of the collective, the artists create new forms of games oscillating around parody and analogy, criticism and entertainment, individual participation and the principles of social coexistence.27 Their activities change social rules for a short time, appropriate public space, create new, original, fresh configurations. They make it possible to see the contrast between everyday spatial practices and ludic activities that unleash boredom and banality of common patterns. They show in an amusing and provocative way an alternative to outdated practices of urban coexistence. One of the interesting, urban walking interventions carried out by Agustina Woodgate was the creation of a class game entwining the city. Class fields painted on the city’s sidewalks and streets made it possible to implement a different walking practice. Equally unusual, saturated with game and color, urban interventions are the domain of the Austrian choreographer, Willa Dorner, who in his actions questions the traditional perception of movement. He plays with both the concept of the form of the body itself and its relationship with the place and objects located in urban space. In his project Bodies in Urban Spaces28 he creates ephemeral, temporary interventions in a diverse urban architecture environment. He places the bodies of dancers and performers dressed in colorful tracksuits in urban crevices: between handrails, tight alleys and litter bins. A group of dancers runs through busy city streets, shopping malls, squeezes into crevices in buildings, hangs from lanterns, wraps around pillars, benches, fills doors and windows with their bodies. The artist’s intention is to draw attention to the functional structure of the city and to uncover its limitations both in the physical sphere and in the sphere of principles and permissible behaviors. His urban

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25. Das ist doch keine Art — Spatial Compositions! Performance workshops and performance in itself! [online], <https://www.facebook.com/events/511089725567713/>, [access: 28.10.2012]. 26. Invisible Playground [online], <http://www.invisibleplayground.com/en/about>, [access: 07.06.2015]. 27. F. Stephan, op. cit. 28. W. Dorner, Bodies in urban spaces [online], <http://www.ciewdorner.at/index.php?page=work &wid=26>, [access: 07.06.2015].


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interventions are ephemeral and impermanent.29 However, they leave traces in the memory of witnesses. Experience which is changing awareness Spatial activities related to urban walking could be multiplied. Through a walk, wandering places gain importance, and the walk itself becomes an experience.30 This seemingly trivial action modifies city codes, tames space. Through movement and careful observation, there is its peaceful takeover, called by Professor Lucia Sa incorporation strategy31, transformation of a fragment of the city, street into own space, into place. It often happens through elements of game, spectacle, fun. A walk around the city is not only participation in the joyful ‘street performance’. It is also breaking through flashy and aggressive city advertisements, pedestrian crossings, bouncing in multiple shop windows. It is a journey saturated with mystery, but also fear and uncertainty. Urban walks can therefore be both an experience deepening trauma and psychasthenia, as well as building a sense of their own integrity in relation to the passages of space. The city is a labyrinth in which we reflect ourselves, which is no longer a “place to live”, rather the “pattern of passages”.32. On the one hand, it becomes a kind of scenery, on the other — an active partner of artistic activities. The world appears to the walker primarily as an aesthetic space, which is constructed by attention, directed by interest, curiosity and the pursuit of emotional intensity of experiences.33 New fields of science are emerging, new branches of art are associated not only with the city itself, but also with walking around it and experiencing it. Like the Parisian flâneur, the German philosopher and international situationists, modern urban movements place great emphasis on the element of improvisation, following emotion and experiencing. There is also often an element of returning to ‘feeling’, building relationships with the local environment. Thanks to

29. Willi Dorner’s Bodies in Urban Spaces Series, “Magical Urbanism” [online], <http://www. magicalurbanism.com/archives/3462>, [access: 07.06.2015]. 30. A. Van De Vyvere, A. Daems, V. Clette, Walking through the city from practice to method, w: “A Priors Making Sense in the City” nr 01, s. 79-87. By walking through them, places become meaningful […] „try to understand a lived space in perpetual movement and leave behind the interpretation of walking as a sheer locomotive aptitude; remember — walking becomes the way of experiencing. 31. L. Sá, Life in the Megalopolis. Mexico City and São Paulo, London 2007, p. 114. 32. T. Sławek, Akro / nekro / polis: images of urban space, [in:] City writing — city reading, ed. A. Zeidler-Janiszewska, Poznan 1997, p. 40. 33. M. Dzionek, Towards space anthropology. Flâneur — sketch for a portrait [online], <http://www. anthropos.us.edu.pl/anthropos2/texty/dzionek.htm>, [access: 07.06.2015].

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artistic walks, the ‘city of alienation’ transforms into a ‘city of participation’, touches the skin, opens the space of the fragrance, mixes memories with imagination, enters into a private dialogue with the participant. Urban travel has transforming potential. They allow us to receive reality more sensually, or to cut ourselves off from it and immerse ourselves in the created, fictional world. They play on individual senses, opening the opportunity to experience and understand the space around us.

Bibliography Balzak H., The Physiology of Marriage; Petty Troubles of Married Life, translator T. Żeleński-Boy, Warsaw 1963 Baudelaire Ch., Parisian spleen, translator J. Guze, Warsaw 1992. Bauman Z., Postmodern ethics, Warsaw 1996. Benjamin W., Angelus Novus. Ausgewählte Schriften 2, Frankfurt am Main 1988. Bentur A., The agency of walking [online], <http:// www.ayabentur.com/THE-AGENCY-OF-WALKING-EXHIBITION>. BIO50 [online], < http://bio.si/en/>. Burckhardt L., Why is Landscape Beautiful? The Science of Strollology, ed. M. Ritter, M. Schmitz, Birkhauser 2015. Das ist doch keine Art — Spatial Compositions! Performance workshops and performance in itself! [online], <https://www.facebook.com/events/511089725567713/>. Daems A., Van De Vyvere A., Clette V., Walking through the city from practice to method, [in:] “A Priors Making Sense in the City” issue 01. Debord G.-E., Introduction to a Critique of Urban Geography, “Les Levres Nues” issue 6, 1955 [online], <http://library.nothingness.org/articles/SI/en/display/2>. Debord G.-E., The drift theory, “Internationale Situationniste” issue 2, 1958 [online], <https:// magivanga.wordpress.com/2012/04/28/teoria-dryfu/>. Dejneka P., Flâneurie the essence of the phenomenon and transformations, University of Warsaw, 2000 [online], <http://www.dejneka.fp.pl/>.

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1. Prática “If only stillness reigned, pure, elemental” (Rilke, 1967, p. 30)

Em N 38° 42.7224’ / W 009° 8.442’- pausa , a performance art realizada no Museu Arqueológico do Carmo, a 3 de fevereiro de 2014 entre as 11:55 e as 13:20, os cinco corpos dispostos em linha no chão e em pausa atraíam a nossa atenção e simultaneamente afastavam a nossa presença. Uma atenção originada provavelmente pela estranheza da situação (corpos deitados no chão), pela expectativa que criavam (uma movimentação que talvez viesse a existir) e pela ocupação e relação espacial criada (corpos em linha integrados no corredor central das naves). Estes corpos evidenciavam uma presença, uma ocupação espacial maior que a do seu corpo material, uma existência muito para além da sua realidade física. Aquilo que foi possível observar e sentir encontra-se claramente identificado no âmbito coreológico1 como projeção espacial. Preston-Dunlop define spatial projection “as a line or a curve, which continues beyond the body into the kinesphere or on into the shared space” (Preston-Dunlop, 1981, p. 56). Mais do que o comummente referido stage presence, estes corpos criavam entre si uma relação espacial, uma tensão espacial que os unia e tornava o seu corpo ainda maior. E se um corpo em deslocação espacial, em progressão espacial é capaz de criar “essentially spatial pattern perceived through time” (Preston-Dunlop,1981, p. 54), localizando-se estas linhas virtuais dentro dos limites da cinesfera2, ou projetando-se de uma forma fugaz para fora desta, em spatial projection, estes corpos em pausa situaram-se na totalidade do espaço, expandindo-se nele, ocupando-o por inteiro e, ao mesmo tempo, revelando-o. O que esta performance art vem acrescentar ao uso das pausas, normalmente integradas nas frases de movimento (momentos de respiração, conclusão ou inicio de frases), ou dialogando ritmicamente com qualquer movimento dentro da mesma frase, é o facto de colocar a ação de pausar como a ação central e única em cada

1. Coreologia (“choreology”) foi definida por Rudolf Laban em 1915, no manuscrito Die Welt des Tanzers, como a investigação da arte do movimento. Desenvolvida por Laban ao longo de toda a sua vida, a coreologia foi criando uma estrutura conceptual própria. Atualmente, integra as teorias das estruturas espaciais, as teorias das dinâmicas do movimento, a teoria das afinidades naturais e, a área mundialmente mais conhecida e empregue, a da análise e notação do movimento (Labanotation ou Kinetography Laban). 2. “Kinesphere is the sphere around the body whose periphery can be reached by easily extended limbs without stepping away from that place which is the point of support“ (Laban, 1966, p. 10).

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frase ou secção da performance art. Ou seja: a pausa não interrompe o movimento, não dialoga, constituindo-se sim como um todo elemento organizado. Kenny refere-se ao psicanalista francês Jaques Lacan como aquele que compreendeu as enigmáticas subtilezas dos silêncios — “He saw silence not simply as a technical device for allowing space to others to express themselves but as an invitation to being in its fullness” (Kenny, 2011 pp. 11-12). Um silêncio que pode funcionar “as a means of inviting someone to have their say, but it could also provoke anxiety or tension when it was unexpected and misunderstood” (Kenny, 2011, p. 77). Poderá a ação de pausar funcionar da mesma maneira? Como um momento em que o outro pode surgir? Um outro intérprete, um outro performer, um espectador, um visitante, um passeante? Ocupando o espaço e tempo da performance? No Ballet , a construção coreográfica gera momentos em que a ação criada pelos intérpretes de solos, duetos e outros agrupamentos se destaca não só pela ação em si, mas pelo contraste que é criado com a permanência em pausa dos outros intérpretes em cena. Em exercícios de improvisação de movimento, com duetos ou mais intérpretes, a ação de pausar permite uma oportunidade para aquele que pára (suspendendo ou terminando o movimento), poder observar e reinterpretar à distância, o movimento do outro. Nesta performance art, pausar é uma ação que preenche a existência do tempo, onde o espaço, embora deixado em aberto, não convida, antes afasta — onde os que passaram por perto, fizeram-no de uma forma inibida e intimidada. E no silêncio daqueles corpos foi possível estabelecer-se alguma ligação? E no campo de silêncio assim construído foi possível aceitar os visitantes? Estabelecendose aquilo que Sim, designa por um enlace “I believe that silence, … is more likely to lead to ‘linkage’ between us in the long term,” (Sim, 2007, p. 15). E foi possível, dentro da tranquilidade do momento performativo, dentro da ausência de variedade de estímulos — pois a ação de pausar é isso, um momento sem oscilações, sem alteração de estímulos — encontrar e dar sentido à ação? “Silence has greatness simply because it is. It is, and that is its greatness, its pure existence”(Picard, 1948, p. 17). Será que desta forma, esta performance art despertou ou provocou os sentidos dos visitantes, perscrutando, estes, com a sua observação e audição, esse momento onde aparentemente nada parece acontecer? Terá ela colocado em ação o “emotional power” a que Sontag se refere quando diz “We must learn to see more, to hear more, to feel more’, (Sontag, 1966, p. 14)? “Crucially for Cage, the use of silence introduces the notion of chance, since he is not in control of the context — and Cage lays great emphasis on the role of chance in our lives in general.” (Sim, 2007, p.113). Uma das característica da


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performance art é a presença do elemento acaso em qualquer dos media e estruturas que a compõem. De que forma e em que momento existiu o acaso em N 38° 42.7224’ / W 009° 8.442’ — pausa? N 38° 42.7224’ / W 009° 8.442’ — pausa, integrou cinco performers. Nos dias antecedentes a esta performance foi-lhes pedido que se colocassem deitados, numa linha, com a cabeça numa determinada direção. A colocação espacial que cada um assumiu, em relação aos outros, foi fixada como aquela a ser estabelecida no dia da performance. Depois de os performers terem recebido uma formação sobre a natureza deste projeto, a sua integração na performance art, a sua articulação com a investigação em curso, bem como fotografias do local com corpos fictícios, foi-lhes revelada a estrutura do trabalho: Cinco corpos deitados em linha, nas posições anteriormente fixadas, encontram-se na ação de pausar. Este momento será interrompido, por qualquer um dos performers que num qualquer momento desejar iniciará um movimento de mudança de direção, no sentido oposto ou retomando o mesmo lugar, de acordo com o estabelecido, posicionando-se sempre na linha anteriormente criada por todos. Esta transição, que decorre por um breve momento, separa as secções de pausar entre si. No total, a organização espacial destes corpos irá apresentar cinco composições diferentes sendo que a primeira e a última apresentam-se iguais. Cada um terá, ao longo da performance e no momento de transição, de esboçar quatro mudanças de direção, sendo que duas delas regressam à mesma posição e as outras duas não. No dia, os performers entraram por uma porta lateral e colocaram-se na posição já conhecida, e no local preciso que nesse dia lhes foi indicado. A duração de cada secção de pausar foi determinada por qualquer performer que desta forma participou na estruturação temporal desta performance. Estrutura que apresentou a seguinte duração: 29’, 25’, 7’ e 9’. Este foi o tempo ocupado por cada secção contendo a ação de pausar, da primeira à última, respetivamente. Embora tendo determinado o local onde, dentro do museu, os performers se iriam posicionar — definindo-se assim a composição espacial por eles criada num relacionamento específico com o espaço envolvente — o público que atravessa, que penetra nesse espaço, que compõe a construção do espaço e tempo não é controlado. Num espetáculo de dança é o publico que se encontra em pausa, atento ao palco, nesta performance, os performers é que estão em pausa e é precisamente o público que se desloca, que recompõe o espaço e pontua o tempo. Existe um som ligado ao lugar e ao momento da performance. Um som que não é produzido intencionalmente mas é captado propositadamente para efeitos de

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documentação. A reprodução do som captado é capaz de nos fazer aproximar da espacialidade e densidade sonora que rodeava aqueles corpos, “a sonic sensibility would illuminate the unseen aspects of visuality” (Voegelin, 2010, p. xii). Em N 38° 42.7224’ / W 009° 8.442’ — pausa, o movimento só cessa com o desaparecimento do corpo do nosso campo visual, quando não deixa rasto, um desaparecimento sem intensão, uma ausência sem expectativa. 2. Teoria “Cómo puede el habla transmitir con justicia la forma y la vitalidad del silencio?” — George Steiner, 2003, p. 28

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Susan Sontag, no seu ensaio “The aesthetics of silence”, coloca-nos perante a impossibilidade de materializar, de fazer existir a inexistência. O público, constituído por seres sensíveis, responderá sempre, colocado que esteja perante uma qualquer situação “there can be no such thing as having no response at all” (Sontag, 1969, p. 9). Na continuidade deste raciocínio, Sontag afirma que não existe espaço vazio “As long as a human eye is looking there is always something to see … if only the ghosts of one’s own expectations” (Sontag, 1969, p. 9). A visão, carente de estímulo, procurará sempre encontrar algo que satisfaça a sua avidez visual. Construirá sempre algo que reconheça para preencher o desconhecido vazio, fará sempre um esforço para encontrar algo, e encontrará quer por adaptação quer por invenção, ilusão. A ausência de algo é imediatamente substituída por alguma coisa. Existimos tomando contacto, percepcionando o exterior. Encontramo-nos na relação contínua com o que existe fora de nós. O vazio, a inexistência proveniente, não da privação dos sentidos, mas da ausência da fonte de estímulo, imagem visual, sonora ou outra, é um foco que atrai todo o nosso esforço na compreensão e na reposição do algo ausente. Nalguns casos permanece sempre um estímulo, por mais liminar que seja, justamente o que levou John Cage a afirmar que “there is no such thing as silence. Something is always happening that makes a sound.” (Cage, 1973, p. 191). Cage recorda a experiência que passou numa câmara insonora “He who has entered an anechoic chamber, a room made as silent as technologically possible,
has heard there two sounds, one high, one low, the high the listener’s nervous system in operation, the low his blood in circulation. (Cage, 1973, p. 23). Similarmente, poder-se-á considerar que não existe ‘ausência de movimento’. Um corpo vivo, mesmo que adormecido, possui movimento perceptível por


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outros. Mesmo um corpo cadáver, na relação/reação química dos seus elementos entre si e com os do exterior, é sempre ‘sítio’ e ‘palco’ de um processo constante de movimentações, de trocas químicas e térmicas. Terike Haapoja explora estas situações nos trabalhos “Inhale-exale” (2008) e “Entropy” (2004). Um corpo vivo e consciente percepcionará sempre a sua vivência, o seu movimento. Um tronco que se expande com o ar que inspira, um tronco que retrai, um coração que se sente e ouve. Identificam-se aqui três tipos diferentes de movimento do corpo: o do corpo cadáver, perceptível nas suas movimentações — decomposições internas; o corpo em completo abandono à força da gravidade (adormecido ou não) mantendo a movimentação de sobrevivência — respiração e bater do coração, como as movimentações mais perceptíveis; e o movimento que coloca o corpo em ação, um corpo em resistência à força da gravidade, um corpo que se ergue e movimenta. Pausar, encontra-se neste último, enquanto ação do corpo, sem deslocação espacial, fazendo confluir ao corpo ativo toda a atenção à sua postura, forma e desenho. Um corpo que se sustem pela ação de pausar. Existe sempre uma produção sonora, ouvimos sempre qualquer som, quer seja interior ao corpo, no contínuo sonoro que um corpo vivo produz, quer seja exterior ao corpo, destacando-se este da miríade dos burburinhos constantes. O background do som é ele mesmo, o próprio som. O som que ouvimos é aquele que se destaca que sobressai deste fundo sonoro, seja pela sua intensidade seja pela sua textura. Qual é o campo onde se inscreve o movimento e a ação de pausar? O movimento existe no espaço: no espaço por ocupar, no espaço anteriormente por definir e revelar. As ações do corpo são o movimento original, a base onde os outros elementos do movimento existem numa articulada integração. As ações geram o movimento que, por sua vez, depois de criado, revela uma ação que o suporta e que acolhe os restantes elementos do movimento. No movimento, as ações funcionam simultaneamente como verbo e contexto, sujeito e objeto. É o ‘fazer’ da ação que gera o movimento, é nesta ação que os outros elementos de movimento se integram e revelam e, por fim, é a ação que identifica e nomeia o movimento. Pausar existe inevitavelmente em momentos de transição, de respiração, de conclusão de frases de movimento. Localizada num momento temporal intermédio, a ação de pausar conclui a ação anterior e anuncia a seguinte. É difícil imaginar um movimento sem fim que, ao ser executado por um corpo, consiga trair a sua natureza orgânica e consequentemente apresentar-se num contínuo mecânico, sem abrandamentos, sem respirações, sem oscilações de tempo dinâmico. A imagem em movimento de um corpo em ação, ou de vários corpos, em ação simultânea, no campo visual do público, atraí e absorve a atenção deste. Num

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momento em que estas ações se encontram contextualizadas, por exemplo num espetáculo de dança, o público acrescenta, à sua atenção, um esforço de compreensão das ações e das relações que à sua frente se vão desenrolando e sucedendo. As relações entre corpos e destes com os outros elementos de movimento (ações, espaço, dinâmicas) e da dança (som, espaço cenográfico, outros), vão surgindo num contínuo temporal em que o sentido criado, pelo imediatamente antes, é constantemente reconfigurado pelo momento presente e expectativas do momento futuro. O passado ajuda a criar e a dar sentido ao movimento presente, numa velocidade construtiva, caracterizadora das artes do tempo. Será que este momento de pausa poderá funcionar como o silêncio para Sontag, “providing time for the continuing or exploring of thought.” (Sontag, 1969, p.19), ou ser mesmo um elemento fundamental na comunicação? “Thus, pauses play a crucial role in achieving successful communication in that they allow not only the speaker time to organise his/her thoughts but also the listener time to understand what the speaker is saying.” (Nakane, 2007, p. 8). O pausar do movimento permite um momento, um tempo em que o público respira, um intervalo, uma reanimação, um pensamento mais desafogado do movimento presente que o distraía, exigindo-lhe, contudo, toda a sua atenção. “As in the case of speech, silence is seen to be an integral part of musical language, to be deployed by the composer for rhetorical effect — either to create a sensation of release or to build up tension” (Sim, 2007, p.113). Se o movimento é subitamente interrompido pela ação de pausar, esta cria um momento de tensão, originando uma expectativa crescente durante a sua permanência. Se a pausa é orgânica, isto é, desenvolve-se naturalmente a partir de um decrescendo de movimento, numa transição suave entre uma qualquer ação e a de pausar, então esta ação estabelece um momento transitório e separador entre frases de movimento ou de secções de movimento. Um separador que não integra nenhumas das frases ou secções mas que se situa nos limites temporais destas, criando um tempo de fronteira. No entanto se esta ação surgir inesperadamente, ou inesperadamente deixar de existir, embora expectável dentro da frase de movimento, resulta como uma qualquer ação que se articula com as outras de igual modo. Estabelecendo-se, por exemplo, como elemento dialogante com uma qualquer ação em deslocação espacial, criando frases fortemente ritmadas pela diálogo estabelecido por estas. A ação de pausar pode tomar toda uma frase ou secção de frases ou constituir-se por si só a matéria principal de uma peça de dança ou da performance art. Que outros elementos do movimento poderá a ação de pausar integrar? No movimento participam cinco elementos, com maior ou menor relevância, com maior ou menor protagonismo (corpo, ações, espaço, dinâmicas e relações).


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O corpo em pausa, aparentemente não se relaciona com nenhum dos outros elementos. Ele é o sujeito e o lugar da ação. Uma ação que progride no tempo, mas onde o corpo circunscreve a sua performance no/ao espaço do seu próprio corpo. A ação de pausar é a única ação que não se desloca espacialmente. No entanto, a presença de um corpo permite, juntamente com a ação em que se encontra, acolher e tornar relevante as restantes características espaciais. Um corpo apresentará sempre uma forma espacial, desenhando-se com mais ou menos linhas retas ou curvas. Terá uma direção e, talvez mesmo, uma projeção espacial. Um corpo em ação de pausar criará sempre relações de proximidade ou de distância com os outros corpos, objetos e elementos arquitectónicos ou cenográficos envolventes. Qualquer outra ação poderá nela ficar contida, pulsando interiormente na pausa que a envolve e a retém no espaço, acompanhando-a no tempo. A ação de pausar, durante a sua existência, não apresenta oscilações de nenhum elemento de movimento. Não há passagem, só permanências. Embora tenha existência no tempo, pausar não possui tempo dinâmico. A linha elástica do tempo que é comprimida em movimentos urgentes (em aceleração não métrica) ou distendida em movimentos suspensos (desaceleração não métrica), não sofre oscilações na ação de pausar. Ela é um contínuo em permanência temporal. Ou seja, o tempo está presente mas não é manipulado nem alterado. Quanto à força dinâmica, é possível perceber na postura de um corpo em ação de pausar se este apresenta uma tensão muscular ou, no seu oposto, uma leveza interna, uma delicadeza de massa muscular, uma distensão. A ação de pausar poderá tornar mais relevante e expressiva a postura de um corpo quer numa perspetiva da gestualidade (gesto/postura) quer numa perspetiva do desenho do próprio corpo. A história dos sistemas de notação de dança vem confirmar a relação primordial desta com a música. E se a dança é uma arte cuja característica é possuir o corpo como medium, é um facto que este corpo em movimento tem estado constantemente articulado com a música, com o som e com o silêncio, em todos os contextos onde a dança toma lugar: teatral, social e ritual. É igualmente um facto que, sendo a escrita e registo da música anterior à notação da dança, (séc. VIII e XV respetivamente) é muito natural que esta última se tenha apoiado e servido das estruturas existentes (conceptuais e o seu grafismo), para nelas se integrar e diferenciar. No primeiro livro impresso de notação de dança, “L’Art et instruction de bien dancer” (França, segunda metade do séc. XV), os passos de dança surgem anotados na própria partitura, identificados por letras, inscritas imediatamente abaixo das notas musicais.

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Raoul de Feuillet em “Chorégraphie ou l’art de décrire la danse, par caractere, figures et signes demonstratifs” (França, 1701), afasta o grafismo — os “track drawings” como Guest (1989, p.12) designa este tipo de notação — da partitura musical. Criando uma própria e simples linha, que divide o lado direito do esquerdo do corpo e onde os passos são registados ao longo da sua evolução espacial, em que o tempo se encontra dividido em compassos, por pequenos separadores verticais à linha de deslocação, e a duração de cada passo por símbolos, muito semelhantes aos musicais, sobrepostos às linhas dos passos. Em “Sténochorégraphie” (Paris, 1852), Saint-Léon, cria imediatamente acima da partitura musical, uma partitura semelhante à utilizada na música, seis linhas e cinco espaços, para nela, ao longo do desenvolvimento musical que decorre visualmente por baixo, desenhar “stick figures” (Guest, 1989, p. 28), onde é possível visualizar todas as partes de um corpo, o seu desenho, a relação com o chão e o movimento executado. Mais recentemente, o sistema de notação criado por Joan e Rudolf Benesh , “An introduction to Benesh Dance Notation” (Londres, 1956), faz pleno uso da partitura musical, fazendo corresponder a cada linha e espaço, a articulação ou parte do corpo correspondente e ainda o nível espacial relativo de cada. Tendo como elemento comum o tempo, seria inevitável que os sistemas de notação da dança não procurassem que “the common element of duration being indicated by the same signs” (Guest, 1989, p. 69). Vladimir Stapanov em “L’Alphabet des movements du corps humain” (Paris, 1892), expande a partitura musical em nove linhas com três secções, cada uma delas para uma parte específica do corpo. A duas linhas de cima para a cabeça e tronco, as três linhas centrais para os braços e as quatro de baixo para a indicação das pernas. A colocação dos mesmos símbolos musicais nessas linhas ou espaços, indicam a direção e o nível executado por cada elemento do corpo, onde a duração do movimento se encontra subjacente ao símbolo musical agora adotado, “Time values established in music notation represent fundamentally the same thing in dance notation systems using the device of music notes.” (Guest, 1989, p. 85). A pausa, enquanto elemento do movimento, existe pela primeira vez identificada (anotada) por Raoul de Feuillet em “Chorégraphie ou l’art de décrire la danse”. Esta pausa no movimento não eliminava nem retirava o bailarino de cena, enriquecia sim o fraseamento rítmico do movimento deste. A pausa anotada é na sua generalidade de duração mensurável. Compassos sem símbolo algum de movimento indicam corretamente a ação de pausar. O intérprete termina a sua frase precisamente “como e onde” se encontrava no último momento registado. Esta colocação corresponde à divisão de grandes frases ou de secções de frases. A pausa anotada dentro do mesmo compasso, corresponde quase sempre a pausas de duração semelhante às da pausa musical, momentos em que a ação


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de pausar cria um dialogo rítmico com outras ações e elementos do movimento. Numa breve análise aos sistemas de notação anteriormente referidos, estes são capazes de estabelecer, de uma forma muito pormenorizada, o momento e a duração da pausa — a ação de pausar — realizada pelos intérpretes de uma dança. E fazem-no quase todos, numa relação mimética com a escrita musical. É mais no campo das definições, conceitos, descrições e indicações utilizadas para identificar a ação de pausar que “Stillness” surge numa multiplicidade de conceitos, dentro do campo coreológico. Guest afirma que “we want that pause to be ‘alive’, not ‘dead’, hence the importance given to the idea of stillness in movement. It is not a retention, a holding, a ‘keeping’ statically” (Guest, 2005, p. 16), depreendendo-se daqui que a ação de pausar, como ação integrada no movimento, mantém uma vivacidade capaz de fazer ressoar o momento imediatamente antes, no contínuo presente da ação de pausar. Onde “the previous movement must ‘sing on’ during the cessation of movement change.” (Guest, 2005, p. 16). Preston-Dunlop reafirma esta ideia: “Stillness is by no means analogous to ‘at rest’ nor is it a passive state. The stillness should be a clear position which is a full of kinesthetic feeling as the action which preceded it.” (Preston-Dunlop, 1986, p. 2), mantendo uma permanência da ação anterior e simultaneamente criando uma expectativa para a ação seguinte. Esta vivacidade e carácter transicional da pausa de movimento (a ação de pausar) é claramente referida por Guest “The movement is ‘arrested’ but the flow escapes — as though it intended to continue… Despite the position a sense of transience exists… arrested action” (Guest, 1983, p. 3). Em síntese: “no movement takes place […] no change […] holding still […] pausing […] retaining a situation […] a tension […] an expression” (Preston-Dunlop, 1980, p. 42), “holding still […] more than stopping […] it is continuing the state just arrived at” (Preston-Dunlop, 2006, pp. 96-98), “suspension of motion […] sustainment of an arrested activity” (Guest, 1983, p. xxiv). Em resumo: a ação de pausar apresenta-se definida, até aqui, com as características de ser uma ação viva “Even when we are still we are moving, we are not waiting for something, we are in action when we are still” (Cunningham, 1985, p. 129) mesmo não apresentando movimentação espacial, contém em si o prolongamento da sensação cinestésica da ação anterior. Embora Guest situe “stillness” como “absence of movement, absence of action” (Guest, 1983, p.3) — interpretações que procurei contrariar anteriormente —, é no plano da natureza da própria ação de pausar, que se apresenta a seguinte reflexão e conclusão: Esta investigação procurou encontrar na ação de pausar uma identidade própria. Para além de ser um recurso técnico composicional (funcionando com separador

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de frases ou secções), para além de ser potencialmente uma ação ritmicamente dialogante com as outras ações do corpo, a ação de pausar não poderá ser unicamente a continuidade ou a retenção da ação anterior. A ação de pausar que foi criada na performance N 38° 42.7224’ / W 009° 8.442’ — pausa, não possuía nenhuma referência à ação anterior, pois esta não continha uma expressividade significativa que a fizesse ecoar na ação de pausar, nem os corpos se encontravam nalguma posição que evidenciasse um estado de transição e de tensão. A duração e a estrutura composicional, criada pela ação de pausar nesta performance, possibilitou revelar pausar como uma ação autónoma e independente das outras ações, podendo mesmo constituir-se como o elemento central de uma performance art. Apresento uma definição final para ação de pausar: uma ação sem deslocação espacial do corpo.

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Bibliografia Cage, John (1973). Silence: Lectures and writings. Hanover: Wesleyan University Press. Cunningham, Merce (1985). The dancer and the dance: Merce Cunningham in conversation with Jaqueline Lesschave. New York: Marion Boyars Guest, Ann Hutchinson (1983). You move: A new approach to the study of movement and dance. New York: Gordon and Breach. Guest, Ann Hutchison. (1989). Choreo-graphics: A comparison of dance notation systems from the fifteenth century to the present. New York: Gordon and Breach. Guest, Ann Hutchinson (2005). You move: A new approach to the study of movement and dance — Teacher’s Guide. Taylor & Francis e-Library Kenny, Colum (2011). The power of silence: Silence communication in daily life. London: Karnac Books Ltd. Laban, Rudolf (1966). The language of movement: A guide book to choreutics. London: MacDonal and Evans. Nakane, Ikuko (2007). Silence in intercultural communication: Perceptions and performance. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company. Picard, Max (1948). The World of Silence. London: 
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Parte IV Flâneurs, Janotas e Ecrãs


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Sintomas de periferias irónicas no «Janota do Chiado» — com as figuras do Dandy e do Flâneur (e ainda do Marialva) Fernando Rosa Dias

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Nota introdutória: Algures (temporalmente) em 2009 ou 2010, num bar junto ao Cais do Sodré, hoje transfigurado na lógica turística que invadiu todas as baixas de Lisboa e as baixas de várias cidades portuguesas (somos a periferia da moda ou estamos na moda das atracções periféricas), eu e o meu colega José Quaresma estávamos em conversa em torno dos nossos projectos académicos (certamente devia ser o impressionante projecto Chiado — efervescência urbana, artística e cultural de um lugar, que colocaríamos de pé em 2010), sempre animada e, por isso, em voz alta, quando somos interpelados por um jovem de cerca de 90 anos na mesa ao lado. Assumindo-se engenheiro, ironizava as nossas referências ao problema do «belo». Dizia ele: «…o que interessa não é se é belo, mas se está certo!». E, enquanto nos retorquia com alegres sarcasmos, ia-nos chamando de modo lato e indirecto de «janotas do Chiado». Foi a única vez que fui alvo indirecto de tal expressão e a última que a devo ter ouvido enquanto interpelação do outro. Este texto é uma homenagem a esse encontro inesquecível e irrepetível, entre mim, o meu amigo e colega José Quaresma e o «jovem engenheiro», que nunca soubemos quem era. Mas também um elogio à capacidade do José Quaresma em manter com contínuo fulgor, renascido todos os anos, e sem falta até agora, esse mesmo projecto… sempre em torno ou a partir do Chiado.

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Razões para o Janota ser do Chiado O janota do Chiado, e outras congéneres, vivem, alimentam-se, ganham identidade, através de um esforço periférico de estar no centro, numa inevitável mimesis de referências ecoadas de grandes centros, tornando-se nesse sentido apresentar-se como uma espécie de sintoma cultural que identifica um país. A questão não é ligeira. Ela provavelmente fornece um tipo de identidade nacional, feita na contradição de um jogo que tem tanto de geográfico como psico-social e, portanto, cultural. Talvez Portugal tenha sido centro da Europa, quando dela se desviou, para um processo de expansão que transportou a consciência do mundo ocidental e mediterrânico para uma dimensão oceânica. Aí descentrou durante alguns séculos o Mare Nostrum que era a grande consciência do Ocidente Europeu desde o mundo romano para, sobretudo no primeiro século, assumir-se como o centro de novas ligações. Nessa altura o Chiado era um bairro de Conventos e ainda não tinha Janotas. A decadência do Império depois de Alcácer Quibir, com mais ou menos agonia, acentuava-se com o processo de construção da modernidade ocidental, resultante dessa história expansiva, com as suas as novas cidades industriais, velozes e na moda.


