Política

Morreu Otelo Saraiva de Carvalho

Otelo Saraiva de Carvalho (1975)
Otelo Saraiva de Carvalho (1975)
Rui Ochôa

Desapareceu um dos principais rostos do 25 de abril. Nascido em 1936, Otelo Saraiva de Carvalho nunca foi uma figura consensual. Foi um coronel, foi um nome associado às FP25. Foi um preso, foi um amnistiado

Morreu Otelo Saraiva de Carvalho. Nascido em 1936, em Maputo, Moçambique, é um dos rostos do 25 de abril de 1974. Morreu este domingo, 25 de julho.

A notícia da morte de Otelo - o homem que quis ser ator, mas acabou por ser uma figura representada por atores - foi avançada pela TSF e, entretanto, já confirmada pelo Expresso.

Morre, assim, um dos principais rostos do Movimento das Forças Armadas (Movimento dos Capitães). A sua casa foi um dos centros de onde fervilhou a luta contra o regime ditatorial que se viva em Portugal. Ali, realizaram-se encontros e reuniões que delinearam os esforços de combate ao regime.

Foi Otelo quem desenhou as operações militares que acabaram com o cerco ao Largo do Carmo, em Lisboa, no dia em que Marcello Caetano se rende a António Spínola (que ligou a Otelo a pedir autorização para ser ele a "receber o poder").

Otelo integrou o Conselho da Revolução, e esteve no Processo Revolucionário Em Curso (PREC). Foi comandante do Comando Operacional do Continente (Copcon) até ao 25 de novembro de 1975. Acabou preso por três meses pelos seus atos considerados mais violentos, mas saiu da prisão, e foi então que se candidatou à presidência.

Saiu derrotado nas duas eleições a que concorreu por Ramalho Eanes. Na primeira eleição para a presidência no pós-25 de abril, em 1976, Otelo foi o segundo mais votado, com mais de 16% dos votos. Na segunda vez, já alcançando menos de 2% dos votos.

Foi a posterior ligação às FP25 (Forças Populares), organização terrorista de extrema-esquerda, responsável por mortes no país, que lhe deu uma história distinta de outros capitães de abril. Otelo acabaria preso, mas sempre negando ser o seu líder. Pelos crimes imputados, que o levaram a estar detido por cinco anos (ainda que a condenação tenha sido para o triplo do tempo), acabou amnistiado por decisão da Assembleia da República.

“Continuo a considerar que a revolução portuguesa, apesar dos excessos que foram cometidos por todos, foi um êxito”, disse ao Expresso em 2014.

Na biografia escrita por Paulo Moura “Otelo, o Revolucionário”, é revelada a sua bigamia – é esse o tema que é tratado na pré-publicação feita em 2012 pela revista Visão. “Sente-se bem em família. Tanto, que tem duas. Casou cedo, com uma colega de liceu. Mais tarde, na prisão, teve outro amor. Não foi capaz de abandonar a primeira mulher, nem a segunda”. “Otelo assume as suas duas mulheres”. “De segunda a quinta vive numa casa; sexta, sábado e domingo passa-os na outra".

Em 2012 foi também o ano em que disse que Portugal poderia precisar de intervenção militar porque defendia que, naquela altura da intervenção da troika, havia uma “submissão grande em relação à grande potência atual da Europa que é a Alemanha”. “Quando há perda de soberania, perda de independência nacional, as Forças Armadas têm de atuar”, disse, acrescentando que deveria haver uma “operação militar que derrube o Governo que está em funções”. As afirmações levaram a uma queixa no Ministério Público, que acabou arquivada por serem reflexo da liberdade de expressão.

No ano passado, depois de ter estado no hospital, por insuficiência cardíaca, falou com a revista Visão, antecipando que a força anímica e física não era já a dos idos anos. “Oh pá, sempre pensei que ia durar até aos 100 anos, mas já estou a ver que, por este andar, não vai ser possível nem é negociável…”. Morreu a um mês de completar os 85 anos. E ainda a três anos do 50.º aniversário do 25 de abril.

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