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Portugal estava no centro da Expansão da Europa ao colocar-se para fora dela, para depois se tornar periferia nessa modernidade que a própria expansão construiu — e para ter de viver numa difícil identificação com isso. No desejo de ter estes ritmos de modernidade, como as grandes capitais industriais e burguesas da Europa, Lisboa tinha que reinventar o Chiado e colocar nele o seu Janota, símbolo de uma centralidade perdida depois da expansão consumada, e sua figura cultural e social. Se o Chiado, depois dos Conventos, se tornava mais lugar de passagem do que de habitação, o janota era o seu habitante possível, porque provisório, mas que a rotina estabilizava. Trazer o centro para dentro da periferia, no esforço algo irrisório de o tornar centro, é o contraponto de levar a periferia ao próprio centro, duas faces do mesmo problema. A cultura portuguesa, e o seu auto-entendimento, sempre foi marcada pela sua periferia física e mental relativamente à Europa. Do século XVIII para o século XIX verifica-se o desvio de Roma para outros lugares que o século XIX foi definindo. Na transição desses séculos nota-se alguma indefinição (pós-Roma) relativamente aos destinos dos grandes artistas portugueses sempre em busca híbrida de actualidade e identidade. Vieira Portuense, na transição dos séculos passa uma temporada em Londres e expõe no salon desta capital, para morrer poucos anos depois no Funchal de tuberculose, já doença romântica. Em meados da década de vinte de oitocentos, Domingos Sequeira expõe a Morte de Camões no salon de Paris, primeiro quadro do romantismo português, segundo José-Augusto França — que me disse pessoalmente (e não terá sido só a mim), em 2010 e no Chiado, que este era o quadro perdido que mais desejou localizar (qual extensão da tragédia de um romantismo nacional tardio e inacabado já no seu desejo historiográfico) . O quadro era inspirado em poema sobre a morte de Camões de Almeida Garrett, exilado em Paris, tal como Sequeira e pelas mesmas razões de adesões ao liberalismo. Hesitava-se então entre os destinos de Londres e Paris, que de certo modo se dividiam entre um Porto de fidelidade a Londres, e copiando as suas modas, e de Lisboa, com desfile no Chiado, que por seu lado se fidelizava a Paris. No âmbito das Academias de Belas-Artes dessas duas cidades, Paris assumia-se o centro, fatalmente e não só para nós (até para os próprios franceses diria, à excepção de raros como Gauguin). No caso português tal sedimentou-se sobretudo a partir da criação das bolsas para a capital francesa iniciadas em meados da década de 1860. Em crescendo, aumentava a presença de artistas portugueses em paris, com paroxismo nos anos imediatamente anteriores à Grande Guerra e em coincidência com a primeira e fulgurosa geração modernista portuguesa. Percebe-se assim que a arte portuguesa vai sofrer também ela um complexo de janota, ou seja, da mimesis da cidade-luz, feita a partir da referência a Paris, como se os destinos da arte portuguesa

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se fizessem da sua capacidade de acompanhar ou estar à altura de Paris — ou por ela ser momentaneamente iluminada, porque a sua luz, essa, não podia ser importada nem roubada. Após a Grande Guerra esmorecia a presença de artistas portugueses em Paris, sustentado em geral por alguns nostálgicos sobreviventes, que se podem sinalizar nas figuras em torno da exposição dos 5 Independentes (SNBA, 1923), e pouco mais. O final da década ainda permitia a passagem de alguns artistas portugueses por Berlim (Bernardo Marques ou, sobretudo, Mário Eloy), sem significado, de modo algum, para a tornar em alternativo centro de referência — apenas uma espécie de perda da quase exclusividade anterior que Paris manifestava nesses anos de pós-Grande Guerra. Com O Estado Novo o país fechava-se e a ida a Paris ou a outros lugares era temporária para exibir um país que ideologicamente se queria tão tradicional como moderno, tão cheio de história como de progresso (e o pavilhão português de 1937 é disso grave exemplo1). Só voltávamos a ter Paris como recepção maciça de artistas portugueses, e de modo impressionante, com a criação das bolsas da FCG regulares e sistematizadas em 1958 — e com isso uma nova demanda de artistas portugueses para Paris (com um pequeno núcleo para Londres, a servir de leve alternativa, e pouco mais para além disso, com um caso ou outro em Itália). Mas os artistas portugueses preferiam Paris, estendendo-se nesses anos uma comunidade intelectual e artística portuguesa impressionante — fugidos do fascismo, da ida à Guerra Colonial ou apenas (e isso já era muito) à procura de outras e actuais referências culturais e artísticas2. Mas, com outras implicações, também a construção da nossa historiografia da arte da Era Contemporânea seria elaborada sobre esse complexo, na construção

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1. Na verdade, a representação portuguesa na Exposição Internacional de Paris (1937) articulava a «história» (patente sobretudo através da escultura, como no relevo de navegadores de Ruy Roque Gameiro e as figuras dos baixos-relevos no exterior arquitectónico de Canto da Maia e Barata Feyo) com a «arte popular» (a tradição, que adquiria bem mais protagonismo na pintura), no sentido desejado por António Ferro de uma estilização de motivos populares pintados por uma geração de modernistas de «necessário equilíbrio», mais como uma necessidade de definir um enraizado carácter português, para aí contrapor o «nosso valor construtivo» e a «nossa acção civilizadora» (palavras de Salazar em discurso na data), que seria um presente lançado no futuro. No fundo, orgulhos da história (e tradição) e orgulhosos do presente (que projecta futuro), parafraseando expressão de António Ferro. Para desenvolvimentos, cf. Margarida Acciaiuoli, Exposições do Estado Novo. 1934-1940, Lisboa: Livros Horizonte, 1998, pp.39-74. 2. Para as nossas leitura das relações com Paris no âmbito das bolsas de artistas portugueses, cf. Fernando Rosa Dias, «A Arte Portuguesa e os ciclos de migração», in Chiado, Baixa e Confronto com o francesismo» nas Artes e na Literatura — Arte Pública, Espaço Público (coordenação de José Quaresma), Lisboa: Junta de Freguesia dos Mártires e FBAUL-CIEBA, 2013, pp.49-94. https://repositorio. ul.pt/handle/10451/9192


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estruturante de José-Augusto França, que se pode considerar, sempre com as suas razões, tão excessiva como inevitável (ou fatal) — inevitável porque é impossível pensar fazer essa história da arte sem tal referência estruturante a Paris. Paris, afinal sempre permitira ao artistas portugueses viajar pela Europa. Conhecer Paris era a possibilidade de conhecer a Europa. Paris desde meados do século XIX a meados de XX foi uma espécie de centro e coração da Europa. A dimensão periférica do Chiado a Paris era do Chiado à Europa. Poderíamos dizer, para fornecer o sentido que tencionamos ao anteriores parágrafos preambulares, que o janota seria a primeira figura típica a poder simbolizar no oitocentos português o desejo de viver como se vive em Paris, como que afectado pelo francesismo de Garrett (e por ironia a antiga Rua Direita das Portas de Santa Catarina e Chiado é agora Rua Garrett, para o nome do Chiado se vincular hoje no actual largo do Chiado, que até 1925 foi Largo da Cordoaria Nova, Largo das Cavalariças Reais, Largo do Loreto e Largo das Duas Igrejas) — o Chiado era o lugar onde essa figura passeava o seu desejo, embora, como abordaremos, sem daí sair. Neste sentido, a figura do janota tem tanto de dimensão e caracterização nacional e local, como fala de um espaço de relação, da vontade de ser outro. Ele é o símbolo de uma centralidade perdida, que talvez tenha sido de Lisboa numa

Figura 1 Nogueira da Silva, Vestir a Capricho (!!!), gravura de Coelho Júnior, in Archivo Pittoresco, Tomo II, n.º 20, 1958, p.160.

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Figura 2 Nogueira da Silva, Petisco Social, gravura de Barracho, in Archivo Pittoresco, Tomo II, n.º 24, 1958, p.189.

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fase inicial de expansão para além do Mare Nostrum, como também de uma modernidade que se desejava, mas que a outros centros pertencia — aqueles onde a burguesia intelectual e industrial prosperara, e onde a cultura já há muito saíra da Igreja e do Palácio, porque já havia o salon do «Gran Goût» (tipologia de exposição que só chegou a nós com as trienais das nossas tardias academias de Belas-Artes, quase século e meio depois do salon de Paris). Mas entre essa história de um passado glorioso e de centralidade perdida e um futuro de centralidade numa modernidade desejada, nascia o janota como exemplo no mero jogo das aparências e das modas — das vaidades de passagem, sua marca. Mas com toda essa dificuldade ou preguiça de um país (e da sua capital) em ser moderno, o Chiado ia centralizando dinâmicas culturais: as livrarias (que já vinham do tempo dos frades), o Teatro de Ópera, o Grémio Literário, a Academia de BelasArtes e as suas exposições, os cafés, as redacções dos jornais ou as lojas de etc., etc.,… metamorfosearam o pequeno bairro (quase uma rua e um largo com curtas


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periferias) de (ou entre) mosteiros, num microcosmos de modernidade e elegâncias a que o país podia aspirar. Mais que um centro onde todos querem estar, o Chiado era um eixo por onde todos querem passar — ou um lugar que se torna centro por ser aquele onde todos querem passar. Este era o lugar do Janota. Se o flâneur tinha Paris, o Janota tinha o Chiado. A cada um a sua escala (e mérito). Antes do terramoto de 1755 não havia janotas no Chiado, desde lodo porque durante os finais da Idade Média e a Era Moderna (o da Expansão Marítima em que fomos centro a partir da periferia da Europa) o centro da capital era aquele lá em baixo, a baixa por excelência, onde estava o Palácio Real: o Terreiro do Paço. Até ao terramoto era aí que tudo acontecia. Com a reforma Pombalina deixava de haver aí palácio real, e com isso os outros palacetes da aristocracia ficaram numa deriva urbana, sem proximidade estratégica, para se espalharem e começaram a subir as colinas. O rei ficara com medo que o tecto lhe caísse em cima da cabeça e fez-se a real barraca, o palácio de madeira da Ajuda — só mais tarde, depois desta arder, em novo desastre, e cerca de meio século depois, era colocado em pedra, em megalómana obra de traça neoclássica, que mal começara assistia às invasões francesas e à fuga da corte para o Brasil, que afinal até tinha cumprido bem um certo papel de El Dorado, para ficar obra incompleta, nem a metade, obrigando a alterar a estratégia da grande entrada virada para o Tejo para outra, de tímida dignidade para este. O Chiado, com as obras de restauração, retirava alguns mosteiros e décadas depois abria um largo com uma sala de Ópera, o São Carlos (para substituir a que durara seis meses junto ao Tejo para cair quase ainda em estreia com o terramoto), animando-se algo sorrateiramente com maior espírito secular e mundano — para se tornar de repente outro com um dos maiores terramotos legislativos da história nacional: o fim das ordens religiosas com a carta liberal de 1834. Com os palácios espalhados, com a necessidade de passar por certos eixos, o Chiado tornava-se o lugar certo de passagem, aquele por onde todos queriam passar, mais do que de fazer um passeio (que teria melhor resultado no Passeio Público, que começava nos actuais Restauradores), para puxar para si também o mérito de ser baixa, mesmo que estivesse num alto. Assim, o Chiado tornava-se a baixa da alta enquanto desaparecia a era do frade e surgia a era do janota. Para sua definição e devido enquadramento no Chiado, o seu lugar por excelência, como se fora dele não se definisse, quase sempre ali pelos lados da Havaneza, tomemos uma definição alargada do janota por Latino Coelho: «O janota levanta-se ordinariamente à uma hora. Ele espera que o sol se dependure no mais alto cocuruto, para se entregar ao afan e às lidas do dia. O sol, a luz, o dia — o que teem que ver com elle, que aspirou na vespera

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as emanações divinas do baile? Quando tem a fortuna de ter nascido filho de um filho de um ricaço possue então um coupé, ou phaetonte. Cumpre observar que nem todos os janotas tem vehiculo, voiture e equipage, como se hoje diz em jargão aristocrático, e que muitos se dão por felizes de fazer a pé o giro do Chiado. O janota, more onde morar, não conhece a linha recta senão para ir de casa ao Chiado, e do Chiado à Havaneza. Das duas para as tres horas, o janota mede em todas as andaduras possiveis aquelle campo augusto e populoso do Chiado. Entrega-se ao prazer expansivo e inebriante de mostrar a toilette elegante, em que elle imagina vencer a gentileza e a seducção dos aprimorados Lovelaces. Situado como uma cariatide a adornar a umbreira da Havaneza, vê a Lisboa feminil desfilar diante de si, na sua peregrinação diurna pelas modistas do bairro elegante. Para receber este nome o janota não deve limitar-se as pompas estereis de uma casaca elegante, ou de um collete talhado geometricamente, segundo a doutrina dos grandes mestres. Não. Ele deve saber dar o laço em sua gravata perfeitamente. O janota passa metade da sua vida embevecido na contemplação da sua própria beleza, e a outra metade a admirar os adornos que lhe dão relevo e magestade. É o janota que, primeiro que ninguém, saúda as modas e jamais esquece de sair sem luvas brancas ou gants paille. Ele fuma charuto de pataco, usa boquilhas de prata, botas de verniz, verga a badine ao caminhar e seu destino é flanar perpetuamente pelo Chiado. O janota em epílogo é a nobilitação da ociosidade. É o vício tornado elegante, doirado, ennobrecido, cercado de uma auréola radiante de luz, a esconder as maculas da vida desordenada e vazia» [sic]3.

Das ilustrações destas figuras típicas do Chiado, destacamos as caricaturas de Nogueira da Silva (1830-1868) e Manuel de Macedo (1839-1915), dignos antecessores de Raphael Bordalo Pinheiro e Celso Hermínio, e mais ilustradores de figuras típicas, embora com relevante sabor social, do que a caricatura política destes dois últimos. Claro que o Zé Povinho de Bordalo Pinheiro seria figura que em quase todos os aspectos, se opunha ao janota — sem desejos cosmopolitas nem vaidades de aparência, mais rural que mundano e só circulando no Chiado nas páginas impressas

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3. Coelho, José Maria Latino, Typos nacionaes. Lisboa: Santos & Vieira, 1919, pp.44 e seguintes; apud, Claudia Barberini, Lisboa em Cena. A personagem capital das páginas queirosianas, Universidade Estatutal Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, 2012, p.123, disponível in: http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/ estudos_literarios/2654.pdf


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Figura 3 Rafael Bordalo Pinheiro, Chapéu Alto, Faiança, Vidrado policromo, altura: 20 cm, in: https://pt.bordallopinheiro.com/figurasmovimento-janota-chapeu-alto-prd-pt

Figura 4 Rafael Bordalo Pinheiro, Bule “Janota”, Faiança, Vidrado policromo, 10x11x17 cm, in: https://pt.bordallopinheiro.com/ bules-bule-janota-prd-pt

com a sua própria caricatura. Assim, o janota estava no Chiado, reserva cosmopolita, para aí ignorar o resto do país exterior ao Chiado, para desejar algo exterior ao país sem nunca sair do Chiado. O Zé Povinho estava nesse restante país, transformando qualquer essas vaidades e desejos do janota em manguito. O Zé povinho era o povo rural do resto do país ao qual o janota fingia não pertencer, escondendo-se desse país no Chiado. Por isso, na própria antinomia caricatural, o próprio Bordalo Pinheiro não escapou a representações caricaturais do Janota nas suas Figuras em Movimento de faiança das Caldas da Rainha.

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Figura 5 Louis Huart, Physiologie du flâneur (ilustrações de Alophe, Mauriat e Daumier), capa e duas páginas com ilustrações de Alophe

O Janota do Chiado perante o flâneur de Paris «Un animal à deux pieds, sans plumes, à paletot, fumant et flanant» (Louis Huart, Physiologie du flâneur, 1841, p.8) «Na sociedade romântica portuguesa, o “janota” era, por assim dizer, o “dandy” do pobre de espírito… » (José-Augusto França, O Romantismo em Portugal, Lisboa: Livros Horizonte, 1999, p.145).

Apresentemos a famosa descrição do flâneur de Baudelaire: «A multidão é o seu domínio, tal como o ar é o domínio do pássaro, e a água,

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é do peixe. A sua paixão e a sua profissão é a de desposar a multidão. Para o flâneur perfeito, para o observador apaixonado, eleger domicílio no meio da


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Figura 6 Nogueira da Silva, O Janota, desenho e gravura, in Revista Popular, vol.IV, n.ยบ 8, Fevereiro 1851, p.69.

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multidão, no inconstante, no movimento, no fugitivo e no infinito, constitui um imenso gozo. Estar fora de casa e, no entanto, sentir-se em todo o lado em casa; ver o mundo, estar no centro do mundo, e permanecer escondido do mundo, tais são alguns dos pequenos prazeres destes espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a língua apenas pode definir de um modo imperfeito. O observador é um príncipe que goza por todo o lado do seu estatuto de incógnito. O amante da vida faz do mundo a sua família, tal como o amante do belo sexo compõe a sua com todas as belezas encontradas, encontráveis e inencontráveis; ou como o amante de quadros vive numa sociedade encantada, feita de sonhos pintados sobre tela. O amante da vida universal entra assim na multidão como num imenso reservatório e eletricidade. Pode-se também compará-lo, ele mesmo, a um espelho tão imenso quanto esta multidão; a um caleidoscópio dotado de consciência que, em casa um dos seus movimentos, representa a vida múltipla e a graça móvel de todos os seus elementos»4.

A deliciosa caracterização de Baudelaire, deixa-nos perante as contradições de identidade deste sujeito disperso, que anuncia e em parte já acompanha o sujeito estilhaçado da alta modernidade5. As dimensões de privado e público, de pessoal e comum, de visível e invisível, parecem misturar-se ou, pelo menos, jogar-se em processos de antinomia. O flâneur de Baudelaire é uma figura que se «casa com a multidão»6, um «ocioso urbano» «que habita os espaços intermédios», tal como o caracterizaria Walter Benjamin7. Figura típica do homem na cidade moderna, o flâneur é o anónimo que «casa com a multidão», o observador fugidio e privilegiado da vida moderna, de olhar múltiplo e em movimento, de caminhada ondulante (que Baudelaire opõe à ordem obediente da marcha militar), fugitivo e infinito. Aquele que fisga jogos de alteridade e identidade na presença do outro, um eu insaciável de não-eu, para se fragmentar em prazer no ritmo incessante da metrópole moderna. Ele convive com as diferenças e ante contradições da cidade moderna: miséria e riqueza, caos e ordem, identidade e dispersão, individual e colectivo, solidão e multidão. Figura mundana e ingénua, segundo Baudelaire é um espírito independente, apaixonado, imparcial que simultaneamente está no

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4. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte III: O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança, pp. 20-21. 5. Cf. Hélène Védrine, Le Sujet Éclaté, Paris: «Le Livre de Poche», 2000. 6. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte III: O artista, homem do mundo, homem das multidões e criança, pp.13-20. 7. Cf. Neil Leach, La an-estética de la arquitectua, Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001, p.70.


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centro da agitação da cidade moderna como dela está oculto (um «observador incógnito»). Daí ele se opor cansaço amolecido e decadente do dandy com a sua energia expressiva de observador activo, entrando na multidão como um reservatório de electricidade, como diz Baudelaire. Com menos energia e outra dimensão satírica, o Chiado também criou uma fauna própria por analogia (e desejo) com essa fauna da Paris baudelaireana8: «O que sei é que o Chiado adquiriu, entre as artérias de Lisboa, particular notoriedade. Pode São Bento ter-se convertido no símbolo da Política, o Terreiro do Paço no símbolo da Burocracia, a Rua dos Capelistas no símbolo da Finança: o Chiado alcançou o privilégio de os superar a todos porque se converteu no símbolo do Bom Tom. Passando a pontificar na literatura e na moda, consequentemente os homens de letras passaram a escrever para o Chiado, os janotas a apurar-se para o Chiado, as senhoras a vestir-se para o Chiado. Mais do que uma rua, ainda que das mais afortunadas de Lisboa, o Chiado tornou-se uma verdadeira instituição nacional, quase que um autêntico Estado dentro do Estado, com o seu Governo, o seu Parlamento, a sua Academia, a sua catedral. O Chiado é um símbolo de Lisboa; é um corpo doutrinário de princípios alfacinhas; é a síntese romântica do século XIX como foi a síntese do gongorismo político de 1600. É a Sua Excelência — o Chiado»9.

Este ambiente foi o palco adequado dos famosos janotas e marialvas, figuras típicas de um excesso de exibição social que o Chiado decretava. O janota («janotas de Belle-Époque»10) é certamente a sua grande figura, tal como essa figura precisa do Chiado, ao ponto de ter sido comum a expressão Janota do Chiado. O janota precisa do Chiado tal como Chiado precisa dele. É a partir desta relação com o lugar que devem partir (e partem!) as suas definições. Ramalho Ortigão descreveu várias vezes os janotas n’As Farpas:

8. Recuperamos algumas ideias nossas in Fernando Rosa Dias, «Chiado em efeito dromológico — Crónicas de heterotopias urbanas», in Chiado, Carmo — metropolis e u-topia. Artes na Esfera Pública / Chiado, Carmo — metropolis et u-topie. Les Arts dans la Sphère Publique (coordenação de José Quaresma), Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2016, pp.55-76. http://hdl.handle. net/10451/25090 9. Luís de Oliveira Guimarães, «Prefácio», in Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2.ª edição), p.12. 10. Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2.ª edição), p.94.

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«Assim também se daria justa satisfação aos democratas janotas que, de guedelha anediada, calças arregaçadas, chapéu para trás, casaca nova, flor ao peito, lenço na manga, luvas desembainhadas, há catorze meses berram agudamente por mundanismo e por chique como esteios de uma república em que eles até hoje debalde esperam que o indigno capital e a corrupta aristocracia lhes proporcionem ocasião de estrear-se nos salões do novo regime, valsando com duquesas, fazendo olho de conta a princesas, mordendo reivindicativos e gulosos a mousse de jambon à la créme chantilly do abolido regime, e finalmente empiteirando-se a fundo com o Royal Selery, extra-seco, das instituições morta»11. «Os jovens janotas, de calças arregaçadas, chapéu de coco atirado para a nuca, bengala agarrada pelo meio, e pés curtos de bicos para dentro, sempre que não estão parados às esquinas, caminham rija e desenganadamente para a frente, parecendo quererem a cada passada carambolar com as duas bolas de bilhar que todos trazem metidas por dentro nas biqueiras dos seus sapatos americanos. Todos eles se penteiam (nenhum à Capoul como os do meu tempo) à moda nova, a quem em Montmartre chamam a coiffure casquette risca ao meio, e todos os cabelos, escorridos e lustrosos, achatados a toda a redondeza do crânio. E isso lhes dá o ar interessantíssimo de outros tantos náufragos acabando de emergir das vagas e aguardando os acontecimentos filosoficamente do alto de uma rocha»12.

Ele pode ser apresentado como uma espécie de dandy ou flâneur em marca nacional. Não tem o estoicismo do dandy de Baudelaire, com o seu heroísmo na decadência de aristocrata, em entretempos de aristocracia e democracia13. A versão do Chiado é mais superficial e frívola. A contradição do Janota será outra, a de querer ser centro na periferia, de estar na moda com imitação e atraso — estar na moda por atavismo. Se o flâneur era a figura da modernidade, o Janota é o de um romantismo tardio de uma modernidade desejada. Um era justo na moda porque a decidia, o outro, porque a desejava, tornava-se excessivo, desmedido e despropositado, uma

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11. Ramalho Ortigão, As Farpas. Crónicas de Jornal, pp.559-560, in http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/09/As-Farpas-.pdf [consulta: Novembro 2015] 12. Ibidem, pp.637-638, in http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/09/As-Farpas-.pdf [consulta: Novembro 2015] 13. Cf. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte IX: O Dandy, pp.41-45.


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imitação facilmente tornada ridícula. Por isso, ser Janota não era propriamente um elogio. Ele vivia num jogo de ilusões e artifícios. Como o flâneur, o janota não tem profissão nem actividade certa. A sua roupa cumpre o caprinho das modas para se libertar dos atributos ou fardas de qualquer profissão ou qualquer classe social — mas de um estar moderno (flâneur) ou de um desejo de ser moderno (o janota). Por isso, não é o homem do trabalho e da produção, mas do ócio improdutivo: «O homem nasceu para o trabalho, e o janota para a ociosidade. O homem vive para a familia, o janota para o publico. O homem pertence aos seus, á esposa, aos filhos; o janota ao alfayate ao sapateiro, ao chapelleiro e ao usurário» [sic]14.

Há assim um jogo com a sedução por oposição à produção. Jean Baudrillard considera que «o universo da sedução é o que se inscreve radicalmente contra o da produção», estando já não numa esfera de «fazer surgir as coisas, fabricá-las, produzi-las num mundo do valor, mas de as seduzir, ou seja, desviá-las desse valor» para as «entregar ao jogo das aparências, à sua troca simbólica»15. A sedução não é da ordem da natureza, mas do «artifício», «nunca da ordem da energia, mas do signo e do ritual»16. Se a produção tem o poder, a sedução, o «crime original», tem a força, pelo que «todos os processos de produção lhe estão talvez subordinados»17. Mas é aqui que, de novo, o janota perde porque o seu jogo de aparências é já de imitação e subordinação a outros centros de jogos de aparências, um macaquear do «crime original». A força da sedução, que tem demasiados modelos exteriores a seguir no jogo das frivolidade das aparências, recai assim facilmente no ridículo, que é o risco oscilante do janota do Chiado. Ele não está no plano das aparências, mas pior: na simulação de aparências — vivendo um 2.º grau do jogo da aparência e do artifício.

14. Anónimo, in O Asmodeu, 1869, p.14; apud Luís Nuno Pinto Henriques, Ilustração. Imagem da Modernidade, Universitat de Barcelona, Facultat de Belles Arts, Programa de Doctorado Espaço Público y Regeneración Urbana. Arte, Teoria, Conservación del Patrimonio (línea Historia y Teoria), 2015, p.196. 15. Jean Baudrillard, Palavras de Ordem, Porto: Campo das Letras, 2001, p.23. Ver também, do mesmo autor: El outro por si mesmo, Barcelona: Anagrama, 1988, pp.49-50. 16. Jean Baudrillard, De la seducción, Madrid: Catedra, 2005, pp.9, 49-50. «La seducción, al no detener-se nunca en la verdade de los signos, sino en el engano y el secreto, inaugura un modo de circulación secreto y ritual, una espécie de iniciación inmediata que sólo obedece a sus próprias reglas del juego». Ibidem, p.79. 17. Jean Baudrillard, Palavras de Ordem, Porto: Campo das Letras, 2001, p.25.

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O marialva está mais próximo do flâneur do que do dandy, mas em versão mais alfacinha e provinciana. Esta versão portuguesa do flâneur é mais preguiçosa, ficando encostada à parede enquanto voyeur da cidade: que em vez de se passear vendo prefere ver passar estando. A redução (ao Chiado) do território do janota torna-se fixação no marialva. Por isso também é bem menor neste a resposta às modas, de que é ainda mais caricata versão. A sua vaidade não persegue o desejo de modernidade cosmopolita do janota, mas quase uma elegância de nacionalismo provinciano. O marialva era mais rude, um «brigão audacioso mas provocante, que, apenas pelo luxo de ser falado, sem causa a justificar-lhe o acto, armava horrível contenda, onde o box e a cana da índia eram, por vezes, valiosos auxílios de trunfo». De aparência, «o Marialva era, em geral, delgado, ossudo, o rosto macilento pelas noites perdidas à mesa do jogo, nas ceias dos restaurantes, nas alcovas perfumadas do demi-monde», com a «calça esguia, apertada pela perna, um pouco larga sobre a bota, chapéu alto de aba direita» e o «calçado era quase sempre de salto de prateleira, onde a espora de correia tilintava caindo desdenhosa»18. Daí que o marialva apresente outra agressividade, da invasão da distância perante o outro. O janota, e sobretudo o flâneur, são da ordem da contemplação, do voyeurismo da cena, hesitando na proximidade. Se nestes há um respeito pela «cena», onde «há olhar e distância, jogo e alteridade», o marialva invade a distância mrgulhando na «obscenidade», onde «já não existe cena ou jogo e apaga-se a distância do olhar»19. O bem necessita da separação e oposição, tal como há um mal na indistinção, reversibilidade e permuta generalizada (o mal reside na sua indistinção com o bem que dele se demarca20). A violência obscena do marialva é a invasão dessa distinção entre sujeitos no espaço público, abrindo um campo de promiscuidade ao anular o encanto da distância contemplativa. Espreitemos a leitura de José-Augusto França que contrapõe em boa consciência nacional o dandy ao janota, estabelecendo uma possível distinção interna, entre o que viaja para o estrangeiro (dandy nacional) e o que se mantêm no Chiado (janota): «Existe aqui uma espécie de degradação por anacronismo; no domínio dos “dandies”, tal degradação não poderia ser ignorada, produto não de um desfasamento de tempo mas duma espécie de desfasamento geográfico.

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18. Moura Cabral, O Chiado, apud Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante. História. Figuras, Usos e Costumes, Município de Lisboa, 1987 (2.ª edição), p.229. 19. Jean Baudrillard, Palavras de Ordem, Porto: Campo das Letras, 2001, p.27. 20. Jean Baudrillard, O Paroxista Indiferente, Lisboa: Edições 70, 1998, pp.37-38.


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Figura 7 Carle Vernet (Antoine Charles Horace Vernet), Dandy, aguarela, 17,3x10.8 cm

Figura 8 Isaac Robert Cruikshank, Dandy at his toilette, litografia colorida à mão, 1818

Figura 9 Manuel de Macedo, O Marialva (à porta do Café Central), in O Gajo, n.º 7, 1877, p.1

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Importado, o “dandismo”, flor delicada de civilizações mais evoluídas, teria de sofrer algumas adaptações — e em breve o “dandy” será substituído pelo “janota”, termo português que esconde a sua origem francesa de “Jeannot” ou “Janot”, colhido no reportório duma companhia parisiense de teatro popular que esteve em Lisboa cerca de 1835. Tinha-se orgulho em ser “janota”, em se vestir nos bons alfaiates, em frequentar os salões, em aplaudir as prima-donas no S. Carlos — mas tudo isso era exterior, não comprometia em nada os que se satisfaziam com esse título. Na sociedade romântica portuguesa, o “janota” era, por assim dizer, o “dandy” do pobre de espírito… A extrema raridade dos “dandies” nacionais, assim como as suas longas estadas no estrangeiro, sobretudo no Paris do Segundo Império (…) caracterizam o grau de cultura mundana existente na época em Portugal»21.

Afinal outras diferenças se estabelecem, de parcerias espaço-sociais. O flâneur tinha a grande capital com vários centros, e estava o dia todo perante a mulher, o seu alvo voyeurista, o elemento que o anima para passear na cidade. E também tinha perto de si a figura do dandy. Por outro lado, era pouco o espaço social para nascer o dandy típico de Baudelaire, nascido na transição de poderes da velha aristocracia para a mais nova burguesia, na imagem de uma aristocracia a saborear a vertigem da sua própria decadência. Em Portugal havia pouco espaço: sem choque social entre burguesia e aristocracia, a primeira quase sem consciência nacional de classe, sem industrialização e também ainda agrária, a segunda sem concorrência para entrar em crise ou ter consciência dela. O dandy nacional, que existia, habitava pouco o Chiado e era verdadeiramente viajado e cosmopolita, enquanto o janota continuava a passar no Chiado onde só podia encontrar o marialva. Imitador de dandy’s, deste não tinha grande concorrência directa para apenas se comparar com o marialva (e aí ganha bem em elegâncias). Por isso, o Janota do Chiado não tinha o dandy — e restava-lhe o marialva.

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21. José-Augusto França, O Romantismo em Portugal, Lisboa: Livros Horizonte, 1999, p.145.


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O janota tem o Chiado e tem que esperar pela «hora estética» ou «hora do pecado»22, o Chá das Cinco, em que as mulheres elegantes, fechadas a prepararem-se o dia todo, irrompem nos cafés e gelatarias do Chiado — e ao seu lado tem o marialva, e pouco mais. O seu tempo concentra-se num voyeurismo de foco único e intenso. Para essa relação entre o Chá das Cinco, com a sua marca da aparição da elegância feminina, e o janota do Chiado, apreciemos Ramalho Ortigão n’As Farpas: «Toda a gente conhecida é em Lisboa um estreito círculo de senhoras, assinantes de S. Carlos, que se vestem na mesma costureira, que mandam vir os chapéus da mesma modista, que usam o mesmo perfume e concorrem de combinação nos mesmos sítios, nas matinées umas das outras, nos respetivos chás das 5 horas da tarde, nos bailes do Paço, no tiro aos pombos, etc. Todo o janota que não conhece estas senhoras não é um janota garantido e autêntico. Ora, na sociedade de Lisboa os homens, com exceção de alguns velhos, de alguns eclesiásticos e de um ou outro mendigo, são todos janotas: e, para o demonstrar, referem-se às senhoras a quem aludo como se entre eles e elas tivesse de todo o tempo existido a intimidade mais estreita, mais indissolúvel»23.

Este era o momento de outra personagem central do Chiado e à complementaridade do janota (e que surge também perante o flâneur de Baudelaire): a mulher elegante, a coquette nacional. Tal como a mulher da cidade moderna de Baudelaire, que «torna emprestada todas as artes» com a sua «frágil beleza»24, esta é também para ser contemplada, com a sua bela figura elegante, do vestido à maquilhagem.

22. António Alves Martins, «Chá das Cinco. A Hora do pecado», in Diário de Lisboa, 14 Maio 1921, p.4. O Diário de Lisboa criou, logo no seu aparecimento em 1921, a rubrica «Chá das Cinco», com comentários mundanos da vida de Lisboa e do Chiado: «Lisboa comentada às 5 da tarde», referia numa das crónicas a escritora Fernanda de Castro. Nela colaboraram nomes como Fernanda de Castro, António Ferro, Almada Negreiros, Thomaz Ribeiro Colaço, João Ameal, António Alves Martins, Sarmento Duque, Adolfo Norberto Lopes, entre outros. Numa das suas crónicas do «Chá das Cinco», escreveu Almada Negreiros: «Às cinco horas nunca me apetece chá, é só às cinco e meia, e apesar disso quasi sempre tomo café. (…). Já uma vez entornei sem querer um bule de chá por cima dos Lusíadas e ficou muito melhor. Era chá de tília por causa do nervoso. (…)». (Diário de Lisboa, 13 Junho 1921). 23. Ramalho Ortigão, As Farpas. Crónicas de Jornal, p.190, in http://cdn.luso-livros.net/wp-content/ uploads/2013/09/As-Farpas-.pdf [consulta: Janeiro 2016] 24. Charles Baudelaire, O Pintor da Vida Moderna, Lisboa: Editorial Veja, 2009, parte XI: O Elogio da maquilhagem, pp.49--52

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Ela é o centro em torno da qual gravitam outras personagens típicas, seja o janota seja o marialva. Mas se o flâneur percorria a cidade observado essa beleza, todos à moda, o Janota podia-se deixar ficar, ficando a ver passar nesse eixo que era o Chiado, com hora marcada — certamente que o relógio (com a bengala e a cartola de copa alta) era, só podia ser, um dos objectos típicos do Janota. O janota existia em horas certas em lugar próprio: «O janota, more onde morar, não conhece a linha recta senão para ir de casa ao Chiado, e do Chiado ao Marrare. Duas para as três horas, o janota mede em todas as andaduras possíveis aquele campo augusto e populoso do Chiado. Entrega-se ao praser e expansivo e ameno do cancan; e ao prazer ainda mais inebriante de mostrar a toilette elegante, em que ele imagina vencer a gentileza e a sedução dos aprimorados Lovelacs» [sic]25.

Comparemos agora os comportamentos de caminhada. O flâneur está no berço da deriva situacionista como modo de libertação a uma «circulação como prazer»26, que faça parte da esfera «da vida», «da liberdade, dos ócios»27. É um ócio em movimento. O janota é um ócio preguiçoso, limitado no exercício, no espaço e no tempo de circulação. Se ambos são não-interventivos, tal como iriam querer os situacionistas, no sentido em que apreciam o mundo e desejam ser apreciados por este, em jogos de exibição e voyeurismo, o janota é mais estático — vê mais passar do que passeia. Por isso, pedindo de novo emprestado conceitos situacionistas28, observa mais a situação que passa do que a deseja e cria — pelo que tanto a habita como a experimenta menos. Tanto no flâneur como no Janota, há uma cultura do ócio, que se articula com a boémia e a tertúlia. Neste ócio de exterior e da modernidade, há um desejo de oposição com o provincianismo e a ruralidade, vistas como coisas do passado, tal como na boémia, menos exterior29, mas outra sua faceta de um desejo urbano. Mas

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25. Anónimo, 1851, p.14; apud Luís Nuno Pinto Henriques, Ilustração. Imagem da Modernidade, Universitat de Barcelona, Facultat de Belles Arts, Programa de Doctorado Espaço Público y Regeneración Urbana. Arte, Teoria, Conservación del Patrimonio (línea Historia y Teoria), 2015, p.195. 26. «Temos de passar da circulação como suplemento do trabalho à circulação como prazer». Guy Debord, «Posições situacionistas sobre a circulação» (1959), in Internacional Situacionista — Antologia, Lisboa. Antígona, p.49. 27. Guy Debord, «Posições situacionistas sobre a circulação» (1959), in Internacional Situacionista — Antologia, Lisboa. Antígona, p.50. 28. Anónimo, «Questões preliminares à construção de uma situação» (1958), in Internacional Situacionista — Antologia, Lisboa. Antígona, pp.23-26. 29. Luc Ferry, Philosophie de la Bohème. L’invention des utopies, Flammarion, 2013, p.16-17.


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no janota do Chiado tal oposição é mais um desejo de mundanidade que mal se disfarça na sua mimesis, revelando no seu excesso de imitação outra dimensão provinciana que se joga entre Lisboa e Paris (ou Londres). O flâneur e o janota são por princípio figuras do dia e da rua, o que as torna, por definição (e não por modo de vida) diferentes da boémia. Nas Scènes de la vie de bohème (1951), Henry Murger distinguiu três tipos de boémia : a numerosa «bohème ignorée», como o estoicismo do ridículo daqueles que julgam que a sua marginalidade e ostracismo se deve ao seu próprio génio ignorado e maldito; a desprezível e artificial «bohème des amateurs», para quem a boémia é uma pose e uma pausa, um passageiro parêntesis da sua existência; e a autêntica «vraie bohème» elitista e marginal, mas de transição para o reconhecimento e notoriedade, que assenta no talento e aventura criativa30. Esta última é a verdadeira dos artistas, do romantismo ao modernismo, permitindo aproximar mais a figura baudelaireana do dandy do que o flâneur ou o janota. Não impedindo a sua complementaridade, estas definem-se como figuras da luz do dia e da rua, enquanto e boémia pede a noite e os interiores bafientos. Por isso, convém sublinhar na Boémia «un mode de vie en marge de la société bourgeoise»31. A superficial marginalidade moral associada à boémia tem um fundo mais alargado, de marginalidade a um modo de vida rotineira, a um hábito vivencial. O flâneur e o janota passeiam-se sem convocarem essa marginalidade imoral, para serem antes figuras que entram nos ritmos dos seus lugares, para fazerem parte da sua definição de modernidade ou desejo dela. A boémia, existindo, será o outro lado da existência que os caracteriza, mas que não lhes é necessária. O que os caracteriza são modos comportamentais de artifício e aparência e no modo de caminharem em lugares que se tornaram seus. O Janota alimentou-se do Chiado tal como o flâneur de Paris — embora, como apreciámos, com diferentes encantos.

30. Para síntese, cf. Luc Ferry, Philosophie de la Bohème. L’invention des utopies, Flammarion, 2013, pp.54-60. 31. Luc Ferry, Philosophie de la Bohème. L’invention des utopies, Flammarion, 2013, p.11.

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A multidão como mediação de vários ecrãs. Da imersão em smartphones e da deambulação pelo Chiado e pelo Carmo José Quaresma

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Bahorel, homme de caprice, était épars sur plusieurs cafés ; les autres avaient des habitudes, lui n’en avait pas. Il flânait. Errer est humain, flâner est parisien. Au fond, esprit pénétrant, et penseur plus qu’il ne semblait. Victor Hugo, Les Misérables1

Alguns dos hábitos de dispersão por cafés e deambulação por diversos espaços culturais e artísticos do personagem Bahorel, da obra Os Miseráveis, também contribuíram para o lançamento do nosso projecto do Chiado / Carmo, cuja primeiras manifestações tiveram lugar em 2009 e em 2010 (neste ano com o contributo precioso de Fernando Rosa Dias). Já decorridos cento e cinquenta anos após a publicação da obra de Victor Hugo, a interpelação lançada pelos flâneurs do séc. XIX (com o seu “espírito penetrante”, como o de Bahorel), embora divirja bastante daquela que em 2009 se praticava nestes dois bairros históricos, tem em comum com esse extracto de experiência urbana a mesma vontade de errância e de exploração dos espaços de confluência artística e social, assimilando-os num processo de plasticidade e descoberta de um eu que é alternadamente singular e plural. Por estes motivos podemos afirmar que há uma dimensão de flânerie neste projecto do Chiado Carmo como um todo, e nesta edição de 2020 em particular. Associado a este flanêr referido por Vitor Hugo, por volta de 1862 — num tempo que em nada difere do tempo de Constantin Guy de Baudelaire, O pintor da vida moderna, de 1963) —, surgem outros sujeitos com idiossincrasias urbanas muito vincadas como o marialva (do qual ainda temos muitos testemunhos decadentes no nosso território), e o janota, figura que caracteriza uma parte significativa dos habitantes e dos transeuntes do Chiado, como refere o amigo Fernando Rosa Dias no artigo que publica neste volume, assim como o Professor José-Augusto França, outro amigo insubstituível deste projecto, que sempre colaborou no mesmo com um envolvimento culto, inovador e ininterrupto: Importado, o <<dandismo>>, flor delicada de civilizações mais evoluídas, teria de sofrer algumas adaptações — e em breve o <<dandy>> será substituído pelo <<janota>>, termo português que esconde a sua origem francesa de <<Jeannot>> ou <<Janot>>, colhido no reportório duma companhia parisiense de teatro popular que esteve em Lisboa cerca de 1835. Tinha-se orgulho em ser <<janota>>, em se vestir nos bons alfaiates, em frequentar os salões, em aplaudir as prima-donas no S.Carlos — mas tudo isso era

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exterior, não comprometia em nada os que se satisfaziam com esse título. Na sociedade romântica portuguesa, o <<janota>> era, por assim dizer, o <<dandy>> do pobre de espírito [...].1

Ora, tanto as adaptações apontadas por José-Augusto França em relação aos dandys do Romantismo português, como a assimilação do perfil dos flâneurs sugerido por Fernando Rosa Dias, são aqui postas em prática de maneira muito distinta daquela que se verificou no passado. Com a plena noção do arco temporal que separa tempos civilizacionais e culturais tão distintos como a segunda metade do séc. XIX e o primeiro quartel do séc. XXI, sentindo os riscos de interpretação que possam ocorrer com esta articulação de épocas tão diferentes, o que pretendemos desse tempo não mascara anacronismos que aspirem a uma anamnese impossível de experienciar. Esta articulação de épocas não significa, pois, a “queda” num sentimento nostálgico nem a importação de modelos civilizacionais e culturais de França (como o francesismo tematizado por Eça de Queirós e outros), Inglaterra, Itália, ou outras paragens. Pelo contrário, é um gesto que simboliza a necessidade de partilhar a preocupação em não “deixar cair” tão rapidamente as narrativas e a cultura da interpelação destes espaços — o Chiado e o Carmo — de observação sadia da realidade; de envolvimento intersubjectivo real; de confluência artística e crítica ímpar (no sentido lato de crítica). Dos diversos motivos que contribuem para a nossa perplexidade relativamente a estes afrouxamentos, identificamos a subserviência cultural e histórica ao fenómeno do turismo e da massificação cega (algo muito diferente da obra de arte enquanto uma “ocorrência de massas” preconizada por Walter Banjamin); a evaporação do “espírito do lugar” com o recurso a meras efemérides e à domicialiação do desassossego de artistas e poetas (os nossos e os parisienses); o investimento maçiço e simultâneo na recuperação de Belvederes no Chiado com uma previsão clara dos reflexos desta opção na habitabilidade deste espaço; e ainda, last but not the least, o embotamento da sensibilidade e da empatia face ao Outro da comunicação, com toda a gente montada em smartphones como se fosse uma extensão natural do corpo, mas desta vez para o manietar no seu próprio movimento e vida sinestésica. Como nos indica Sherry Turkle a propósito da vertigem das “janelas” dos computadores que cabem no bolsinho do casaco de um “Janota”:

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1. José-Augusto França, O Romantismo em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1993.


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The development of windows for computer interfaces was a technical innovation motivated by the desire to get people working more efficiently by cycling through different applications. But in the daily practice of many computer users, windows have become a powerful metaphor for thinking about the self as a multiple, distributed system. The self is no longer simply playing different roles in different stings at different times, something that a person experiences when, for example, she wakes up as a lover, makes breakfast as a mother, and drives to work as a lawyer. The life practice of windows is that of a decentred self that exists in many worlds and plays many roles at the same time.2

Em si, a diversidade de “papéis” a desempenhar e a fragmentação do “eu” que esse desdobramento provoca, se for um exercício de liberdade e derivar da vontade do próprio, não constitui para nós motivo de apreensão, sendo até desejável que a identidade de um sujeito se confronte com diversos contextos de interacção, uns mais familiares que outros, de modo a criar e a diversificar as condições para o prazeres e os desprazeres da auto-descoberta pessoal e inter-pessoal. O que não se esperava, aquilo com que não aprendemos a lidar — aquilo que criticamos diariamente mas não logramos harmonizar —, é o poder adictivo deste novo elemento, o smartphone, que em poucos anos está a liquefazer o que andámos meio milhão de anos a aperfeiçoar: a fabulosa capacidade de experienciar a vida de forma realmente sinestésica, tão fecunda no plano material como na dimensão imaterial. A potência extrema de ser sensível interna e externamente, estar de “atalaia” em relação ao mundo e aos outros, e oferecer esses quadros vivos produzidos pelos nossos sentidos à actividade reflexionante e à nossa vida social e cultural. Ora, “escutar” o oráculo da multidão e ser sentinela de si mesmo, ser capaz de discernir nessa multidão situações humanas, sociais, éticas, estéticas, artísticas, ou outras, a nosso ver, é o que procuraram fazer, segundo os modelos de perscrutação do seu tempo, o Sr. Bahorel em Les Miserábles, de Victor Hugo, ou o pintor “Constantin Guy” em Le Peintre de la Vie Moderne, de Baudelaire. Sejamos claros: o clamor pelo restauro dessa agilidade performativa e social é vão. A crença na recuperação desse potencial humano há muito tempo submetido a uma “crise civilizacional” é exasperantemente frágil. Resta-nos, sem pretendermos incorrer numa “amargura apocalíptica” entediante sobre o rompimento do tecido humano e social, esperar de forma activa por novas manifestações do potencial de insurgimento

2. Sherry Turkle, Life on the Screen. Identity in the Age of the Internet, Nova Iorque, Touchstone, 1997.

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que sempre caracterizou o homo ludens, fazendo-o lutar interna e externamente com o homo digitalis num jogo de reciprocidade adversa (como no combate heideggeriano da “terra” com o “mundo”). Talvez assim ressurja a autonomia e ocorram as tentativas de “saída da menoridade”, como exortava Kant no séc. XVIII, mas agora face à tecnologia que há muito nos submeteu sob a forma de “imagens para tudo” incluindo as “imagens conversacionais”, de um narcisismo auto-induzido, e de uma óptico-hapticidade voraz. Permitam-nos agora inflectir a nossa narrativa e explorar melhor uma característica humana em risco de embotamento crescente, embora simule ter reaparecido nos smartphones em modalidades tecnológicas surprendentes: a sinestesia humana e a vida óptico-háptica. Por vezes parece que o poder de exteriorização da vida háptica (que traz em si ainda outra vida, a proprioceptiva, isto é, a sensibilidade interior que temos ao estado do nosso próprio corpo) nos pré-existia, que essa exteriorização já residia em nós em potência e que só à custa da sofisticação da nossa sobrevivência e necessidade de adaptação (qual homeóstase desenvolvida em confronto com a diversidade de ambientes e situações atravessadas) foi possível transformar em força centrífuga, isto é, converter toda essa disponibilidade em interacção com outros seres vivos, com os nossos semelhantes, e com os espaços e os objectos que nos envolvem. Contudo, suspendendo essa sensação primeva que nos assinala um estado de pertença a uma esfera de interioridade — no fundo, de um corpo que é “sensível para si”, de um corpo senciente que contrasta com o espaço omnienglobante — evoluimos para uma experiência mais complexa desse poder de exteriorização, reflectindo-o de modo mais quiasmático, simultâneo e tensional. Descobrimos que afinal a expansão háptica, o seu poder de realização e espacialização, além de não ser dissemelhante de outros corpos, tem afinidades com aquilo que toma por exterior, assimilando vorazmente as situações, os espaços e os objectos encontados na fronteira da relação estabelecida. Falando em termos mais concretos, isto é, mais passíveis de experiência directa e actual, tomemos as extensões de nós mesmos para com tudo o que nos rodeia na natureza. Observando bem, são uma rudimentar mediação, uma mútua e reiterada interferência entre espaços e corpos no seu sentido mais lato; são também a mais imediata eclosão do agir humano (enquanto homo faber). A título de exemplo considere-se a utilização de uma pedra: mesmo que ainda não lascada, mesmo que simplesmente escolhida com critérios elementares de exteriorização háptica entre a diversidade das coisas existentes num certo local ou caminho. Se lanço a pedra à árvore para que desta surta qualquer coisa — seja no plano da sobrevivência (frutos ou pássaros), ou no plano da gravação de uma marca na casca do tronco ou na densa


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folhagem —, trata-se de uma exteriorização com a qual um gesto se solta e distende num encadeamento de espaço envolvente / árvore / golpe em fruto ou fenda na copa frondosa. Um gesto com uma intencionalidade primária, de quase pura experimentação orgânica, gesto do qual resulta para nós uma gratificação com sinal de sobrevivência ou uma gratificação de forte envolvimento matérico e pré-estético como se se tratasse de uma ampla membrana de resiliência, mas também de mediação e de reenvios. Um gesto ritmado e “bio-técnico” (como afirma Michel Guérin 3) que antecede a linguagem, que é grafismo oscilante mas persistente, capaz de fazer despertar a necessidade de representação entre outras modalidades do agir humano. Ora, já se vê, será deste incessante poder de reenvio, dessa membrana / ecrã omnienglobante que irá paulatinamente eclodir a nossa sensibilidade proprioceptiva (a dimensão háptica invisível) justamente aquela dimensão na qual se movem os “sentinelas desconhecidos” mas todos os dias ressentidos (como já sugeriam com diferentes inspirações Santo Agostinho, nas Confissões, ou quinze séculos mais tarde Merleau-Ponty, a propósito do corpo-sentinela). Será a partir dessa membrana de confluência interna e externa que se vai desenvolver o gesto que há pouco descrevemos relativamente à árvore dos pássaros, frutos ou marcas pré-estéticas. Sensibilidade proprioceptiva que é uma extensão interna articulada com os “portais” da sensibilidade háptica, sustendo e impulsionando esta para todas as mediações que conseguimos perceber e sentir em acto. Mesmo que errante, mesmo que em substituição ou usurpação sinestésica, saltando de sentido em sentido, derivando entre sedes sob máscaras de difícil decifração. Estes pressupostos são ainda hoje ressentidos como essenciais à nossa actividade interssensorial e inclusivamente à nossa sobrevivência, tanto no que diz respeito à primeira como à segunda natureza (ou seja, a cultura), como já se deprendia da lucidez das palavras de Aristóteles sobre o nosso fundo háptico no livro Sobre a Alma.4 Regressando ao arco

3. “Ce n’est pas le langage, soi-disant en tant que faculté de représentation, qui produit le graphisme ; à l’inverse, c’est celui-ci qui induit le moment venu un développement représentatif. Ce sont, insistons-y encore, les rythmes présents dans le graphisme, prolongement de scansions existentielles fondamentales liées aux grandes articulations de la motricité bio-technique, qui ébauchent un plan de la formulation spécifiquement linguistique.” Michel Guérin, André Leroi Gourhain. L’Évolution ou la Liberté Contrainte, Hermann, 2018. 4. “La chose est donc évidente : le sens du toucher est nécessairement le seul dont la privation entraîne la mort des animaux. […] Voilà pourquoi les autres qualités sensibles — tells la couleur, le son et l’odeur — ne détruisent pas l’animal par leur intensité excessive, mais seulement ses organes sensoriels. […] Par contre les qualities tangibles trop intenses — chaleur, froid, dureté —, suppriment l’animal. En effet toute qualité sensible excessivement intense détruira donc le toucher par lequel nous avons défini la vie […] c’est pourquoi les qualités tangibles trop intenses détruisent non

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entre a tecnologia e a hapticidade, pensamos ser esta noção de mediação háptico-proprioceptiva com o exterior que permite a Kevin Kelly referir-se a “instrumentos” e a “tecnologia” num sentido radical de extensão da nossa natureza: All technology, the chimp’s termite-fishing spear and the human’s fishing spear, the beaver’s dam and the human’s dam, the warbler’s hanging basket and the human’s hanging basket, the leaf-cutter ant’s garden and the human’s garden, are all fundamentally natural. We tend to isolate manufacturing from nature, even to the point of thinking of it as antinature, only because it has grown to rival the impact and power of its home. But in its origins and fundamentals, a tool is as natural as our life.5

Na continuidade desta acepção de tecnologia, o autor é tão abrangente que chega a incluir no respectivo espectro de possibilidades actividades de outros primatas, ou de espécies que na “cadeia do ser” se encontram ainda mais distantes do humano: Many other animals used tools millions of years before humans Chimpanzees made (and of course still make) hunting tools from thin sticks to extract termites from mounds and slammed rocks to break nuts. Termites themselves construct vast towers of mud for their homes. Ants herd aphids and farm fungi in gardens. Birds weave elaborate, twiggy fabrics for their nests. And some octopuses will find and carry shells for portable homes. The strategy of bending the environment to use as if it were part of one’s own body is a half-billion-year-old trick at least.6

A homeostasia dos seres vivos que lhes garante simultaneamente o “equilíbrio” e a capacidade de adaptação ao meio envolvente, é o que faz Kevin Kelly pensar em transformação lenta e permanente dos organismos por intermédio de procedimentos sofisticados de adaptação eficiente às quais ousa chamar de instrumentos e construções, logo, acontecimentos que são similares a um devir tecnológico elementar. Como se existisse um plano teleológico, isto é, um plano que se

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seulement l’organe sensoriel, mais aussi l’animal lui-même, puisque le toucher est le seul sens qui appartienne nécessairement aux ainmaux.” Aristóteles, De l’Âme, tr. E. Barbotin, Paris, Belles Lettres, 2009. 5. Kevin Kelly, What Technology Wants, Londres, Penguin Books, 2010, p.22. 6. Ibidem, p.21.


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desenrolasse segundo uma finalidade incognoscível da natureza que nos impele a agir para garantir a sobrevivência de indivíduos e grupos. Compreende-se que esta visão holística do desenvolvimento tecnológico possa ser tomada como um estado de explosão natural da qual brotará mais tarde uma idade mais fragmentária e artificial, a idade mecânica, à qual sucederá outra que lhe vai esbater determinados limites espacio-temporais como é o caso da “tecnologia eléctrica” tematizada de modo tão criativo por Marshall McLuhan: After three thousand years of explosion, by means of fragmentary and mechanical technologies, the Western world is imploding. During the mechanical ages we had extended our bodies in space. Today, after more than a century of electric technology, we have extended our central nervous system itself in a global embrace, abolishing both space and time as far as our planet is concerned. Rapidly, we approach the final phase of the extensions of man — the technological simulation of consciousness, when the creative process of knowing will be collectively and corporately extended to the whole of human society, much as we have already extended our senses and our nerves by the various media.7

Subitamente, mesmo que de forma plástica e desconcertante, deparamo-nos com uma mutação tecnológica que se entrelaça com a nossa sensibilidade, o nosso sistema nervoso e até a nossa consciência, como que incarnado em nós para transformar a nossa autosenciência e a nossa capacidade de interpretar e intervir profundamente no mundo a uma escala inimaginável até há poucos anos. Sucede que o poder de antecipação de McLuhan e as imagens impressivas de que este autor se serve para aludir à força centrífuga das tecnologias e dos media, tornaram-se uma realidade em escassas décadas, sendo agora possível verificar-se um fenómeno de inversão e retorno ao corpo de muitas dessas tecnologias. Após décadas a considerar a exteriorização crescente dos media e a pensarmos na mesma como uma rede de extensões do nosso corpo, verifica-se um retorno dessas tecnologias ao corpo sob novas formalizações, uma inflexão programada relativamente ao leito do qual partiram há milhares de anos para ensaiar múltiplas adaptações. Entre estas encontramos inevitavelmente uma “nova vida” para a dimensão “háptica”, sem que isso signifique uma coincidência com os limites anteriores, por exemplo aquando da experiência da pedra que apresentámos

7. Marshall McLuhan, Understanding Media. The extensions of Men, Nova Iorque, MIT Press, 1994 (1964), pp.3-4.

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ou os outros exemplos de primatas e outros seres elencados por Kevin Kelly. Regressa a si com um conjunto muito diversificado de vicissitudes (utensíllios, equipamentos, interfaces, aplicações, procedimentos), compatível em muitos aspectos com a impetuosa e ancestral vida proprioceptiva que a viu partir, porém, com um poder de interferência e modificação antropológica nunca anteriormente experienciado, que compromete a nossa vida pessoal e colectiva com um efeito medusante de elevado grau. Por isso nos empenhámos na proposta de um programa que ironizasse a nossa “queda” num frenesim tecnológico que simula a nossa vida háptica e sinestésica como se fosse um meio natural e insubstituível. Por isso, também, o apelo a que se dirija uma crítica bem sustentada a este estado de ensimesmamento, revisitando com uma nostalgia contida um tempo da vida urbana em que fomos verdadeiramente criativos e irónicos na construção de uma esfera pública participada e poética: o tempo agilizado pelo Pintor da Vida Moderna e o modo como revoluteava no espaço público — como se fora pássaro ou peixe — entrando e saindo da multidão para melhor se comprender e enriquecer nos seus processos de empatia para com o Outro.

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Parte V Chiado / Carmo, elemento grĂĄfico e esfera pĂşblica


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Hefesto, Fausto e o Elemento Gráfico. Matrizes telúricas, forjadas, transmutadas José Quaresma

Estas linhas permitem esclarecer a razão da inserção deste texto, assim como dos próximos dois, no contexto desta publicação. “Também entre nós (Chiado, Carmo, Portugal) Fausto muitas vezes irrompeu. Entre outros exemplos, aparece em obras de Garrett como as Viagens na minha terra; em diversas intervenções e alusões de Antero de Quental (Os Críticos de Fausto. Carta ao Exmo Sr. J. Gomes Monteiro); num longo poema filosófico de 1895 por Teófilo Braga, Vigílias de Fausto; (...) Manifestou-se ainda como apropriação e intertextualidade em diversas obras de Eça de Queirós, seja de forma explícita, seja de maneira indirecta mas vinculativa (Mefistófeles, Mandarim, Senhor Diabo, ou São Frei Gil); ou mais recentemente no romance de António Vieira, Doutor Fausto.” José Quaresma, Carmo, Chiado e as Aparições de Fausto, 2018.

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[…] O que teria levado milénios ou Eões para ‘amadurecer’ nas profundezas subterrâneas, o metalúrgico e sobretudo o alquimista pensam poder fazê-lo em algumas semanas. O forno substitui-se à matriz telúrgica: é aí que os metais-embriões terminam o seu crescimento. Mircea Eliade, Ferreiros e Alquimistas É que ele fabricava trípodes, vinte ao todo, para ficarem de pé à volta do muro da sua casa bem construída; e rodas de ouro colocara sob a base de cada uma, para que entrassem, autómatas, na reunião divina e de novo voltassem a casa, maravilha de se ver! Homero, Ilíada E afinal vejo: nosso saber é nada! É de ficar com a alma amargurada. Sei mais, é claro, que todos os patetas, Mestres, Doutores, escribas e padrecas Goethe, Fausto

A ideia que orienta este contributo para a compreensão do que interliga as matrizes telúricas, as matrizes forjadas, e as matrizes transmutadas, consiste no seguinte: continua e verificar-se um fluxo persistente que congrega tempos arcaicos de pedra e metais; tempos mito-poéticos como o de Hefesto, ainda de pedra e metais; um fluido que também inunda os espaços de labor e espiritualidade de Alberto Magno; trespassa o laboratório de Fausto, a personagem histórica, contemporânea de Paracelso; confluindo ainda, por mais surpreendente que a alguns pareça, nas investigações de Newton (“The fact is however that alchemy, although fast dying out, was still able to command some attention even among serious men of science. […] Scientists, while making great strides in some fields by the use of empirical observation, could not wholly give up their belief in the value of traditional methods of scientific research. Newton himself was no exception: the surviving manuscripts or transcripts on alchemy written in his own hand amount to some 650.000 words, a remarkable testimony to the tenacity of the old faith. As late as 1782 the Royal Society could still investigate a claim, made by one James Price, to have transmuted

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metals into gold, and five years later the Berlin Academy was led to make an enquiry into similar claims made by a Professor at Halle”1). Um fluido que ressurge nas investigações de Goethe, em algumas das suas criações literárias, e até na narrativa auto-biográfica sobre o uso da “tintura universal” para a cura em 1769 de uma doença que o afectou enquanto jovem2; no labor e nos segredos herdados de Urs Graf, Schoengauer, ou Dürer, todos homens do elemento gráfico que provêm de famílias de ferreiros, ourives, joalheiros, e armeiros. Por fim, para encurtar o encadeamento de exemplos, um fluido que continua muito operativo nas grandes mutações do séc. XIX, nomeadamente a ampliação do elemento gráfico em elemento fotográfico com a experimentação de metais (cobre e prata) e substâncias (betume judaico, essência de alfazema, iodo, e mercúrio, o tal metal líquido indispensável a toda a alquimia); avançado depois na plenitude do quotidiano dos artistas plásticos que creem na transmutação do elemento gráfico, mesmo que nos estejamos a afastar da realidade da pedra e dos metais e nos sintamos muito mais identificados com os sortilégios da “idade da luz”. Neste fluxo de transformações dos elementos da natureza e do homem em estreita comunhão com a mesma, a arte e a alquimia complementam as criações daquela e até ousam subtrair-lhe tempo (“Uma nota comum sobressai de todas essas tentativas: assumindo a responsabilidade de mudar a Natureza, o homem substituia-se ao Tempo”3), esse tempo inexorável no seu ritmo único de expansão e contracção, mas que por incompletude humana e necessidade criativa sempre tentámos instrumentalizar, fosse com Epimeteu e Prometeu num passado remoto, fosse com os seus epígonos do séc. XVIII e do excesso de crença nas “Luzes”. Ora, acima e contra esta ingenuidade que ninguém deixa de herdar, irrompem Fausto, Mefistófeles, Wagner e o seu Homunculus de retorta, personagens míticas que circulam com grande “à vontade” nos nossos ateliês e laboratórios (que hoje também incluem os FabLabs), lugares de experimentação, transmutação e invenção que patenteiam as grandes afinidades electivas que existem entre artistas e

1. Ronald Douglas Gray, Goethe the Alchemist. A Study of Alchemical Symbolism in Goethe’s Literary and Scientific Works, Cambridge, Cambridge University Press, 2010, p.3. 2. “It was in this atmosphere of thought that Goethe began his studies on his return from Leipzig University in September 1768. Sick more in mind than in body, he spent the winter’s convalescence reading alchemical authors in company with the Pietist Fräulein von Klettenberg. It was she who introduced him to the confused work of Georg von Welling, the Opus Mago Cabbalisticum et Theosophicum, a book which he described as ‘obscure and incomprehensible’, but whose mystifying language apparently spurred him to further reading. He went on to study such authors as Paracelsus, Basil Valentine, van Helmont, and starkey, all of them alchemists of note, and found particular pleasure in the anonymously published Aurea Catena Homeri.”Ibidem, pp. 4-5. 3. Mircea Eliade, Ferreiros e Alquimistas, Lisboa, Relógio d’Água, s.d., p. 133.

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alquimistas, curiosamente uma metáfora construída a partir da noção já previamente existente de afinidades químicas que foi literariamente alterada por Goethe em 1809 na obra Die Wahlverwandtschaften. Embora muito distantes no tempo e no lugar, afins são ainda os autómatos que rolavam sobre “rodas de ouro” e guardavam o palácio brônzeo de Hefesto: “Voltando à narrativa de Hefesto, qual matriz da mito-poética ocidental, o tecno-deus de natureza manca que a si mesmo administra uma perna biónica, desenvolve já a sua (e por roubo, também nossa) actividade no palácio que guarda as artes e os materiais que lhes dão estofo e expressão, sem quaisquer constrangimentos de locomoção ou outra extensão de que sinta falta. Manco mas autónomo, capaz de entre muitos outros aparelhos fazer autómatos, com a estranha particularidade de os ‘fabricar’ num tempo em que ainda não havia sinais visíveis da espécie humana.”4 Num tempo anterior ao surgimento do homem e à sua transição para a superfície da terra, ocorrida com o auxilío de Prometeu devido ao seu afã de completar o conjunto das faculdades humanas. O peso desta mítica responsabilidade (que sendo ficcional ainda hoje nos habita e inquieta) fez, como é consabido, com que Prometeu se apropriasse de um fogo e de um conhecimento indevido das artes. Aquele “fabricar” havia sido uma poiesis da natureza que entretanto se transmutou numa poiesis mito-poética mas divina, e num tempo posterior numa poiesis complementar e quase humana, aquando da manufactura dos foles que aceleram e tornam mais frequente a incandescência das fornalhas que a natureza se encarregava anteriormente de acender.5 Nestes lugares de muitas ocorrências ígneas e múltiplas operações de transmutação, tanto naturais como divinas e pré-humanas, é sempre provável ver projectadas narrativas de jazidas de metais raros, ou o anseio de os obter por via da transformação metalúrgica ou alquímica. Por este motivo são espaços míticos nos quais encontramos a disposição pré-humana e arcaica de laboratório — e por analogia de ateliê — enquanto arquétipo de poiesis e combinação de substâncias, como aquele que segundo a narrativa de Protágoras era partilhado por Hefesto e Atena.

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4. José Quaresma, Fifty Years of Understanding Media. McLuhan, Heidegger, Virilio e Baudrillard sobre a Técnica, Lisboa, CIEBA_FBAUL, 2014, loc. 2109 de 2648. 5. Tal como evidenciado por Mircea Eliade na sua investigação sobre ferreiros, fundidores, alquimistas e as ígneas ligações entre si, podemos ainda descobrir mediações de carácter hierogâmico: “O raio é a arma do Deus do Céu. Quando este foi destronado pelo Deus da Tempestade, o raio tornou-se o sinal da hierogamia entre o Deus da Tempestade e a Deusa da Terra. Assim se explica o grande número de machados de dois gumes descobertos nos abismos e nas cavernas de Creta. Tal como o raio e os meteoritos, os machados ‘fendiam’ a terra: simbolizavam, por outras palavras, a união entre o Céu e a Terra. Delfos, o mais célebre abismo da Grécia Antiga, devia o seu nome a esta imagem mítica: delphi significa, efectivamente, órgão gerador feminino.” Mircea Eliade, Ferreiros e Alquimistas, Lisboa, Relógio D’Água, s.d., p.18


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Nesses lugares recônditos e matriciais para a geração do homem, as matrizes telúricas, mas também para o domínio do fogo, as matrizes forjadas, e para a cultura das artes, as matrizes trasmutadas, são lançadas as chispas que mais tarde, após a ocorrência de várias transmutações encadeadas, veremos dar luz e forma ao homunculus de Wagner na Parte II de Fausto: Que sismo é este, tenebroso, Que os negros muros faz tremer? A espera deste caso espantoso Muito mais não pode durar. Já clareia o fundo do poço, E já no centro do balão Se acende o mais vivo carvão: É um carbúnculo brilhante No escuro chispando, reluzente. E agora a luz branca que cega! […] Já brilha! Vede! — Agora há esperanças De, a partir de centenas de substâncias, E por mistura — que é isso que conta! — Compor lentamente a humana matéria Numa retorta bem fechada, Correctamente destilada6

Por mais segredos que estas retortas guardem e por mais refractária que a alquimia se revele perante a linguagem, a lógica do sentido e a comunicação, esta actividade de perscrutação das “forças latentes da natureza”7 não deixa, ainda assim, de se constituir como uma forma muito particular de mediação, ousando misturar química, medicina, e a própria sabedoria alquímica. Ou seja, parecendo estranho falar de mediação na prática da alquimia, esta está sempre a tentar ligar substâncias de combinação improvável, aproximando o extra-quotidiano do verosímil: o elixir para trazer a imortalidade, o regressus ad uterum (“Segundo Paracelso, o mundo inteiro deve ‘entrar na sua mãe’, que é a matéria prima, a massa confusa, o abyssus

6. Goethe, Fausto, tr. João Barrento, Lisboa, Relógio d’Água, 2013, vs 6820, vs 6845 7. “He who is born in imagination discovers the latent forces of Nature.” Paracelso citado por Jenni-

fer N Wunder, Keats, Hermeticism, and the Secret Societies, Hampshire, Ashgate Publishing, 2008, p.118.

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[…]”8) para uma reintegração na vida primordial e consequente regeneração, entre outras mediações espirituais e físicas. Este “estar sempre a tentar ligar substâncias de combinação improvável, aproximando o extra-quotidiano do verosímil” é totalmente familiar à actividade da gravura, inscrevendo-se o elemento gráfico nesta cadeia de mediações, respirando a atmosfera experimental na qual, aliás, também podemos integrar a fotografia: de modo mais material e “pesado” enquanto esta foi heliogravura devido a uma certa proximidade laboratorial dos saberes gráficos e dos saberes fotográficos; de maneira mais subtil agora que a fotografia deflagra com bastante frequência por intermédio de tecnolofgia digital. Ora, sendo a insatisfação de Fausto perante a filosofia, a teologia, a ciência, e, acrescentamos nós, a produção artística existente, sinais inadiáveis da incompletude daquilo que se podia relizar nestas áreas, mais uma actividade literal a alquimia surgirá como “metáfora viva” das “forças latentes da natureza”, mas também do desassossêgo que habitualmente varre o ânimo dos artistas em geral, incluindo aqueles que trabalham com o elemento gráfico. Sendo assim, o motivo que nos trouxe para a sombra de Fausto, sobretudo o de Goethe, deve-se à necessidade de continuar a deixar cair “as palavras indigentes” que a cada momento se reunem para perturbar a plenitude da nossa experiência artística, pois, esta desvela-se ao ritmo e à medida que se vão vislumbrando certos segredos do mundo, porém, nunca estabilizando no auto-contentamento de uma consciência finalizadora e desdenhando sempre estados ilusórios de progresso e superação continua. No fundo, sendo um pouco vagabundo, como o Fausto real foi acusado de ser (“Aquele homem acerca de quem me escreveste, George Sabellicus[…], que ousou chamar-se príncipe dos necromantes, é um vagabundo […]9), e fazendo aquilo que Paracelso exorta a fazer: “Paracelsus upset the traditional attitudes of Schoolmen. ‘The universities do not teach all things,’ he wrote, ‘so a doctor must seek out old wives, gipsies, sorcerers, wandering tribes, old robbers, and such outlaws and take lessons from them. A doctor must be a traveller […] Knowledge is experience.’ Paracelsus held that the crude language of the innkeeper, the barber, and the teamster had more real dignity and common sense than the dry Scholasticism of Aristotle, Galen of

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8. Mircea Eliade, op. cit., p. 122. 9. Primeiro testemunho impresso sobre o Fausto histórico pela voz de Johann Wirdeng, citado no

texto de Rita Iriarte, “Fausto: a história, a lenda e o mito”, in Fausto na Literatura Europeia, João Barrento (org.), Lisboa, Ensaio, 1984, p.19.


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Pergamum, and Avicenna, some of the recognized medical authorities of his day.”10 Por isso o Fausto que referimos é tido como antecipador de problemas enunciados por Nietzsche quatro ou cinco décadas depois, designadamente na questão da ideologia da superação cumulativa do homem moderno e a imersão deste num logos que se tornou “uma necrópole das intuições”, totalmente desligado de um fundo dionisíaco e errante das manifestações estéticas e artísticas. Também por estes motivos, Fausto representa para nós a necessidade humana de duvidar do adquirido, mesmo que isso implique a evocação de estados civilizacionais mito-poéticos e uma realidade pré-socrática que pressionem uma certa cegueira tecno-científica que já nos habituámos a louvar de forma acrítica. Existem dois elos fundamentais para a interligação do Fausto de Goethe com o elemento gráfico: o primeiro refere-se à dupla travessia que Fausto realiza da temporalidade, seja em sentido projectivo (com a colaboração exegética dos leitores das épocas que sucederam a Goethe), seja em sentido regressivo, sobretudo neste, como já tentámos expôr ao longo das últimas páginas, aproveitando sempre o caudal das sugestões que a prória obra literária permite. O segundo elo relaciona-se com a necessidade imprevista de reabertura do dossiê da alquimia e do lapis philosophorum, ainda que afastados de quaisquer preocupações de ordem hermética, ritualística, questionando o problema das linguagens encriptadas e as quedas inadvertidas nos anacronismos tecnológicos. “Slowly, in the course of the eighteenth century, alchemy perished in its own obscurity. Its method of explanation — ‘obscurum per obscurius, ignotum per ignotus’ (the obscure by more obscure, the unknown by the more unknown) — was incompatible with the spirit of enlightenment and particularly with the dawning science of chemistry towards the end of the century. But these two new intellectual forces only gave the coup de grâce to alchemy. Its inner decay had begun at least a century earlier, at the time of Jakob Böhme, when many alchemists deserted their alembics and melting-pots and devoted themselves entirely to (Hermetic) philosophy. It was then that the chemist and the Hermetic philosopher parted company. Chemistry became natural science, whereas Hermetic philosophy lost the empirical ground from under its feet and aspired to bombastic allegories and inane speculations which were kept alive only by memories of a better time.”11

10. https://www.britannica.com/biography/Paracelsus 11. Carl Jung, Psychology and Alchemy, Princeton, Princeton University Press, 1968, p. 227.

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A alquimia, sendo uma arte milenar com uma história muito intensa de experimentação e espiritualidade humana, com tradições na China, na Índia, no Antigo Egipto, na Grécia Antiga, na Europa e outros lugares do globo, tem uma fecundidade que só abrandou em plena modernidade europeia, já no séc. XVIII (mesmo assim, com um abrandamento muito lento), aquando da emergência da química e da física enquanto ciências secularizadas com objectos e métodos incompatíveis com procedimentos herméticos e linguagens de “segredo para iniciados”, pode ser considerada em três planos de funcionamento: (1) o estritamente material e cumulativo que visa a produção de metais nobres, nomeadamente o ouro; (2) o espiritual que nos conduz à reinterpretação dos abismos da identidade pessoal (cf. Carl Jung, Psychology and Alchemy), e a insaciável necessidade humana de experiementar, reduzir ao nada, reintegrar o útero metafórico ou a matriz que é a terra, para dela irromper incandescente e projectado para novas aparições de Prometeu, Fausto, e todos os outros experimentadores dos elementos primordias, dos metais que com eles se formam, das forjas, bigornas e instrumentos gravadores de marcas e objectos, mas também da criação de câmaras ditas obscuras que possam reter e gravar feixes de luz. Vamos deter-nos nesta passagem entre o laboratório da alquimia e o laboratório do elemento gráfico, expondo algumas afinidades entre a transformação dos metais e das formas em ambiente de gravura e a necessidade humana e alquímica de nigredo e regresso ao nada das formas. Para isso permitam-nos apresentar uma breve caracterização do elemento gráfico. Este modifica-se quando o transformamos com múltiplos avanços particulares, situação que podemos unanimemente considerar de mais frequente; ou então, modifica-se acrescentando-lhe elementos radicalmente transformadores que lhe alargam o campo para novas e imprevistas áreas de experimentação. Estes dois ritmos de transformação do elemento gráfico podem ainda assumir quatro qualidades distintas: (1) Alteração que lhe reconfigura o estatuto ontológico, entregando-o às vicissitudes de uma “homeostasia gráfica” muito dinâmica. Ou seja, a gravura destaca-se da densidade do seu ambiente endógeno, da sua história extremamente fecunda na cooperação com os avanços civilizacionais e sobrecarragada de descobertas tecnológicas, do seu interminável caudal de expressão e comunicação, para se deixar impregnar de “enxofre e mercúrio” exógenos, proporcionados pela alquimia de outras expressões artísticas; (2) modifica-se se lhe acrescentamos novas linguagens artísticas, novas prestações invididuais que a enriquecem no seu horizonte expressivo; (3) altera-se se a tecnologia se transmuta exigindo novas substâncias, procedimentos e mediações; (4)


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se investimos a produção gráfica de ideias estéticas contemporâneas tão válidas e fortes como aquelas que vogam nas expressões artísticas tidas como mais ousadas. Todas as alterações que acabamos de mencionar não estão muito afastadas do impulso reconfigurador dos alquimistas, não para assegurar que dos metais comuns possa surgir ouro, prata, ou outro metal nobre, desiderato que para todos os efeitos constitui a narrativa mais estafada — e inverosímil também — da história global da alquimia, mas um impulso reconfigurador que proporcione a transmutação das substâncias e dos símbolos plásticos usados no elemento gráfico, dispondo do espaço laboratorial para provocar no homem o seu desejo incoercível de realização. Uma transmutação que transgride o horizonte quotidiano da actividade gráfica, algo que se ergue de maneira incandescente, em chispas, como ocorre com as fundições de Hesfesto; como vimos pelo homunculus de Wagner na narrativa de Fausto; como admiramos na mania que permitiu a longa e obstinada experimentação para Nicephore Niépce obter a Heliogravura; ou como se verificou nas sucessivas e arriscadas ascensões de Nadar para a obtenção da primeira fotografia aérea, perto de Paris, em 1855: estas experiências só se tornaram possíveis a partir de um desejável “estado de confusão alquímica.”12

12. Y. K. Centeno, A alquimia e o Fausto de Goethe, Lisboa, Arcádia, 1983, p.125

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De la creación a la interpretación de una idea gráfica. Un erudito en su estudio o el doctor Fausto Juan Carlos Ramos Guadix

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“No analizamos obras de arte porque queramos imitarlas o porque desconfiemos de ellas, lo hacemos para comenzar nuestro propio camino.” Paul Klee

Donde todo comenzó. Consideraciones históricas La cultura visual ha ocupado a lo largo de la historia, especialmente en la actualidad, gran parte de la experiencia vital del individuo y como cualquier tipo de cultura esta se ha transmitido como información socializada a través de modelos imitativos, modelos de enseñanza o bien modelos de asimilación. Quizás, este último modo de transmisión por asimilación es el que con mayor intensidad se ha dado a lo largo de la historia. Tradicionalmente, las imágenes junto con la información textual se han encargado de estimular nuestro cerebro. Requiriendo en todo momento, mayor habilidad y cualificación a la hora de absorber e interpretar la hipervisualidad de una cultura. La inflación de la imagen del mundo así como los recursos tecnológicos de producción, propios de un entorno natural del grabado calcográfico del siglo XVII, abrieron un espacio circunstancial para la práctica artística. Esta pretendía tratar la información, el significado y las emociones como claves de conexión con la experiencia de un entorno mediatizado. Estas claves de conexión con la experiencia entre individuo y mundo adoptaron a lo largo del siglo XVII, múltiples formas de diversidad y elección. Generalmente producidas a través de complejos artificios de mercado en un entorno mediatizado por los diferentes sistemas de cambio y comunicación. Esta multiplicidad de formas y claves de comunicación que configuraron el territorio cultural se produjeron y organizaron a partir de los desarrollos tecnológicos. Estos serian los encargados de generar toda una serie de efectos los cuales provocaron rupturas y transgresiones de las fronteras propias de los modelos consolidados por la tradición. Hemos de reseñar que para nosotros la cultura no es tanto un conjunto de formas de conducta, sino más bien información determinada que especifica dichas formas de conducta en una especie de modelo, estímulo-respuesta, encargado de generar situaciones de interés para el arte. Los signos y las estructuras de la información son testimonios o huellas que expresan ideas separadas de los procesos de señalización y de construcción a través de los cuales se realizan. El grabado como hecho artístico que es, ha pretendido transformar la variedad caótica de los testimonios del individuo en lo que podríamos llamar un cosmos de la cultura. Será a partir de la segunda mitad del siglo XVI que la evolución tecnológica del grabado

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deriva en un acercamiento de este al mundo del arte, un acercamiento a campos situados normalmente en sus propios límites. El grabado y más concretamente el aguafuerte, durante el siglo XVII, generó un nuevo espacio plástico que desbordó los territorios de los países y regiones pudiéndolo considerar de intercultural gracias a su propia estructura. En todo caso, podemos afirmar que supuso un nuevo espacio para la intervención cultural y artística ofreciendo una función cognoscitiva y liberadora del arte del grabado y de su técnica. El apogeo del aguafuerte en el XVII, intenta suplantar a los métodos tradicionales de producción narrativa expandiendo sus límites hacia otro tipo de ediciones más intensivas las cuales se introducen cada vez con mayor ímpetu en lo cotidiano. Se hace necesario así, analizar las formas de despliegue y transmisión de estos flujos de significado y emoción, en definitiva de ideas, que tan rápidamente calan en amplias capas de la población, sobre todo en el entorno occidentalizado. El grabado aumenta sus espacios naturales de creación y difusión hacia espacios expositivos propiamente artísticos. Reconociendo de este modo, no solo su carácter creativo, sino también su valor crematístico y utilitarista al que tradicionalmente han estado expuestas estas disciplinas. De alguna manera, esto supuso la expansión de este campo del arte a unas prácticas creativas más definidas por su marcado valor de uso. Poniendo de manifiesto, el cambio operado tanto en el arte como en una nueva industria cultural. Un cambio que empezó a dibujar la diferencia entre una creación artística autónoma y una creatividad artística aplicada. Un criterio de diferencia que se estableció a partir del valor de uso dado a la estampa como objeto creativo. Esta se expande por doquier bajo un valor de cambio y uso marcado por marchantes como Clement de Jonghe o coleccionistas de la talla de Edme-François Gersaint, quien realizaría el primer catálogo razonado del trabajo gráfico de Rembrandt, o Pierre Yver, primer catálogo comparado de sus aguafuertes. De lo reseñado anteriormente, se desprende que el grabado a finales del siglo XVII cuenta con dos vías bien definidas: el grabado a buril y el grabado al aguafuerte. Este último conquistara el entusiasmo de los grabadores de creación mientras que el buril queda relegado al grabado de reproducción. No obstante, siguiendo el camino iniciado en el siglo XVI por Lucas de Leyden, el buril continuara interviniendo en mayor o menor medida sobre las planchas resueltas al aguafuerte. Desde un punto de vista histórico, hemos de reseñar que será en los Países Bajos donde el aguafuerte vea sus mayores logros gracias a la figura de Rembrandt, quien domina la historia del grabado al aguafuerte del mismo modo que Dürer domina la historia del grabado a buril. Aunque a lo largo del siglo XVI en los Países Bajos se había utilizado por parte de los grandes maestros y de forma esporádica el grabado al aguafuerte —por ejemplo Pieter Bruegel realizó un


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grabado—, la principal tradición en Amberes de la estampa original estuvo firmemente ligada al grabado a buril. La mayor parte de las numerosas estampas producidas por la escuela de Rubens y sus seguidores fueron buriles, a excepción de la excepcional serie de retratos compuesta por 80 planchas que realizara Van Dyck, conocida como la Iconografía. Parece que Van Dyck comenzaba a grabar al aguafuerte con una sensibilidad asombrosa, aunque sus trabajos eran acabados al buril por grabadores de reproducción.1 En el norte protestante, el grabado al aguafuerte lucha contra la supremacía que tenía el grabado a buril, hecho este que queda patente en la obra de Jan Van de Velde. Tras su muerte caería totalmente el grabado a buril en favor del aguafuerte. Este triunfo del aguafuerte satisfaría el gusto holandés, siendo muy pocos los artistas de importancia que no realizaran al menos uno o dos grabados. La moda comenzó con Willem Buytewech y Esaias Van de Velde, los cuales están anclados en el comienzo de la tradición holandesa del paisaje, siendo los encargados de guiar a sus sucesores Allart Van Everdingen y Jacob Ruisdael. Los paisajistas holandeses italianizados también graban al aguafuerte, son numerosos los grabados realizados por Bartholomeus Breenbergh, Jan Both, Nicolaes Berchem, Karel Dujardin y Herman Swanevelt; incluso Aelbert Cuyp grabó algunos aguafuertes. Adriaen Van Ostade con sus seguidores Cornelis Dusart y Cornelis Bega demostró las posibilidades del género rústico mientras que Reynier Zeeman y Simon de Vliegher las del paisaje marino. Dentro de esta nómina de grabadores holandeses se ha de destacar la figura de Hércules Seghers. Sus aguafuertes, casi todos paisajes caóticos, representa un universo extremadamente irreal y dramático. Generalmente fueron estampados en una tinta coloreada, papeles coloreados o bien iluminados a mano tras su estampación. Hay tratadistas e historiadores que atribuyen a Seghers ser el precursor del grabado experimental, más concretamente del grabado a color e incluso el inventor del aguatinta, aunque a este respecto no hay evidencias que lo justifiquen. De otra parte, no menos importante, hemos de considerar el decisivo interés que Rembrandt demostró por la obra de Seghers, llegando incluso a retocar y completar algunas de sus planchas, como la de La huida a Egipto. Será con Rembrandt que el aguafuerte llega a su más noble y completa definición en cuanto forma de expresión autónoma y creacional. Al igual que Seghers, experimenta rompiendo con todas las convenciones establecidas del aguafuerte. Sus aguafuertes, realizó doscientos ochenta y siete,2 demuestran un extraordinario

1. GRIFFITHS, Anthony. Prints and printmaking. London: British Museum Publications, 1980. p.65 2. VV.AA. Les estampes. Paris: Gründ, 1973. p. 80

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desarrollo de las planchas que con frecuencia son de pequeño formato. En sus magníficos paisajes realizados hacia 1630 y los temas religiosos de 1640 al igual que en sus retratos podemos ver su completa maestría en la calidad tonal de sus sombras. A través de los años y en sus últimas estampas de 1659, empleó cada vez más la punta seca la cual le permitió ampliar más su gama de efectos. Los experimentos realizados por Rembrandt con diversos entintados y papeles japoneses son importantes aspectos a considerar. De una forma u otra ponen de manifiesto la preocupación e importancia que supuso para él la estampa original como medio de creación. Podemos afirmar, que aparte de su belleza y energía emocional, sus estampas conservan, como ningunas otras, una capacidad de sorprender continuamente al espectador. El estilo de los aguafuertes de Rembrandt ha sido enormemente influyente, no solamente para sus seguidores más inmediatos, como Jan Lievens y Ferdinand Bol, sino que para todas las generaciones posteriores de grabadores, los cuales se han sentido orgullosos de ser sus imitadores.

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De la creación a la interpretación de una idea gráfica La forma en que la primera idea de un grabado surge, su concepto es tan misterioso en el caso de Rembrandt como en el de cualquier otro artista. Podríamos afirmar que el nacimiento de la obra es uno de los secretos esenciales de la creación artística. Por supuesto, no tanto es una cuestión de elección del sujeto a representar — hecho este, que puede ser decidido por un modelo—, es especialmente la forma en la que el tema se emite, en el sentido más amplio, y con lo que el proceso creativo está preocupado. De los doscientos ochenta y siete grabados que realizó Rembrandt y que han llegado hasta nosotros, muchos de ellos lidian con temas que reaparecen en sus pinturas. La suposición obvia, por lo tanto, sería que sus ideas para las pinturas han sido desarrolladas previamente en el grabado. Eso, sin embargo, desde nuestro punto de vista es muy cuestionable. Lo que surge de un análisis cercano de los grabados de Rembrandt es que este entiende el grabado como un medio autónomo y fundamental para su desarrollo creativo. Para Rembrandt, una única disciplina no era suficiente para consolidar su labor creativa. Necesitaba del recurso de diferentes ámbitos de la creación así como diferentes sistemas de conocimiento que codificaran sus ideas en modelos simbólicos. Esto significaba utilizar todos los recursos posibles, tanto materiales como inmateriales en el acto de elegir, afectar o conceptuar. En definitiva, en el acto de crear. La estampa Un erudito en su estudio o El doctor Fausto, se presenta como un modelo de la tradición en lo referido a la categoría de las representaciones de género. En esta, se representa un motivo que parece especialmente afín a Rembrandt y que


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puede considerarse uno de los temas de carácter más personal: el sabio en su estudio.3 Hemos de reseñar que temas similares son bastante comunes en la pintura de género holandesa coetánea a Rembrandt. Así pues, nos podemos encontrar con el geógrafo, el médico, el alquimista o el ermitaño en actitud de leer. Todos los casos se subrayan especialmente con atributos externos de la actividad intelectual. Probablemente, Un erudito en su estudio o el Doctor Fausto, como ningún otro, sea el grabado de Rembrandt que más haya desarrollado imaginación de teóricos, críticos, e historiadores del Arte. Pues ha dado lugar en repetidas ocasiones a especulaciones y diversos intentos de interpretación. Van de Waal y Strauss Van der Meulen presentan una buena visión general del estado actual de la investigación. No obstante, nuestra intención en el presente escrito dista de agregar una nueva visión a la larga serie de interpretaciones sobre el Fausto de Rembrandt, que abarca casi cuatrocientos años. Sin embargo, sí que intentaremos abordar y analizar aquellas interpretaciones que consideramos han tenido más preponderancia a lo largo de la historia. Hemos de reseñar que en nuestra opinión, con toda probabilidad, que ninguna de estas sea correcta. En términos generales podríamos dividir tales interpretaciones en cuatro grandes grupos: 1º. Este primer grupo estaría constituido por los que establecen una conexión entre el nombre tradicional de la publicación Dr. Fausto, y la leyenda de Fausto. 2º. Este grupo estaría integrado por los que interpretan o piensan que este título de Dr. Fausto es capcioso y por tanto induce al error. 3º. El tercer grupo estarían los que interpretan la estampa como un documento sociniano derivado del pensamiento filosófico del reformador italiano Fausto Socino. 4º. El cuarto y último grupo lo formarían aquellos que ven en este aguafuerte una referencia a las ceremonias cabalísticas que practicaban los judíos de Amsterdam, conocidas perfectamente por Rembrandt debido a la cercanía de su casa con la sinagoga. Es obvio que el grabado de Rembrandt en cuestión se inicia con la observación. Rembrandt actúa como observador de un fenómeno natural y como estructurador de un testimonio humano. En ambos casos está subordinado a los límites de su campo de visión y al material del que dispone. Aunque posiblemente que lo que tuviera Rembrandt en su mente ya habitaba en sus sentidos. Si bien en sus sentidos

3. ROSENBERG, Jakob. Rembrandt, vida y obra. Madrid: Alianza Editorial, 1987. p. 265

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habría muchas cosas que no penetraron nunca en su mente. Será de esta forma que, como artista, Rembrandt ensanchara su cosmos cultural transfiriendo de cierto modo los centros vitales de sus intereses. La estampa no está fechada, no está marcada y ninguna de las copias conocidas contiene inscripción alguna. La atribución a Rembrandt no ha sido cuestionada nunca, y la fecha generalmente aceptada se encuentra entre 1650 y 1653.4 Las complicaciones comienzan cuando nos preguntamos ¿Qué es lo que realmente se representa en la estampa? Es por ello, que en primer lugar vamos a proceder a hacer una breve descripción introductoria. Desde un punto de vista técnico, nos encontramos con una plancha realizada al aguafuerte, punta seca y buril. Esta es tratada con una fina valoración de trazos con refuerzos realizados a la punta seca. Estos dejan ver gran parte del papel, el cual se limita como valor expresivo propiciando el efecto de claroscuro. Como en otros grabados Rembrandt, en los distintos estados realizados, ensaya con distintos papeles como cálidos papeles japoneses. Según M. Charles Blanc existen tres estados de esta plancha.5 Las pruebas correspondientes al primer estado generalmente están en papel de India, y son muy raras. En el segundo estado, la plancha es retocada con buril al haberse deteriorado la punta seca. El segundo estado se diferencia también del primero en que el hombro de la figura ha sido retocado. Se han reforzado las sombras tras el cuello, las mangas y los pliegues del manto. Así mismo, los libros de la derecha tienen más trazos, muy juntos. Se piensa que sólo el primer estado es de mano de Rembrandt. En el tercer estado, el rayo de luz se divide por líneas adicionales. Hay autores que creen que es una obra inacabada. Así pues, Joseph Cundall en su libro Rembrandt Etching, dice: El retrato del Dr. Faustus, que Rembrandt no tiene del todo terminado, es una prueba de este proceso. La mesa, los libros sobre ella, el globo, e incluso la cabeza de Fausto, estaba en aguafuerte, y simplemente abocetados; todos estos objetos están destinados a ser tratados con más efectos del mismo modo que el fondo, que es la única parte completamente terminada...6 Básicamente en esta estampa se representa a un personaje situado junto una ventana, que tiene los atributos de un erudito o estudioso por los objetos que le

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4. VAN DE WAAL, Henri. Rembrandt’s Faust Etching, a Socinian Document and the Iconography of the Inspired Schlar, Oud Holland 79 (1964), p. 7 5. CUNDALL, Joseph. Rembrandt Etchings. Cambridge: Deighton, Bell, and Co. 1867. p. 85. 6. Ibídem. p. 30.The portrait of Dr. Faustus, which Rembrandt has not entirely finished, is a proof of this process. The table, the books upon it, the globe, and even the head of Faustus, were in aquafortis, and simply sketched; all these objects being intended to be worked up with more effect in the same way as the background, which is the only part quite finished.


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rodean: un pluma en su mano derecha, libros, documentos e instrumentos científicos. Mira pensativamente, sorprendido, ante la aparición de un fenómeno complejo que a modo de forma luminosa se muestra delante de la ventana. Esta enigmática aparición tiene por cabeza un brillante círculo de luz con una inscripción que, contiene en su centro el monograma de Cristo, INRI, rodeado por dos círculos concéntricos con la siguiente inscripción: + ADAM + TE + DAGERAM //+ AMRTET + ALGAR + ALGASTNA + +; casi perpendicular a la ventana, con la mano izquierda sostiene un objeto redondo, un espejo, que señala apuntando con un dedo de la mano derecha. Detrás del espejo una forma antropomórfica vaga, casi borrada, que cubre parcialmente el marco de la ventana. Colgando de la ventana, un fajo de papeles doblados y, más que nada, entre algunos otras cosas, una serie de estantes en la pared que contienen una calavera y algunos libros. En primer lugar hemos de reseñar que en el inventario de las planchas de Rembrandt de Clement de Jonghe realizado en 1679, esta estampa figura con el título de Practisierende Alchemist —Alquimista trabajando—; 7 pero en la estampa no se representan atributos algunos que se pueda identificar con un alquimista activo tales como probetas, fuego, etc. No obstante, hemos de reseñar que los espejos, en tiempos de Rembrandt, eran utilizados por los alquimistas para encriptar sus secretos. Desde 1731 esta estampa aparece reseñada en diferentes inventarios, como el del coleccionista de arte Delft Valerius Röver, bajo el título de Dr. Faustus. Röver, escribe un manuscrito “Memorie”, una lista de todos los grabados de Rembrandt de su posesión. Entre otras cosas, en el punto 19,3 —retratos— aparece el nombre de Dr. Faustus.8 Este es el primer título conocido de esta obra y desde entonces, como indica Van de Waal, existe una creciente insatisfacción con este título.9 Veinte años después en 1751 el catálogo razonado de Gersaint, el primero que se elaboró de los grabados de Rembrandt, recoge este aguafuerte como Fautrieus, y en el suplemento de dicho catálogo, Yver puntualiza el título como Docteur Faustus. Será a partir de este momento que se crea el vínculo entre esta estampa y el tema de Fausto. Esta denominación queda consagrada y refrendada desde que en 1790 Goethe ilustró la portada de su obra homónima con una copia invertida de libre interpretación de la estampa de Rembrandt realizada por Johann Heinrich Lips.10 Si bien en la estam-

7. HUIDROBRO, Concha y SANTIAGO Elena. Catálogo. En: De lo divino y lo humano Rembrandt en la Biblioteca Nacional. Bilbao, 1998. p.128. 8. CARSTENSEN, Hans Thomas and HENNINGSEN, Wolfgang. Rembrandts sog. Dr. Faustus Zur Archäologie eines Bildsinns. Oud Holland, Vol. 102, No. 4 (1988), p. 290 9. Ibídem, p. 290 10. ROSENBERG, Jakob. Op Cit. p. 269.

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pa, desde un punto de vista iconográfico, no se representan elementos esenciales de la leyenda de Fausto como la evocación ni la tentación de Satanás. Como indica Leendertz en 1921, Rembrandt pudo ver otras versiones más antiguas de Fausto representadas en Amsterdam a mediados del siglo diecisiete como la versión de Christopher Marlowe.11 Esta obra titulada Tragical History of the Life and Death of Doctor Faustus, probablemente fue escrita en 1592 y su antecedente inmediato parece que fue un texto germánico anónimo titulado Historia von D. Iohan Fausten y publicado 1587. El texto holandés de esta obra contiene una escena en la que Fausto, a punto de firmar el pacto con el Diablo, es advertido por su buen ángel. Si bien, en esta escena faltan tanto el Ángel de la Guarda como Satanás.12 Esta opinión de Leendertz encuentra apoyo en Wolthuis quien dice que ya no puede tener ninguna duda razonable sobre la fuente del tema de Rembrandt.13 Otra corriente de interpretación es la propugnada por Henri Van de Waal. Este piensa que se podía identificar al sabio representado por Rembrandt con Faustus Socino. Filósofo italiano fundador de la secta de los socianos, cuyas ideas plasmaba la estampa en la aparición, y que sostenía que la Biblia no era un libro histórico sino inventado. Van de Waal no encuentra relación alguna entre las fuentes de interpretación de grabado y la cultura del Amsterdam del siglo XVII.14 Piensa que la esta estampa hubo de ser un encargado con un propósito particular y para un grupo en particular. Gracias a un nuevo análisis del elemento cripto-mágico representado en la estampa piensa que se está más cerca de identificar aquellos para quienes el grabado de Fausto fue realizado. Este encuentra una estrecha relación iconográfica entre el aguafuerte de Rembrandt y una de las xilografías de Lucas Cranach el Viejo que aparecen en la La traducción del Nuevo Testamento por Lutero, publicado por primera vez por Hans Lufft en 1529 en Wittemberg. Este establece un gran paralelismo entre las figuras de San Mateo y Lutero, ambas trabajando en su estudio bajo inspiración divina. Para Van de Wal la semejanza con la disposición de la escena del grabado de Rembrandt es grandiosa. Al mismo tiempo, este se sorprende de una notable diferencia: en el grabado de Cranach se ve la paloma del Espíritu Santo, en el grabado de Rembrandt, el monograma de Cristo rodeado de palabras mágicas. Para este, en el sotobosque teológico de las sectas del siglo XVII en los Países Bajos,

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11. VAN DE WAAL, Henri. Op Cit. p. 8. 12. LEENDERTZ, P. Nederlandsche Faust-Illustratie. Oud Holland, vol. 39, 1921, p.139. 13. WOLTHUIS, G. W. Rembrandt’s Faust. En: Achtenveertigste Jaarboek van het Genootschap

Amstelodamum. Amsterdam, DeBussy, 1956. p. 96 14. VAN DE WAAL, Henri. Op Cit. p. 11.


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el único grupo que de forma consciente remplazara la Paloma del Espíritu Santo por un símbolo de Cristo como acontece en el grabado de Rembrandt y cuyo significado indudablemente concierne la Divina Inspiración, será la secta protestante no trinitaria de los Socinianos. Estos llegaron a los Países Bajos a través de Danzig y fueron conocidos como los Hermanos Polacos (Polish Brethren).15 Sus doctrinas representaban una reacción humanista a una teología medieval basada en la sumisión a la autoridad totalitaria de la Iglesia. Aunque conservaron la escritura como algo supra rationem, la analizaron racionalmente y creyeron que no se debería aceptar nada en contra de la racionalidad. Su pensamiento social y político experimentó un proceso evolutivo significativo desde una tendencia utópica que condenaba la participación en la guerra y la celebración de un cargo público y judicial a una posición moderada y realista basada en el amor mutuo, el apoyo del poder secular del estado, la participación activa en vida política y defensa de la igualdad social. Los teólogos holandeses incluso los situaban en los límites de la Cristiandad porque, según ellos, aquellos que niegan a Jesús o cualquier otro Dios, no merecían el nombre de Cristianos. En los mismos años en los que se ubica la realización de este aguafuerte de Rembrandt, 1651/53 el Staten —es decir, el cuerpo gubernamental— aprobó repetidamente edictos contra esta creencia a sabiendas que ella era practicada por un grupo excepcional de ciudadanos pertenecientes a la nobleza y a la clase intelectual de la época. Estos destacarían, entre otras cosas, por su tolerancia. A pesar de ello, pertenecer a esta secta se convertiría en una aventura peligrosa incluso en los Países Bajos. No obstante, Amsterdam era el centro mundial de la producción de publicaciones Socinianistas y editores como Willem Jansz Blaeu o eruditos como Adam Boreel se destacaban por sus simpatías con los Socinianistas. Como indica el propio Van de Wal su hipótesis se puede resumir: l. La estampa de Rembrandt, en su composición es una variante de la ilustración del Lutero de Cranach, muestra, en comparación con este último, una diferencia esencial en la sustitución del monograma de Cristo por la Paloma del Espíritu Santo.

15. HILLAR, Marian. The Polish Socinians: Contribution to freedom of conscience and the Amenrican Constitution. In: Dialogue and Universalism, Vol. XIX, No 3-5, 2009, p. 45.

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2. Ningún grupo se culpó de este contenido teológico más que los socinianos, perseguidos incluso en la República de los Países Bajos.16 Van de Waal identificó el título registrado de “Dr. Faustus” como una referencia a Fausto Socinus. Su razonamiento cobra más preponderancia al conocer que Socinus, que muere en 1604 en Polonia, tenía el nombre cristiano de Fausto; abriéndose la posibilidad de una representación del Dr. Faustus Socinus como un segundo Lutero contemplando a Cristo, el único hombre que ha sido admitido por el Único Dios. Van de Waal, piensa que el título de Practisierende Alchemist debe ser rechazado, ya que en esta estampa no se representa instrumento de alquimia alguno. Hemos de considerar que desde sus relaciones con el editor y diplomático portugués Menasseh Ben Israel, Rembrandt, gozaba de la confianza de quienes, debido a sus convicciones idealistas, se apartaban de los patrones y preceptos políticos o teológicos aceptados. Además de lo que se conoce en lo referido a su vida y su obra, el motivo anteriormente reseñado le habilita para aceptar un encargo políticamente peligroso. Para Van de Waal, serán los socinianos holandeses los responsables del encargo de este grabado. Desde otro punto de vista, hacia 1938 Bojanowski y otros como Scholte, llegaron a la interpretación que el aguafuerte de Fausto no es Fausto, sino un alquimista practicante, en otras palabras, un pansofista, un adepto de alguna secta esotérica. Será de esta forma que podamos encontrar otra corriente de interpretación de este aguafuerte. Esta cree ver en la inscripción conjuros cabalísticos que practicaban los judíos de Amsterdam a principios del siglo XVII y que constituían la fuente doctrinal del misticismo judío. La Cábala es un sistema esotérico de interpretación místico y alegórico del Antiguo Testamento propio de la tradición judía que pretende revelar un saber oculto acerca de Dios y del mundo y del cual se cree que fue enseñado por Dios a los ángeles. Al principio transmitido a través del patriarcado judío por tradición oral, la doctrina finalmente fue escrita en las escrituras judías. La Cábala intenta explicar cuestiones tales como la naturaleza del Ser Supremo, el origen del universo, la creación y naturaleza de los ángeles, y el destino del hombre. Para asegurar el secreto de su doctrina de los no iniciados, la Cábala empleaba sistemas mediante los cuales las palabras se ocultaban tras valores numéricos o se reorganizaban para formar anagramas. Se creía que las palabras creadas por

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16. VAN DE WAAL, Henri. Op Cit. p.15. 1. Rembrandt’s print, in its composition a variant of Cranach’s Luther illustration, shows, compared with the latter, an essential difference in its substitution of a Christ-monogram for the Dove of the Holy Ghost. 2. No group comes closer to this theological content than the Socinians, persecuted even in the Republic of the United Provinces.


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tales permutaciones tenían un significado espiritual o místico especial y frecuentemente se empleaban dentro de las oraciones. En la inscripción circular del grabado de Rembrandt, por ejemplo, el antiguo notarikon cabalístico, AGLA, aparece dos veces en la imagen especular. AGLA se deriva del Schemone essre, la oración más frecuente en los ritos judíos.17 Para los practicantes de esta corriente interpretación las letras: + ADAM + TE + DAGERAM + AMRTET + ALGAR + ALGASTNA, constituyen un anagrama cabalístico que imita un auténtico talismán protector que evoca la intercesión divina. Estos consideran la palabra AMRTET como una permutación con nombre del arcangel, Metatron. (“Metatron” puede extraerse mediante una reorganización de las letras de AMRTET de la misma manera que “Tetragrammaton”. En este caso, sin embargo, quedan menos letras fuera de la palabra original: AMRTET = TETRAgraMmaton, o = METATRon).18 Podemos observar que el personaje representado por Rembrandt se ajusta a la doctrina judía concerniente a la prohibición de las representaciones visuales de Dios. En contraste con la práctica cristiana donde es común representar a Dios, ángeles o espíritus en forma pictórica, el judaísmo prohibió tales ilustraciones siguiendo estrictamente el Segundo Mandamiento. En el proceso de la oración profética, la cabála comenzaba con una meditación sobre los nombres divinos de Dios y los Ángeles con el fin de lograr una elevación del alma. Como resultado, el sujeto podría esperar ver “destellos de luz” y en determinadas etapas, una cierta identificación con el ángel mensajero que servía como una especie de Guía Espiritual. Esto explicaría la inclusión de un espejo en el grabado con el cual reflejar la cara del erudito judío. El términos cabalísticos profetizar mediante la oración es, de hecho, el Espejo Luminoso, que simboliza el concepto de una forma más elevada de conocimiento logrado a través de un retorno a la luz que proviene de Dios. Los partidarios de esta corriente piensan que la aparición de este aguafuerte pudo deberse al debate doctrinal que existe en Ámsterdam a mediados del siglo XVII. Ante la postura herética de Espinosa que representaba la culminación de una serie de controversias heterodoxas apareció una publicación de Menasseh Ben

17. MCINTOSH MCHENRY, Deni. Rembrandt’s ‘Faust in His Study’ Reconsidered: A Record of Jewish Patronage and Mysticism in Mid-Seventeenth-Century Amsterdam. New Haven, Connecticut. Yale University Art Gallery Bulletin, 1989, p. 9 18. Ibídem. p.15.…considered the significance of interpreting AMRTET as a permutation of the name of the angel, Metatron. (“Metatron” can be extracted by a rearrangement of the letters of AMRTET in the same manner as “Tetragrammaton.” In this case, however, fewer letters are left out of the original word: AMRTET = TETRAgraMmaton, or = METATRon.

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Israel —Resurrectione Mortuorum— en esta se objetaba fuertemente el racionalismo saduceo, y se citaba la opinión cabalística y los conceptos místicos actuales en su defensa de los eventos sobrenaturales. Debido a la proximidad de este con Rembrandt, se piensa que podría existir una estrecha relación de esta estampa con el libro de Menasseh. Su interés en la oración profética y sus referencias a la uso de permutaciones Cabalísticas de nombres divinos, el “Espejo Luminoso” y los ángeles que actúan como guías espirituales, habría encontrado confirmación en la imagen de Rembrandt. Además, las mismas cualidades enigmáticas de la estampa habrían satisfecho las demandas de una doctrina basada fundamentalmente en sistemas que son deliberadamente ilógicos, irracionales y reservados. Así pues, para los integrantes de esta corriente de interpretación existe vínculo indiscutible entre la inscripción que aparece en el grabado y la Cábala judía. Será de esta forma que los judíos de Amsterdam queden totalmente implicados en una interpretación definitiva de Fausto en su Estudio. A través de sus obras podemos ver que Rembrandt disfrutó del mecenazgo de judíos aristocráticos, españoles y portugueses, que habían huido de la persecución de la Inquisición asentándose en los Países Bajos gracias a la tolerancia allí reinante. Realizó encargos para personalidades tan destacadas como el médico, Ephraim Bonus o como el ya citado rabino y erudito Menasseh Ben Israel defensor del misticismo judío. En este mismo contexto del conocimiento arcano, Bernard Grothues consideró esta estampa, como una actuación cabalística ante la cual se revela el conocimiento esotérico de Dios. Hay quien piensa que la figura representada puede tratarse de Samuel Manasseh Ben Israel. Sin embargo, también puede ser un retrato impersonal de un hombre en contacto con la realidad trascendental: un espejo el cual iconográficamente también fue un atributo de la Apocalipsis, y un símbolo del círculo radial del Ojo Divino de la Providencia. Dentro de esta serie de interpretaciones y para finalizar tendríamos que mencionar la planteada en 1998 por Lyckle de Vries. Recordando los conocimientos de los investigadores alemanes de los años 1930 y 1940, este fundamenta su teoría en las palabras de la Primera Carta de San Pablo a los Corintios: Ahora vemos por espejo, oscuramente; mas entonces veremos cara a cara. Ahora conozco en parte; pero entonces conoceré como fui conocido. (1, 13-12). Por lo tanto, contrastaría el perfecto conocimiento divino del conocimiento limitado del hombre que percibe y entiende el mundo como si lo estuviera viendo en el espejo. Vries postula que la estampa es una alegoría a la fe, que la sabiduría humana, personificada por el estudioso, es limitada y distorsionada, que sólo existe como el reflejo en un espejo de la sabiduría divina –de ahí las palabras ininteligibles–, y que solamente a través de Jesús, representado por la palabra INRI, podremos alcanzar un cierto conocimiento. Lo cierto es que


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esta imagen parece la síntesis de dos representaciones iconográficas tradicionales, la de un santo sorprendido por una aparición divina y la del sabio en su estudio confrontado con una idea sobrenatural.19 Como hemos podido ver, este grabado ha dado lugar a prodigiosos vuelos de imaginación en su interpretación. Especialmente en lo referido a la inscripción contenida en esa enigmática aparición que tiene por cabeza un brillante círculo de luz mágico. No podemos afirmar que las interpretaciones aquí reseñadas sean las correctas. Ahora bien, sí podemos afirmar que el símbolo visual está inseparablemente ligado a la palabra, y el hechizo duradero de las grandes obras de arte con frecuencia no se puede separar de sus títulos equivocados. Como diría Rudolf Wittkower: Todas las imágenes individuales han tenido con frecuencia una influencia particular en nuestra mente, porque leemos en ellas conceptos queridos y significativos para nosotros. Goethe utilizó para la primera edición de su Fausto el aguafuerte del Dr Fausto de Rembrandt. Desde entonces hasta hoy la concepción popular del doctor Fausto ha permanecido unida al grabado de Rembrandt. Pero sabemos que Rembrandt nunca tuvo la intención de representar al doctor Fausto.20

19. http://expositions.bnf.fr/rembrandt/esp/grand/093.htm. Consultado el 26/12/2017 20. WITTKOWER, Rudolf. La alegoría y la migración de los símbolos. Madrid, Ediciones Siruela,

2006. p. 273.

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On the theme of Doctor Faust — a motif of light and shade in graphic arts. An essay on selected Polish artists Alicja Habisiak-Matczak

Translation: Elżbieta Rodzeń-Leśnikowska Proof reading: Karolina Kozera

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Past! A stupid word. Then, why? Past, and pure nothing, complete monotony! What use is this eternal creation! Creating, to achieve annihilation! ‘There, it’s past!’ What’s to read in it? It’s just the same as if it never lived, Yet chases round in circles, as if it did. I’d prefer to have the everlasting void.1

The story of the legendary Doctor Faust — a medieval magician, alchemist, doctor and astrologer, suspected of making a pact with the Devil, has been an inexhaustible source of inspiration for artists in many fields for centuries. Masterpieces of literature were created around this mysterious figure, to name only the famous drama by Goethe titled Faust created in 1808-32, or Doctor Faustus (1947) and The Magic Mountain (1924) by Thomas Mann. Monumental stage works, such as operas or performances, classical music pieces, symphonies and cantatas (for example by H. Berlioz, G. Gounod, R. Wagner, F. List), as well as contemporary rock or heavy metal compositions were dedicated to Faust... The archetype of literary and artistic references was probably Johann Georg Faust who lived in one of the towns of Württemberg — Knittlingen in 1480-1536. A Polish accent of Faust’s story is the presumption that he studied at the Krakow Academy, as some sources suggest2. The legend about Faust began to be spread by literary works as early as 1587, when the first so-called ‘Faustbuch’ was put out. Faust’s story was a popular theme of folk puppet performances, the so-called

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1. Johann Wolfgang von Goethe, Faust Parts I & II, Iowa Grand Master Webside, A. S. Kline 2003, http://www.iowagrandmaster.org/Books%20in%20pdf/Faust.pdf [access: 23.12.2017], p. 520. 2. It is mentioned in the anonymous piece The History of Doctor Jan Faust, a well-known sorcerer and magician, published in 1587 by a printmaker Johann Spies in Frankfurt am Main. We read there: ‘During his journey at midnight Doctor Faustus saw another city and he descended towards it; it was Krakow, the capital of Poland. There is a beautiful academy. It is the seat of the king of Poland’. In another edition (also from 1587) there is a fragment on the basis of which some scholars (including Karol Estreicher and Roman Bugaj) expressed the opinion that Doctor Faust studied in Krakow: ‘He went to Krakow in Poland, to the academy formerly famous for sorcery, and he found there people of his ilk who came there to learn about Chaldean, Persian, Arabic and Greek words, numbers, signs, spells’. As cited in: Stanisław Waltoś, Na tropach doktora Fausta, [in:] idem, Na tropach doktora Fausta i inne szkice, Kraków 2004, pp. 87-128.


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‘Faustpuppenspiele’. The tragedy by Christopher Marlowe The Tragical History of Doctor Faustus (1604) was based on his story. A quote from Faust served as the motto of the novel by Mikhail Bulgakov The Master and Margarita (1973); Faust is referred to, among others, in Harry Mulisch’s novel The Discovery of Heaven (1992). It is impossible to list all literary works inspired by Faust’s story. To date it has been the theme of countless comics, manga, animations and films. The impact of the Faustian myth is so great that the theory of literature coined the concept of Faustism and the Faustian hero as the attitude of a man seeking to know the mystery of the world, fighting for eternal youth, a man who was able to negotiate with the Devil to achieve his goals. We can find the Faustian motifs in the Polish romantic literature, among others in the 3rd part of Dziady by Adam Mickiewicz, as well as in Kordian and Balladyna by Juliusz Słowacki. Faust’s inspiration can also be observed in the 20th-century works by Stanisław Lem, including his novel Solaris, the short story Mr. F and in the poetry of the Nobel winner Wisława Szymborska, e.g. in the poem titled Moment. In the Polish folk tradition, a native version of the myth about Faust is well-known — a legend about a sorcerer Jan Twardowski who sold the soul to the Devil in order to gain vast knowledge and learn the secrets of magic.3 There were several tales and legends which in various ways told the story of a clever nobleman who outwitted the Devil. According to one of them Twardowski escaped to the moon and he is looking at the Earth from there. He is credited with creating a magic mirror, the socalled ‘Twardowski’s Mirror’, which he used to conjure up ghosts. Many painting and drawings also referred to Faust’s theme, and finally this motif was reflected in graphic arts. This text is an attempt to feature a few Polish artists, more or less recognized, whose graphics can be associated with this multi-threaded and mysterious story. They are contemporary depictions of the old myth. At the beginning it is worth looking back and recalling excellent graphic masters who gave an example of interpretation of Faust’s story in the black and white art. Probably the most famous graphic work entitled Dr Faust, dating back to 1651, is an etching by Rembrandt van Rijn. It shows the scholar in his dark studio when he

3. According to one version of this legend — in 1569 he used a magical mirror in order to conjure up the spirit of Barbara Radziwiłłówna in the presence of King Sigismund Augustus. The magical mirror is believed to have been created in the first half of the 16th century in Germany, where it was made under the supervision of Faust’s students. Twardowski brought it to Poland after 1540. After the sorcerer’s death, the mirror went to the church in Węgorzewo, and it has been there to date. As cited in: Małgorzata Marosz-Kochan, Katarzyna Reszel-Łagoń, Motyw lustra (zwierciadła) w literaturze, sztuce i wierzeniach ludowych, www.profesor.pl, [access 10.12.2017].

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Figure 1 Faust by Gounod Act1, 1864, Covent Garden, lithograph

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stopped working and raised his hand seeing a beam of light that appeared there. The light can be interpreted here as a Christian metaphor of enlightenment, materialization of the divine light — wisdom. One of the later interpretations of this graphic work points out that it could be the light of an angel warning Faust before concluding the pact with the Devil. Eugene Delacroix also paid his graphic tribute to Faust’s story. A collection of 18 black and white lithographs created in 1825, drawn by Delacroix himself, and printed by Villain, is a unique illustration of Goethe’s masterpiece. The scenes, illuminated with dramatic light, full of dynamism, value contrasts and daring foreshortenings, show a complicated story of a man tempted by the Devil. The series includes nocturne scenes, for example when Faust and Mephistopheles are galloping to dungeons4, moody halls lit by candlelight, and finally a mysterious scene with a burning fire inside. The light gives the representations a mysterious dimension, builds an eerie atmosphere.

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4. Delacroix Eugène, a lithograph for Faust illustrating a meeting of Faust and Mephistopheles — Bibliotheque Nationale, Paryż fot. Archiwum Ilustracji WN PWN SA © Wydawnictwo Naukowe PWN


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The metaphysical light in an anonymous lithography from 1864, placed on the cover of a musical notebook, shows Margarete’s visions in Faust’s Studio in Gounod’s opera staged in Covent Garden at that time. In many representations inspired by Faust’s story, the supernatural light determines the dramatic nature of the images: once it is the nocturnal light of the landscape, illuminated by the moonlight, sometimes it is the diffused light of the day, or the shimmering light of a candle or fire. The motif of mysterious light is common in many representations of Faust in monochrome graphics of contemporary artists, who I mention in this essay. Light is the eternal symbol of knowledge, enlightenment, spiritual revelation, wisdom. It also symbolizes eternity, spirit, immateriality as well as life, the past, purity and spiritual life. Moreover, it is a symbol of the male element and creative power, intellect and knowledge. The light of the sun is inspiration, contemplation and intuition.5 Candlelight is a sacrifice, love, memory of the dead; a burning candle is biblically a man who testifies to the truth. Light and shade fighting each other are a common leitmotif of many graphics made by the author of this article. Inspired by the myth of Faust, I decided to show light, enigmatic, falling from above in an obscure interior, which conveys equivocal associations, illuminating the twilight and revealing man-made architecture from the chaos of darkness. As for me, light stands for movement, positive energy. In the beginning was the deed! as Goethe wrote. These words are an expression of a romantic belief in the necessity of active action in contrast to the condemned passivity. ‘More light!’ — Goethe’s well-known last words — I used them as a title of the graphic work dedicated to the Logos Theatre from Łódź on the occasion of their thirtieth anniversary. Faust is a synonym of man’s eternal quest for transcendence. Also the title of the graphic work created due to the international project — ‘Towards the Light’ v can be read literally and metaphorically — as the pursuit of perfection, wisdom and good. The adoption of the so-called worm’s-eye view — the view of the ceiling from below — makes the viewer look up to see the light. The vertical orientation of the graphic work, rare in my artwork, is also not accidental; it emphasises the importance of the ‘top-bottom’ relation. As I wrote in the summary of my doctoral thesis, ‘My aquatints and etchings are the result of the ongoing fascination with the nature of light, which, on the one hand, brings space to life, and on the other hand, it makes it unreal. By changing directions, intensity and nature of lights and shades, I try to create endless spaces.

5. Władysław Kopaliński, Słownik symboli, p.415

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Figure 2 Alicja Habisiak-Matczak, More light! print dedicated to the Logos Theatre on the 30th anniversary, ferrotint and etching on iron, 40,5x59cm, 2017

The scenery is usually the architecture of the city — sometimes captured synthetically, sometimes distorted, sometimes bringing to mind the atmosphere of a dream in which repetitions, combinations of various, often unfamiliar elements are natural’.6 The juxtaposition of light and darkness is understood as duality and contradiction, as symbols of the spirit and the matter, masculinity and femininity. Darkness often means spiritual dullness, senselessness, but also an unsolved mystery, inaccessible to the human eye. ‘Where the light is brightest, the shadows are deepest’ (Gotz vo Berlichingen, 1,24 Goethe). The observation of this duality is the theme of many drawing reflections, of my renditions too. Duality of light expressed in black and white Many artists in question choose the achromatic form of graphics, focusing on value contrasts, an expression of black lines, stains and textures on white paper. The synthesis of the colourful world to the scale of greys, from white to black, is a huge transformation of pictures that we observe in reality, much more radical than in the case of colourful painting. The symbolism of white and black has been discussed at length and it would be possible to dedicate a lot of studies to this theme. However, I will mention only selected meanings that are best suited for the interpretation of

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6. Alicja Habisiak-Matczak, Autoreferat, a doctoral thesis at the Faculty of Graphic Arts and Painting, the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź, Łódź 2009.


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graphics inspired by the Faustian motif. Black is, among other things, a symbol of darkness, evil, solitude, but also repentance and humbleness; it evokes solemnity, mystery, as well as authority. It is the colour of the night, a metaphor of sinister, incomprehensible phenomena. In the Christian tradition, black is associated with mourning and death. In theology, it is considered the colour of sin and lack of faith; in occultism black is the colour of destruction, night and despair. Black used in icons means chaos, death and the hellish abyss. White, on the other hand, stands for light, innocence, purity. Quoting Ernst Gombrich, black and white were used to transform ‘the light of nature’ into ‘the light of art’7. The black and white graphic art is still balancing between additive, positive techniques consisting in adding drawing traces on the matrix (like in etching or drypoint), and subtractive ones such as woodcut or mezzotint, where white emerges from black. The Faustian character — a portrait of a man Faust became the embodiment of a man — humanist who eternally strives to unravel the mystery of existence, who is constantly tormented by moral dilemmas. The struggle of a man against adversities is depicted on the expressive faces personifying Faust in the graphics by Aleksandra Zaboklicka and Michał Czuba. Numerous drawing sketches in which Aleksandra Zaboklicka gradually abandoned a static, realistic portrait in favour of a more dynamic and distorted by strong emotions image of a mysterious man were the starting point for her graphics. The square composition of graphics made in the sugar-lift aquatint places the hero’s face and eyes in the centre of the composition. Brush strokes swirling around the face are associated with constant motion, whirl, and anxiety. The title of the graphic work — A Reflection refers to the tradition of the above-mentioned Twardowski’s mirror. Michał Czuba’s works are composed of several layers printed in the technique of lithography on separate transparent Plexiglas plates. The works, which are difficult to reproduce, make an extraordinary impression when viewed in close up — the overlapping layers give spatiality to the portrait that becomes dynamic and resembles the effect of lenticular printing. Witold Warzywoda, in his stylized self-portrait titled Letters to myself — Faust, shows himself as the Faustian character — a man who constantly searches for the truth about the world, asking questions about the meaning of life and death on a

7. Ernst Gombrich, Sztuka i Złudzenie, Państwowy Instytut Wydawniczy, Warszawa 1981.

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blank sheet of paper. It is a moving image of a man affected by the passage of time, who is probably trying to discover the secret of eternal youth ... The ink drawing of this black and white lithography, full of contrasting light, evokes the dramatic tension of the portrayed figure. The hand drawing or writing on a blank sheet of paper resembles numerous scenes from Faust’s studio. The motif of the mirror — observing one’s own reflection — is a symbol of self-awareness and contemplation. In iconography, the mirror often meant divine revelation. Looking in the mirror meant a human, imperfect way of perceiving the world; contrary to the perfect divine knowledge, the man watches the world as if he was watching it in the mirror8. The lithographic technique is interesting here — the light drawing has been engraved in the black ink paint — light has been torn from the darkness… The figure of Faust — artist glows in the black background. In contrast to the aforementioned portrait representations, in Olga Żukowska’s works a portrayed figure has no face. As in an old photograph, an anonymous man sits in a hieratic position in front of the viewer, and hands appear above him that seem to control the body of the portrayed person, just like in a marionette theatre. The etching with the aquatint by Magdalena Radziszewska is a reflection of Faust’s dual nature. An old man is looking towards the light. However, his figure is trapped in a sinister organic maze out of which smirking Mephistopheles emerges. ‘Well, what are you then? — Part of the Power that would Always wish Evil, and always works the Good.’9

The motif of the city The city appears as the scenery of Faust’s adventures. In the previously mentioned lithographs by Delacroix, we can find scenes depicted against the background of city walls and picturesquely lighted architecture. According to the legend, ‘During his journey at midnight Doctor Faust saw another city and he descended towards it; it was Krakow, the capital of Poland. (...) The city is surrounded by high towers, as well as walls and fosses. Some of these fosses are full of fish. It has seven gates, many large, beautiful temples. In this area there is also a huge, massive rock and a mountain to which Doctor Faust descended.

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8. The words from St. Paul’s 1st Letter to Corinthians: ‘For now we can see only a reflection as in a mirror; then we shall see face to face. Now I know in part; then I shall know fully, even as I am fully known.’ (1, 13. 12) were associated in that context with the graphic work by Rembrandt. 9. Johann Wolfgang von Goethe, op. cit., p. 56.


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Figure 3 Joanna Aninowska, Uzrupator w krainie lubieżnic, 15x21cm, etching adn aquatint,2017 Nightmares and Expanses

One of them is so high that it is believed to hold up the sky! Doctor Faust wanted to look around the city. However, he did not enter it. He only circled it unnoticed.10 The echoes of the above description of the city as a destination and a place of the hero’s quest can be found in the etchings by Oskar Gorzkiewicz. The lower part of the graphic work is a seemingly homogeneous cityscape, but after a closer analysis we can see elements of various urban spaces — from Roman ruins through Chinese slums to Arab settlements. In the brighter upper part of the graphic work there is a reference to the cathedral and a bird’s-eye view projection of the city closed in a circle — we can perceive it as a view of the city from a divine perspective or as a medieval map. Nightmares and Expanses is a title of a series of etchings dating back to 1966, created by the Grand Old Man of graphics arts in Łódź Professor Leszek Rózga. These black-and-white fantastic landscapes populated with imaginary characters could well be a set design for a performance about Faust. The graphic work Shanties — ghosts of the town shows a man suspended between the devil and the angel. The atmosphere of the latest graphics by Joanna Aninowska, a graduate of the Academy in Łódź, brings to mind scenes from the Auerbach Cellar or an illustration

10. Historia doktora Jana Fausta, szeroko okrzyczanego czarnoksiężnika i maga, Frankfurt nad Menem 1587, as cited in: Stanisław Waltoś, Na tropach doktora Fausta, [in:] idem, Na tropach doktora Fausta i inne szkice, Kraków 2004, pp. 87-128

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of the Walpurgis Night. Tangled bodies, sensual shapes of women, the central figure of the Usurper — the hero of Aninowska’s graphics, may be associated with the scene in the inn where Mephistopheles invites Faust to indulge in debauchery. The drunken feasters are bewildered by the whirling motion. The title Usurper is a character with a dual nature, appearing in many of the artist’s graphics. Once he can be associated with Faust, once with Mephistopheles himself. It is a figure balancing on the border of light and shade. He might be a tempter and a provocateur, or a mad man lost in a complicated, oneiric reality. Deeply bitten small etchings bear a resemblance of scenes from a theatre performance. They can often be associated with the Walpurgis Night in the Harz mountains, where every participant of the Sabbat freely does what they want. A similar theme was taken up by Weronika Walisiewicz who in the etching titled Galimatias (Hotchpotch) from 2016 showed women’s tangling bodies, reminiscent of scenes straight from the Walpurgis Night. The latest graphic work titled Faust, through a combination of black and hot red, is associated with the infernal fire, with dark powers. The silhouette of a human being is blended into an ominous landscape. Landscape — a struggle of the elements of nature Tomasz Matczak focused on presenting the cosmic perspective. The graphic work could bear the title: ‘Ah linger a while thou art so fair!’ A monumental and harmoniously coloured picture of the sky and the earth brings to mind the thought of the transience of each moment, introduces a nostalgic mood. The delight over the beauty of nature is immediately followed by the thought of passing and constant changes. The work resembles Goethe’s words: ‘All perishable is but an allegory’ Each of the graphic works that make a diptych created by Anna Kaczuba is based on a contrasting juxtaposition of heaven and the earth, treated here symbolically as places where extraterrestrial and terrestrial scenes of the play are set. The first graphic work (Faust I) depicts the area of heaven where the primeval bet was made between God and the Devil for the soul of Faust. In the lower part of that aquatint and etching, in the dark scenery we can see in the foreground the figure of Faust looking at a poodle — the personification of the Devil. In the second work the figures of Faust and Mephistopheles are shown either galloping through the sky or involved in a lively conversation on earth. The surreal light strengthens the theatrical character of the image.

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Alchemy of graphics The theme of Faust in the studio, originating from the earlier mentioned etching by Rembrandt (also known as The Alchemist) connotes the motif, well-known in


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the iconography, of a graphic artist at work, bending over a paper card or over a matrix. The alchemical workshop can be associated with the complicated graphic workshop that uses various natural and synthetic mixtures in a quest to obtain a more and more technically and visually perfect image. It can be said with little exaggeration that every graphic artist has something of Faust in their blood — they tirelessly look for new ways of creation, do not give up developing their knowledge, they experiment all the time. In the Intaglio Techniques Studio of the Academy of Fine Arts in Łódź we use the sugar and ink solution daily to create graphics in the technique of lift-ground etching; salt is used to create the so-called salt aquatints. We prepare our own varnish in a water bath — still improving the recipe and looking for the right proportion of beeswax, bituminous asphalt and rosin. We spend time over the vapours of blue copper sulphate, observing the etching of a copper sheet, we use nitric acid to etch zinc and iron sheets. A graphic artist, like an alchemist, often defies the accepted graphic conventions and replaces them with others, new, riskier ones, but giving surprising and fortunately often positive effects. In a wider context, every authentic creation involves exploring the secrets that rule the world, which brings us all closer to the legendary charlatan. I hope that the collection of graphics discussed above, composed of both those recently created by the inspiration of the curator and originator of the exhibition, Professor Jose Quaresma, as well as those earlier, but oscillating around the inexhaustible topic of Doctor Faust, will bring new emotions to the audience and will lead to reflection on the complex subject matter of human nature and the place of man in the universe.

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Bibliography Maciej Bóbr, Mistrzowie grafiki europejskiej. Od XV do XVIII wieku, Warszawa 2000 Johann Wolfgang von Goethe, Faust, transl. Emil Zegadłowicz, Państwowy Instytut Wydawniczy, Warszawa 1953 Instytut Chemii Bioorganicznej Polskiej Akademii Nauk, https://fbc.pionier.net.pl/details/ nn5cdv1 [access: 10.12.2017] Władysław Kopaliński, Słownik symboli, Wiedza Powszechna, Warszawa 1990 Encyklopedia PWN, Wydawnictwo Naukowe PWN, 2006 Ernst Gombrich, Sztuka i Złudzenie, Państwowy Instytut Wydawniczy, Warszawa 1981 Ernst Gombrich, The Depiction of Cast Shadows in Western Art, National Gallery Publications, London 1995 Alicja: Habisiak-Matczak, Pokolenia: Łódzka Szkoła Grafiki: wystawa grafik pedagogów, studentów i doktorantów z Katedry Grafiki Artystycznej Akademii Sztuk Pięknych im. Władysława Strzemińskiego w Łodzi, Akademia Sztuk Pięknych im. Władysława Strzemińskiego, Łódź 2016

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Beata Purc-Stępniak, Uczony w pracowni w malarstwie holenderskim XVII wieku. Nowa wizja nauki czy refleksja nad ludzką kondycją?, [in:] Initium sapientiae humilitas: studia ofiarowane Profesorowi Jakubowi Pokorze z okazji 70. urodzin, [ed. Magdalena M. Olszewska, Agnieszka Skrodzka, cooperation: Anna Sylwia Czyż], Uniwersytet Kardynała Stefana Wyszyńskiego, Instytut Historii Sztuki, Warszawa 2015 Maria Rzepińska, Historia koloru w dziejach malarstwa europejskiego, Wydawnictwo Arkady, Warszawa 1989 Victor I. Stoichita, Krótka historia cienia, Towarzystwo Wydawców i Autorów prac naukowych, Universitas, Kraków 2001 Stanisław Waltoś, Na tropach doktora Fausta i inne szkice, Wydawnictwa Szkolne i Pedagogiczne, Warszawa 2004 Christopher White, Rembrandt as an Etcher, A Zwemmer Ltd., London 1969 K. W. Wójcicki, Klechdy: starożytne podania i powieści ludu polskiego i Rusi, Warszawa 1837


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Various faces of the flâneur and dandy in Łódź graphic art Alicja Habisiak-Matczak

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Motto: ‘I think we have a redefinition ahead of us of what we understand nowadays by the concept of realism, and a search for a new one that would allow us to go beyond the limits of our ego and penetrate the glass screen through which we see the world. Because these days the need for reality is served by the media, social networking sites, and indirect relationships on the internet. Perhaps what inevitably lies ahead of us is a sort of neo-surrealism, some rearranged points of view that won’t be afraid to stand up to a paradox, and will go against the grain when it comes to the simple order of cause-and-effect.’1

We live in times when phones equipped with cameras, multimedia and access to the Internet have become regular prostheses, an extension of our hands. Every day we see young people who cannot take their eyes off their devices flashing with colourful lights. We ourselves often observe the world through the filter of the social media, other people’s photos and posts. We live in several parallel realities at the same time. Is switching from the real, human world to virtual reality and back again easy or has it become the reason for permanent detachment from here and now? Have human relations been reduced to posts on social media profiles? What is the role of the artist in today’s world? Has the motif of dandy gained a new dimension in the 21st century? Is ‘flâneur’ only a thoughtless vagabond or also a philosopher and a creator characterized by free mind who carefully observes reality? ‘Flâneurs and dandies suspended in a smartphone’ — the motto suggested by Professor Jose Quaresma from the University in Lisbon both surprises and inspires us to face difficult questions and to try to answer them through graphic art. The motif of the 19th century dandies and flâneurs equipped with a modern device — a smartphone, has become an opportunity to reflect upon the contemporary world and the world view of each of the students and academic teachers invited to participate in the project realizing graphic works with the use of techniques such as aquatint, etching and sugarlift, making their own comment on the proposed subject theme. In her work Emilia Karwowska addresses the issue of disappearing communication. She points to the illusive freedom offered by the widely available multimedia and the trap which they set for us by inducing us to waste time on the unreality of ‘glass screens’ which make us all lose ourselves. The author explores the theme

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1. Olga Tokarczuk, The Tender Narrator, Nobel Lecture, https://www.nobelprize.org/prizes/ literature/2018/tokarczuk/lecture/


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of disappearing human relations. She writes: ‘We will not find the knowledge about life in any of these wonderful technological achievements. Our bodies are strictly connected with nature, our neurons, when magnified, resemble organic forms such as trees or their roots. We fritter away the infinite connections of thoughts and sensations by not feeling and not bonding with genuine, truly real people but rather contenting ourselves with mere personas built in the social media.’ The trees presented in the print resemble our nervous system which belongs to nature. The artwork was inspired by fingerprints left on the screen of a phone — this stands for the touch of the artificial which we experience every day. The author goes on to say that ‘in its linear part the hand conveys the fact that it belongs to the existing landscape. Cutting out the print from a sheet of paper, cutting out an image on the screen of a phone, cutting us out from the system of communication makes us aware of our loneliness and our need to really communicate and to return to authentic relationships’. Emilia Karwowska’s work expresses anxiety characteristic of the world of today. To quote Olga Tokarczuk: ‘I don’t want to sketch an overall vision of crisis in telling stories about the world. But I’m often troubled by the feeling that there is something missing in the world — that by experiencing it through glass screens, and through apps, somehow it becomes unreal, distant, two-dimensional, and strangely non-descript, even though finding any particular piece of information is astoundingly easy (…) The flood of stupidity, cruelty, hate speech and images of violence are desperately counterbalanced by all sorts of “good news,” but it hasn’t the capacity to rein in the painful impression, which I find hard to verbalize, that there is something wrong with the world. Nowadays this feeling, once the sole preserve of neurotic poets, is like an epidemic of lack of definition, a form of anxiety oozing from all directions.’2 Natalia Chrzanowska’s print, composed on the basis of juxtaposition of two images, is a peculiar surrealist double portrait or a mirror reflection in which the face becomes distorted and broken into many elements. The author observes: ‘When creating my work I was thinking about the surrounding world, about how many factors influence us, our consciousness and visual perception. If people who lived 100 or 200 years ago travelled to our times, they would find it difficult to get accustomed to the surrounding technology. The dominant motif of eyes presented in my work represents the difficulty of focusing on one goal. I wanted

2. Olga Tokarczuk, The Tender Narrator, Nobel Lecture, https://www.nobelprize.org/prizes/literature/2018/tokarczuk/lecture/

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to show how difficult it would be for the 19th century dandies to correctly read our current reality.’ In his etching and polished aquatint Michał Wasiak presents a half-naked man emerging from darkness. He is shown in a dynamic pose as a wanderer who is heading somewhere or has just returned. The author comments: ‘The print presents a man holding a flower. The figure itself is falling apart, breaking, merging into the heterogeneous background. There are visible rectangular cut-outs on the man’s body which represent inner void. He is blending into darkness, becoming a part of it. His weathered face is also sinking into the black, making it impossible to recognize him. A knot of irregular lines is coming out of his head, which symbolizes the disintegration of thoughts. The presented figure symbolizes the spiritual and physical decay of man. The flower he is holding in his hand is a narcissus which refers to the Greek myth about self-love and thoughtless self-adoration. The reference to the story of Narcissus expresses criticism of dandyism. The protagonist is intended not to have any characteristic features, it is to symbolize a self-centred individual focused on his or her appearance, lost on the way to finding identity.’ Witold Warzywoda, the Head of the Lithography Studio used the traditional lithograpy technique to refer to the common practice of taking selfies — self-portraits regularly taken by people of different ages without discrimination with the use of a mobile phone. The triple portrait of a smartphone reflection is an ironic commentary on the contemporary narcissism. It also refers to multiple photographic portraits by Stanisław Ignacy Witkiewicz. Professor Warzywoda wrote an interesting comment on his work ‘Dandy — still around or gone. A letter to myself ’: ‘Modern day dandies function in the space of the Internet and the media. To exist they need to be noticed, recognizable and provocative. Instead of visiting salons, where they would not necessarily stand out thanks to their outfit and intellect they choose a photo session on a red carpet or a similar, media event. This does not require competence and intellect, it is not necessary to speak wisely; it is more important to provoke with expensive clothes, a bit of naked flesh, extravagant lingerie or even better, no lingerie at all. The modern dandy has to be sought-after and so creates a blog with current comments on the latest tabloid gossip. On Facebook, Twitter, LinkedIn, YouTube, Instagram, Pintrest and 16 other social media sites dandies thoughtlessly and uncritically share details from their private lives with the group whose attention they seek. Contemporary dandies do not pride in their intellect. The only important thing is that they are related to or acquainted with someone ‘important’. A football player’s wife is more important for the general public than the President of the Constitutional


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Tribunal. What matters is to exist and not become marginalized. The reality show takes place in front of our eyes, we do not notice outstanding artists, scientists and doctors. People are eager to hear more gossip and it is necessary to give it to them: the society lives the lives of others and has created the so-called celebrities for its needs. Celebrities are the dandies of today, they function and live in the spotlight as long as they eagerly feed people information about themselves. Selfie store, selfie portrait anytime and anywhere, if only it appears online and in front of others. The tool and attribute of the contemporary dandy is the most expensive and modern smartphone with access to the Internet. The point is to be someone one is not, but to be.’ The work of Sandra Kiepel was created in the techniques of etching and aquatint. It presents a dandy standing on a mountain or a tower built of metal scraps and broken electronic devices which levitates in an undefined space. The author writes: ‘When one looks at the work for the first time the whole thing seems to merge into an organic indistinct mass. Only after having a closer look it is possible to notice the elements it consists of. It was important for me to show simple, non-organic forms in an organic manner, thanks to which common, everyday objects became unfamiliar and unreal. Together they create a new form which could not exist in the real world. The figure at the top holding a smartphone in one hand is standing with his back to the viewer, probably gazing at the rest of the scrap pile suspended in a void. The obsolete electronic devices are outdated, like the dandy himself. This is what I refer to in the title — ‘GPS Led Me to a Place Where I Belong’. Keeping up with the constant changes presents a problem even to modern day society, which creates a gap of misunderstanding between the older and younger generations. Taking into account how quick is the technological advancement I cannot imagine how someone from the past could find him — or herself in the modern day world.’ A quote from Walter Benjamin’s book could be a motto for the print by Małgorzata Bowtruczuk. For the flâneur ‘Streets are the dwelling place [...]. In the space between the building fronts [he] experiences, learns, understands, and invents as much as individuals do within the privacy of their own four walls. Glossy enameled shop signs are a wall decoration as good as, if not better than, an oil painting in the drawing room of a bourgeois; walls with their ‘Post No Bills’ are its writing desk, newspaper stands its libraries, mailboxes its bronze busts, benches its bedroom furniture, and the cafe terrace is the balcony from which he

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looks down on his household.’3 Małgorzata Bowtruczuk’s print presents a young man who seems to be standing on the threshold of a city, in a street brightened by street lights. The city in question may be Paris, or perhaps the Italian Urbino, may be in fact any city. The artist comments: ‘My work shows a city nightscape and people, each of them the same — a shadow wandering in the city. Only the golden halo demonstrates that each of them means something, if only in a physical sense. The halo is given to people from the outside, thanks to the city lights. Nobody emanates the light from within, because all dandies are only physical, not spiritual. The figure in the foreground seems to be observing everything, to be outside of the landscape, but it still is a part of what is going on there.’ City architecture is the main source of inspiration for etchings of Oskar Gorzkiewcz. Once again the analysis of the characteristic features of a dandy inspired him to present a multitude of mirror reflections of buildings and to multiply the reflections in a complicated cityscape. The work is built on the principle of a collage — the whole consists of combined fragments of various buildings from different places. The artwork by Andrei Tsybulski shows a dandy whose reflection is difficult to capture. In the artist’s own words: ‘Through the multitude of diverse spots his figure becomes blurred — this is a metaphor of the disappearance of the concrete resulting in the free flow of thoughts, silhouette and form’. Tomasz Matczak created a foggy landscape inspired by Paris city spaces. Understatement, romantic reflection, the spirit of artistic uneasiness and search — all this makes us look in the picture for a nineteenth century or perhaps a contemporary wanderer roaming in the fog. His work entitled ‘A Stroll’ is a praise of taking walks, observing cities during a leisurely stroll. Stefan Symotiuk in his text entitled ‘A walk as a physical activity’ states that ‘In its structure, a walk differs from a nervous, pathological movement: bustling, roaming, poking around, circling, rummaging. Quite the opposite — there is something in it of perfection, celebration, respectability. A saunterer inspects a landscape just like a general inspects his troops before a parade. The movement is full of relaxation and elegance, revelling in the very existence and agility of the body and the quality of space. (...) When going for a walk one assumes a change — first of all a change of the appearance of things, and an activity diluted in the transformation of the world. But it distances itself from

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3. Walter Benjamin, Paryż II Cesarstwa według Baudelaire’a [The Paris of the Second Empire in Baudelaire], in: Hubert Orłowski, Anioł historii. Eseje, szkice, fragmenty, Poznań Publishing House, Poznań 1996, p. 364-365.


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Image 1 Post scriptum, Paweł Kwiatkowski, collagraphy, 120x80cm, 2018

Image 2 Agata Stępień, Silkscreen, 100x70cm

contemplation and meditation. It is all about seeing something from near and from afar, from the front and the back. Thanks to this, things which are grounded and immobile are set into motion. A walk is a rebellion against the immobility of things.’4 The combination of movement and immobility as a form of existence and of discovering the world is a subject theme of many of Tomasz Matczak’s works. Apart from the works realized on request of Professor Quaresma, I find the subject theme of the exhibition in the artistic output of two of my colleagues from the Łódź Academy — Paweł Kwiatkowski and Agata Stępień. An often recurring motif in Paweł Kwiatkowski’s works is a figure of an observer of reality, a well-dressed young man lost in thought over a waning cigarette. The black and white portraits of men evoke associations with the 19th century spleen and sense of being lost.

4. Stefan Symotiuk, Filozofia i geniusloci, Warsaw 1997, p. 110

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Agata Stępień, the Head of the Silkscreen Studio, creates graphic portraits of women transformed by filters and screens into pictures seeming to be taken straight from digital reality. Their images are virtual and yet remain recognizable as particular individuals. The artist explores the issue of uniformity as opposed to the need to keep one’s individuality. What it brings to mind is the question of the variety of stimuli and finding one’s own autonomy, peace of mind, tranquility and truth. In my view the author’s works address the issue of what is real in contrast to what is illusory, they bring to mind the dualism of living both in the real world and the world held within our smarthphones, which is thus described by Sherry Turkle: ‘The experience of this parallelism encourages treating on-screen and off-screen lives with a surprising degree of equality. Experiences on the Internet extend the metaphor of windows — now RL itself, as Doug said, can be ‘just one more window.’5 Flâneur is not necessarily associated with aimless roaming and feeling of futility. It may also stand for wandering about with curiosity and looking for new inspiration. Viewing the world from a perspective of detachment, without the burden of some particular, predetermined goal, is an expression of freedom, liberation, open-mindedness — everything that is necessary for authentic creativity. In this context I asked myself if I, Alicja Habisiak-Matczak, am a flâneur in what I do professionally. After all I do wander through cities constantly looking for new visual stimuli, unexpected perspectives, new subject themes for my drawings and prints. When I begin to draw the space of a given city I do not have its particular vision, I rather roam the city, I take a peek into its nooks and crannies, looking for interesting views on the landscape and districts, I collect single sights to later combine them into my own vedute in my studio. I am a flâneur (or rather a flâneuse) with my sketchbook and charcoal, but also with a camera in my smartphone. I use it to take helpful notes, I record fragments which are difficult to commit to paper with a quick gesture, fragments which I want to later analyze carefully and compare with the memorized images. I also use the mobile for swift notes when I don’t have the time to observe things calmly because I’m on my way somewhere, I’m in a hurry and notice the diverse space surrounding me only with the corner of my eye, by accident. I sometimes catch myself on taking photos first and viewing reality later. It happens that only when looking at a photo I notice details which I haven’t seen before. Photos allow one to freeze an image, to sometimes capture a random moment. I compose my own

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5. Sherry Turkle, Life on the Screen, Nova Iorque, Touchstone, 1995, p. 14


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Image 3 Hellicoidal perspectives III — Light passages of perugia, Alicja Habisiak-Matczak, salt aquatint and etching, 30x120 cm, 2017

image — a vision of a given place from such units, singular ‘elementary particles’. This is the manner in which I created, among many other works, my panoramic graphic cycle ‘Helicoid Perspectives’. The word ‘helicoid’ means a spiral, twisted shape or an object, whose significant part has a spiral shape or refers to a spiral. In my horizontal works I would like to show the world seen in a spiraling movement, in the process of turning, when the elements of reality move in front of one’s eyes and are merged together, often into a surprising, unreal whole. Recognizable fragments of architecture — spiral staircases and railings are combined with a vast landscape. Particular spheres are shown from various perspectives — sometimes I use a worm’s eye view, at other times — bird’s eye view, the central or diagonal perspective — which creates a complicated, reconstructed space. For me cities are not anonymous spaces, but rather places in which I meet people, my friends — Alicia in Buenos Aires, Giuliano in Urbino, Carmen in Murcia… Cities are for me inextricably linked with members of my family — Warsaw with my brother’s family, Tuszyn with my father, Piotrków with my grandparents and aunts. Cities are people I know and thanks to whom I can get to know their places here on Earth. ‘Perugia Arcades’, ‘Warsaw Perspectives’ or ‘Buenos Aires Perspectives’ are the titles of my graphic works and sometimes of whole cycles. Often I am not able to limit myself only to one image — I create collections of drawings and later on their basis — several prints. The prints are not a direct copy of the drawings simply made in a different technique. They are a new interpretation of the subject theme, a fresh view of the space enriched by different means of expression. More and more often I am inspired by interiors — spiral staircases of towers in Palazzo Ducale in Urbino, the

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Image 4 Perspectives of Buenos Aires, Alicja Habisiak Matczak, ink on paper, 21x40cm, 2019

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interiors of lighthouses, like the one in Santander, underground labyrinths in Perugia, as well as the modern architecture of museums and shopping centres. Today, thanks to the internet cameras, multimedia maps and applications such as ‘Google View’, it is possible for us to virtually stroll up and down the streets of distant places, see what the homeplace of someone familiar who lives on the other side of the globe looks like on a particular day, or view our holiday destination before booking a place there. Despite the access to satellite views I never draw cities which I don’t know, cities which I haven’t experienced personally by roaming their streets without a practical purpose, when I am driven only by curiosity and willingness to lose myself in the city labyrinth. I enjoy observing the dynamic life of the city when I myself am in motion — walking and constantly changing my point of view. The looking at things in motion, in a kaleidoscope of impressions, is a legacy left by Futurists and their fascination with ‘city, mass and machine’. I am moved by the riot of street lights, the ever-present movement, the rhythm of lights which are sometimes dimmed by fog and sometimes shine brightly like theatre spotlights. It all creates a constantly changing set which I try to capture in my works. Today flâneurs often inhabit shopping centres. My graphic work created for the project ironically shows an Argentinean shopping centre of a high-sounding name Galerias Pacificos. It is a historical department store in the centre of Buenos Aires — a glamorous architectural achievement built in 1889 and later extended, decorated with contemporary frescoes. The monumental interior strikes one with millions of lights and mirrors. Once inside you immediately get lost in a multitude of impressions and follow the trail, move up on the escalator, watching your reflection in the flashing shop windows and polished, mirror-like metal sheets which are the architectural finishing touch of the interior. When there, I felt like I feel in Manufaktura shopping centre in Łódź. Although the industrial character of the post-factory interiors is characteristic of Łódź, there is something that links all modern day culture and commerce centres. Shopping centres, sometimes called ‘gallerias’ and art galleries — both use the name formerly reserved solely for centres of culture. This is a sign of our times. Contemporary art galleries captivate us with bold architecture and similarly shopping centres are often creations of outstanding architects. In her Noble lecture, the Polish author Olga Tokarczuk expresses her longing for a ‘tender narrator’, the fourth person narrator, who would be able to capture the entirety of the world. Every true creative activity, whether in the field of literature or visual arts, is based on personalization, on transforming the perceived reality, on its filtering through the artist’s own feelings and experiences and

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translating it into a new language, in which the artist communicates with the recipient. I see here analogies between literature and art, a similar strong need to strive for conveying universal messages by means of concrete images. I hope that through our graphic works we will influence the viewers to reflect on the condition of man in today’s world. On the one hand, we have the modern dandy who is a celebrity submerged in the world of the social media and roaming shopping centres. On the other hand, we still need the creative flâneur, the keen and tender observer who is able to open our eyes to the reality bound by a network of relations.

Bibliography Bauman Zygmunt, Przedstawienie na pustyni [Desert Spectacular], [in:] Drobne rysy w ciągłej katastrofie... Obecność Waltera Benjamina w kulturze współczesnej, Culture Institute Publishing House, Warsaw, 1993. Benjamin Walter, Paryż — Stolica dziewiętnastego wieku [Paris, Capital of the Nineteenth Century], [in:] Anioł historii. Eseje, szkice, fragmenty, transl. K. Krzemieniowa, H. Orłowski, J. Sikorski. Poznań Publishing House, Poznań 1996. Benjamin Walter, Paryż II Cesarstwa według Baudelaire’a [The Paris of the Second Empire in Baudelaire], in: Hubert Orłowski, Anioł historii. Eseje, szkice, fragmenty, Poznań Publishing House, Poznań 1996

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Dejneka Piotr, Flâneurie istota zjawiska i transformacje, University of Warsaw, Warsaw, 2000 [online], http://www.dejneka.fp.pl/ (acces: 15.12.2019) Symotiuk Stefan., Filozofia i geniusloci, Warsaw 1997, p. 110. Dzionek Michał, W stronę antropologii przestrzeni. Flâneur — szkic do portretu. [online], <http:// www.anthropos.us.edu.pl/anthropos2/texty/ dzionek.htm>. (access: 15.12.2019) Turkle Sherry, Life on the Screen, Nova Iorque, Touchstone, 1995 Tokarczuk Olga, The Tender Narrator, Nobel Lecture, 2019 https://www.nobelprize.org/ prizes/literature/2018/tokarczuk/lecture/ (access:15.12.2019)



Parte VI Texto em aberto e Respublica Litteraria


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NgÄ whakaekenga: An invasion‌ or? A letter to Chiado Mark Harvey

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We live somewhere between the wop wops and the boonies. (My Uncle Bert, Personal conversation, Taumaranui, King Country, Aoteroa, 1977) In New Zealand nobody takes you seriously unless you can make them yawn. (McNeish, 2016)

Dear Chiado,

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As I write to you we stand over here on this side of this letter on a precipice of something. Well, um, we just might, or...? In writing this I’m loathed to see this collection of Aotearoa/New Zealand artists in this exhibition as a nationalistic construction (the writings of Homi Bhabha and Benedict Anderson come to mind), whereby I might speak nostalgically about our country and ‘the great art’ from it. (If there was a vomit button on this keyboard I would press it right now.) Everyone says their country is great. In line with our own colonial machismo we might just try and do they same. Then again, we can just apologise and say ‘we can, or...?’ ‘Or’ here is a New Zealand colloquial constructed code. We can be hard to pin down. Many of us including myself would rather not ‘blow our own trumpet’ and put ourselves above others. It is a longstanding Pakeha (white NZ European of mainly British descent) code of conduct that is common for many Maori and Pasifika to keep within the group and not ‘overstate’ ourselves. We love to make fun of ouselves in order to not sound like we are not wanting to be ‘top dog’, often as a way of ‘keeping the peace’ with others. It used to be more commonly termed ‘tall poppy syndrome’, which has been reflected on by a range of writers including Bill Pearson (1974), as a means towards holding ourselves back from achieving things and giving praise where it’s perhaps due. I once heard a Swiss artist saying to a New Zealand artist ‘you must not undermine yourself!’. What she was perhaps missing was not only the cultural norm at play but the humour that New Zealanders often asign to public self-put-downs and rundowns of others in their company. To many it may be a strange way of saying ‘it’s ok, I’m still part of our pack’, and it just may potentially be associated with our world-leading suicide statistics somehow... In addition to the farmer and tradespeople of mainly male colonial NZ society (Phillips, 1996), Pakeha here have perhaps been very influenced by Maori and Pasifika in this, going by the notion of ‘va’ in Polynesian cultures, where amongst other things the experience and condition of the community collective is highly valued. Perhaps we are changing from all this, perhaps not, or? But then how can I as a Pakeha speak for everyone


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else? As many of my friends here might say, ‘who’s ‘we’ white man’? We live in a diverse set of islands and oceanic highways, with a complex terrain of politics. Why are you going red, Prime Minister? (Dotcom, 2016) New Zealand is a country of thirty thousand million sheep, three million of whom think they are human. (Humphries, 2016)

Our Maori name ‘Aotearoa’ is literally a tranlastion of ‘the land of the long white cloud’, and it is widely understood that people on the founding waka/canoes named it after the long cloud formations they saw over out islands. However, as all the inequalities in health, education, crime, differences between cultures and global-corporatisation show things may not be so white in a heavenly sort of way (this is all widely known throughout mainstream media and academic circles, for instance, Anderson, Binney and Harris, 2015). Rather, for many of us the long white cloud is a dark cloud of continued colonisation. A colonisation by mainly white people and global corporates. A colonisation where government and various other institutions continue to marginalise anyone not white, and not male. (A wide range of staistics in health, crime, education and poverty support this as for instance outlined by Aroha Harris and Melissa Matutina Williams, 2015: 388 -392). Another cloud that promises to sufficate in the form of the monumental climate change denial in our government and those (mostly white men) who run our institutions and businesses (Theunissen, 2015; Fallow, 2015). It does leave a lot to say what a great country does it? As many will say here, well, at least we are good at sport, especially rugby. With some of the highest statistics in sporting success per capita as is well known (Windsor, 2016), we still do not ‘do it fairly’ to many. Almost all the sporting events covered in the media are men’s when one does a count of what and who is shown. For instance, it is generally known that our women’s football team has been far more successful in international competitions than our men’s team, and yet the latter attracts major meida hype it can be argued. A republic of letters for Aotearoa? Perhaps... or? Perhaps this is an attempt at rekindling a letter... or? While on the one hand we see an ever growing internationally connected pool of thinkers, and academics, as republicans of the letters in this land, with traditions like the world’s first university where women can study, and a very large amount of our artists and thinkers travelling, there are other ways this can be seen... For many of us colonisation is still very alive and ongoing. Despite how many of our teenagers appear to be developing American accents, as mentioned above the white man still prevails here, no matter how much some of us call

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for a decolonisation of the arts and other fields of dicourse and daily engagement (such as Linda Tuhiwai-Smith and Eve Tuck, 2016). Perhaps a renewed Republic of Letters for us is another colonising engagement? Even if we read the likes of Jacques Derrida... or? Afterall the republic was in what some may call its hayday concerned with the heart of white male colonisation — modernism, Cartesianism, the mind-body split, patriarchy and for some, particulalry my own Calvinist forebears prederterminism (that you are predetermined to be what you are — which can be seen as a justification for racism, Eugenics and so forth). These things still prevail in our land (despite many denying classism, Eugenics and patriarchy exist here, as illustrated by our health, education, crime and inequality statistics suggest they are being enacted through ideological state aparatuses and so forth). Perhaps is there a Republic of Letters that invites us in Aotearoa to converse from our own standpoints, valuing our points of difference as equals... or? It might, just possibly be open to us from each land engaging through a sense of whakawhanaunagtanga (collaboration and sharing on familial terms as equals from a decolonised perspective as Tuhiwai-Smith and Tuck, 2016 call for)? Or? That little ball of fluff you own is a natural born killer. (Morgan, 2016) I’ve never been to New Zealand before. But one of my role models, Xena, the warrior princess, comes from there. (Albright, 2016)

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As an ‘or?’ to this discharge about such nation-specificity and letters here, despite all of its potential conceptual problematics, I have invited this collection of New Zealanders into this exhibtion, in additon to my own work (plus one of their Australian friends, although many of us might not like to admit it, going by our tall poppy stereotypical perceptions of Australia, not to mention our collective fear of stereotypes of their reinvigorated ‘whit Australia’ state policies on anti- immigration and assilym internment). This is because each of our projects activates a sense of ‘or? and questioning and reflection on the political status quo in this land, in terms of instituional norms. They are each themselves forms of letters in the expanded field, albeit this is a bundle of politicised letters to the republic, that in someways question the old letters of yesterday, and can be seen to make newer lines of political enquiry in regard to the colonial predisposition of these yesterdays on Aoteroa in conptemporary times. What follows here is a contextualisation of each of them, and set of alibis... The videos Training Day and Multi Stage Fitness Test by Jeremy Leitinuu (2016), might at first appear like a fun day frollicking with some friends and then some


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Image 1 Maori Battalion at Avondale Training Camp, Avondale Racecourse (photographer, title and precise date unknown), circa 1940’s, Avondale Racecourse. https://discover.stqry.com/v/avondaleracecourse/s/423837cc7cd845c34dd1c8c6a5361ea2.)

tiresome mundane training routine, as though they work together like some kind of B-grade infomercial, but beyond this it tugs at some questions about being in Aotearoa as tangata whenua (people of the land –Maori). As Leitinuu mentions in the gym video this is the standard routine that applicants must perform to be accepted in to the New Zealand army. Besides our army being itself a tool of colonisation, both now and through its genealogies of forcing colonisation onto tangata whenua in the nineteenth century, in addition to taking over international territory (such as Samoa in World War I), it serves as a bastion of contemporary Maori identification. For many Maori since World War I it has been a site of class emancipation, a site of worrior heroics, cultural pride and nostalgia, such as the Maori Battalion, famous for terrifying the German and Italian soldiers. The Avondale Racecourse Leatinnu (himself Maori) performs with his firends in (which is in the neighbourhood I also happened to grow up in) is where Maori soldiers were encamped and trained in World War II. Moreover, these videos can be read to play on what can

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Image 2 Collin McCahon n the studio at partridge st grey lynn auckland late 1960 (photographer and title unknown), 2016, Courtesy of McCahon Family Archive. https://historyofourworld.wordpress. com/2011/02/21/a-question-of-faith-colinmccahon/)

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be seen to be the neocolonial expectation that Maori like Leatinuu should join the army to protect our Pakeha capitalist status quo. Will he make it? Does he fail? Is it a banal and fruitless expedition? Are his letters to the republic not what the republic might expect through their dry humour? Will they get it... or? One of the quintesential modern art figures of Aotearoa is the late painter Collin McCahon. Often when one mentions contemporary art out in public he is still perhaps the first name that comes to mind when prompted to think of New Zealand artists, so much so that many artists like me tend to start ‘drifting off ’ out of boredom, perhaps unfairly? (Lacy, 2014/2016). While of course McCahon in this way represents the dominant art cannon, it is precisely just that that perhaps makes him so –he can be seen to repesent all that is colonising in art in Aotearoa, despite for instance his attempts to engage with tangatawhenua. This is not only as a white man, but as one who very often depicted a christianised farmed landscape with European sheep, not to mention his inward-gazing almost self-congratulatory preachings from the bible and existential iteration of the saying ‘I am’ — as though he a white man is all that is important in this world. Perhaps many McCahon lovers and authorities may not agree with me for suggesting this? For Emily Cloette and Tom Hackshaw their letter to the republic titled Heart of Darkness (Collin Still) (2016) is one of questioning the patriarchal ‘great artist’ public performativity that has for so many years now been assigned to McCahon by authors and other sycophants alike. They each have posed in a well-reproduced copy of a famous photograph of him in his studio, perhaps appearing as though he is a master on his ‘smoko’ (or morning tea break) giving us a geroic pained knowing look as though he has the answers to what is wrong with our world, and he alone. Cloette and Hackshaw perhaps ask the republic, what happens if we take away the white man and put in place a white woman and a Japanese man? (These are self portraits — and each one of them poses in the background in the corner, like a ghost of ‘the other’ perhaps. Also, Tom is himself half Japanese and half Pakeha.) Further more, they perhaps ask us, how can we artists ever present ourselves in the image of colonial society’s demigods (as artists), when we are so often interpollated (in Judith Butler’s terms, 1993) into having to do this because it is ‘good for our national heritage’? (Perhaps this is a reason why performance art has so foten not been in vogue in Aotearoa through the late 1980’s to mid 2000’s, in addition to the challenges of commodofying it in a neoliberla society such as ours?) As a metaphore the artists here have reproduced McCahon’s handwriting ont he back of the canvas, which says ‘Collin Still’ — is Collin still here?/It’s Collin here still, no he’s not going anywhere... On that note my own letter to the republic Voyage into the forest (2016) is another offering of what may appear heroic and nationalistic, yet also attempts to question

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Image 3 Barry Crump (photographer and title unknown), 1999/2016, Crump, NZ On Screen. https://www.nzonscreen.com/title/ crump-1999)

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the status quo of colonisation and Pakeha patriarchy. On the one hand I perform the banal task of pulling out an Australian weed-pest tree (an Acacia or Wattle tree), with my bare hands, accompanied by excerpts of the New Zealand seminal book Man Alone by John Mulgan (1939/1990). While asserting a symbolic national independence from Australia by removing one of its trees that is classified on the national pest-plant list (Williams and Timms, 2016; which is also generally considered a pest-plant in Portugal), I am simultaneously attempting to play on what E. H. McCormick calls the national literary tradition of the “the solitary, rootless nonconformist, who in a variety of forms crops up persistently in New Zealand writing” (Benson, 1999/2016). And, like with the above-mentioned artworks underneath this I, as a Pakeha male am attempting to question this myth of the heroic Pakeha male. It is a symbol of colonisation, both from ages gone by and current times in Aotearoa (it is no coincidence that many of my ancestors were actively involved as early Pakeha/British colonisers (as soldiers, settlers and missionaries). This myth in my experience is very much alive in contemporary neoliberal times where meritocracy rules throughout mainstream media and government institutions. That is, one does not ‘get ahead’ if they do not work hard and calve out their own patch of territory and ‘there’s no excuse for not doing this’, and yet as I iterate here, as implied above a number of population statistics show this is not working for our indigenous peoples (this is in addition to continued statistical disadvantages between men and women in locations like the workplace, as noted throughout mainstream media in the last four years). And yet another dark cloud can be seen to hang over


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this reference point to Man Alone, whereby it has been associated with the mistreatment of women and domestic violence. Barry Crump, a famous Pakeha male author and major proponent of this heroic Pakeha male myth was for instance well known to ‘turn the other cheek’ on this, not to mention himself being publicly accused of a domestic bully himself often, even by his own wives (Nippet, 2009/2016). And yet it continues, as for instance there appears to have been a significant rise in famous national rugby heroes abusing women in recent years, as every few months another case of this nature hits the mainstream headlines (for instance, Piddington and Sharpe, 2016). Shannon Te Ao’s video Untitled (malady) (2016), offers the republic a letter of quiet contemplation perhaps in response to all of this. After the efforts of all the other artists, we are invited to relax into this and perhaps ‘change gear’ in our alertness. In the video we see two women slowly intimately dancing together in a room, to the background sound of traffic outside and the warm glow of street light through patterned window glass falling on them, as they revolve in a single mid-shot (mid body-focussed) clip. The younger one is in a black dress and appears Maori, the other appears older, is Pakeha and naked above the waste. The Pakeha has two letters to the republic tattooed. One of them at the top of her arm, is a stylized ankh representing life in Ancient Egyptian hieroglyphics. The other, half concealed at her waste and the small of her back is a stylized Christian cross. Te Ao, himself Maori is perhaps asking us to reflect on how Maori have embraced Pakeha colonisation and that they and we Pakeha are intertwined with through it. The Pakeha Woman can be seen to represent the woman on our coat of arms, a ‘mother of our colonisation’, not unlike Britannia herself, who nurtures, and in this case is laid bare so we can see her omnipresence (symbolised by the ankh) and ever semi-concealed colonial moral high ground (symbolised by her Christian cross). The Maori woman appears like a daughter who receives her mother’s love, and yet she is dressed formally in black –she even has black finger nails –and she is perhaps solumn and restful as though she could be at a tangi (Maori funeral), grieving her loss, perhaps of mana and cultural and political empowerment (‘mana’ has a multi-dimentional definition including power, self-esteem, status, spititual well-being and other terms). Te Ao does not appear to propose that colonisation is or has been simply bad or good, but that Maori and Pakeha are entwined in a seemingly endless dance of life, perhaps for good and bad, and neither and both and all simultaneously of these binary markers (which I read from my Pakeha Derridian schooled lens), and so where are we going now, …or? Less directly referential to colonial and decolonial dynamics perhaps is Christina Houghton’s love letter to the republic, a video and live eprformance titled Lilo Safety

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(2016) that can be seen to play on the sanitation and consistent national minimising of the effects we humans are having on climate change (in main stream media and our current Tory government, as is well known). This are not of course unrelated to processes of colonisation and its accompanied technologies and capitalism over the last hundred and fifty years approximately in Aotearoa, going by the well known rise in carbon emissions since the advent of Pakeha colonisation (Statistics New Zealand, 2016). Houghton poses as the quintesentual Kiwi airhostess giving us our inflight safety demonstration with her broad Pakeha accent. She uses the lilo beyond being a simple absurd tug on what we presume will protect us from floods and rising sea levels, but what can be seen as a metaphor for our collective national milaise in reducing our fossil fuel reliance and taking climate change seriously. The lilo she uses is a symbol of relaxation and holiday surrander, and even laziness to some. Her video adds a kind of dark shadow to her safety instructions, with what may be perceived as its creepy rainforest feeling, with ruru (native owles), singing ghostly in the distance and the sound of exposure, the wind. Will, or, will we not be our own undoing? Attending (2016), is perhaps another letter of friendship to the republic is authored in the form of installed drawings by Julieanna Preston and Mick Douglas. The work is a performative invite to punters to pick up a drawing and place them anywhere around the gallery, and if they wish to physically ‘become the bodily drawings’ within the space. Whereby the other artists in this bundle of letters are responding to and asking questions of Pakeha colonisation through various modalities, Preston and Douglas play with the act of colonising the gallery, as a Pakeha and Australian, each descendants of colonisers. They not only can be seen to reflect on the spatial take-over of Pakeha in Aotearoa, but also the Western modernist white cube art gallery as a colonising device that continually still attempts to unify all art through pseudo-neutralising space with normative constructions of what is wrong and what is right. They extend on Miwon Kwon’s (2004) notion of going beyond right and wrong in situating art in relation to contextual considerations — in this case having us play with how we can reposition their work around the gallery. They effectively give power over to punters to do what they like with their work, their letter is ‘in the hands of the gods’, as though they want us to become colonisers, recolonising the white-cube… or, do they still hold the power?

I remain yours faithfully, or?

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From, a white man.


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References Anderson, Atholl, Binney, Judith, and Harris Aroha, Ed (2015). Tangata Whenua: A History. Wellington: Bridget Williams. --- Anderson, Atholl, Binney, Judith, and Matutina Williams, Melissa (2015). “Introduction”. 1 — 8. --- Harris A. and Matutina Williams, M. (2015). 388 — 392. Benson, Dale (1999/2016). New Zealand’s Existentialist Men Alone: A Survey of Their Development from the 1890s until the 1970s. http://www.otago.ac.nz/deepsouth/1198/MenAlone.html Dotcom, Kim., McNeish, James., Morgan, Gareth (2016). NZ Quote of the Year finalists chosen http://www.massey.ac.nz/ massey/about-massey/news/article. cfm?mnarticle_uuid=B361FA44-AB8A-9973-63FE-282FED2AEA6A Fallow, Brian (2015). “Government shrugs off climate change”. The New Zealand Herald. http://www.nzherald.co.nz/business/news/article.cfm?c_id=3&objectid=11456326 Humphries, Barry. and Albright, Madeleine (2016). Quotes on New Zealand. https://www.brainyquote.com/quotes/ keywords/new_zealand.html Kwon, M. (2004). “ The Wrong Place”, in Claire Doherty (ed.), Contemporary Art: From Studio to Situation. London: Black Dog. 30-39. Lacy, Cherie (2014/2016). “Travelling Light” The Pantograph Punch. http://pantograph-punch.com/post/travelling-light Mulgan, John (1939/1990). Man Alone. Auckland: Penguin. Nippet, Matt (2009/2016). “A good keen pension plan”. The New Zealand Herald. http://www.nzherald.co.nz/new-zealand/news/article.cfm?l_id=71&objectid=10594516

Mark Harvey

Phillips, Jock (1996). A Man’s Country? The Image of the Pakeha Male — A History. Auckland: Penguin. Pearson, Bill (1974). Fretful sleepers and other essays. Auckland: Heinemann educational books. Piddington, Stu And Sharpe, Marty (2016). “New Zealand Rugby investigating sexual assault allegations”. Stuff.co.nz. http:// www.stuff.co.nz/sport/rugby/85274931/ New-Zealand-Rugby-investigatingsexual-assault-allegations Statistics New Zealand (2016). NZ Progress Indicators: Greenhouse Gas Emissions. http://www.stats.govt.nz/browse_for_stats/ snapshots- of-nz/nz-progress-indicators/home/environmental/greenhouse-gas-emissions.aspx Theunissen, Matthew (2015). “Climate change? Yeah, nah”. The New Zealand Herald. http:// www.nzherald.co.nz/nz/news/article.cfm?c_id=1&objectid=11472277 Tuhiwai-Smith, Linda and Tuck, Eve (2016). Linda Tuhiwai Smith Sharing Her Thoughts on Decolonizing. https://www.youtube.com/watch?v=rIZXQC27tvg Williams, P.A. and Timms, Susan (2016). “Weeds In New Zealand Protected Natural Areas: A Review For The Department Of Conservation”. Science & Research Series No. 14. http://www.doc.govt.nz/Documents/science-and-technical/SR14.pdf Windsor, Elizabeth (2016). [Elizabeth II, Queen of England, Live TV Broadcast]. Queen’s Christmas Speech. Auckland: TV One.

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Catálogo Este Catálogo apresenta um conjunto de obras exibidas e contidas nas edições do projecto Chiado / Carmo / Paris que se realizaram entre 2013 e 2020. A produção dessas obras, no que concerne à sua integração na esfera pública, atravessa vários domínios de criação e interacção artística, a saber: Arte Pública, Gravura, Instalação, Pintura, Desenho, Performance, Vídeo, Fotografia. Porém, por motivos estéticos e projectuais, optámos por iniciar com três “discursos” artísticos particulares: Alexandre Nobre (Fotografia); João Castro Silva (Escultura); Fernando Crêspo (Performance).

Fotografias — Os artistas Italianos são os responsáveis pelas próprias fotografias. — Dos artistas Polacos, as fotografias são de Oskar Gorzkiewicz, Ryszard Wolschendorf e Tomasz Matczak. — Nos artistas Portugueses, exceptuando as obras de João Castro Silva, José Quaresma,

Orlando Farya, e Maria Mesquitela, e ainda, além dos casos em que os fotógrafos são assinalados nas próprias páginas pelos respectivos artistas, todas as fotografias têm a autoria de Ana Caria: pp. 373, 374, 375, 377, 386, 389, 390, 399, 404, 405, 406, 414, 415, 416, 417, 418, 419, 420, 429, 436, 437, 438, 441, 442.



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Deambulação pelo Chiado Projecto fotográfico 2010

Alexandre Nobre

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Deambulação pelo Chiado Projecto fotográfico 2010

Alexandre Nobre

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Deambulação pelo Chiado Projecto fotográfico 2010

Alexandre Nobre

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Deambulação pelo Chiado Projecto fotográfico 2010

Alexandre Nobre

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Deambulação pelo Chiado Projecto fotográfico 2010

Alexandre Nobre

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Deambulação pelo Chiado Projecto fotográfico 2010

Alexandre Nobre

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Eu sei tudo Madeira de pinho Dimensões variáveis 2005

João Castro Silva

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Eu sei tudo Madeira de pinho Dimensões variáveis 2005

João Castro Silva

Artes na Esfera Pública


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Eu sei tudo Madeira de pinho Dimensões variáveis 2005

João Castro Silva

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João Castro Silva

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Draperies Talhe directo em madeira de criptoméria Dimensões variáveis 2014

João Castro Silva

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Draperies Talhe directo em madeira de criptoméria Dimensões variáveis 2014

João Castro Silva

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N 38° 42.7224’ W 009° 8.442’ PAUSA/PAUSE Coreólogo/investigador Choreologist/researcher Fernando Crêspo Performers Beatriz Dias, Filipe Abreu, Francisco Rolo, Joana Sousa, Maria Maia Fotógrafo Photographer Toninho Neto (making off ) Pedro Claúdio (fotos aéreas) Captação de som Sound capture António Neto

Fernando Crêspo

Trabalho vertical (Consultoria) Vertical work (Consultancy) Nuno Matos Tradução Translation Sandra Santos Phil Hunt Apoio Supported by Assoc. dos Arqueólogos Portugueses, Museu Arqueológico do Carmo; Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa; Escola Superior de Dança, Instituto Politécnico de Lisboa.

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Fernando Crêspo

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N 38° 42.7224’ W 009° 8.442’ PAUSA/PAUSE

Fernando Crêspo

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Fernando Crêspo

Artes na Esfera Pública


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Performance: Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa

Fernando Crêspo

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Fernando Crêspo

Artes na Esfera Pública


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Faust Sugar lift, aquatint 49,5 Ă— 49,5 cm 2017

Aleksandra Zaboklicka

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Dandys Intaglio 66 × 49 cm 2020

Andrei Tsybulski

Artes na Esfera Pública


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Towards the light Ferrotint, salt ferrotint and etching on iron 59 Ă— 40,5 cm 2017

Alicja Habisiak-Matczak

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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The Passages of Buenos Aires-Galerias Pacificos Sugarlift 69 Ă— 32 cm 2020

Alicja Habisiak-Matczak

Artes na Esfera PĂşblica


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Faust I Etching, aquatint 36,5 × 18 cm 2017

Anna Kaczuba

Faust II Etching, aquatint 36,5 × 18 cm 2017

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Vestigios del camino Photopolymer gravure 50 × 65 cm Papel Zekall Artbag 300g Dimensiones plancha: 30 x 40 cm Estampación: Juan Carlos Ramos Guadix

Bethania Barbosa de Souza

Artes na Esfera Pública


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Sem Título Litografia sobre Polyester Museu Arqueológico do Carmo (Lisboa), Paris, Vitória 2016

Bethania Barbosa de Souza

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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O amor nas linhas do pecado Litografia 50 Ă— 70 cm 2017

Catalina Sandulescu

Artes na Esfera PĂşblica


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#Selfie Litografia 50 Ă— 70 cm 2019

Catarina Mendes

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


375

Namoro entre Fausto e Margarida Litografia 50 Ă— 70 cm 2017

Catarina Mendes

Artes na Esfera PĂşblica


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Chiado em tempo de Megapolis Litografia sobre Polyester 100 Ă— 60 cm Paris 2016

Catarina Mendes

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Falas ouvidas mas não ditas Serigrafia 59,4 × 42 cm 2017

Cláudia Moreira

Artes na Esfera Pública


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Vestígios Acrílico, acetato e madeira 90 × 190 cm Museu Arqueológico do Carmo 2016

Elsa Bruxelas

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Volta Lisboa 8’ Vídeo HD 2016 Numa volta em tuktuk retrata-se a cidade na nostalgia de uma Lisboa diferente.

Elsa Bruxelas

Artes na Esfera Pública


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Salto no Vazio Instalação Vídeo / Fotografia 80 × 40 × 36 cm 2014

Elsa Bruxelas

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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À espera de Klein (Saut dans le vide) Performance (estudo) Exterior / Dia 2014

Elsa Bruxelas

Artes na Esfera Pública


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Untitled Offset, intaglio 40 Ă— 30 cm 2020

Malgorzata Bowtruczuk

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Solipsismi digitali Etching Zinc 60 × 80 cm 2020

Evgenya Hristova

Artes na Esfera Pública


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Keyhole Fotografias da instalação 120 × 80 cm Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa, Paris, Vitória 2016

Filipa Flores

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Filipa Flores

Artes na Esfera Pública


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O contrato Tinta da china sobre papel (desenho preparatรณrio para peรงa de gravura instalativa) 42 ร 29,7 cm 2017

Gina Martins

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Urbem Gravura — (fotogravura e água-tinta sobre chapas de zinco), 100 × 135 × 30 cm Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa, Paris, Vitória 2016

Gina Martins

Artes na Esfera Pública


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Urbem Gravura — (fotogravura e água-tinta sobre chapas de zinco), 100 × 135 × 30 cm Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa, Paris, Vitória 2016

Gina Martins

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Sem título Lápis litográfico e pó de carvão sobre papel 29 × 39 cm

Helena Ferreira

Artes na Esfera Pública


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Sem título Lápis litográfico e pó de carvão sobre papel 42 × 58 cm

Helena Ferreira

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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24 frames Impressão digital 400 × 5200 cm 2015

Isabel Lopes de Castro

Artes na Esfera Pública


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24 frames ImpressĂŁo digital 400 Ă— 5200 cm 2015

Isabel Lopes de Castro

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Passagens Gravura em Zinco e Instalação 100 × 50 × 50 cm (aprox.) Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa 2016

Joana Geraldes

Artes na Esfera Pública


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Instantes na vida danada de um janota (esboço) Técnica mista com desenho a grafite, tinta-da-china, fotografia, e grafismos digitais 29 × 40 cm 2020

José Quaresma

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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O alquimista de D. Fernando I Aguarela 27 × 27 cm 2020

José Quaresma

Artes na Esfera Pública


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O artista ‘esteve presente’ em La Pasiega Acrílico sobre linho branco 80 × 60 cm 2020

José Quaresma

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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José Quaresma

Artes na Esfera Pública


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Nas “asas do desejo” Aguarela 27 × 27 cm 2020

José Quaresma

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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Mefistófeles e o lapis philosophorum Serigrafia 50 × 70 cm 2017

José Quaresma

Artes na Esfera Pública


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Sem título Placa de Fotopolímero Museu Arqueológico do Carmo (Lisboa), Paris, Vitória 2016

Juan Carlos Ramos Guadix

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


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El alquimista Photopolymer gravure 50 × 65 cm Papel Zekall Artbag 300g Dimensiones plancha: 30 × 40 cm Estampación: Juan Carlos Ramos Guadix

Juan Carlos Ramos Guadix

Artes na Esfera Pública


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Faust Etching, aquatint 69 Ă— 49 cm 2017

Magdalena Radziszewska

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Losing brain identity Aquatint, etching 34 × 49,5 cm 2020

Emilia Karwowska

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DeixĂĄmo-nos de olhar de frente? Serigrafia 50 Ă— 70 cm 2020

Maria Albergaria

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Deixámo-nos de olhar de frente? Serigrafia 50 × 70 cm 2020

Maria Albergaria

Artes na Esfera Pública


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Passagem da ânsia pelo infinito Serigrafia sobre papel folheado a ouro 100 Ă— 60 cm 2017

Maria Albergaria

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As Interferências do Ecrã Sublimação sobre tecido 155 × 300 cm 2019

Maria Mesquitela

Artes na Esfera Pública


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As Interferências do Ecrã (pormenor) Sublimação sobre K-Line 2019

Maria Mesquitela

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Reflex(ion) Aquatint and dry point Zinc 50 × 28 cm 2020

Marta Marilli

Artes na Esfera Pública


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Lontananze Ignote Stampa Risograph a 4 colori a base di olio di soia: Teal, Purple, Black and Gold 42 Ă— 29,7 cm 2020

Melania Lanzini

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Faust multilayered colour lithograph on PET 30 × 40 cm 2017

Michał Czuba

Artes na Esfera Pública


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Disassociated eyes Etching, aquatint 30 Ă— 39,5 cm 2020

Natalia Iwanicha

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Paramezzo II Etching, aquatint, sugarlift 69,5 × 49,5 cm 2020

Michał Wasiak

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Na Luz de uma Sombra Litografia 50 Ă— 70 cm 38 Ă— 50 cm (mancha) 2017

Neide Carreira

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


415

Sede Litografia 50 × 70 cm 33 × 48 cm (mancha) 2017

Neide Carreira

Artes na Esfera Pública


416

Tecnodeambular Serigrafia 70 Ă— 50 cm 2019

Nicoleta Sandulescu

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


417

Flâneur pela internet Serigrafia 70 × 50 cm 2019

Nicoleta Sandulescu

Artes na Esfera Pública


418

O infetar da pureza. O mal Litografia 70 Ă— 50 cm 2017

Nicoleta Sandulescu

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


419

O clamar pelo conhecimento. O bem Litografia 70 Ă— 50 cm 2017

Nicoleta Sandulescu

Artes na Esfera PĂşblica


420

Fausto e a luz do bem Litografia 70 Ă— 50 cm 2017

Nicoleta Sandulescu

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


421

FFF-aust Intaglio 68 × 47,5 cm 2017

Olga Żukowska

Artes na Esfera Pública


422

Sem título Fotografia 200 × 60 cm 2019

Orlando Farya

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


423

Jardim do Éden Museu Arqueológico do Carmo Capela-Mor da Antiga Igreja Lisboa 2016

Orlando Farya

Artes na Esfera Pública


424

Tapete Vermelho Fotografia 6 Ă— 30 m 2014

Orlando Farya

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


425

Promenade Fotografia 2×2m 2014

Orlando Farya

Artes na Esfera Pública


426

GPS led me to a place where I belong Etching, aquatint 49,5 Ă— 39,5 cm 2020

Sandra Kiepel

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


427

Cathedral Etching, offset 70,5 × 49,5 cm 2017

Oskar Gorzkiewicz

Artes na Esfera Pública


428

No title Etching and aquatint Zinc 50 × 67 cm 2019

Paola Boscaini

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


429

Vender a alma ao Diabo Gofrado e gesso acrílico sobre papel 70 × 150 cm 2017

Paulo Lourenço

Artes na Esfera Pública


430

Mapa de um só Lugar Técnica mista 42,5 × 56 × 5,5 cm Museu Arqueológico do Carmo Lisboa, Paris, Vitória 2016

Paulo Lourenço

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


431

Paulo Lourenço

Artes na Esfera Pública


432

Faça você mesmo, você está aqui Frottage 85 × 50 × 50 cm 2013

Paulo Lourenço

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


433

Ardiente Moral Grabado en Fotopolímero Positivo Autográfico 54 × 36 cm Papel Fabriano Rosaespina 220g Edición: 10 ejemplares

Ramón Freire Santa Cruz

Artes na Esfera Pública


434

Praxinoscópio Instalação gráfica Madeira, linóleo e cartão 180 × 250 × 250 cm 2015

Rita Castro

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


435

The City mirrors Etching 49,5 × 59,5 cm 2020

Oskar Gorzkiewicz

Artes na Esfera Pública


436

Perfil Litografia 70 × 50 cm 2020

Simão Martinez

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


437

Fausto Litografia s/ Papel 40 × 52 cm (mancha) 50 × 70 cm 2017

Simão Martinez

Artes na Esfera Pública


438

Grandeza Litografia s/ Papel 48 × 52 cm (mancha) 50 × 70 cm 2017

Simão Martinez

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


439

O último plátano do Carmo Vista parcial da instalação Museu Arqueológico do Carmo Lisboa, Paris, Vitória 2016

Sofia Campilho

Artes na Esfera Pública


440

O futuro da consciência holográfica Aguarela e caneta sobre papel com estrutura de vidro, espelho e PVC 16 × 16 × 15 cm Museu Arqueológico do Carmo Lisboa, Paris, Vitória 2016

Susana Carvalho

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


441

Corporeoextracorpóreo II Calcogravura assemblage, monotipia em papel — 6 unidades (três peças de 25 × 20 cm e três peças de 20 × 20 cm) 2019

Suzana Azevedo

Artes na Esfera Pública


442

Corporeoextracorpóreo I Calcogravura assemblage 80 × 90 × 100 cm a) monotipia em papel: 5 unidades b) monotipia em papelão: 5 unidades c) monotipia em tela: 5 unidades 2019

Suzana Azevedo

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


443

A Stroll Digital print 67,5 × 50 cm 2020

Tomasz Matczak

Artes na Esfera Pública


444

Abeyss of Thoughts Digital print 45 × 70 cm 2017

Tomasz Matczak

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


445

Faust Intaglio 29,5 × 41 cm 2017

Weronika Walisiewicz

Artes na Esfera Pública


446

The Letters to myself — Dandys Lithography 45 × 69 cm 2020

Witold Warzywoda

Entre o Chiado, o Carmo e Paris


447

Letters to myself — Faust Lithography 66 × 45 cm 2017

Witold Warzywoda

Artes na Esfera Pública



CV’s


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Ensaístas

José-Augusto França Nasceu em Tomar, 1922. Catedrático Jubilado da Universidade Nova de Lisboa (1992). Catedrático Associado da Universidade de Paris III (1985-1988). Doutorado em História (1962), e Doutorado em Letras e Ciências Humanas (1971), pela Universidade de Paris III. Diplomado em Sociologia da Arte pela École Pratique des Hautes Études, Paris, (1961). Sócio Emérito da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Nacional de Belas Artes (Presidente entre 1976-79). Presidente de Honra da Association Internationale des Critiques d’Art-AI-CA( 1984). Membro Honorário do Comité Internantional d’ Histoire de l’ Art (1992) e do Syndicat Français de la Critique de Cinéma (2005). Presidente do Instituto de Língua e Cultura Portuguesa, Instituto Camões, (1976-79). Director do Centro Cultural de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian (1983-89). Director da Revista Colóquio-Artes (1971- -1996). Medalha de Honra da cidade de Lisboa (1992). Medalha do Mérito Cultural (2012). Autor de numerosa obra de História da Arte e de Ficção. Fernando Rosa Dias Caldas da Rainha, 1964 Doutoramento em Ciências da Arte (FBAUL) com o tema A Nova-Figuração nas Artes Plásticas em Portugal (1958-1975). Mestre em História da Arte Contemporânea (FCSH-UNL). Licenciado em Design de Comunicação (FBAUL). Professor Auxiliar da Área de Ciências da Arte na FBAUL. Coordena 1º ciclo da licenciatura de CAP na FBAUL. Presidente da Comissão Científica do Doutoramento em Artes Performativas e da Imagem em Movimento (desde 2017). Investigador integrado do CIEBA. Criação e coordenação científica geral da Revista Convocarte — revista

digital de Ciências da Arte (http://convocarte. belasartes.ulisboa.pt/).Coordenou conferências e edições sobre vanguardas artísticas, arte abstracta, imagem, modernismo ou investigação em artes. Livros de autor:António Dacosta — A Tentação Mítica, 2016 [360 pp.]; Ecos Expressionistas na Pintura Portuguesa EntreGuerras (1914-1940), 2011 [382 pp.] Cristina Azevedo Tavares Doutoramento em História de Arte Contemporânea (FCSH-UNL, 2000). Mestre em História da Arte Contemporânea (FCSH-UNL, 1984). Licenciatura em Filosofia pela FLUL (1979). Professora Associada da FBAUL na Área de Ciências da Arte e do Património. Vice-Presidente da FBAUL e Diretora da Biblioteca da FBAUL. Investigadora integrada do CFCUL (Head de Ciência e Arte) e investigadora colaboradora do CIEBA. Docente nos programas doutorais em associação PD-FCTAS (CFCUL) e PD-EA (IEUL, FBAUL, FBAUP e ICEUP. Área de Especialização: Publica regularmente e exerce atividades diversas nas áreas de História da Arte Contemporânea, critica de arte, teorias da arte (estética, curadoria, teoria da crítica da arte). Investigação Atual: Arte, curadoria, teorias da arte, estética e filosofia, arte e ciência. Últimas publicações: Breve ensaio sobre o lugar da escultura na obra de Julião Sarmento: a unidade do diverso, in Fragmentos de Viagem na obra de Julião Sarmento, Ed. CHAM/FCT. Lisboa: 2020, p.45-53. Da natureza da arte em Rui Filipe, in Catálogo Rui Filipe em busca do Absoluto, Ed. Museu Neorrealismo. Vila Franca de Xira: 2020, p.21-33. Guilherme d’Oliveira Martins Nasceu em Lisboa, 1952. Licenciado e Mestre em Direito pela Universidade de Lisboa. FUNÇÕES EXERCIDAS: Presidente do Tribunal de Contas; Presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção; Presidente do Centro Nacional de Cultura; Ministro da Presidência (2000-02); Ministro das Finanças (2001-02); Ministro da Educação (1999-2000); Secretário de Estado da Administração Educativa

450


CV’s Ensaístas

(1995-99); Deputado à Assembleia da República (7 Legislaturas); Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PS (2002-05); Vice-Presidente da Comissão Nacional da UNESCO (1988-94); Presidente da SEDES (1985-95); Secretário-Geral da Comissão Portuguesa da Fundação Europeia da Cultura; Membro da Convenção sobre o Futuro da Europa; Presidente do Steering Committee do Conselho da Europa que elaborou a Convenção de Faro sobre o valor do Património Cultural na sociedade contemporânea (Out. 2005); Presidente da EUROSAI (2011-2014). PRINCIPAIS OBRAS: Lições sobre a Constituição Económica Portuguesa (198385), 2 vols.; Oliveira Martins — Uma biografia, 1986; Ministério das Finanças —Subsídios para a sua História no Bicentenário da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, 1988; Escola de Cidadãos, 1991; Portugal — Instituições e Factos, 1992; O Enigma Europeu, 1994; Educação ou Barbárie?, 1998; Constituição Económica Portuguesa – Ensaio Interpretativo (com Prof. A.L. Sousa Franco), 1996; Oliveira Martins, Um Combate de Ideias, 1999; Audácia de País Moderno — Educação 1999-2000, 2001; O essencial sobre Oliveira Martins, 2002; Que Constituição para a União Europeia?, 2003; O Novo Tratado Constitucional Europeu, 2004; Europa, Portugal e a Constituição Europeia (coordenação científica), 2006; Portugal, Identidade e Diferença — Aventuras da Memória, 2007; A Lei de Enquadramento Orçamental. Anotada e Comentada (em colaboração), 2007; O Novo Tratado Reformador Europeu. Tratado de Lisboa — o Essencial, 2008; Património, Herança e Memória — A Cultura como Criação, 2009, 2ª ed. 2011; Os Grandes Mestres da Estratégia. Estudos sobre o poder, a guerra e a paz , (editor científico com Ana Paula Garcês) 2009; 200 Anos do Nascimento de Alexandre Herculano: Mestre-Cidadão, 2010; Mounier: O Compromisso Político, de Guy Coq (tradução e prefácio), 2012; Na Senda de Fernão Mendes — Percursos Portugueses no Mundo, 2014.

451

Artes na Esfera Pública

José Quaresma Santarém, 1965. Licenciado em Pintura pela ESBAL. Mestrado e Doutoramento em Estética e Filosofia de Arte pela F.L.U.L. Expõe pintura, desenho, e gravura desde 1982. Tem coordenado publicações nos domínios da Investigação em Arte; Esfera Digital; Arte Pública; Reprodutibilidade e Tecnologia; Chiado e Património. Tem organizado regularmente Ciclos de Conferências nacionais e internacionais sobre as áreas acima indicadas. Organiza com frequência exposições de Arte Pública, Instalação, Gravura, outras. Participação em Exposições Colectivas. Entre várias exposições: Museu Distrital de Santarém, Santarém, 1982 / Finalistas, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1994 / Europaische Akademie fur Bildende Kunst, Trier, Alemanha, 1995 / Cercle Culturel des Instituitions Européennes, Luxemburgo, 1995 / Greenhouse Display, Estufa Fria, Lisboa, 1996 / Jetlag, Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa, 1996 / X-RATED, Galeria ZDB, Lisboa, 1997 / Casa de Serralves, Porto, 2000 / Galeria Barata, Lisboa, 2004 / Participação na FeiraExposição internacional Estampa, Madrid, 2007 / Bienal de Gravura do Douro, Alijó, 2007 / Exposição Internacional Environmental Art em Rouvas, Creta, Grécia, 2008 / D’Après Nuno Gonçalves, Galeria da FBAUL; 2010 / Printmaking, Installation and Poetry. The Joy of a Reunion. Granada (Espanha), Utrecht (Holanda), Copenhaga (Dinamarca), FBAUL, Lisboa, 2012 / Carmo, Chiado e asAparições de Fausto, Paris, Maison André Gouveia-Casa de Portugal, 2018 / Exposições Individuais. Entre muitas exposições realizadas destacam-se as seguintes: Galeri 44, Bogense, Dinamarca, 1984 / Arbejdensbank, Aarhus, Dinamarca, 1987 / Casa do Bocage, Setúbal. 1996 / Palácio Marquês de Pombal (instalações do I.A.D.E.), Lisboa, 2000 / Casa-Museu José Relvas, Alpiarça, 2001 / Fórum Mário Viegas, Santarém, 2002.


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Célia Nunes Pereira Célia Nunes Pereira (1981 Lisboa), Mestre em Arte, Património e Restauro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É Conservadora do Museu Arqueológico do Carmo desde 2010; foi membro da Direcão da Associação Portuguesa de Historiadores de Arte (2009-2012). É investigadora FCT do CIEBA da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Tem vindo a colaborar em vários projectos de investigação, inventário, musealização, conservação, divulgação e salvaguarda do património português, entre os quais se destaca o projecto Igreja Segura e o de fundação do Núcleo Museológico do Baixo Tâmega. Publicações: Mosteiro de S. Miguel de Refojos (2009); Notas sobre a capela e arquivo da Venerável Ordem Terceira do Carmo de Lisboa (1756-1834) (2012); MAC - um museu do século XIX para o século XXI (2013); Remediation&Transcoding: A Igreja de Santa Maria do Carmo de Lisboa - um corpo em permanente transmutação (2014); O Carmo: de Igreja a Museu. 150 anos em torno da salvaguarda do património (carmelita) português (2014); A Igreja do Convento de Santa Maria do Carmo - Contributos para o seu levantamento cripto-histórico (no prelo); Foi ainda curadora das exposições: Entre o Céu e Terra (Filipe Romão, 2007), Memórias de uma Paisagem (2009), Entre o Sagrado e Profano (Rogério Timóteo, 2012), Corpo e a Memória (Sérgio Pombo, 2013) na Quietude do Lugar (Filipe Romão 2014). Helena Ferreira Helena Ferreira (1982, Lisboa) é artista, investigadora e estudante de doutoramento em Belas-Artes na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) onde é investigadora colaboradora do Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA). É licenciada em escultura pela FBAUL, concluiu o Mestrado no Ensino de Artes Visuais no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e fez uma pós-Graduação em Educação Artística na FBAUL. Desde 2007, participa em diversas exposições, apresentando trabalho artístico que reflete as suas preocupações

sobre a imagem projetada e a sua relação com o espaço físico. Atualmente desenvolve investigação prática e teórica na área da instalação, vídeo, ecrãs, projeção, site-specific, educação artística, assuntos sobre os quais já apresentou diversas conferências e tem artigos publicados. É também revisora de artigos para a revista on-line Journal of Artistic Research e Co-coordenadora do projecto de investigação Post-Screen: International Festival of Art, New Media and Cybercultures. Elsa Bruxelas Licenciatura e Mestrado em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Desenvolve o seu trabalho em pintura, gravura e vídeo, sendo autora de vários filmes de videoarte e de ficção com participações e prémios em Festivais Internacionais, tendo uma obra em exposição permanente no Museu Arqueológico do Carmo (vídeo instalação “Ulisses”). Tem Participado em projectos de arte pública e exposições colectivas como: O Chiado e o cinema — do Cinematógrafo ao Videomapping, (Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo, 2015). Rhinos are Coming (Lisboa, Galeria FBAUL / Torre de Belém, Cape Town, Africa do Sul, Lodzi, Polónia, Porto Alegre, Brasil, 2014). Escola Ibérica da Paz, Coimbra, Biblioteca Geral / Museu Machado de Castro, Manaus, Santander, Biblioteca da Cantábria, 2014). O Chiado da Dramaturgia e da Performance (Lisboa, Convento do Carmo, Paris, França, Teatro Neuilly-sur-seine, 2014). Marta Ostajewska 1980, Poland. Doctor of Fine Arts, performer and visual artist, PhD researcher at the University of Warsaw (Artes Liberales). Her M.A. in Multimedia Design was received from School of Arts in Ghent. She also graduated from the University of Lodz (Theory of literature). Her artistic activities were presented in several galleries and at the international theater’s stages: Croxhapox Gallery, Campo Victoria, Nieuwpoorttheater, NTGENT in Ghent, Rozentheater in Amsterdam, The Manhattan

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CV’s Ensaístas

Gallery, Prexer, Factory of Art, Gallery Kobro, Posiadło Ksiezy Mlyn, Free Space Gallery in Lodz, Articule Gallery in Montreal, Industra Gallery in Brno. She has participated in many international projects, among others, in the artistic residency Human Hotel: Copenhagen in Denmark and in the international festivals (BIO50 in Ljubljana, RIAP2014 in Quebec City, Canada, PAB2015 in Bergen, Norway). She is editor-in-chief of the artistic magazine Afterimages. She publishes her artistic works and theoretical texts related to the modern art scene, site-specific art and performance art on the international stage. Fernando Crêspo 03/02/1958. Formação Académica: Doutor em Belas-Artes, na Especialidade de Arte Pública — Faculdade de Belas Artes — Universidade de Lisboa, 2016. Master of Arts in Dance Studies. Council for National Academic Awards / Laban Centre for Movement and Dance. Londres, Janeiro 1989. Professor Educador pela Arte. Escola Superior de Educação pela Arte. Conservatório Nacional de Lisboa, 1980. Docência: Universidade do Algarve; Universidade de Aveiro; Instituto Politécnico do Porto; Professor Adjunto, Escola Superior de Dança-Instituto Politécnico de Lisboa. Criações, exposições e publicações recentes: Coreografia: “Pedra-Tesoura-Papel”. Vídeo/Dança. Música: G. Ligeti. 2020; Vídeo/Performance. “O Meu Corpo é a Minha Cicatriz” , 2013. Exposição: “Presencia e Ausência — Performance e Documentação”. Museu Arqueológico do Carmo. 2015. Artigo: A força da gravidade e a origem do movimento. In AULP, Artes Performativas e da Imagem em Movimento (81-100). Revista Internacional em Língua Portuguesa. 2020.

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Juan Carlos Ramos Guadix (Montefrío, 1962). Licenciado en Bellas Artes por la Universidad de Sevilla y Doctor en Bellas Artes por la Universidad de Granada, ciudad en la que reside e imparte docencia de grabado y litografía como profesor Titular del Departamento de Dibujo de la Universidad

Artes na Esfera Pública

de Granada desde el año 1986. Compatibiliza su actividad docente e investigadora con la actividad artística. Publica diversos artículos y libros entorno a los procedimientos gráficos. Ha recibido, entre otros, Premio Nacional de Grabado, Beca de Grabado de la Academia de España en Roma y la Medalla a las Bella Artes Hermenegildo Lanz.
 Su obra se encuentra en distintas colecciones públicas y privadas. Calcografía Nacional, Biblioteca Nacional, Instituto Estatal de Arte de Urbino (Italia), Museo Nacional de Arte Contemporáneo de Santo Domingo, Museo Español de Grabado Contemporáneo, Museo del Hermitage (San Petersburgo), Galería Republicana de Arte (Bielorusia), Fondos de Caja Madrid, Fondos de Caja Salamanca, Fondos de la UNESCO (París), Fondos del Salón Internacional del Grabado Contemporáneo (Estampa), Colección de Arte Contemporáneo de la Universidad de Granada (España), Universidad de Ciencias de la Educación de Valparaíso (Chile), Ministerio de Asuntos Exteriores, Academia de España en Roma, Columbia College de Chicago. (E.E.U.U), University of Akron. (E.E.U.U), Library of Congress Home — Washington D.C. (E.E.U.U). Alicja Habisiak-Matczak Alicja Habisiak-Matczak was born in in 1978 in Piotrków Trybunalski, Poland. Between 19972002 she studied at the Faculty of Graphics and Painting at the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź (diploma in the Studio of Intaglio Techniques headed by Professor Krzysztof Wawrzyniak in 2002). Between 2003 and 2004 she got a grant from the Ministry of Culture and the Italian Government and she took up a postgraduate course in graphics at the Academy of Fine Arts in Urbino, Italy. From 2002 till 2011 she was teacher’s assistant at the Studio of Composition Rudiments headed by Danuta Wieczorek (Ph.D.) and between 2011 and 2016 she was an assistant professor in the Studio of Intaglio Techniques headed by Prof. Krzysztof Wawrzyniak at the same academy. In 2009 she obtained her PhD, in 2015


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

she got her post PhD degree. Since November 2016 she is the head of the Intaglio Techniques Studio. In 2013 together with Giuliano Santini she initiated International Summer Courses Printmaking and Textile Art (PATA) at her home Academy, organized in cooperation with International Art Centre KAUS Urbino. At present she coordinates the fifth edition of the summer courses PATA which have attracted artists from the whole world. She organized 17 personal exhibitions in Poland, Italy and the Netherlands. Participated in over 140 international exhibitions of print and drawing among other in Acqui — Terme, Bangkok, Cluj, Douro, Cairo, Katowice, Kochi, Kyoto, Łódź, New York, Olsztyn, Rome, Sarcelles, Tokyo, Trois-Rivieres and Varna. Winner of 13 Polish and International print and drawing awards in Poland, Romania, Italy, Spain and Canada. > alihabis@wp.pl Mark Harvey Mark Harvey is an Aotearoa/New Zealand based artist, of Pākehā/Māori (Matawaka iwi) heritage who works with a range of approaches, especially performance and video and sometimes writing and curating. His focus has included physical endurance performance, productive idiocy, social justice, environmentalism and climate change, ecologies, social ecologies and kaupapa Māori related research. He has presented in a range of international contexts such as: the 55th Venice Biennale for Visual Arts (2013), ANTI Contemporary Art Festival, Finland (2018), New Performance Turku Festival, Finland (2014, 2016), Performance Space, Sydney (2017), Trondheim Kunstmuseum, Norway (2012), ZET, Amsterdam (2011), Hitparaden, Copenhagen (2014), Live Art for Born, Aalborg, Denmark (2016), Laznia Contemporary Art Centre, Gdansk (2016), Climarts Festival, Melbourne (2016), and Anna Leonowens Gallery, Halifax (2018), Artspace (2019), The Physics Room (Christchurch, 2002, 2009, 2017-2018), City Gallery and the New Zealand International Festival of the Arts (Wellington, 2012), Te

CV’s Ensaístas

Uru Gallery (Auckland, 2016, 2017, 2019), Te Tuhi Gallery (Auckland, 2012, 2014, 2016), Govett Brewster (Taranaki, 2006), and St Paul St (Auckland, 2005, 2006, 2012, 2016). He holds a PhD (AUT University) and is a Senior Lecturer in Creative Arts & Industries at The University of Auckland. He has published in a range of publications such as The South Project (2013), Performance research (2013, 2018), Convocarte (2017), and his own book Play Book (2016).

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Artes na Esfera Pública

Artistas

Alexandre Nobre Lubango, Angola, 1964. Fotógrafo independente nas áreas Editorial e Audio-visual. Fotógrafo-autor. Entre diversas actividades culturais ligadas à fotografia, à televisão, à música, e a outras expressões artísticas, coordena na actualidade a Associação FIAR. Entre múltiplas Exposições Individuais e colectivas destacamos as que se seguem. INDIVIDUAIS: 2004, Porto d’Ouro, Galeria dos artistas de Gaia, V. N. de Gaia. 2007, Música, Galeria Subverso, Espinho. 2010, Gerinaldo, Noites Ritual, Sala VIP do Palácio de Cristal, Porto. COLECTIVAS: 2010, “O eléctrico, o cabo e o carril no Chiado”, antiga Pastelaria Marques, Lisboa, exposição inserida no projecto de Arte Pública Chiado, Efervescência Urbana, Artística e Literária de um Lugar. 2010, Ciclo de Exposições d’Après Nuno Gonçalves, Galeria da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. 2011, Provas, Contraprovas e outros Testemunhos, Galeria da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. 2011, “O Chiado, a Baixa e a Esfera Pública”, projecto de Arte Pública, inserido no evento Chiado na Moda, 2011.

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João Castro Silva (Portugal, 1966). Doutor em Escultura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL). Mestre em História da Arte pela Universidade Lusíada de Lisboa. Licenciado em Escultura pela FBAUL. É Professor de Escultura nos diversos ciclos de estudos do curso de Escultura da FBAUL, coordenador do Mestrado em Escultura e da Secção de Escultura do CIEBA. Coordena exposições de escultura e residências artísticas, estas últimas no âmbito da intervenção na paisagem.

Desenvolve investigação teórica-pratica na área da escultura de talhe directo, intervenção no espaço público e intervenção na paisagem. Expõe regularmente desde 1990 e tem obra pública em Portugal e no estrangeiro. Participa em simpósios, ganhou diversos prémios e está representado em colecções nacionais e internacionais. Fernando Crêspo 03/02/1958. Formação Académica: Doutor em Belas-Artes, na Especialidade de Arte Pública — Faculdade de Belas Artes — Universidade de Lisboa, 2016. Master of Arts in Dance Studies. Council for National Academic Awards/ Laban Centre for Movement and Dance. Londres, Janeiro 1989. Professor Educador pela Arte. Escola Superior de Educação pela Arte. Conservatório Nacional de Lisboa, 1980. Docência: Universidade do Algarve; Universidade de Aveiro; Instituto Politécnico do Porto; Professor Adjunto, Escola Superior de Dança-Instituto Politécnico de Lisboa. Criações, exposições e publicações recentes: Coreografia: “Pedra-Tesoura-Papel”. Vídeo/Dança. Música: G. Ligeti. 2020; Vídeo/Performance. “O Meu Corpo é a Minha Cicatriz” , 2013. Exposição: “Presencia e Ausência — Performance e Documentação”. Museu Arqueológico do Carmo. 2015. Artigo: A força da gravidade e a origem do movimento. In AULP, Artes Performativas e da Imagem em Movimento (81-100). Revista Internacional em Língua Portuguesa. 2020. Aleksandra Zaboklicka Born in 1995, in Warsaw, Poland. Currently fourth year student of the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź. Studies at the Faculty of Graphics and Painting specializing in artistic printmaking. Her main studio is the Intaglio Techniques Studio headed by professor Alicja Habisiak Matczak. Participant of numerous print exhibitions, e.g.: „Eksperymentarium i Goście” at the Gallery ASP Piotrkowska 68 (June 2017), exhibitions at the Students’ Print Gallery „Pomiędzy” (among other Flash Drawing Tour 2013-2017 (November 2017),


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

post workshop exhibition Harenda/Soczewka in 2016, Drawing Exhibition in Academy of Fine Arts in Vilnius in 2015. She won the First Prize at the 11th Small Graphic Form Competition for students, organized by Amcor Gallery (Poland). In 2017 she took part in ‘Flash Drawing Tour-Urbino-Fano-Urbania’ — International Symposium for Students of the Intaglio Techniques Studio in KAUS Urbino International Art Center. > amzaboklicka@gmail.com Alicja Habisiak-Matczak Alicja Habisiak-Matczak was born in in 1978 in Piotrków Trybunalski, Poland. Between 19972002 she studied at the Faculty of Graphics and Painting at the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź (diploma in the Studio of Intaglio Techniques headed by Professor Krzysztof Wawrzyniak in 2002). Between 2003 and 2004 she got a grant from the Ministry of Culture and the Italian Government and she took up a postgraduate course in graphics at the Academy of Fine Arts in Urbino, Italy. From 2002 till 2011 she was teacher’s assistant at the Studio of Composition Rudiments headed by Danuta Wieczorek (Ph.D.) and between 2011 and 2016 she was an assistant professor in the Studio of Intaglio Techniques headed by Prof. Krzysztof Wawrzyniak at the same academy. In 2009 she obtained her PhD, in 2015 she got her post PhD degree. Since November 2016 she is the head of the Intaglio Techniques Studio. In 2013 together with Giuliano Santini she initiated International Summer Courses Printmaking and Textile Art (PATA) at her home Academy, organized in cooperation with International Art Centre KAUS Urbino. At present she coordinates the fifth edition of the summer courses PATA which have attracted artists from the whole world. She organized 17 personal exhibitions in Poland, Italy and the Netherlands. Participated in over 140 international exhibitions of print and drawing among other in Acqui — Terme, Bangkok, Cluj, Douro, Cairo, Katowice, Kochi, Kyoto, Łódź, New York, Olsztyn, Rome, Sarcelles, Tokyo, Trois-Rivieres and Varna. Winner of 13 Polish

and International print and drawing awards in Poland, Romania, Italy, Spain and Canada. > alihabis@wp.pl Andrei Tsybulski Andrei Tsybulski was born in Shchuchyn, Belarus in 1998. He graduated from the State Gymnasium and the Art School in Shchuchyn. He is a fourth year student of the Faculty of Fine Arts at the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź, specializing in graphic design and digital media printing. In 2019 he participated in the International Printmaking Symposium at the International Art Centre KAUS Urbino entitled ‘Flash Drawing Tour 2019– Urbino — Fano — San Leo run by dr hab. Alicja Habisiak-Matczak and Giuliano Santini. > tsybulskistudio@gmail.com Anna Kaczuba Born on July 24, 1993 in Kutno, Poland. Currently fourth year student of the Strzemiński Academy of Fine Arts Łódź. Studies at the Faculty of Graphics and Painting specializing in artistic printmaking. Her main studio is the Intaglio Techniques Studio headed by associate professor Alicja Habisiak Matczak (earlier by prof. Krzysztof Wawrzyniak). She is the member of the Students’ Association “Eksperymentarium” uniting students from the Intaglio Techniques Studio and Lithography Techniques Studio. In 2016 she participated in International Printmaking Symposium at the International Art Centre KAUS Urbino entitled „Flash Drawing Tour — Urbino –Fano — San Leo” conducted by prof. Witold Warzywoda and dr hab. Alicja Habisiak-Matczak. Participant of numerous print exhibitions, e.g.: „Eksperymentarium i Goście” at the Gallery ASP Piotrkowska 68 ( June 2016), exhibitions at the Students’ Print Gallery „Pomiędzy” ( among other Colour in Print” October 2016, and Oratorio San Giovanni in Urbino (September 2016), Third BIG — Guarulhos International Biennial of Small Format Artworks, 2016, December — February2017, Guarulhos, São Paulo, Brazil. > ann.kaczuba@gmail.com

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CV’s Artistas

Bethania Barbosa de Souza Licenciada en Educación Artística — Artes Plásticas por la Universidade Federal de Pernambuco (Brasil). Doctora en Bellas Artes por la Universidad de Granada. Es profesora de Grabado en Hueco y Relieve y Sistemas de Estampación Planográficos de la Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Granada. Compatibiliza su actividad artística con la docente e investigadora, posee un sexenio de investigación. Ha realizado diversas exposiciones de carácter nacional e internacional. Entre éstas, las últimas realizadas fueron en los E.E.U.U, México, Portugal, Finlandia y Brasil. Ha publicado diversos libros y revistas sobre el Grabado y los Sistemas de Estampación, entre sus publicaciones destacar la monográfica La estampa en la Enseñanza Primaria. Metodología para la Educación Plástica (Ediciones Aljibe). También trabaja como editora de obra gráfica en Finaestampa Editora. Catalina Sandulescu Moldávia, 1992. Vive e estuda em Lisboa. Formação académica: Aluna na Faculdade de Belas — Artes da Universidade de Lisboa. Licenciatura em Escultura. 2003 / 2009 — Estudou no Liceu Republicano de Artes Plásticas Igor Vieru, Moldávia; 2009 / 2012 — Curso de Artes Visuais na Escola Secundária Poeta António Aleixo, Portimão. Exposições: 2017 — Exposição coletiva no evento 12 x 12, Atelier da Travessa, Lisboa. 2017 — Exposição colectiva na Casa das Histórias — Paula Rego, Cascais. 2017 — Exposição coletiva de gravura Novos Olhares sobre o Côa — Museu do Côa, Vila Nova de Foz Côa. 2017 — Exposição coletiva de gravura Novos Olhares sobre o Côa — Museu do Carmo, Lisboa. 2017 — Exposição Coletiva de Artes Plásticas — Centro Cultural de Cascais. Prémios e Distinções: 2017 — 1º Prémio no Concurso Infante D. Luis As Artes — Salvaterra dos Magos.

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Catarina Mendes Cascais, 1994. Finalista da Licenciatura em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, instituição que frequenta

Artes na Esfera Pública

desde 2012. Das exposições colectivas em que participou destacam-se, em 2014, ARTLAB Protocolo Experimental: Tapeçaria Contemporânea, no Museu da Tapeçaria de Portalegre — Guy Fino, 5th International Art Festival Š.U.N.D., na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, e 16th European Symposium in Group Analysis — Art meets Science, na mesma cidade. De 2015 são de referir Ilustrária II, FBAUL, Ensaio para uma exposição, Associação 25 de Abril, Lisboa; Festa da Ilustração de Setúbal e Exposição RÉSVÉS, na Casa do Povo de Alte, resultante de uma residência artística na mesma freguesia. Como resultado desta experiência participou também na exposição RÉSVÉS, no Pólo Museológico de Alte, em 2016. Cláudia Moreira Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Exposições Colectivas: 10ª edição das GAB-A Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2016; Prémio 30 anos da CAT, Casa das Artes de Tavira (CAT), Faro, 2016; 12x12 Atelier da Travessa, Lisboa, 2016; 11ª edição das GAB-A Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2017; 12x12 Atelier da Travessa, Lisboa,2017. Elsa Bruxelas Licenciatura e Mestrado em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Desenvolve o seu trabalho em pintura, gravura e vídeo, sendo autora de vários filmes de videoarte e de ficção com participações e prémios em Festivais Internacionais, tendo uma obra em exposição permanente no Museu Arqueológico do Carmo (vídeo instalação “Ulisses”). Tem Participado em projectos de arte pública e exposições colectivas como: O Chiado e o cinema — do Cinematógrafo ao Videomapping, (Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo, 2015). Rhinos are Coming (Lisboa, Galeria FBAUL / Torre de Belém, Cape Town, Africa do Sul, Lodzi, Polónia, Porto Alegre, Brasil, 2014). Escola Ibérica da Paz, Coimbra, Biblioteca Geral / Museu Machado de Castro, Manaus, Santander, Biblioteca da Cantábria,


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

2014). O Chiado da Dramaturgia e da Performance (Lisboa, Convento do Carmo, Paris, França, Teatro Neuilly-sur-seine, 2014). Emilia Karwowska Emilia Karwowska was born in Łódź, Poland in 1997. She is a 4th-year student of the Faculty of Graphics and Painting at the Strzemiński Academy of Fine Arts Łódź. She attends two printmaking studios: dr hab. Alicja Habisiak Matczak’s Intaglio Techniques Studio and Professor Witold Warzywoda’s Litography Studio. She has participated in several exhibitions in the Student Print Gallery ‘Pomiędzy’ at the Łódź Academy e.g. ‘Ekperymentarium and Friends’ (2019), ‘Cyjanotypy’ (2019) , ‘Mezzotint and Engraving’ (2019), and an individual exhibit ‘Emilia Karwowska — Experimental and Traditional Graphics’ (2019). She took part in the ‘Flash Drawing Tour 2019 — Urbino — Fano — San Leo — International Symposium of Students of the Intaglio Techniques Studio’ at the KAUS Urbino International ART Centre in Italy run by dr hab. Alicja Habisiak-Matczak and an exhibition ‘In Oratorio di San Giovanni Battista’ in Urbino in 2019. She participated in exhibitions of small graphic forms in the Amcor gallery (Łódź, 2018 and 2019). In 2018 her works were presented in the ASP Gallery. Her works were also presented in Zgierska Art Gallery within the framework of exhibitions organized by members of the Art Group of the City Culture Centre. > emilia.karwowska97@gmail.com Evgenya Hristova Evgeniya Hristova is born in Varna (Bulgaria) in 1986. In 2009 she graduated from the National Academy of Fine Arts in Sofia, Bulgaria and in 2012 obtained a Diploma Specialization in Graphic Art at The Academy of Fine Arts in Urbino, Italy. Among her recognitions are I° Prize from the contest “ExTempore” of the Ecomuseo della Teverina, Italy in 2010, I° Prize from the International Biennial of Contemporary Graphic Art in Bassano del Grappa in 2013, Honorable mention from the XIII international Biennial of

Graphic Art “Premio Acqui Incisione” 2017 and the II° Prize ex-aequo from the contest “OpenArtPortfolio” of Casa Falconieri. Among her solo exhibitions are “Lo sguardo e il pensiero” curated by G. Ericani e F. Millozzi at the city museum of Bassano del Grappa in 2015 and Evgeniya Hristova — Contemporary Bookplate artists 103 at Frederikshavn Kunstmuseum, Denmark in 2016. Since 2017 she has been teaching Engraving Techniques at the Academy of Fine Arts of Florence. Filipa Flores Licenciatura em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Curso Oficinas Livres de Interpretação Teatral na Companhia de Teatro Os Satyrus, Curitiba, Brasil, seguido da Certificação Profissional na Categoria de Atriz. Curso de Decoração e Restauro de Mobiliário da Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva de Lisboa. Trabalhou como restauradora de lacas orientais. Varias exposições nacionais e internacionais de Tapeçaria Contemporânea, Gravura e Artes Plásticas. Representada em múltiplas coleções nacionais e internacionais. > filipaflores63@gmail.com Gina Martins Nasceu em Coimbra em 1984. Actualmente encontra-se a trabalhar nos seus ateliês, Atelier de São Bento — artes visuais e gráficas e Atelier de Almada, que dirige e onde lecciona as aulas de desenho e pintura — crianças e adultos. 2016 Curso de desenho de Natureza — MNAA, professor Pedro Salgado. 2011 Mestrado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. 2007 Licenciatura em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa com especialização nas áreas da gravura e cerâmica. Expõe regularmente desenho, gravura e pintura, tendo já obtido vários prémios e menções honrosas. > gina.martins.arte@gmail.com Helena Ferreira Helena Ferreira (1982, Lisboa) é artista, investigadora e estudante de doutoramento em

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CV’s Artistas

Belas-Artes na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) onde é investigadora colaboradora do Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA). É licenciada em escultura pela FBAUL, concluiu o Mestrado no Ensino de Artes Visuais no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e fez uma pós-Graduação em Educação Artística na FBAUL. Desde 2007, participa em diversas exposições, apresentando trabalho artístico que reflete as suas preocupações sobre a imagem projetada e a sua relação com o espaço físico. Atualmente desenvolve investigação prática e teórica na área da instalação, vídeo, ecrãs, projeção, site-specific, educação artística, assuntos sobre os quais já apresentou diversas conferências e tem artigos publicados. É também revisora de artigos para a revista on-line Journal of Artistic Research e Co-coordenadora do projecto de investigação Post-Screen: International Festival of Art, New Media and Cybercultures.

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Isabel Lopes de Castro Lisboa, 1974. Licenciatura em Design de Comunicação (1997) pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e pós-Graduação em Design de Comunicação e Novos Media (2011) pela mesma Universidade.Iniciou atividade como Designer de Comunicação em 1997. Desde 2010 é Assistente Convidada na Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco na licenciatura em Design, Comunicação e Audiovisual e desde 2011 é Assistente Convidada na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa na licenciatura em Design de Comunicação. Em 2013 iniciou estudos em Gravura, tendo desde então desenvolvido obra artística. EXPOSIÇÕES COLECTIVAS: O Rapto da Europa (2013), exposição organizada e apresentada em 5 países: Lisboa (Portugal), Porto Alegre (Brasil), Barcelona (Espanha), Utrecht (Holanda) e Lodz (Polónia); Escola Ibérica da Paz — A Consciência Crítica da Conquista e Colonização da América (2014), exposições em Santander (Espanha), Manaus (Brasil) Coimbra e Lisboa (Portugal); O Chiado e o Cinema. Do

Artes na Esfera Pública

Cinematógrafo ao Videomapping. Artes na Esfera Pública (2015), exposições em Lisboa (Portugal) e Paris (França); O Chiado, o Carmo eo Coração das Trevas. Artes na Esfera Pública, exposições em Cuenca (Espanha), Paris (França), Lisboa (Portugal) e Lodz (Polónia). > www.isabellopesdecastro.pt Joana Geraldes (1991) Licenciada em Design de Equipamento e Mestre em Desenho pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Exposições coletivas: “O Chiado e o Cinema: Do Cinematógrafo ao Videomapping — Artes na Esfera Pública” no Museu Arqueológico do Carmo (Lisboa) e na Casa de Portugal da Cité Universitaire (Paris), ambas em maio de 2015. “Face to Face — The transcendence of the arts in China and beyond” na Galeria da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, em maio de 2013. Exposições Individuais: “Relevo Particular” na Galeria Só Sabão (Viseu), em setembro de 2014, e na Galeria Municipal do Entroncamento, em abril de 2015. “Exposição / Instalação de gravura” na Biblioteca Municipal Palácio dos Coruchéus (Lisboa), em dezembro de 2014. José Quaresma Santarém, 1965. Licenciado em Pintura pela ESBAL. Mestrado e Doutoramento em Estética e Filosofia de Arte pela F.L.U.L. Expõe pintura, desenho, e gravura desde 1982. Tem coordenado publicações nos domínios da Investigação em Arte; Esfera Digital; Arte Pública; Reprodutibilidade e Tecnologia; Chiado e Património. Tem organizado regularmente Ciclos de Conferências nacionais e internacionais sobre as áreas acima indicadas. Organiza com frequência exposições de Arte Pública, Instalação, Gravura, outras. Participação em Exposições Colectivas. Entre várias exposições: Museu Distrital de Santarém, Santarém, 1982 / Finalistas, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1994 / Europaische Akademie fur Bildende Kunst, Trier, Alemanha, 1995 / Cercle Culturel des Instituitions Européennes,


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Luxemburgo, 1995 / Greenhouse Display, Estufa Fria, Lisboa, 1996 / Jetlag, Salão Nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa, 1996 / X-RATED, Galeria ZDB, Lisboa, 1997 / Casa de Serralves, Porto, 2000 / Galeria Barata, Lisboa, 2004 / Participação na FeiraExposição internacional Estampa, Madrid, 2007 / Bienal de Gravura do Douro, Alijó, 2007 / Exposição Internacional Environmental Art em Rouvas, Creta, Grécia, 2008 / D’Après Nuno Gonçalves, Galeria da FBAUL; 2010 / Printmaking, Installation and Poetry. The Joy of a Reunion. Granada (Espanha), Utrecht (Holanda), Copenhaga (Dinamarca), FBAUL, Lisboa, 2012 / Carmo, Chiado e asAparições de Fausto, Paris, Maison André Gouveia-Casa de Portugal, 2018 / Exposições Individuais. Entre muitas exposições realizadas destacam-se as seguintes: Galeri 44, Bogense, Dinamarca, 1984 / Arbejdensbank, Aarhus, Dinamarca, 1987 / Casa do Bocage, Setúbal. 1996 / Palácio Marquês de Pombal (instalações do I.A.D.E.), Lisboa, 2000 / Casa-Museu José Relvas, Alpiarça, 2001 / Fórum Mário Viegas, Santarém, 2002. Juan Carlos Ramos Guadix (Montefrío, 1962). Licenciado en Bellas Artes por la Universidad de Sevilla y Doctor en Bellas Artes por la Universidad de Granada, ciudad en la que reside e imparte docencia de grabado y litografía como profesor Titular del Departamento de Dibujo de la Universidad de Granada desde el año 1986. Compatibiliza su actividad docente e investigadora con la actividad artística. Publica diversos artículos y libros entorno a los procedimientos gráficos. Ha recibido, entre otros, Premio Nacional de Grabado, Beca de Grabado de la Academia de España en Roma y la Medalla a las Bella Artes Hermenegildo Lanz.
 Su obra se encuentra en distintas colecciones públicas y privadas. Calcografía Nacional, Biblioteca Nacional, Instituto Estatal de Arte de Urbino (Italia), Museo Nacional de Arte Contemporáneo de Santo Domingo, Museo Español de Grabado Contemporáneo, Museo del Hermitage (San Petersburgo), Galería Republicana de Arte

(Bielorusia), Fondos de Caja Madrid, Fondos de Caja Salamanca, Fondos de la UNESCO (París), Fondos del Salón Internacional del Grabado Contemporáneo (Estampa), Colección de Arte Contemporáneo de la Universidad de Granada (España), Universidad de Ciencias de la Educación de Valparaíso (Chile), Ministerio de Asuntos Exteriores, Academia de España en Roma, Columbia College de Chicago. (E.E.U.U), University of Akron. (E.E.U.U), Library of Congress Home — Washington D.C. (E.E.U.U). Magdalena Radziszewska Born in 1993, in Wołomin, Poland. Currently fourth year student of the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź at the Faculty of Graphics and Painting with specialization in intaglio techniques. Her main studio is headed by dr hab. Alicja Habisiak-Matczak. She is the member of the Students Association “Eksperymentarium” uniting students from the Intaglio Techniques Studio and Lithography Techniques Studio. In 2016 she got honorary mention for the work “Okręt” at the International Ex Libris Competition in Gdańsk. She was qualified for post-competition exhibition in the building of Gdańsk Library of Polish Academy of Sciences in Gdańsk. In 2017 she participated in International Printmaking Symposium at the International Art Centre KAUS Urbino entitled “Flash Drawing Tour — Urbino — Fano — Urbania” conducted by prof Witold Warzywoda and dr hab. Alicja Habisiak-Matczak. Participant of numerous print exhibitions, e.g.: „Eksperymentarium i Goście” at the Gallery ASP in Łódź (June 2017), exhibitions at the Students’ Print Gallery „Pomiędzy” (among other Flash Drawing Tour 2013-2017 (November 2017), post workshop exhibition Harenda/Soczewka in 2016, Students’ graphics exhibition at the Gallery ASP in 2016. > mag.radz@gmail.com Małgorzata Bowtruczuk Małgorzata Bowtruczuk was born in Hajnówka, Poland in 1995. She graduated from A.

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CV’s Artistas

Grottger Art High School in Supraśl. She is a student of the Faculty of Graphics and Painting at the Strzemiński Academy of Fine Arts Łódź. She specializes in lithography in Professor Witold Warzywoda’s Lithography Studio. She also studies in dr hab. Alicja Habisiak-Matczak’s Intaglio Techniques Studio and Professor Dariusz Kaca’s Woodcut and Art Book Studio. In 2019 she participated in the ‘Flash Drawing Tour 2019 — Urbino — Fano — San Leo — International Symposium of the Intaglio Techniques Studio’ run by dr hab. Alicja Habisiak — Matczak at the KAUS Urbino International Art Centre in Italy. She participated in the 12th and 13th Competition for Students — ‘Small Graphic Forms’ organised by Amcor Gallery (Łódź, 2018 and 2019). She has also participated in many collective exhibitions in Poland, such as: ‘Eksperymentarium i goście’ (Łódź, 2019) Ł, ‘Wystawa Pracowni Podstaw Grafiki Warsztatowej’ (Łódź, 2017), an exhibition with Wiktor Kabac (Supraśl, 2017), and ‘Wolność Tworzenia, Tworzenie Wolności’ (Supraśl, 2018). > malagosia_B@wp.pl

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Maria Albergaria Curso de pintura decorativa FRESS, Lisboa; Curso de Peintre en Décors, IPEDEC, Paris; Curso de restauro de pintura mural, IADE, Lisboa; Curso regular de pintura do AR.CO, Lisboa. Exposições Colectivas: Exposição de Verão, AR.CO, Almada, 2017; Novos olhares sobre o Côa, Gravura Contemporânea, Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa e Museu do Côa, Foz Côa; Carmo, Chiado e a Respublica Litteraria, Lodz, Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa; Maison André Gouveia, Paris, 2017; Desenhos do São Carlos, Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa e Galeria da Livraria Sá da Costa, Lisboa, 2017; Salão de Primavera, Galeria Espontânea, Lisboa, 2016; Colectiva12X12, Galeria Travessa, Lisboa, 2016. Residências artísticas: Carpe Diem, Lisboa — Junho 2015; Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa — Junho 2016; Foz Côa. As Origens da Arte em Portugal, Foz Côa — Maio 2016; Saída de Campo com Pedro Tropa, Serra da Estrela — Junho 2017. > mariaalbergaria@gmail.com

Artes na Esfera Pública

Maria Mesquitela Lisboa, 1979. Formada em Design de Comunicação, trabalhou como designer até 2011. Em 2012 fazum curso de fotografia Digital no Instituto Português de Fotografia e começa a trabalhar como fotografa comercial, escolar e de lifestyle. em 2014 faz uma formação pontual de Iluminação e retrato, e de 2017 a 2019 termina o curso avançado de fotografiado ar.co. EXPOSIÇÕES: 2018 FOLHA, exposição colectiva em Marvila, 2018 INFINITO, instalações do Ar.Co — Antigo Mercado de Xabregas; 2018 DIAPORAMA, colectivo alunos de fotografia e cinema do Ar.Co, Sala Polivalente Colecção Moderna Fundação Calouste Gulbenkian; 2019 SPACE AND PLACE, Fundação Oriente, Casa Garden em Macau. > www.mariamesquitela.com Marta Marilli Marta Marilli is born in Florence in 1999. She graduates in Painting and Sculpture from the Artistic High School P. Petrocchi, Pistoia(Italy)in 2018. Currently she is studding at the Academy of Fine Arts of Florence in the Department of Printmaking. In 2016 takes part of the 50th anniversary of the Artistic High School P. Petrocchi, Pistoia(Italy) and in the Biennial of art organized by the school. In 2018 she participates in “Premio Fernando Melani”, Pistoia, Italy. Melania Lanzini Melania Lanzini basa la sua ricerca nell’ambito della grafica, della performance, della video art e della cine-installazione di forte impatto visivo e sonoro in cui il corpo è al centro dell’attenzione. Nel lavoro grafico, l’artista fa uso di video stills ed impronte generate dal contatto diretto del corpo sui materiali tipici della calcografia, nonché l’uso di utensili come punte e lame contribuisco ad accrescere il forte contatto tra lavoro grafico e performance. Melania Lanzini ha trascorso un lungo periodo negli Stati Uniti approfondendo la sua ricerca nelle metodologie transmediali come la stampa Risograph. Ha insegnato Installation and Performance presso la


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Western Michigan University negli Stati Uniti. Dal 2010 è Art Director e CEO di Flocence School Fine Arts. Dal 2018 è co-ideatrice del progetto ArnoRiverPress, edizioni di pregio a tiratura limitata di libri d’artista. Melania Lanzini è inoltre professore di Serigrafia per il biennio di specializzazione presso l’Accademia di Belle Arti di Firenze. Le sue opere sono state esposte in gallerie e musei d’arte contemporanea nazionali ed internazionali. Di lei si sono occupate riviste specializzate come Flash Art, Tema Celeste, Kult Magazine. Tra le sue mostre ricordiamo: Through, Nordic Art Center, Helsinki 1996 e presso Museion di Bolzano; La Bona Mors, Galleria La Corte Arte Contemporanea, Firenze 1997. Michał Czuba Born in 1991 in Piotrków Trybunalski. Since 2013 he has been studying Painting at the Faculty of Graphics and Painting, at the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź. Second Prize winner at Strzemiński Competition of Fine Arts 2017, Finalist of Nowy Obraz/Nowe Spojrzenie Painting Competition 2017 in Poznań. First Individual Exhibition “Michał Czuba Portait” in Lunan Gallery in Łódź. In 2017 he participated in the FLASH DRAWING TOUR — Urbino — Fano — Urbania — International Symposium of the Intaglio Techniques Studio at the KAUS Urbino International Art Centre. Organizer and curator of Young Painters’ Exhibition “Wesołe Pędzelki” in postindustrial factory space in Łódź 2017. Participant of National Symposium at the Artistic University Centre of Culture and Art “Dwór Kossaków”, Górki Wielkie 2016 and if the Drawing Contest at the Vilnius Academy of Arts. Participant of many exhibitions in Poland and abroad. Took part in many open-air painting workshops. He specializes in painting and lithography techniques. > czuba.ml@gmail.com Michał Wasiak Michał Wasiak was born in Łódź, Poland in 1997. He is a fourth year student of the Faculty of Fine Arts at the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź, where he specializes in

intaglio techniques focusing on mezzotint. He attends two printmaking studios: dr hab. Alicja Habisiak Matczak’s Intaglio Techniques Studio and Professor Witold Warzywoda’s Litography Techniques Studio. He has participated in numerous print exhibitions, e.g. : ‘The 50th Yokosuka Peace Exhibition of Art’ at Yokosuka City Gallery (2019), several collective exhibitions in Łódź, e.g.:, ‘Eksperymentarium i goście’ or ‘Hommage à Łódź’ (2019). His works have been presented on an indyvidual exhibition ‘Michał Wasiak — Portrait and Landscape — Deformations’.In 2019 he took part in the Printmaking Symposium ‘Flash Drawing Tour 2019 — Urbino — Fano — San Leo’ run by dr hab. Alicja Habisiak-Matczak and Giuliano Santini. He won the 1st prize of the 13th Competition for Students ‘Small Graphic Forms 2018’ organized by Amcor Gallery in Łódź. > m.w.wasiak2@gmail.com Natalia Iwanicka Natalia Iwanicka was born in Kielce in 1995. She is an aspiring artist, a last-year student of the Faculty of Graphics and Painting at the Strzemiński Academy of Fine Arts Łódź. In 2019 she took part in the ‘Flash Drawing Tour 2019 — Urbino — Fano — San Leo’ printmaking symposium run by dr hab. Alicja Habisiak — Matczak. She has participated in such exhibitions as ‘Copies of the Icon Champions’ (Łódź 2019), ‘DC Comics in Łódź’ (Łódź, 2019), ‘Harenda Post Plein Air Exhibition’ Łódź, 2018), ‘Harenda Post Plein Air Exhibition’ (Łódź, 2017), ‘Poster Exhibition’ (Book Art Museum in Łódź, 2015). > niqa122@gmail.com Neide Carreira 1992, Leiria, Portugal. Licenciatura de Desenho, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Exposições: GAB-A, Faculdade de Belas Artes, Lisboa, 2017; 2ª Edição Prémio Paula Rego, Casa das Histórias Paula Rego, Cascais 2017; Ateliers Abertos, Faculdade de Belas Artes, Lisboa 2017; Bienal Terras Gauda, Estación Marítima de

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CV’s Artistas

Vigo, Estación Marítima de, Vigo, 2017;12x12, Galeria da Graça, Lisboa, 2017. Nicoleta Sandulescu Moldávia, 1994. Vive e estuda em Lisboa na Faculdade de Belas — Artes da Universidade de Lisboa. Licenciatura em Pintura. Actualmente a tirar o Mestrado em Pintura. Exposições: 2015 — Exposição coletiva no evento 12 x 12, Atelier da Travessa, Lisboa; 2015 — Exposição individual no Mosteiro dos Capuchos, Lisboa; 2016 — Exposição coletiva nas Galerias Abertas das Belas-Artes (10ª edição) — Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa; 2016 — Exposição colectiva na Casa das Histórias — Paula Rego, Cascais; 2017 — Exposição individual de gravura Gravura bichos e engenhos — Faculdade de Belas Artes, Lisboa; 2017 — Exposição Coletiva de Artes Plásticas — Centro Cultural de Cascais; 2017 — Exposição individual de desenho Singularidade Múltipla — M.U.S.A; 2017 — Exposição coletiva de gravura Novos Olhares sobre o Côa — Museu do Carmo, Lisboa; 2017 — Exposição coletiva de gravura Novos Olhares sobre o Côa — Museu do Côa, Vila Nova de Foz Côa; 2017 — Exposição Coletiva de Artes Plásticas — Centro Cultural de Cascais. Colaborações: 2016 — Ilustração de Uma Via Láctea de Galos de António Lobo Antunes; 2017 — Ilustrações para a revista PISEAGRAMA — Brasil. Prémios e Distinções: 2016 — 1 º Prémio de Pintura mural Viva a Rua Diogo Tomé, Portimão; 2016 — 1º Prémio no Concurso Infante D. Luis As Artes — Salvaterra dos Magos; 2017 — 1º Prémio no Concurso Rainha Isabel de Bragança — Casino Estoril, Cascais; 2017 — Menção Honrosa no Concurso Infante D. Luis As Artes — Salvaterra dos Magos; 2017 — 1º Prémio da 2.ª edição do Prémio Paula Rego-Cascais.

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Olga Żukowska Born on 22.08.1993 in Kutno. Graduated from T. Makowski High School in Lodz. Currently a 5th-year student at the Strzemiński Academy of Fine Arts in Lodz, at the Faculty of Graphics and Painting. She attends four printmaking

Artes na Esfera Pública

studios: Lithography Studio (prof. W. Warzywoda), Serigraphy Studio (prof. A. Stępień), Mixed Media studio (prof. S. Ćwiek), Intaglio Techniques Studio ( dr hab. A. Habisiak-Matczak ). She participated in the International Graphic Symposium ‘Flash Drawing Tour 2016’ at the KAUS International Art Center in Urbino, Italy. Awards: 10. Student Graphic Biennale in Poznan 2017 — Award Maria Curie-Sklodowska University in Lublin; XXXIV Contest Wladysław Strzeminski — Fine Arts 2017 — Arterie Quarterly Award; 11. Competition for Small Graphic Form — special prize; Stipend of the Ministry of Culture and National Heritage for outstanding achievements 2017/2018. Participant of many group exhibitions. > zukowska.olga@gmail.com Orlando Farya Vitória ES (1957), Brasil. Licenciado em Artes Plásticas/arte-educação (UFES); Especialista em Políticas Públicas (UFES); Especialista em Conservação de bens culturais Móveis (UFRJ); Especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil (PUC-Rio); Mestre em História Social da Cultura PUC-Rio); Doutor pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Professor adjunto do Centro de Artes da Universidade Federal do ES. Brasil. Desde os anos 1980 participa em exposições individuais e coletivas, salões de arte, festivais de cinema e vídeo no Brasil e no exterior. No Brasil: Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Bahia, Rio grande do Sul, Minas Gerais, Maranhâo, Paraná. Brasília. No exterior: Portugal, EUA, Cuba, Alemanha, França, Espanha, Nova Zelândia, Polônia. Reino Unido. Chile. > landovix@gmail.com Oskar Gorzkiewicz Born in 1988 in Koluszki, Poland. Graduate of the Tadeusz Makowski Art High School in Łódź. He was awarded Bachelor’s degree at the Faculty of Architecture of Textile on Technical University of Łódź. Between 2009 and 2014 and studied at the Department of


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

Graphics and Painting of the Władysław Strzemiński Academy of Fine Arts in Lodz. In September 2014 he got a diploma in the Studio of Intaglio Techniques headed by Professor Krzysztof Wawrzyniak. In 2012 and 2013 he participated in International Printmaking Symposium at the International Centre for Artistic Engraving KAUS In Urbino in Italy. In 2013 he took artistic residency at GEDOK Association in Stuttgart in Germany. After graduation since 2014 he was teacher’s assistant at the Department of Graphics and Painting and at the International Summer Courses — Printmaking and Textile Art held at the Academy in Łódź. In 2015 has begun PhD studies at Academy of Fine Arts in Lodz. Currently he is teacher’s assistant at Intaglio Techniques Studio headed by associate professor Alicja Habisiak-Matczak. Participant of numerous international print exhibitions in Brazil, Germany, Italy, Japan, Norway, Poland, Spain, Sweden and USA. Author of 6 individual exhibitions in Poland and Germany. Winner of many awards, among other winner of the second Prize at the 44th International Print Award Carmen Arozena, 2016 in Madrid, Spain. > oskargorzkiewicz@gmail.com Paola Boscaini Paola Boscaini is born in Trento on 21 July 1997. Her interests embrace many branches, spanning from painting to printmaking, including some projects of video making and photography. Currently she is taking part in the Feroci project, collaboration between the Aca¬demy of Fine Arts, the DIDA of Florence and the SILPAKORN University of Bangkok. In 2019 she is selected for the 11th Edition of the International Biennial of Graphic Art “City of Monsummano Terme”, she participates in the workshop “Il terzo paradiso” by Michelangelo Pistoletto, curated by Francesco Saverio Teruzzi, in San Quirico d’Orcia and wins the prize “Best film Spazio Giovani Accademia” within the 6th Edition of the Firenze Film Corti Festival for the short film “Riflessi Estranei”. In April 2018: participates in the Art Residence by Stefan

Pente and Wiliam Locke Wheeler at the Inter-University Center for Dance (HZT), Berlin. Paulo Lourenço Lisboa. (1965). Em 2016, concluiu o Mestrado em Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Desde 2001 participou em mais de cem Exposições Colectivas em Portugal, Brasil, África do Sul, França, Espanha, Itália, Dinamarca, Holanda, República Popular da China, Polónia e Japão. EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS: 2017-Lisboa, (Espaço Passevite) “O lugar onde…” 2016-Lisboa, (Galeria Diferença) “Brancos, de um só lugar” 2015-Proença-a-Nova, (Galeria Comendador João Martins) “Encruzilhadas”, Pintura/Gravura. 2014-Lisboa, (Galeria Abraço), “Crossing Lines”, Pintura. 2009-Proença-a-Nova, (Galeria Comendador João Martins) “Crossover”, Gravura. Lisboa, (Galeria Diferença) “Genius Loci”, Pintura. 2008-Lisboa, (Associação de Gravura Água Forte) “Ambientes-Feéricos”, Gravura. 2006-Évora, (Galeria Teoartis) “Desigual”, Gravura. Lisboa, (Galeria Diferença) “Entre Variáveis”, Gravura. PRÉMIOS: 2015 Espanha, Cáceres, 1º Premio da Bienal Iberoamericana de Obra Gráfica Ciudad de Cáceres. 2009 Beja, Menção Honrosa, (Museu Jorge Vieira), XVII Concurso/Exposição Galeria Aberta. 2007 Lisboa, Medalha de Bronze do I Salão de Artes Plásticas de Portugal. Beja, Menção Honrosa, (Museu Jorge Vieira), XV Concurso/Exposição Galeria Aberta. 2004 Évora, Prémio Exposição Individual do 4º Festival Internacional de Évora — Bienal Internacional. REPRESENTAÇÕES: Holanda, Amesterdão, Vereniging Voor Originele Grafiek, (VOG). Portugal, Lisboa, Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo. República Popular da China, Museu das Ofertas sobre a Transferência de Soberania de Macau. Japão, Okinawa, Sakimi Art Museum. Representado em colecções privadas em Portugal, Brasil, Espanha, Holanda, Polonia e Japão. Ramón Freire Santa Cruz Profesor de Grabado en la Facultad de Bellas

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CV’s Artistas

Artes de Cuenca. Universidad de CasGlla-La Mancha. Doctor en Bellas Artes con mención europea por la Universidad de Granada. Candidado a Doctor, por la Facultad de Humanidades e Historia del Artes de la Universidad de Jyväskylä (Finlandia). Desde 2015, es el Director Académico del Centro de IniciaGvas Culturales la Universidad de CasGlla-La Mancha. Profesor en el Master en Medios de Impresión Gráfica, Ilustración y Acuñación ArZsGca. Real Casa de la Moneda. Madrid. Cofundador del proyecto editorial la CajaGrafa. Compagina su acGvidad como arGsta, con la acGvidaddocente e invesGgadora. Ha recibido numerosas becas de diferentes centros e instituciones de ámbito nacional e internacional por su acGvidad invesGgadora, la cual, desde años viene desarrollando sobregrabado y nuevos procedimientos menos tóxicos. De igual modo, manGene diferentes proyectos de investigación dentro de este ámbito de estudio. Como artista ha participado en numerosas exposiciones tanto colectivas e individuales a nivel nacional e internacional y ha participado en diferentes proyectos artisticos. Sus obras están presentes en centros y organímos públicos y privados entre los que destacan; Universidad de Huafan en Taipei (Taiwan), Corkpritmaker (Irlanda), Honor Meyers Collegue de OHIO (EEUU), Jyväskylä Centre of Printmaking (Finlandia), HIAP (Helsinki), Colección CAAC-Universidad de CasGlla-La Mancha, Departamento de Dibujo-Universidad de Granada. Colección de Arte Contemporáneo de la Universidad de Granada, Escuela de Artes y Oficios de Sevilla. Pabellón de Chile, Ayuntamiento de Urbino. Italia, Academia de Bellas Artes de Vilnius. Lituania, Academia de Bellas Artes de Poznan. Polonia, Academia de Humanidades y Económicas de Lodz (Polonia).

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Rita Castro Rita Castro nasceu em Sintra em 1979.Frequenta a licenciatura de Pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa. Participa em exposições coletivas desde 2011, destacando-se: Escola Ibérica da Paz, Lisboa, Rio de Janeiro (2014); Face to face — The transcendence of

Artes na Esfera Pública

the Arts in China and Beyond, Galeria Fbaul, (2013); Gravura, Instalação, Poesia: Alegria de um reencontro, Granada, Utrecht, Copenhaga, Londres, Lisboa (2012); Repensar o Chiado, capela da Fbaul e Café Chiado; exposição de Tapeçaria Contemporânea ARTLab Futuro no museu de tapeçaria Guy Fino, Portalegre; Provas Contraprovas e outros testemunhos, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa (2011). Sandra Kiepel Sandra Kiepel was born in Łódź, Poland in 1996. She is a fifth year student of the Faculty of Graphics and Painting at the Strzemiński Academy of Fine Arts Łódź, specialising in drawing and illustration. She attends dr hab. Alicja Habisiak Matczak’s IntaglioTechniques Studio. She participated in the ‘FLASH DRAWING TOUR 2019 — Urbino — Fano — San Leo — International Symposium of the Intaglio Techniques Studio’ at the KAUS Urbino International Art Centre in 2019. Her works often present alien and dark imaginary worlds, usually combining organic and mechanical forms. > sandra.kiepel@gmail.com Simão Martinez Lisboa (1993) Licenciatura em Desenho na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Participa em exposições individuais e colectivas desde 2011, tendo colaborado com vários museus e fundações, estando representado também em colecções provadas em vários países da Europa, e também no Acervo de Gravura Contemporânea da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Trabalhou como compositor e produtor de música antes de enveredar profissionalmente pelas Artes Visuais. Trabalha como designer e ilustrador freelance para algumas start-ups portuguesas, como a Cais 16 Craft Gallery, em Cascais, e a Forbidden Clouds, em Lisboa. Exposições Individuais: 2013 — Lisboa (Centro Nacional de Cultura — CNC),“Prosas Desfocadas”; 2017 — Cascais (Cais 16 Craft Gallery), “Desforma”; Exposições Colectivas: 2016 — Lisboa (ZDB -Galeria Zé dos Bois)


Entre o Chiado, o Carmo e Paris

“Feira Morta VIII”; 2017 — Lisboa (Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa) “GAB-A: Galerias Abertas da Faculdade de Belas Artes”; 2017 -Lisboa, Vila Nova de Foz Côa (MAC — Museu Arqueológico do Carmo/Carmo Museum; Museu do Côa) “Novos Olhares Sobre o Côa: Exposição de Gravura Contemporânea”2017 — Cascais, (CHPR — Casa das Histórias Paula Rego) “Prémio Paula Rego 2017”; 2017 — Lisboa (Galeria Arte Graça), “12x12 2017”. Prémios: 2007 Portugal — Espanha, 1º Prémio “Prémio Ibérico de Pintura Royal Talens/El Corte Inglês 2007”; 2016 — Portugal, 2º Prémio “Amadora BD 2016: Concurso Nacional de Banda Desenhada”, Amadora BD: Festival Internacional de Banda Desenhada; 2017 — Cascais “Prémio Paula Rego 2017”. Sofia Campilho Formação: 2003/4 Curso de técnico de pintura decorativa pelo Instituto Ricardo Espírito Santo. 2004/6 Aulas de pintura com o retratista Luís Guimarães. 2006/2008 Frequência do curso superior de artes plásticas (até ao 2º ano) ESAD Caldas da Rainha. 2013/14 Aulas de pintura com o Professor José Quaresma. Desde 2014 a frequentar o curso de pintura do Ar.co. Exposições Coletivas: 2015 Exposição de Outono I — Ar.co, Quinta de S. Miguel, Almada. 2015 Exposição de Outono II — Ar.co, Livraria Sá da Costa, Lisboa. 2015 Exposição colectiva 12x12. Galeria travessa, Lisboa. Susana Carvalho Lisboa, 1990. Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL). Actualmente, encontra-se a frequentar o Mestrado em Ensino em Artes Visuais no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (IE). Tem participado em exposições colectivas e eventos desde 2010, sendo estes decorrentes no respectivo ano: Bienal de Arte Jovens VaLoures’09, Galeria Municipal Vieira da Silva, Lisboa; 2011: International Dinosaur Illustration Contest, GEAL, Lourinhã; 2012: Children’s Book Fair, Bologna; 2013: The Rape of Europe, exposição simultânea em: Galeria da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa/ Utrecht/

Barcelona/ Porto Alegre/ Lodz; 2014: La Escuela Ibérica de la Paz — La Conciencia Critica de la Conquista y Colonización de America, exposição itinerante em: Santander/ Manaus/ Coimbra/ Rio de Janeiro; XXVII Salão de Primavera / Prémio Rainha Isabel de Bragança, Galeria de Arte do Casino Estoril, Estoril; 7th International Printmaking Biennial of Douro 2014, Museu do Côa, Vila Nova de Foz Côa; Rhinos Are Coming: A story that changed history, exposição simultânea em: Lisboa (Torre de Belém, FBAUL e Goethe Institut)/Cape Town/ Lodz/ Porto Alegre; 2015: Artis 2015, Galeria de Arte do Casino Estoril, Estoril; Exposição Finalistas de Pintura 13´14, Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa; 2nd Global Print, Museu do Côa, Vila Nova de Foz Côa. Prémios: Menção Honrosa em XXVII Salão de Primavera / Prémio Rainha Isabel de Bragança, Galeria de Arte do Casino Estoril, Estoril. Suzana Azevedo Doutoranda em Pintura pela Universidade de Lisboa, mestra em Poéticas Visuais pela Faculdade Santa Marcelina (São Paulo, 2012) e licenciada em Educação Artística — Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco (2002). É membro efetivo da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap — Brasil). Desenvolve pesquisas em Poéticas Visuais e tem realizado diversas atividades na área, como as recentes exposições Impressões, realizada no Museu do Estado de Pernambuco, em 2014; Sala de (re)tratos, organizada na Galeria Arte Plural, no ano de 2018, em Pernambuco — Brasil) e Corporeoextracorpóreo, realizada no Museu do Carmo, em Lisboa, em março de 2020. Tomasz Matczak Born in 1977 in Lodz. Between 1997 — 2002 he studied at the Graphics and Painting Department of the Strzeminski Academy of Fine Arts in Lodz. In 2003 he got his diploma at the Studio of Lithographic Techniques at the same academy. Since 2004 teacher’s assistant at Professor Witold Warzywoda’s Studio of

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CV’s Artistas

Lithographic Techniques. In 2012 he realized a research on the application of acrylic polyester plates in planographic print. Since 2014 participant of many national scientific conferences dedicated to lithography: in 2014 scientific conference organized by the Academy of Fine Arts in Gdańsk, in 2015 at the Leon Wyczółkowski Regional Museum in Bydgoszcz and in 2015 and 2016 conferences at the University in Rzeszow. In December 2014 he realised his doctorate entitled “The Elements — a Series of Prints Inspired by Landscape in the Planographic Techniques” and obtained the title of doctor of arts. He is the author of five personal exhibitions in Poland and in The Netherlands. He specializes in lithography, digital print, painting, photography and graphic design. He participated in over sixty national and international group exhibitions of printmaking in Poland and abroad, such as Percorsi dell’incisione contemporanea: da Lodz a Urbino, Casa natale di Raffaello — Bottega Giovanni Santi, Urbino, Italy; (2005); XII Biennale Internationale de la Gravure et des Nouvelles Images, Sarcelles — Val, France (2005), The 40 th Yokosuka Peace Exhibition of Art, Yokosuka, Japan, (2009); January’s Mist, Gallery ISBE in Edmonton, Canada, 2014. His works are in the collections of institutions in Poland, Italy, Japan and private collections in Europe and USA. > to-mash@wp.pl

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Weronika Walisiewicz Born in 1994 in Łowicz. Currently studies at the Strzemiński Academy of Fine Arts in Łódź at the Faculty of Graphics and Painting, specializing in the Intaglio Techniques Studio. In 2016 she participated in the FLASH DROWING TOUR — Urbino-Fano-San Leo — International Symposium of Students of the Intaglio Techniques Studio at the KAUS Urbino International ART Centre in Italy conducted by prof. Witold Warzywoda and dr hab. Alicja Habisiak-Matczak. In 2016 she got the award at the 10th Competition for The Small Graphic Form organized by Amcor Gallery in Łódź. In 2016 she participated

Artes na Esfera Pública

in the exhibition Pokolenia — Łódź School of Graphic Arts, International Centre of Graphic Arts in Cracow and in 2017 she took part in the exhibition entitled “We, heirs to Kobro?” at the Kobro Gallery of the Academy in Łódź. > walisiewicz.wkk@gmail.com Witold Warzywoda Witold Warzywoda was born in Łowicz in 1956. In 1976-1981 he studied at the State Higher School of Fine Arts in Lodz, the Faculty of Graphic Arts and Painting. He obtained a diploma in artistic graphic arts in the Studio of Lithographic Techniques run by Professor Jerzy Grabowski, in the Studio of Woodcut Techniques run by Professor Andrzej Bartczak and in the Studio of Drawing run by Professor Leszek Rózga. He was employed in the Studio of Lithography since May 1981. He obtained the qualification for the position of an Assistant Professor of the 1st degree after in 1992, and the qualification for the 2nd degree in fine arts — in the field of artistic graphic arts in 2000. Since 2004 he has been the head of the Studio of Lithographic Techniques in the position of an Associate Professor. Since 2008 he has been the head of the part-time studies at the Faculty of Graphic Arts and Painting. Since 2013 he has been running a course in the field of lithographic techniques within the framework of the International Summer Courses — Printmaking and Textile Art, held by the Academy in cooperation with KAUS Urbino. He participates in symposia and graphic conferences that promote the art of lithography. Since 1996 he has been running Amcor Gallery and has been a curator of the Competition of Small Graphic Forms for the Academy students. He mainly deals with colour lithography. He is the author of designs of numerous artistic publications. > witold.warzywoda@wp.pl > www.witoldwarzywoda.republika.pl


Esta publicação oscila entre dois títulos muito significativos: por um lado, no seu início, podemos ler Art français, Art Portugais. Un Dialogue de neuf siècles, de José-Augusto França, notável historiador de arte e olisipógrafo que sempre se mostrou inteiramente disponível para apoiar e colaborar no nosso projecto. Do outro lado, como texto final, Ngā whakaekenga: An invasion… or? A letter to Chiado, de Mark Harvey, Professor de Artes Performativas da Universidade de Auckland, Nova Zelândia. O que se pretende simbolizar com estas duas referências diametralmente opostas do globo, de culturas tão distintas e distantes é, a par da representatividade muito alargada do projecto Chiado / Carmo / Paris, o espírito inerente às actividades desenvolvidas pela Casa de Portugal — André de Gouveia (instalada na Cité Universitaire de Paris), que se caracterizam pela grande diversidade cultural, artística e científica. É com este entendimento da persistente criação de encontros civilizacionais e artísticos que os responsáveis pela Direcção da Casa de Portugal, da Cátedra Lindley Cintra da Universidade Paris Nanterre e do Leitorado de Português da Universidade Paris 8 Vincennes-St. Denis, do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua, têm recebido as propostas que anualmente lhes faço chegar para manter vivo o enlace Chiado / Carmo / Paris. Por este motivo, foi com enorme prazer que acolhi o desafio/convite da Doutora Ana Paixão e do Doutor José Manuel da Costa Esteves para organizar esta obra, na qual estão contemplados sete anos consecutivos de parceria institucional e de trabalho, designadamente com produção de textos submetidos a temas específicos, exposições de arte, realização de conferências, performances, ou criações videográficas.


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